Linguagem
De Dicionrio de Potica e Pensamento
Edição feita às 23h37min de 1 de fevereiro de 2025 por Profmanuel (Discussão | contribs)
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- Pela linguagem não podemos perguntar, a não ser já vigorando nela. Vigorar nela é deixar advir toda coesão e coerência da linguagem do silêncio... morte de todas as falas. Do silêncio só podemos dizer que vigora, não o que é. A morte não é o silêncio vigorando? O sentido da morte é o mesmo sentido silêncio? Tentar responder a esta questão é deixar-se tomar pelo vigorar da essência da linguagem. E então percebemos como jamais podemos reduzir a linguagem a qualquer língua.
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- 1ª) Comunicacional/informacional: é a concepção da língua como meio e instrumento. Ela então se reduz a um código relacional-funcional.
- 2ª) De conhecimento / conceitual: é a linguagem enquanto representação, pela qual se dá uma tensão entre o significante e o significado em relação ao referente. Predomina o conteúdo, daí tornar-se lógico-conceitual, até porque se depreende da sintaxe.
- 3ª) Poético-ontológica: é a phýsis se manifestando em seu sentido de realização e plenitude, inesgotavelmente, pois constitui o sentido do ser. As duas primeiras presidem à concepção do código genético como "linguagem universal da vida". Mas aí interfere algo fundamental: a) a relação parte/todo e todo/parte, ou seja, as duas concepções: mecanicista e sistêmica, onde se dá a questão da sintaxe lógico-formal; b) a sintaxe poético-ontológica. Como se dá a tensão entre linguagem e sintaxe? O que podemos compreender por linguagem poético-ontológica é a contraface da phýsis, da realidade realizando-se, acontecendo em seu sentido. Este sentido é o lógos, a linguagem. Mais apropriadamente diremos: Sentido do Ser. Ela precisa ser pensada a partir do que o pensador Heráclito diz do lógos: "Auscultando não a mim, mas ao Logos, é sábio concordar : tudo é um" (1). Para avaliar a importância da linguagem como logos temos também de pensar o que diferencia o ser humano de todos os outros entes. Isso nos é dito por Heráclito quando diz: Dzoion logon echon. O Logos é que diferencia e faz com que o ser humano, o homem, seja propriamente o que ele é.
- Referência:
- (1) HERÁCLITO. Fragmento 50. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.
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- A linguagem fala. O logos fala. Quando a linguagem fala, o que advém e acontece como e na palavra da linguagem? O próprio ser e não-ser como linguagem é fala na e como palavra. Nesta, mais fundamental do que a fala é a escuta. A palavra diz da nossa liminaridade, o estarmos já ontologicamente jogados no entre: jogar no entre se diz em grego pará-ballein, de onde se forma o termo português parábola e desta se originou palavra.
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- A importância da ação/poíesis e do próprio corpo como linguagem viva e não como um corpo que fala ou escreve a partir de um código, pois o gesto e a música falam como linguagem sem, no entanto, serem fala de língua, está no fato de que a linguagem e a ação/poíesis, em sua referência, sempre se colocam como questão. Esta precede qualquer conceito, pelo simples fato de que só por já se falar/agir é que se pode tentar conceituar a linguagem. Por isso é impossível compreender a linguagem originariamente como um produto social. A linguagem é co-originária ao homem e à sociedade. Linguagem é mundo e mundo é o solo natural do social. Não há homem nem sociedade sem diálogo, porque não há diálogo sem o logos: linguagem, mundo e memória. Como o agir/linguagem não se restringe à fala / escrita, ele deve ser apreendido no agir/corpo/linguagem, chegando-se a uma conclusão simples de que homens e corpo são uma e mesma questão. E de que qualquer definição e conceito de corpo já é precedido pela ação/corpo/linguagem. Com isso se desfaz qualquer delimitação universal abstrata e então somos lançados na ambiguidade da questão.
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- Linguagem é fazer da experienciação do nome/verbo "ser" a poíesis e o éthos (ato ético).
- Diz Heidegger:
- "J- Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala.
- P- Sim, a essência da linguagem não pode ser nada linguístico. É o que também acontece com a formulação 'casa do ser' " (1).
- Por isso, não se pode ligar só o lógos à linguagem. Comparece com igual valor e vigor: poíesis, éthos (lugar: sintaxe), linguagem / ser, phýsis. É o âmbito da poíesis, éthos e logos, enquanto alétheia, que configura a linguagem. Por isso, a linguagem dos linguistas é um conceito lógico e abstrato, e jamais poético.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.
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- Assim como cada rito não realiza o mito, do mesmo modo cada língua não realiza a linguagem, daí advêm duas consequências: 1ª) toda palavra é insuficiente para dizer a realidade, embora ela só nos advenha como linguagem; 2ª) o poeta diante dessa dissimetria tensional opta pela negação e pela ambiguidade. Esses são os princípios da ironia e de toda poíesis. E nisso consistem a libertação nossa e a do poeta, pela qual articula a liberdade negativa e positiva para realizá-la ontologicamente, na medida em que responde e corresponde à linguagem. Ser livre é responder e corresponder à linguagem.
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- O tentar dizer o que é a linguagem sempre acaba num limite, num paradoxo: não posso delimitá-la nem dizê-la toda, porque eu já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é impossível delimitá-la. A linguagem é questão e esta é maior do que o homem. Minhas possibilidades vêm dela, até para poder dizer o que é. Aí surge o paradoxo: a melhor forma de apreender o que é a linguagem é pela fala do silêncio. Por isso, na linguagem cotidiana há uma força oculta que pode eclodir inesperadamente. Na fala cotidiana, a linguagem-tempo se faz sempre presente como eclosão ou como repetição, como algo habitual. O silêncio como medida da linguagem é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do ensino da gramática, só se pensa a linguagem como meio, mensagem, mediação. Isso é verdadeiro, mas ela é muito mais. O pensar a linguagem como ambiguidade diz que a realidade inerente à linguagem é tanto o que se dá como o que se retrai, a linguagem é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda, vela. Por isso, não pode haver fala sem escuta. Esta não é a submissão à fala, mas a possibilidade de toda fala. Na escuta, podemos ser mais: a abertura para o silêncio, o vigor de toda fala. Reforçando a linguagem cotidiana e seu duplo agir (como meio e como manifestação, como fala e como silêncio), podemos afirmar que o vigor do silêncio comparece no pensamento dos pensadores, na poesia dos poetas e na convivência dos homens.
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- O povo grego só experienciou a democracia porque experienciou profundamente a palavra e, com a palavra, o poder da palavra. O poder da palavra enquanto vigor da linguagem é sempre ético. Por isso, é impossível pensar a democracia sem a linguagem. Isso no tempo dos gregos e hoje, mas mais no tempo dos gregos, porque vão experienciar a palavra em níveis radicais: como palavra poética, filosófica e retórica. Daí que para os gregos se eleva e se experiencia tão radicalmente o lógos. Sobretudo nos advém na poesia e no pensamento. Não se pode pensar o poder do povo (democracia) sem o poder da linguagem, mas só na medida em que o povo é tomado pela palavra e não administrado por ela, seja na palavra dos sofistas com a retórica, seja nos jogos de poder dos meios de comunicação. Por isso, o grego é formado na palavra, pela palavra e para a palavra. A cultura grega é linguagem, é logos. Desabrocham em plenitude enquanto linguagem, daí o poder das suas artes. Linguagem para eles é vida em plenitude. Mas a linguagem pode também ser realizada como algo inessencial, fazendo da palavra um poder manipulatório: é a retórica pela retórica e a erística. É o jogo da dóxa. Mas qual o lugar do diálogo na democracia? Qual o lugar da liberdade na linguagem? Tudo isto é essencial para a democracia, se não consistir num mero conceito. Sem povo não há democracia, mas sem linguagem não há povo.
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- A linguagem é um enigma porque a realidade é um enigma. A angústia social com os excluídos e com a sobrevivência tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o objetivo que está para além da própria realidade, nem fazer desta um simples meio para esse objetivo. É preciso pensar tanto a sobrevivência como a convivência, no âmbito maior da realidade/linguagem. Mas jamais devemos deixar de fazer tudo para que todos os seres humanos tenham assegurada a sobrevivência. "Pois será mesmo possível transformar a realidade em meio para um fim?... Ao pretender decidir como deve ser a realidade, a necessidade de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a realidade se mostre e revele como é em si mesma. É que um objetivo não nos descobre, antes nos encobre, a necessidade essencial: abrir-se e expor-se à originalidade do real assim como é em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos necessitar!" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto". -----. In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.
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- "A linguagem não é uma faculdade do homem. Nós não possuímos a linguagem, a Linguagem é que nos possui, e só somos aquilo que somos quando acolhemos e correspondemos ao apelo da Linguagem. Nós, por isso mesmo, não sabemos o que é a Linguagem, porque ela se dá enquanto se retrai, daí o seu acontecer desdobrante. Tal dobra da realidade é o seu vigorar na finitude. Tudo o que dizemos só o dizemos a partir da Linguagem" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.
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- "A criatividade da experiência cotidiana só parece banal aos ditos da fala. Pois toda situação dita banal remete sempre ao vigor original de seu silêncio" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.
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- É preciso pensar a questão da linguagem não só na sua constituição sígnica, mas também enquanto imagem não repetida, mas manifestadora. Na cultura pós-moderna, a linguagem como imagem é muito importante. É claro que é essencial pensar como a imagem se torna o sentido da linguagem, ou seja, se torna portadora de informação e sentido, porque manifestadora da realidade. Daí deriva também a questão do olhar enquanto sentido e realidade e até da função e fundação do próprio eu.
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- Em Foucault (1), o que se desenvolve como linguagem é a sua conceituação como língua enquanto código, dando informações historiográficas. Não há aí uma reflexão poética e de pensamento da linguagem, pois também ele não se propõe nada mais do que uma epistemologia historiográfica.
- Referência:
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- A linguagem instrumental é o diálogo do significante e do significado reduzidos a meras funções comunicativas ou de transmissão de conhecimentos. A linguagem poética é o diálogo da linguagem e do silêncio na entre-fala das línguas. "O homem se define pelo poder de transcender a condição humana. A essência metafórica da linguagem é solidária da natureza transcendente do homem" (1).
- Referência:
- (1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Epistemologia e hermenêutica em Bachelard". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 90, 1987, p. 64.
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- "Na experiência numinosa, arcaica e hesiódica da linguagem, o nome do Nume é esse Nume em sua própria Ipseidade. [...] pois o nome é a Presença" (1). O autor trata de seres terríveis e que, por isso, não são pronunciados, porque dizer-lhes o nome é dar-lhes Presença. "O Nume é o seu Nome cuja nomeação funda a Presença do próprio Nome - e, portanto, não signi-fica, mas é" (2).
- Referências:
- (1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 97.
- (2) Idem, p. 98.
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- Para tratar radicalmente da linguagem é necessário estudá-la em sua relação com a questão da liberdade. A questão da relação da linguagem e da liberdade aparece na reflexão sobre a essência do agir e, evidentemente, da própria realidade realizando-se.
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- O conceito de linguagem como produto da sociedade, embora seja discutido longamente hoje, já constituía o cerne da questão sofista: a linguagem como produto cultural e não natural, ou seja, a arbitrariedade do signo. É a questão central do diálogo de Platão Crátilo. Temos, pois, aí a questão dos sofistas: nomos / logos em vez de physis/nomos. A questão da linguagem como informação também está ligada à linguagem como produto cultural. Só o signo, sendo arbitrário, pode ligar a linguagem a um código formal, na medida em que é cultural, contextual, ou seja, só por ser cultural é que pode ser formal. Porém, jamais podemos esquecer que a linguagem antes e acima de tudo é uma questão que nenhuma teoria pode esgotar.
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- "A linguagem - que é concebida e experimentada por Hesíodo como uma força múltipla e numinosa (sagrada) que ele nomeia com o nome de Musas - é filha da Memória, ou seja, este divino Poder traz à Presença o não-presente, coisas passadas ou futuras" (1). "O ser se dá na linguagem porque a linguagem é numinosamente a força-de-nomear" (2). "No caso de Hesíodo, a linguagem é por excelência o sagrado... A experiência do sagrado é a mais viva experiência do que é o mais real e é a mais vivificante experiência de Realidade" (3).
- Referências:
- (1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 29.
- (2) Idem, p. 29.
- (3) Idem, p. 30.
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- "Só podemos perguntar porque já vigoramos no ser, na memória do sentido do ser. É que o ser, a memória ou sentido do ser, é questão. É que a questão não é apenas saber e não-saber, ser e não-ser, ela é também a unidade de saber e ser, de não-saber e não-ser. E só por ser unidade é que a questão pode advir à pergunta. Advir à pergunta é advir à linguagem, a partir da memória. Memória é unidade e sendo unidade é linguagem. Linguagem, enquanto unidade, não é, em primeira instância, fala ou elocução. Só se fala na e a partir da linguagem. Então podemos dizer que a quarta dimensão do tempo é a memória, e esta é a unidade do tempo enquanto o tempo se faz linguagem. É. O tempo é já diz, originariamente, linguagem, unidade" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio ainda não publicado.
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- A questão da interpretação remete para o diálogo. Mas aí o essencial é a questão do lógos. E este é complexo em si e mais ainda porque a referência ser-linguagem se dá em amplos níveis e correlações com poíesis (vigor poético), alétheia (desvelamento, verdade), éthos (ética, diferente da moral), sophía (sabedoria) e, sobretudo, a phýsis (nascividade / natureza). Outro aspecto é a techné (técnica). Ora, a partir do logos (linguagem) e da techné (técnica) surgem as teorias, tendo como atitude o theoreîn grego, isto é, o ver em profundidade. E elas procuram dar conta da questão radical: ser / linguagem. Esta é a questão do diálogo / interpretação. Mas ela pode ser reduzida a conceitos e vamos ter o diá-logo sem o éthos (ética) e poíesis (vigor poético) e sophía (sabedoria), mas visto tecnicamente como comunicação e conversa. Então a linguagem fica reduzida a um instrumento comunicativo sob a égide de um código como rede discursiva num mero contexto. O ser ficou reduzido a um ente, sem éthos nem sophía nem poíesis e o diá-logo se dá na aparência conceitual e identitária. Perde-se a diferença e, aparentemente, a distância, sem jamais haver proximidade e preservação das diferenças. É nesta dimensão em que ocorrem o falatório e os diferentes linguajares ou línguas técnicas: filosófica, teológica, científica (com inúmeras variáveis)... Tudo se dá no plano do ente e não do ser. Mas nós só somos o que somos como entes na medida e na dimensão do ser. Diálogo é sempre afirmação de diferenças no acontecer poético da identidade.
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- "O acesso à essência de uma coisa nos advém da linguagem. Isso só acontece, porém, quando prestamos atenção ao vigor próprio da linguagem. Enquanto essa atenção não se dá, desenfreiam-se palavras, escritos, programas, numa avalanche sem fim. O homem se comporta como se ele fosse criador e senhor da linguagem, ao passo que ela permanece sendo a senhora do homem. Talvez seja o modo de o homem lidar com esse assenhoramento que impele o seu ser para a via da estranheza. É salutar o cuidado com o dizer" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar´", trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: ---. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 126.
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- "Aonde o homem assume a exigência de adentrar a essência de alguma coisa? O homem só pode assumir essa exigência a partir de onde ele a recebe. Ele a recebe no apelo da linguagem. Mas isso, certamente, apenas e enquanto o homem já estiver atento à essência da linguagem" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ---. Ensaios e conferências. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 167.
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- "Em sentido próprio, a linguagem é que fala. O homem fala apenas e somente à medida que co-responde à linguagem, à medida que escuta e pertence ao apelo da linguagem. De todos os apelos que nós, os humanos, devemos conduzir, a partir de nós mesmos, para um dizer, a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por toda parte, o apelo primordial. É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de uma coisa" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ---. Ensaios e conferências. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167-8.
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- "A densidade imposta pela identidade é uma densidade sem corpo. Desconcretizada, a densidade da identidade faz da linguagem um útil adequado, que deve, por força, corresponder ao objeto identificado. O único compromisso desse processo é que se dê a identidade, significa: que se identifiquem objetos, coisas, situações. Desse modo, a linguagem se subtrai enquanto dinâmica de desencadeamento da realidade, para se ver reduzida a uma modalidade unidimensional de realização, a realização da identificação" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 51-2.
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- "O modo como essa harmonia se dá é primordialmente o discurso e não a ideia, isto é, o curso, o caminho que leva ao des-conhecido e que simultaneamente o traz para diante, o manifesta, o movimento que encurta a dis-tância, isto é, estar no di-, estar no outro, estar duas vezes, estar no des-conhecido. O discurso é o movimento de duas vias em que me dirijo ao desconhecido e o faço vir para mim, é, portanto um movimento harmônico, isto é, o movimento que une no um, ordena o caos e constitui kósmos, uni-verso, o que se verte, o que se dobra concomitantemente em direção ao uno" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 80.
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- "Na linguagem da prosa verbal contemporânea, a única presença exigida é a da palavra. Ela é o bastante. Ela é suficiente para tornar presente, abstratamente, qualquer modalidade de ausência. O que se ausenta é abstratamente tornado presente por meio da palavra. A presença de um concreto, a palavra, traz consigo a presença abstrata de outro concreto, aquilo a que a palavra se refere. De um modo geral, é assim que funciona a moderna linguagem verbal" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 174.
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- A questão da escrita e da oralidade passa pela essência da linguagem que não é determinada por essas duas possibilidades. Por isso diz Heidegger:
- " J - A palavra 'expressão' indica a contraposição, isto é, aquilo contra o que o senhor se põe, pois a sua visão da essência da linguagem não está presa ao caráter fonemático e grafemático das palavras, o que se costuma reapresentar como o caráter expressivo da linguagem" (1).
- " J - Seria, portanto, de importância secundária, se a conversa fosse escrita ou soasse apenas em algum tempo ou lugar" (2).
- Mas essa distinção, aí, já tem como pano de fundo: a essência da linguagem como saga; o sentido originário de con-versa; a implicação da conversa como lugar e este como casa e mundo.
- Referências:
- "J" - Refere-se ao Japonês.
'
- (1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 101.
- (2) Idem, p. 118.
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- A Linguagem é, antes, o dar-se essencial da possibilidade realizadora de uma medida: o homem enquanto realização concreta. Desta maneira, o cuidado da linguagem é a realização concreta do pensamento: a vigência da Linguagem, a casa, o sentido do Ser. A linguagem está além do sistema comunicativo e das funções linguísticas: "A linguagem é o advento do próprio Ser que se clareia e se esconde" (HEIDEGGER, 1967: 44) (1). Ela é condição de possibilidade originária e inaugural em que se funda o aparecer de todo sendo, que só é desde o ser. Esta distinção é importante porque, em geral, desde os retóricos gregos, inventores da gramática, que tinha por finalidade a formação no estruturar com coesão e coerência a argumentação na escrita e na fala, para bem persuadir, a linguagem ficou reduzida ao seu aspecto instrumental. É o que hoje se denomina comunicação ou expressão. Este uso prático da linguagem levou ao esquecimento de sua essência poética. E criou-se o lugar comum de achar que a linguagem é o que os gramáticos ensinam, quando, em verdade, ensinam apenas o lado comunicativo ordenado retoricamente. Mas pode haver vivente sem a vida? Pode haver rio sem a nascente? Pode haver filho/a sem mãe? Está na hora de os gramáticos voltarem a descobrir o poético da linguagem, a medida de toda fala. Hoje há muita comunicação e pouco pensamento, porque pensar é por-se a caminho da linguagem em sua essência.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Conferências e Escritos Filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo, Nova Cultura: 1999.
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- Heidegger toma como um dos grandes temas centrais de seu pensamento a questão sempre instigante e enigmática da Linguagem. Em 1950 numa conferência ele sintetiza:
- Die Sprache spricht, nicht der Mensch. Der Mensch spricht erst, wenn er der Sprache entspricht.
- A Linguagem fala, não o homem. O homem só fala quando corresponde à Linguagem (Tradução: Manuel Antônio de Castro).
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- "O soma corpo de que fala Platão passou a ser entendido – enquanto organismo – como um ente composto de matéria e forma, como qualquer utensílio é constituído. Porém, quando Platão reflete sobre a obra, jamais a pensou no horizonte de um utensílio, com seus aspectos formais e materiais (causas material e formal) ou com seus aspectos de finalidade funcional e utilitária (causa final), tanto melhor quanto for a sua funcionalidade, incluída aí a eficiência funcional estética. A concepção da linguagem e do próprio ser humano como social parte deste horizonte funcional e sistêmico. E é justamente o contrário: tanto a linguagem como o ser humano (e um coincide com o outro) são seres dialogais. A essência originária do homem e da linguagem é o logos (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 250.
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- "A linguagem é o mais concentrado modo de ser da realidade. Na linguagem o real se mostra em si mesmo com plenitude de liberdade. O real se realiza numa variedade infinda de modos, níveis e graus de mostrar-se. Há até a possibilidade de o real mostrar-se como algo que em si mesmo não é. Neste mostrar-se, o real aparece como se fosse. É o parecer e a aparência. A linguagem possui uma tal vitalidade que articula, ao mesmo tempo, tanto um sim como um não: o mostrar-se em si mesmo como sim e o mostrar-se em si mesmo como não. O Ente e a Essência são modalidades positivas, o parecer e a aparência são modalidades negativas de linguagem" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Texto distribuído em sala de aula, num curso da pós, em 1971. Faculdade de Letras - UFRJ.
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- Uma vez que a aletheia é a experienciação da realidade como linguagem, a verdade recebe diferentes interpretações, atrás das quais se faz ouvir a fala do silêncio de toda aletheia, porque esta não é nem pode ser algo que cale as experienciações da realidade e da linguagem, na medida em que elas sempre acontecem como aletheia. Realidade, linguagem e aletheia dizem sempre o mesmo diferente de si mesmo. E então se torna presente todo vigor e riqueza do logos. Impossível pensar a linguagem sem o logos. Eis o motivo pelo qual já teve tantas interpretações... e elas não pararam, porque a cada nova época aí se faz necessária uma nova interpretação...Impossível dissociar tempo de linguagem.
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- "Mas não somos nós, com nosso pensar, que damos sentido. O sentido já nos é dado. Como? Como o tempo se dá em cada instante. Não poderíamos experienciar nenhum instante como tempo se este não fosse sentido, ou seja, linguagem. A linguagem é o sentido do tempo na medida em que este é vida, é memória, é mar, é ser" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 251.
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- "A linguagem é a unidade da memória vigorando enquanto sentido. Cada palavra, cada oração, cada língua, cada possibilidade de discurso, é sempre possibilidade da linguagem em cada vivente, não interessa qual seja a língua, assim como cada vivente é possibilidade da vida e cada instante é possibilidade do tempo, não interessa a época nem a cultura" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 251.
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- "Não podemos limitar a linguagem à fala, pois ficar em silêncio é já radicar na máxima potencialidade da linguagem de todo sentido e fala. Ficar em silêncio é recolher-se ao ser, ao silêncio enquanto nada criativo, de onde surge a compreensão, radicada, portanto, em uma abertura de pré-compreensão, advinda no silêncio vigoroso do sentido do ser. Ser é deixar-se tomar pelo vigorar do silêncio" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 271.
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- "E assim o filósofo chinês [ Chuang Tzu ] afirma que nós temos, internamente uma grande árvore, nós temos o aparelho fonador, o cérebro e a característica de poder dialogar. Isso possibilita que a linguagem nos tenha, ou seja, para que através de nós, a linguagem flua. E a linguagem flui, é transmitida a partir da terra deserta do silêncio. O silêncio é o deserto, o silêncio é o vazio e é nesse vazio que as palavras atuam, fluem e se fazem presentes. A linguagem instrumental é o útil. A linguagem poética é o inútil" (1).
- Referência:
- (1) ROCHA, Antônio Carlos Pereira Borba. "Diálogo com Chuang Tzu, hoje". In: Revista Tempo Brasileiro, 171 - Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro, out.-dez., 2007, p. 171.
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- "O que se dá a ver é, para os gregos, a physis; para nós, a realidade. Para mostrar o que se dá a ver (a realidade, a physis), o ser humano recebe da própria physis duas dimensões que o constituem, circunscrevem e determinam: o pensamento (nous, em grego) e a linguagem (logos, em grego). O nous é o pensamento que permite ver o não visto. E este pode ser dito enquanto sentido e mundo porque somos constituídos pelo logos, a linguagem. São o nous e o logos, na vigência da poiesis da realidade, que constituem o seu sentido e mundo, manifestados nos paradigmas. Chamamos poiesis a permanência e transformação da realidade, daí ser ela originária e radicalmente poética" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 19.
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- O destino que somos nos é destinado na linguagem, pois é a linguagem que fala, não o ser humano, em sua língua. Esta e cada falante só falam porque já vigoram na linguagem. Assim como cada mãe-mulher só gesta seus filhos porque já lhe foi dada a possibilidade de gestar. Ela não cria a Vida. Esta é que a cria e a faz ser mulher-mãe. Sem linguagem não há matéria / mãe criativa. Do mesmo modo é a linguagem que cria os mitos e, portanto, cria as obras de arte, todas as obras de arte, enfim, todas as línguas de todos os povos.
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- Como o tempo se dá em instantes, não poderíamos experienciar nenhum instante como tempo se este não fosse sentido, ou seja, linguagem. A linguagem é o sentido do tempo na medida em que este é vida, é memória, é ser. A linguagem é a unidade da memória vigorando enquanto sentido. Em um tal vigorar é que consiste propriamente a poesia. Portanto, tanto esta quanto a linguagem são indissociáveis de ser e tempo. E é o tempo enquanto instante que se torna o motivo de ser poeta. É o que nos diz a poeta Cecília Meireles no primoroso poema "Motivo" do livro Viagem (1):
- Motivo
- Eu canto porque o instante existe
- e a minha vida está completa.
- Não sou alegre nem sou triste:
- sou poeta.
- .............................
- Referência:
- (1) MEIRELES, Cecília. Viagem. In: ---. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987, p. 81.
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- "Só entrando no jogo da Linguagem é que encontramos um princípio de unidade realmente integrador das dimensões e níveis de aprender e ensinar. Os planos de formação, de que tratam diferentes línguas, têm na Linguagem a força de integração que lhes garante crescer e diversificar-se sem perda da identidade" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Aprender e ensinar". In: ------. Aprendendo a pensar. Petrópolis/RJ: Vozes, 1977, p. 50.
41
- "Tanto os nós como as ligações precisam do “entre” enquanto identidade das diferenças. Uma tal faceta do “entre” aparece bem claramente na imagem-questão: rede. Uma tal faceta é o vazio, o silêncio. A rede sem o vazio/silêncio não se pode constituir como rede, ou seja, como “fios” e “nós”. A rede é uma doação do vazio e do silêncio. O vazio é o não-limite do silêncio e seu sentido. A língua enquanto código é a rede enquanto fios e nós. Mas assim como a rede precisa do vazio/silêncio, a língua precisa da linguagem. Por isso, a linguagem é a mãe de todas as línguas, assim como o vazio é a origem de todas as redes, de todos os códigos. E o silêncio é a origem de todas as falas e escutas, enquanto energia de sentido, verdade e mundo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.
42
- "Falamos porque falar nos é natural. Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se dizer que por natureza o homem possui linguagem. Guarda-se a concepção de que, à diferença da planta e do animal, o homem é o ser vivo dotado de linguagem. Essa definição não diz apenas que, dentre muitas outras faculdades, o homem também possui a de falar. Nela se diz que a linguagem é o que faculta ao homem ser o ser vivo que ele é enquanto homem. Enquanto aquele que fala, o homem é: homem. Essas palavras são de Wilhelm von Humboldt. Mas ainda resta pensar o que se chama assim: o homem" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 7.
43
- "Para pensar a linguagem é preciso penetrar na fala da linguagem, a fim de conseguirmos morar na linguagem, isto é, na sua fala e não na nossa. Somente assim é possível alcançar o âmbito no qual pode ou não acontecer que, a partir desse âmbito, a linguagem nos confie o seu modo de ser, a sua essência" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 9.
44
- "A linguagem fala. O que acontece com essa fala? Onde encontramos a fala da linguagem? Sobremaneira no que se diz. No dito, a fala se consuma, mas não acaba. No dito, a fala se resguarda. No dito, a fala recolhe e reúne tanto os modos em que ela perdura como o que pela fala perdura - seu perdurar, seu vigorar, sua essência. Contudo, na maior parte das vezes e com frequência, o dito nos vem ao encontro como uma fala que passou" (1).
- Não podemos esquecer que o vigorar da linguagem é o sentido e a verdade que orientam nossas ações, nosso, enfim, agir. Daí o seu perdurar. E é nesse perdurar que o tempo é e acontece em seu desdobrar-se em épocas. A cada desdobramento, a cada manifestação do vigorar do sentido e da verdade corresponde mundo, de modo que o perdurar evidencia o vigorar do sentido, da verdade e do mundo que se manifesta e é horizonte de nosso viver, de nosso realizar-se. Mundo e sentido e verdade são para nós a realidade: vigorar da linguagem.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 11.
45
- "Mas fazer uma experiência com a linguagem é algo bem distinto de se adquirir conhecimentos sobre linguagem. Esses conhecimentos nos são proporcionados e promovidos infinitamente pela ciência da linguagem, pela linguística e pela filologia das diferentes línguas e linguagens, pela psicologia e pela filosofia da linguagem. Atualmente, o alvo cada vez mirado pela investigação científica e filosófica das línguas é a produção do que se chama de "metalinguagem". Tomando como ponto de partida a produção dessas supralinguagens, a filosofia científica compreende-se consequentemente como metalinguística. Isso soa como metafísica. Na verdade, não apenas soa como é metafísica. Metalinguística é a metafísica da contínua tecnicização de todas as línguas, com vistas a torná-las um mero instrumento de informação capaz de funcionar interplatetariamente, ou seja, globalmente" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 122.
46
- "Mas onde a linguagem como linguagem vem à palavra? Raramente, lá onde não encontramos a palavra certa para dizer o que nos concerne, o que nos provoca, oprime ou entusiasma. Nesse momento, ficamos sem dizer o que queríamos dizer e assim, sem nos darmos bem conta, a própria linguagem nos toca, muito de longe, por instantes e fugidiamente, com o seu vigor.
- Quando se trata de trazer à linguagem algo que nunca foi dito, tudo fica na dependência de a linguagem conceder ou recusar a palavra apropriada. Um desses casos é o do poeta" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 123.
47
- Enfim, originariamente, a linguagem é reunião, ordem, lei sagrada, repouso, silêncio vibrante, musical. Na medida em que as obras de arte, as obras poéticas, se constituem em diferentes linguagens, estas não são o princípio da arte. Pois, se são linguagem, e são, elas vigoram enquanto unidade. É esta unidade que as torna radicalmente temporais, no sentido de Memória, vigorar do tempo.
48
- A realidade e o ser humano são muito, mas muito mais do que finalidades funcionais dentro de sistemas de relações, sejam elas quais forem. É que a linguagem, fundamentalmente, não é funcional nem relacional. A linguagem é a unidade do incessante eclodir da realidade em sua verdade e sentido.
49
- Para os gregos, o que hoje denominamos linguagem tem uma outra fonte diferente do que acontece no português. Entre eles, linguagem não está ligada a língua, parte do aparelho fonador. Tal palavra se diz em grego glossa. O que entendemos por linguagem provém da palavra grega logos.
50
- "Como falar de diferenças se elas já não se movessem no sentido da unidade? Ter unidade é mover-se no sentido. Uma justaposição de tijolos ainda não é uma casa. Eles se tornam casa quando se reúnem numa unidade: a casa. Esta como unidade é prévia aos tijolos. Prévia diz aí a abertura do homem para o sentido da unidade, do logos. A unidade acontecendo é o sentido. O sentido acontecendo é a linguagem" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo. Ensaio ainda não publicado.
51
- "Se agora olhamos para as palavras, a justaposição aleatória delas ainda não faz traz sentido, mundo. Do ponto de vista das palavras, de onde lhe advém o sentido e mundo? Da linguagem. Linguagem, sentido e mundo já constituem a possibilidade de cada ser se manifestar como ser, e de cada ser se relacionar com outros seres no plano da palavra, do discurso" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.
52
- "Mas a fala do silêncio é mais do que relação e comunicação. São, portanto, linguagem, sentido e mundo que possibilitam as posições como posições, isto é, são as possibilidades de tempo e mundo e suas circunstâncias. Sem ser não há linguagem, sentido e mundo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.
53
- A linguagem é vigor de possibilidade de fazer da finitude humana um projeto de realização divina, de se medir pelo sentido do sagrado. Na e com a linguagem a realidade se manifesta na sua verdade e se torna mundo como sentido do próprio ser humano e do real em que já está poeticamente projetado.
54
- "Então do que deve falar uma Aula Inaugural? Sem dúvida nenhuma, do que é Inaugural. Esta palavra tem muitos significados. Contudo, o que o inaugural inaugura deve ser a questão desta Aula. Escolhi uma questão: a linguagem como nosso maior bem. Mas é disso que justamente Heráclito trata: nosso maior bem é a sabedoria e ela é a linguagem. Mas ela não se pode ensinar, só se pode apreender e compreender como escuta. Por isso, não me escutem, mas auscultem e escutem o Logos. É o que Heráclito nos diz (1): Escutando não a mim, mas o Logos, é sábio concordar que tudo é um " (2).
- Referências:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 5.
- (2) HERÁCLITO, Frag. 50. In: Os Pensadores Originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Editora Vozes: Petrópolis / RJ, 1991.
55
- "A experienciação da linguagem como nosso maior bem não pode ser ensinada nem transmitida, porque é ethos. O que cada um é só pode ser experienciação a partir do que cada um é. E nem é decisão de cada um. É uma doação para a qual somos convocados pela ausculta. Mas a ausculta também nos é dada. Diz Hölderlin:
- O mais perigoso de todos os bens foi dado ao homem:
- a linguagem...
- Para que ele testemunhe o que ele é...
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 26.
56
- "O que normalmente chamamos de memória ou lembrança é identificado com o passado. Mas se é memória não é passado. Pelo contrário, vige como memória e a qualquer momento se pode tornar presente. "Momento" e "presente" mostram a vigência do ser do ente e não algo passado. A denominação aí de passado é um equívoco gramatical que não leva em conta o aparente passado como ente-ser ontológico. Por outro lado, quando se olha o passado do ponto de vista do infinitivo - a memória do ser - pode-se perceber perfeitamente que o passado integra o presente e o futuro. Por isso, o ser / infinitivo como memória ontológica é o que foi, o que é e o que será. Daí podermos dizer que a linguagem - e eis aí o equívoco gramatical ao ler linguagem do ponto de vista da gramática e não do ser - é a memória como logos " (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.
57
- "Podemos notar que, no infinitivo, tempo e linguagem coincidem e são manifestações da poiesis da physis/ser. É necessário começar a pensar a gramática do ponto de vista da linguagem/tempo e não o tempo/linguagem do ponto de vista da gramática" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.
58
- "... a questão do finito só aparece como finito, essencial e inapelavelmente, como sendo ente e ser, ou seja, finito e infinito. Disto resulta que, fundamentalmente, o que somos, somos sempre como língua e linguagem, somos sempre como eu e outro, somos sempre como co-letividade originária, somos sempre como proximidade, onde esta é a memória infinita vigorando. E, como tal, diz respeito a cada um, ao outro, ao presentificado, ao presentificável, a todos os povos. Queiramos ou não, a linguagem é o nosso maior bem. Em que sentido? No da identidade e diferença em relação ao que cada um é, ao ser de cada um, ao ser dos seres. A linguagem é o nosso maior bem, porque é ethos. Ethos é a morada, Casa do Ser: nosso maior bem" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.
59
- "É necessário denunciar e anunciar que a linguagem – que faz do ser humano, humano – antes de ser científica e lógica – é essencialmente sábia. A via do ser humano não é a via do conhecimento técnico-científico só. É também e, sobretudo, essencialmente a vida e via da sabedoria. Sabedoria desde tempos imemoriais se realiza como poiesis do sagrado" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 18.
60
- "Nosso projeto de ser acontece como tempo e linguagem. A vida vivida como experienciação de ser – sentido - é o tempo como linguagem. A linguagem é o tempo oportuno de manifestação do que somos. A esse tempo os gregos deram o nome de kairos: é o tempo oportuno, o tempo do florescimento, da eclosão do que somos. Cada um tem o seu kairos. Para ser. Ser é o único desafio verdadeiro de nossa vida. Então esse é o horizonte de nossas escolhas" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 85.
61
- "A linguagem é a “arte culinária” do ser de cada um. Ela é nosso ser, nossa memória. Somos sempre memória. Esta é o que há de mais enigmático em nossa vida. Só podemos saber que há memória genética e conhecer em parte o código genético porque somos linguagem e memória. A memória nos chega como linguagem, mas nós não sabemos o que ela é, nem carece, basta ser. O ser não é, se dá: linguagem" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 86.
62
- "Nas imagens-questões há uma tensão permanente entre o dito da língua e a ausculta da linguagem. No trânsito desse transe transam o saber e sabor de toda sabedoria da poiesis como imagens sonoro-visuais, que manifestam o real em caminhos que não conduzem a lugar nenhum, porque o caminho é o próprio real se dando em desvelo velado de realizações. Nesta escuta erótico-amorosa, a linguagem poética do silêncio se tece e entretece mergulhando tanto mais nas profundezas, como raiz, quanto mais eclode no livre aberto de toda abertura e clareira apropriante e manifestante das questões" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 19.
63
- "A linguagem não é um ente, mas o fenômeno dos fenômenos, pois quanto mais se revela, mais se vela, operando num “entre”, que os gregos denominaram polemos, cuja tradução mais frequente é: luta, tensão de contrários, disputa. E propomos traduzi-la também por “entre”. Linguagem é um entre princípio e fim, entre finito e não-finito, entre compreender e não-compreender, entre saber e não-saber, entre ver e não-ver, entre ser e não-ser" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 21.
64
- "O logos significa pôr, reunir e dizer. Pondo, pode criar as oposições e reuni-las, dizendo-as em proposições. O logos não é a posição nem as oposições, a proposição nem o discurso: é sua origem e fonte. Reúne linguagem e realidade enquanto sentido e verdade, e identidade e diferença" (1). Logos, por ser linguagem, faz vigorar a realidade como sentido, mundo e verdade.
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.
65
- "Pois poiesis é a essência do agir. E quando a essência do agir, a poiesis, é o não-agir, então a linguagem poética – e há outra? – é a fala do silêncio. E a fala do silêncio é sempre música, a música do silêncio, porque a linguagem é originariamente música e só depois som" (1).
- Referência:
- (1) "A condição humana e a essência do agir". Ensaio ainda não publicado, interpretação poética do conto de Guimarães Rosa: Nada e a nossa condição.