Tékhne

De Dicionário de Poética e Pensamento

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"O que é techne? É uma palavra riquíssima de significados em grego e com muitas possibilidades de desdobramento e aplicação. Por isso, quando escutamos hoje a palavra técnica, esta se prende a uma possibilidade de significado da palavra grega, mas não é o seu mais importante. Em primeiro lugar téchnē diz o conhecer por intuição da ex-periência. Tal intuição gera um saber que provém de um ver originário. É o próprio ver originário, aquele ver que antes de ser já era. Para a experiência grega ver é ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In:------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2011, p. 319.

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"Produzir, em grego, é tíkto. A raiz tec desse verbo é comum à palavra tékhne. Tékhne não significa, para os gregos, nem arte, nem artesanato, mas um deixar-aparecer algo como isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos pensam a tékhne, o produzir, a partir do deixar-aparecer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". In:______. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 138-9.

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"O que significa tékhne quando dizemos que está intimamente aparentada com a epistéme? Tékhne conecta-se com a raiz teko, tikto - traduzida comumente por procriar. O que se procria é tò téknon, a criança: tikto significa procriar e criar na acepção de parir, dar à luz, onde predomina o segundo significado. Nossa língua materna tem uma locução bonita e ainda impensada para exprimir o parir da procriação, que é 'colocar no mundo'. O sentido grego mais próprio e mais velado de teko não é o fazer e aprontar [produto], mas o conduzir alguma coisa para o desencobrimento, produzir. É trazer algo para o desencobrimento, a fim de vigorar no desencobrimento como o que foi trazido, como o que aparece a partir de..., como o que 'é', em sentido grego. O tékton é o pro-dutor, aquele que pro-cede a partir de... e para...: A partir do desencoberto para o aberto. O homem realiza esse procedimento pro-dutor na construção, no entalhe, na formação. A palavra 'arquiteto' traz ho tekton. Do ponto de vista do projeto, a produção de um templo orienta-se, a partir do arquiteto e pelo arquiteto, enquanto arché de um tekein" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 213.

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"Esta palavra tékhne nomeia uma forma de saber. Ela não significa o trabalho e a fabricação. Mas saber quer dizer: ter em vista desde o início o que está em jogo na produção de uma imagem e de uma obra. A obra pode ser também uma obra de ciência ou de filosofia, de poesia ou de eloquência. Arte é tékhne, mas não técnica. O artista é tekhnítes, mas não somente técnico ou artesão" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A proveniência da arte e a destinação do pensamento" (1967). In: L'Herne - Martin Heidegger. Paris: Éditions de l'Herne, 1983, p. 84.

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"A palavra techné nomeia, muito mais, um modo de saber. Chama-se saber: o ter visto, no sentido amplo de ver, o qual significa: perceber o que se presentifica como um tal. A essência do saber repousa, para o pensar grego, na aletheia, isto é, na revelação do sendo" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 151, § 126.

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A questão da tékhne é semelhante à do logos. Da densidade e complexidade em Heráclito passa-se, na Modernidade, ao sentido reduzido de razão. Com a linguagem também ocorre algo semelhante. Enquanto palavra divina, tem em si todo vigor de verdade manifestativa. Contudo, hoje na Linguística e nos meios de comunicação, ficou reduzida a um simples instrumento. Isso ocorreu na medida em que a proposição com o sujeito e o predicado toma o centro do dizer e a verdade se torna proposicional, ou seja, depende do juízo. É esta verdade e esta predominância da proposição que permitem a redução da linguagem à instrumentalidade. Ora, com a tékhne ocorre o mesmo. Mas aí se deu o seu alcance na mesma proporção em que a proposição substitui a palavra. A proposição não enuncia apenas uma verdade, mas também um conhecimento. A junção de conhecimento e verdade racionais acabam por instituir a tékhne instrumental, ou seja, proposicional e racional. Contudo, há uma tékhne ligada à poíesis. E esta é a que se dá propriamente na obra de arte. Com a poíesis ocorre o mesmo: originariamente vigor do dizer da palavra, sendo, na proposição, o lugar de ação, assumida pelo sujeito, e então se reduz a um simples "dizer" dos fonemas. Isto só é possível porque tékhne, logos e poíesis já contêm em si esta possibilidade reducionista, assim como cada coisa, cada ente, contém em si a ideia, mas silencia sempre o que é essencial: o velamento.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Técnica

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"Ao traduzirem para o latim o tratado de Aristóteles sobre as obras poéticas: Peri poietikés technés, ocorreu o seguinte: esqueceram que o principal e decisivo, conforme Platão já o afirmara em O Banquete, é a poiesis. E optaram pela techné, pelo conhecimento, ao traduzirem-na como ars, artis (arte). Vejam a ironia, o Ocidente estuda a arte num tratado de Poética, como techné e não como poiesis" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 28.

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"A essência do seu agir [do ser humano] é o questionar, porque todo questionar quer saber no saber o não-saber. Mas, se de alguma maneira ele já não soubesse, ainda que atematicamente, nem poderia perguntar por algo. Como podemos perguntar por algo que ignoramos totalmente? Porém, esse pré-saber nos é dado porque pré-vemos. Todo fenômeno advém para nós como uma imagem. Mas aquelas que surgem do criar e do imaginar nos advêm na abertura ou clareira do pré-ver e pré-compreender, que os gregos denominaram eidos e techne" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 22.
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