Lógos

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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"Pois ho lógos nomeia o ser de todo sendo, isto é, de tudo que é e está sendo, mas não aconteceu. Em parte alguma encontramos um vestígio de os gregos terem pensado a essência da linguagem diretamente pela essência do ser. Ao invés, representaram a linguagem foneticamente - e foram os primeiros a fazê-lo - pela fonação, como phoné, como voz e som vocal. A palavra grega que corresponde à palavra 'linguagem' é glossa, língua, em sentido anatômico. Linguagem é phoné semantiké, a fonação que designa alguma coisa. Isto significa: a linguagem tem o caráter fundamental de 'expressão'. Ora, esta representação correta da linguagem, linguagem enquanto expressão, vem de fora mas se tornou, desde então, decisiva. Gostamos de representar todo tipo de expressão como uma espécie de linguagem. A história da arte fala de linguagem das formas. Outrora, porém, no início do pensamento ocidental, a essência da linguagem explodiu, como um relâmpago, na luz do ser; outrora, quando Heráclito pensou o lógos, como palavra-chave, a fim de, nela, pensar o ser do sendo" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Lógos". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 202.

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"De legein formou-se lógos, cujo sentido originário é linguagem. Somente no vigorar da linguagem é que podem surgir as diferentes línguas. Por isso, podemos dizer que a linguagem é a mãe de todas as línguas" (1). Por ser linguagem, isto é, sentido do ser, lógos foi sendo interpretado e traduzido, ao longo de todo percurso ocidental, de muitas maneiras, de acordo com o próprio acontecer da realidade em suas épocas. São significados inclusivos e jamais excludentes. Isso é possível, entre outros motivos, por ser eminentemente um substantivo verbal. A relevância e prioridade do lógos acabou deixando esquecida a questão de todas as questões: o sentido e vigorar do ser, em sua verdade e mundo. De alguma maneira, houve um logocentrismo. Mas este pode ser pensado dialeticamente, desde que se retorne ao vigorar do sentido do ser, presente ainda nos pensadores originários.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:

(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética e diálogo: a verdade do humano". In: Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão I, 192, jan.-mar., 2013, p. 14.

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Muitos são as traduções de lógos na tradição ocidental, todas elas implicando teorias e paradigmas da physis ou realidade, sentido mais usual no português (mas insuficiente). Podemos enumerar alguns: Verbo, Linguagem, Filho de Deus, discurso, razão, língua, causa, fundamento, palavra, sentido, significado, lógica etc. Porém, atendendo a sua ligação substantiva com o verbo legein, podemos dizer que uma das traduções mais completas seja unidade. De alguma maneira esta engloba a maioria das traduções já citadas. É que o verbo legein diz o vigorar do ser em seu pôr, depor, dispor e propor. E a aparente oposição de tais sentidos fica compreensível e necessária porque em todos eles já vigora o dar unidade, na própria tensão necessária, ontológica e dialética com as diferenças.


- Manuel Antônio de Castro

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"Nossa época e a ciência reduziram o lógos a um de seus significados: o lógico. Este existe e é uma dimensão importante do logos, mas não diz tudo que o logos diz. A vida, o tempo, o ser, o pensar, o sagrado, o mundo, a verdade, o humano, o social, a arte, o imaginário, o sonho, o ético, o poético, a paixão, o desejo, a loucura, o erótico, a dor, o sofrimento, o desespero, a alegria, a tristeza, são mais do que o lógico da lógica. Pensando bem, o que há de essencial em nossa vida não é regido pelo lógico da lógica" (1).


Referência:
(1) "Diálogos trans-" e a procura do humano. In: www.travessiapoetica.blogspot.com.

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"O abandono, aproximadamente desde o Helenismo, da aletheia pela lógica gerou o esquecimento do sentido do ser e, com isso, a compreensão invertida do que os pensadores originários diziam com o logos... Eis algumas traduções: 1) Fundamento; 2) Unidade; 3) Razão; 4) Necessidade/Lei do mundo; 5) Lógica; 6) Linguagem; 7) Palavra/Deus; 8) Língua/código; 9) Fala/discurso; 10) Signo/semântica; 11) Coletividade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Logos". In: Convite ao pensar. CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (org.). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 143.

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"Pois justamente a relação entre coisa e palavra, e isso na configuração de ser e dizer, foi uma das primeiras coisas que o pensamento ocidental colocou em palavras. Essa relação avassalou o pensamento de tal modo que se pronunciou numa única palavra. Essa palavra diz: logos. Essa palavra é, ao mesmo tempo, nome para o ser e para o dizer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 144.

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"Como princípio de ordem e força de organização do real em sua realização, o lógos é linguagem ontológica da vida, no mais elevado grau de sua explosão na história humana, por isso, a vigência criadora do logos revoluciona não apenas a fala e o discurso, mas também o ouvido e o ouvir. Nas peripécias da criação, ouvir é escutar o logos, seguindo o advento de sua dinâmica de reunião no curso da história. O simples ouvir palavras se dispersa na variedade múltipla dos discursos" (1).


Referência:

(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Uma leitura órfica de uma sentença grega". In: ---. Aprendendo a pensar, volume II. Petrópolis (RJ): Vozes, 1991, p. 139 / 140.

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"Auscultando não a mim, mas ao Lógos, é sábio concordar : tudo é um" (1). Sem dúvida nenhuma, o Lógos é o sentido de tudo, pelo qual tudo se interconecta, se inter-relaciona, pois o Lógos, enquanto sentido, é a linguagem que dá unidade a tudo, uma vez que a tudo perpassa. De um modo ou de outro, a realidade somente se torna realidade, isto é, unidade de tudo, na medida em que tal tornar-se da realidade é o que denominamos mundo. É por isso que sem Lógos não poderia haver a verdade da realidade, ou seja, a sua manifestação ou aletheia, como apreenderam e compreenderam os gregos o que é verdade. É pelo uno que tudo é e é na medida em que o Ser é o uno.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HERÁCLITO. Fragmento 50. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.

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"O que se dá a ver é, para os gregos, a physis; para nós, a realidade. Para mostrar o que se dá a ver (a realidade, a physis), o ser humano recebe da própria physis duas dimensões que o constituem, circunscrevem e determinam: o pensamento (nous, em grego) e a linguagem (lógos, em grego). O nous é o pensamento que permite ver o não visto. E este pode ser dito enquanto sentido e mundo porque somos constituídos pelo lógos, a linguagem. É o nous e o lógos, na vigência da poiesis da realidade, que constituem o seu sentido e mundo, manifestados nos paradigmas. Chamamos poiesis a permanência e transformação da realidade, daí ser ela originária e radicalmente poética" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 19.

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"O logos significa por, reunir e dizer. Pondo, pode criar as oposições e reuni-las, dizendo-as em proposições. O logos não é a posição nem as oposições, a proposição nem o discurso: é sua origem e fonte. Reúne linguagem e realidade enquanto sentido e verdade, e identidade e diferença" (1). Logos, por ser linguagem, faz vigorar a realidade como sentido, mundo e verdade.


Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.

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"De lógos originaram-se na língua portuguesa dois sentidos (mas as traduções são muitas), aparentemente opostos: razão e linguagem. Isto é devido à perda do sentido fundador do lógos como o entre de ser humano E ser. Sendo o ser humano o sujeito e não mais o lógos que reúne, a razão fundamenta os conhecimentos e a linguagem os comunica funcionalmente" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 29.

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"O lógos não é fundamento. Ele funda os fundamentos (eu e tu, masculino e feminino, russo e chinês, português e alemão, Maria e Joana, Manuel e José, branco e preto etc.) porque é linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 102.

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"Nada pode ser conhecido sem que, em sua representação, não haja previamente uma compreensão concreta, possibilitada pelo ler, pois essa unidade é o lógos, a linguagem. Esta funda a referência ou mediação de ser humano “e” ser. É que a forma verbal lego, primeira pessoa do presente do indicativo do verbo grego legein, de onde se forma o substantivo lógos, em seus sentidos de pôr, depor, propor e dispor compondo, institui as dimensões em que os fenômenos se dispõem e propõem: o tempo e o espaço" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: compreender e interpretar". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 91.

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Mas o sentido mais profundo de lógos / linguagem é unidade do que se dá a sentir nos sentidos, do que se dá a ver e a perceber em tudo que se vê e não se vê.


- Manuel Antônio de Castro.

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Lógos: esta palavra grega é enigmática. Forma-se do verbo légein, que congrega uma tal amplitude de sentidos que não podem só logicamente ser determinados. Numa aproximação podemos indicar os seguintes sentidos de légein: 1- Por, depor, dispor, propor; 2 – Reunir, acolher, recolher, repousar; 3 – Dizer, enumerar, narrar; 4 – Mundificar (cf. Leão: 2007). Todos estes sentidos estão condensados na palavra linguagem. Tomando a palavra grega lógos, de maneira alguma podemos reduzi-la aos procedimentos lógicos.


- Manuel Antônio de Castro

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" Lógos é tanto palavra para o dizer como para o ser, ou seja, para o fazer-se vigor do que é vigente. Dizer e ser, palavra e coisa, pertencem um ao outro num modo velado, pouco pensado e impensável" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 188.

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"O homem só é homem pela escuta, mas não por qualquer escuta. Para isso já nos advertia há dois mil e seiscentos anos o pensador Heráclito, no fragmento 50:
Auscultando não a mim, mas ao Lógos, é sábio concordar que tudo é um (1).
Não é ao poeta, ao compositor, ao cantor, enfim, ao homem que devemos escutar, mas ao lógos. Este é a irrupção, em nossa vida ordinária, do extraordinário, da Linguagem poética, do mito, enfim, do sagrado" (2).


Referências:
(1) HERÁCLITO. Fragmento 50. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 152.

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"O que normalmente chamamos de memória ou lembrança é identificado com o passado. Mas se é memória não é passado. Pelo contrário, vige como memória e a qualquer momento se pode tornar presente. "Momento" e "presente" mostram a vigência do ser do ente e não algo passado. A denominação aí de passado é um equívoco gramatical que não leva em conta o aparente passado como ente-ser ontológico. Por outro lado, quando se olha o passado do ponto de vista do infinitivo - a memória do ser - pode-se perceber perfeitamente que o passado integra o presente e o futuro. Por isso, o ser / infinitivo como memória ontológica é o que foi, o que é e o que será. Daí podermos dizer que a linguagem - e eis aí o equívoco gramatical ao ler linguagem do ponto de vista da gramática e não do ser - é a memória como lógos " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.

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palavra e anúncio inaugural da sintaxe poético-verbal, os gregos chamaram lógos. Ele não fala qualquer fala, nem conceitos, nem jargões, nem clichês, nem ismos, nem doutrinas. O lógos como questão só “fala” questões. Como fala/linguagem não é algo que possamos ter como uma faculdade. O lógos é que já desde sempre como questão nos tem e nos fala. A nós compete escutá-lo. Dela nos fala o pensador Heráclito no fragmento 50: “Auscultando não a mim, mas ao lógos, é sábio dizer a partir do mesmo: tudo é um”. É a escuta do pensamento. Por isso, Heidegger repetia à exaustão: “Questionar e pôr em questão é a única tarefa do pensamento” (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 29.

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"De legein, o horizonte de abertura e posição, que põe, depõe, dispõe e propõe todos os fenômenos, formou-se, em grego, o enigmático e intraduzível substantivo lógos. Sua compreensão e tradução mais duradoura foi e é: linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 21.

21

De maneira alguma devemos pensar a dzoé, a vida de todo ser vivo, no sentido classificatório de gênero e espécie, de inferior e superior. Por exemplo, em relação à distinção do ser-humano, segundo a sentença órfica grega: Dzoion logon echon, animal racional, ou seja, ser vivo dotado de razão, numa tradução muito pobre. Não, dzoé não é animal nesse sentido genérico e lógico. Dzoé é vida, ou seja, todo e qualquer ser vivente: "No modo grego de pensar, o animal se determina a partir do dzoion, do que surge, resguardando-se, portanto, de modo muito peculiar em si mesmo, pelo fato de não se exprimir" (1). O grego quando quer denominar qualquer ser vivente diz bios.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, 108.

22

"Caso se quisesse caracterizar o Ocidente com uma única palavra, esta seria: lógos. Qualquer tradução que dela se proponha é insuficiente. Lógos, como o Tao chinês, disse Heidegger, é intraduzível. Levar o leitor a apreender essa intraduzibilidade e a tomar conhecimento das vias que suas traduções abriram no Ocidente é esta a difícil tarefa. O maior pensador do lógos foi Heráclito, denominado, em vista disso, o obscuro. Só se adentra o lógos pensando e escutando a força da presença constante do silêncio, plenitude e fonte de toda fala" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Lógos". In: -----. CASTRO, Manuel Antônio de (0rg.). Convite ao pensar. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 143.
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