Ulisses

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Tabela de conteúdo

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"Zeus, na sua união com Thêmis (Lei Ancestral, Ordem) gera a Ordenação interior de seu reinado, a Ordem em todos os seus aspectos, pois dessa união nascem suas filhas Hôrai e Môirai, que dosam e regram a distribuição de bem e de mal. Isto é possível porque de uma outra união, com Mêtis (sapiência, saber e sabedoria), ele incorpora toda a sabedoria, que lhe assegura um poder sobre o imprevisível, pois com Mêtis ele conhece o bem e o mal, cambiante e instável como a natureza do mar, onde todos, como eternos Ulisses, fazemos a caminhada de travessia" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.

2

"Ulisses realiza sua travessia como destino no mar. Nele se entretece o que estando será. Deste estar lhe advém a experienciação do que será, do seu destino, do seu próprio. O Canto das Sereias é a presentificação da harmonia, de onde surge a sabedoria, o saber do próprio. Este não é outro que o próprio saber, pois tem sua origem no seu génos: Zeus e Thetis, obedecendo à ordem, à Lei da harmonia cósmica" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 164.

3

"Por que Ulisses vence Circe? Ele se abre para a fala e escuta de Hermes, o mensageiro dos deuses, a palavra originária, sagrada e poética. O radical de Hermes, wre ou wer, é indo-europeu e significa palavra. Esta se origina do verbo grego pará-ballein: o lançar no entre, daí toda palavra ser portadora e a própria mensagem. Ulisses só vence porque é portador do saber de Hermes, a própria Linguagem, o mito dos mitos e ritos, o sagrado primordial e originário" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 156.

4

"Ulisses está diante dos companheiros e decidiu-se pela Escuta. Mas sabe que as ações suas e de seus companheiros não auferem o seu vigor de sua decisão e poder pessoal, mas só na medida em que elas respondem e correspondem ao destino. Nesse horizonte, a decisão pela Escuta do Canto das Sereias se inscreve no horizonte da tomada de posse do seu quinhão, da realização da sua Moîra, enquanto con-sumação do que é. Nessa con-sumação, como travessia, ele realiza o seu destino" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 172.

5

"Mas ao agir, enquanto Escuta do destino, é que Ulisses afirma e realiza a sua liberdade como realização do que é. É nessa abertura de Escuta do destino que Ulisses tem acesso e não tem à Escuta do Canto das Sereias. Elas, enquanto destino, podem implicar a morte. Esse é o saber e o querer ao qual devemos estar poética e ontologicamente abertos, onde e quando necessidade e libertação são um e o mesmo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 173.

6

"Ulisses se dimensiona pelo destino, porque ao mesmo tempo em que pode afirmar o seu querer, deve igualmente negá-lo, pois tem que ficar amarrado, preso, limitado. É nessa duplicidade ambígua de ações que Ulisses pode realizar a Escuta. E ele obedece à orientação de Circe.
Obedecer não é cumprir ordens. É ob-audire, ser todo escuta de vigor desta liberdade (1).
Só por obedecer é que Ulisses se pode libertar para a Escuta. Aparentemente, o importante não são as Sereias, mas a palavra cantada. Na realidade não há separação, as Sereias são a própria palavra cantada. O perigo está na Escuta. É nela que o destino se destina" (2).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar I. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 239.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 173.

7

" Ser é obedecer como Escuta à voz do destino, o contrário seria a morte, não cumprindo o destino pelo qual cada um se apropria do que lhe é próprio. A ação de Ulisses é guiada pelo con-sumar o que é e não pela satisfação de um desejo cuja extensão seria uma satisfação subjetiva de pura curiosidade: como seria o canto das Sereias?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.

8

"Ulisses anunciou o mito aos companheiros. A sua fala é o mesmo mito enquanto anunciado, mas ainda não realizado. Não adianta ter a palavra cantada anunciada, memorizada, se ainda não foi realizada. Ulisses mitifica o que Circe mitificou. O relato de Homero é poético porque o agir de Ulisses é poético. Não podemos esquecer que o poeta é um aedo, isto é, um cantor. E só é poeta/aedo cantor porque canta a Escuta das Musas, ou seja, o canto das Musas/Sereias. E as Musas são as filhas de Zeus e Mnēmosýnē" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.

9

"Ulisses, pela sua Escuta, apodera-se do que já tem (destino), mas não sabe, e do que não tem e já sabe (destino). Por isso será uma escuta ambígua, como veremos. Esse é o nosso destino, vivermos ambiguamente: sermos e não-sermos, saber e não-sabermos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.

10

"Diz Ulisses: “Somente eu posso escutar” (verso 160). Por que somente ele pode escutar? Esta escolha o mito narra, mas não explica. E nem precisa. Basta atentar para as ações de Ulisses. E uma coisa fica clara: Não é uma decisão pessoal. O apelo vem de uma força que radica no que há de mais profundo e interior a nós, e que pede uma abertura: a Escuta. Há uma disposição constitutiva do ser humano para ser, mas temos que realizar essa disponibilidade. Certamente cada um de nós deve esperar o seu dia de ser Ulisses e escutar a palavra cantada que encanta, brotando de nosso âmago. Em algum momento, sempre diferente para cada um de nós, haverá o apelo para que nos disponhamos para a Escuta da fala da palavra cantada. Porque, embora os mitos vivam hoje ausentes, ainda assim temos sempre vivo o mítico, que é um apelo para a Escuta do canto das Sereias" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.

11

"Mas quem é Ulisses? Ele nos aparece poeticamente como o nobre, o como deus, o exemplo de astúcia sábia e rara. Ulisses realiza poeticamente o que nós aspiramos a fazer vivencial e existencialmente, é para cada um de nós a possibilidade de realizar a travessia enquanto enfrentamento da morte, através da astúcia sábia" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 175.

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"O advento e a possibilidade da Escuta não é fruto de um desejo de Ulisses, isto é, nosso. Podemos ou não apenas acolhê-la. É um poder impotente, porque o acolher não é uma questão de vontade, mas de acolhimento do destino. Este é a via sinuosa de querer e não-querer, melhor de querer não-querer e de não-querer querer" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176.

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"A vinda da poesia não é uma decisão do poeta, porque a poesia é o advento e presentificação-doação da fala das Musas, o encontro com o canto divino e encantador das Sereias. Atentemos para a aventura e ventura de Ulisses. Ele quer, decidiu-se pela Escuta, isto é, decidiu-se pela apropriação do próprio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176.

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"As diferenças não podem cair na dicotomia metafísica, invertendo o sistema pela afirmação de um outro, mas afirmando, sim, a identidade, porém, como identidade das diferenças e diferenças da identidade (alteridade e ipseidade). A diferença, porque é diferença, vigora no âmbito sempre do não-saber. Ousar saber e ousar não-saber significa saber e não-saber, ser e não-ser, significa assumir a liminaridade de finito e infinito, a dobra. Nessa tensão liminar nos realizamos como diferenças. É a medida da Escuta de Ulisses que nos advém como palavra cantada, como Escuta do mito das Sereias. Por isso precisamos ter sempre presente o pensar poético de Heráclito (1):
Se não se espera, não se encontra o inesperado, sendo sem caminho de encontro nem vias de acesso (2). (1991, 63).


Referências:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 183.
(2) OS PENSADORES ORIGINÁRIOS. Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio Wrublesvski. Petrópolis: Vozes, 1991, 63.
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