Presente

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

Heidegger diz: "Mas talvez um dia cheguemos a intuir que o mistério velado de nossa essência se nos apresenta no passado vigente, sendo, portanto, presente. Como, se nem sabemos direito o que é o presente? Como, se só sabemos calcular entre o que acabou de passar, o que é transitório agora e o que já passou muito, muito antes?" (1)
Ora, o entendimento atual da morte é tributário desta concepção de tempo. Ou seja, ela muda conforme a sua concepção. Para entendermos o que é o homem como ser mortal, é necessário pensá-lo a partir da essência do tempo como ser. Daí poder ser plenitude, como a impossibilidade de todas as possibilidades.
Prossegue: "o passado vigente sempre nos sobrevém" (Idem) (2).
Se ele sobrevém, o que parece futuro ou o depois do presente é, na realidade, o passado - pessoal e coletivo. Nós desaguamos no vigente do passado: a Memória, que foi, é e será. Daí, para os gregos, a morte - thánatos - ser um retornar ao rio Léthes: o passado vigente enquanto o que se vela e esquece. Mas a Modernidade só conhece a morte biológica. Porém, todas as grandes obras de arte falam da morte como "uma outra vida", certamente não a "biológica", mas a phýsis/ dzoé/ lógos/ sóphos - a plenitude da sabedoria/sabor, o que não cessa de acontecer.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 206.
(2) Idem.

2

"Aparentemente não existe nada de mais evidente, de mais tangível e palpável do que o momento presente. E, no entanto, ele nos escapa completamente. Toda a tristeza da vida está aí. Durante um único segundo, nossa vista, nossa audição, nosso olfato registram (consciente ou inconscientemente) uma massa de acontecimentos e, por nossa cabeça, passa um cortejo de sensações e ideias. Cada instante representa um pequeno universo, irremediavelmente esquecido no instante seguinte" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 28.

3

O inaugural da realidade é o presente. Sempre sem causa e sem finalidade. Puro acontecer poético-apropriante, inesperado para o qual o passado e o futuro podem nos tornar cegos (só voltados para o domínio das circunstâncias dominantes e não para aquelas que acontecem no instante. O presente como temporalidade é o não-causal. Esse é o destino do Entre-ser (Dasein) que nos liberta. Toda libertação - acontecer poético-apropriante - é possibilidade de para possibilidade.


- Manuel Antônio de Castro

4

Presente tem um duplo significado: a) o que se dá e se constitui como manifesto e como tal aparece e está aí, são os fenômenos em contínuo devir; b) o que, ao mesmo tempo, é um presente, uma doação, uma dádiva, como a presença de alguém ou algo que nos é oferecido, em que nesse presente a pessoa se doa e se faz presente. Poderíamos também denominar esta doação de presença e afeto/presente: desvelo. Não é essa a presença e doação da mãe. Pelo e no presente algo ou alguém se faz presente, mesmo ausente. O prefixo “pre-” de pre-sente remete ao movimento de aproximação, constitutivo da dinâmica do ser, através das localizações. Como prefixo tanto significa o que está na frente como o que precede, o que está antes. Já -sente remete para o que está sendo e se torna um sendo, o ser que se essencializa.


- Manuel Antônio de Castro

5

O presente pode ser visto de duas maneiras opostas: o que sempre dura, pois não cessa de viger, e o que sempre muda, pois não cessa de ser ou futuro ou passado. Como interstício destes dá-se o instante, o tempo acontecendo. As duas maneiras de encarar o presente não atentam para o modo de ser do tempo originário, o que sempre flui por não cessar de ser fonte, memória. Ou seja, é o tempo acontecendo e sendo memória de passado e futuro, no presente.


- Manuel Antônio de Castro

6

Presente tem um duplo sentido: a) o que se dá e se constitui como manifesto e como tal aparece e está aí; b) o que ao mesmo tempo é um presente, uma dádiva, como a presença de alguém ou algo que nos é oferecido, em que nesse presente a pessoa se doa e se faz presente. Pelo e no presente algo ou alguém se faz presente mesmo ausente. O “pre” de presente remete ao movimento de aproximação, constitutivo da dinâmica do ser, através das localizações. Como prefixo tanto significa o que está na frente como o que precede, o que está antes. “Pre” corresponde ao “da” alemão (aí, lá, então, desde). A raiz de presente é sença. Como forma derivada de “esse” corresponde a “ser”. Tem, pois, tanto um significado espacial como temporal, indicando o que é originário enquanto algo que é, ou seja, está na origem e na frente: evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser humano e humanidade. O presente pode ser visto de duas maneiras opostas: o que sempre dura, pois não cessa de vigorar, e o que sempre muda, pois não cessa de ser ou futuro ou passado. As duas maneiras de encarar o presente não atentam para o modo de ser do tempo originário, o que sempre flui por não cessar de ser fonte, memória.


- Manuel Antônio de Castro.

7

"A fala, cada fala, pressupõe a rede e nela toda a rede se faz presente/ausente. Porém, essa presença e ausência se sustenta e vigora a partir do vazio ou silêncio. Este é o tempo originário, o tempo que continuamente se triparte e não triparte, se o pensamos como memória, se pensamos que essa tripartição vive de um entre-tempo, que é o presente, que nada mais é do que o presentificado em tensão (“entre”) com o presentificável (Os gregos denominaram esse tempo presente eterno: aion, onde o eterno é o entre, a memória)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.

8

"Todo presente é, ao mesmo tempo, uma ausência presente e um presente ausente, de tal modo que o passado não é só o que se faz presente na consciência, mas o que também, tendo passado, se esquece. Se não houvesse esquecimento nosso eu transbordaria de lembranças e não poderia em princípio viver no repouso do que já fomos e do que ainda seremos. Por isso, o presente é o que não cessa de acontecer. É este acontecer que foge à consciência enquanto consciência, pois o acontecer não é fundado pela razão crítica, sujeito transcendental. O presente é a unidade de passado que passou e não passou e do futuro que é o futuro do passado, o que ainda está para ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio ainda não publicado.

9

"O presente vigorando entre passado e futuro é a memória. Enquanto memória ela é o que foi, o que é, o que será. A memória é o ser vigorando. E como se constitui em unidade a memória ou o ser vigorando? Quando assim perguntamos só podemos perguntar porque a memória do ser já se nos ofereceu como pergunta. Só podemos perguntar porque já vigoramos no ser, na memória do sentido do ser. É que o ser, a memória ou sentido do ser, é questão" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio ainda não publicado.

10

Por já vigorarmos, por tudovigorar no ser, ele não é fundamento de nada, porque ele simplesmente vigora, independentemente de minhas nomeações e reflexões. Ele está tão próximo, tão próximo que até já desde sempre o somos e nele somos o que somos. E, seguindo Parmênides, o mesmo é ser e saber. É este ser e saber como o mesmo que se torna a questão do educar originário. Mas nossa procura do saber do ser acaba se desviando para o saber imperfeito e limitado e não nos abrimos para o seu sentido que é o máximo de saber, porque o seu sentido é o silêncio em que ele vigora e se dá a ver e a saber. O sentido, o silêncio, o vazio são o mais presente do presente, são sempre o já vigorando e sem o qual nada se dá a saber e a ver. Em virtude de nosso limite de entre-ser temos a tendência a entificar o ser, o saber, o silêncio, o vazio, o nada.


- Manuel Antônio de Castro.

11

"A noite é o passado do que se dando se retraiu. O presente é o desvelamento do que se velou. O passado é o desvelado do que se velou. Latência. Por isso, o futuro é sempre o desvelamento do que no passado se velou e torna possível o presente sem o qual não pode haver futuro. Latência e patência. Ser sendo no ter sido e no vir a ser. Destino do humano, de todo ser humano" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Passado". In: ---\\\\\\. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 259.

12

impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras" (1).


Referência:
(1) SANTO AGOSTINHO. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Cultural, 2004, p. 328.
Ferramentas pessoais