Acontecimento

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

"Se o tempo é o desencadeador, isto é, o largo horizonte onde se dá o acontecer, quando se chega à enunciação do acontecimento, parece ser este que engravida a experiência da vivência temporal, como se o acontecimento fosse o locus de manifestação do tempo e sua real concretização. O ad-vento do tempo é acontecimento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 36.

2

"Acontecimento vem de acontecer. E acontecer, verbo incoativo (ação progressiva) de contingere, já traz no seu âmago a noção de estar, ter contato ou relação com. Esta relação se efetiva na percepção" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 36.

3

"A história tem que se repensar originariamente em seu núcleo de manifestação: o acontecimento, porque o acontecimento é o fato feito ato" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 45.

4

Nunca me esquecerei desse acontecimento
...........................................................................
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
........................................................................... (1)


"O acontecimento nos remete para uma experiência fundamental. O poeta, morador e vigia que é do Ser, canta em seu poema uma experiência. Ela foi, é e será. A celebração poética insiste na memória do acontecimento. Esse acontecimento consiste na experiência de 'que tinha uma pedra no meio do caminho'. Por isso é um acontecimento. Nele e por ele se faz a experiência histórica do Ser" (2).


Referências:
(1) ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. 4ª e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 12.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 58.


5

"O alcance histórico do acontecimento é consumar no pensar a experiência da Verdade do Ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 58.

6

"... o pensamento que se esforça em permanecer na facilidade das representações geralmente procura uma saída ainda mais distanciadora da dinâmica concreta do acontecimento de sentido: geralmente procura-se instaurar, de uma forma ou de outra, uma autonomia do signo, uma autonomia dos dispositivos, símbolos e analogias. Este recurso é buscado como se todo signo, símbolo, dispositivo e analogia não dependesse do acontecimento de sentido da realidade. Entretanto, no único instante criativo que as acomete – a saber, o momento em que surge, vale dizer, o momento em que se dão em correspondência a um determinado acontecimento da realidade em seu sentido e verdade – as coisas então erroneamente chamadas signos, dispositivos, símbolos e analogias não são outra coisa que o sentido do acontecimento da realidade se manifestando. São gestos de mundo que respondem a um aceno telúrico" (1).


Referência:
(1) BRAGA, Diego. A terceira margem do mito: hermenêutica da corporeidade. In: Revista Terceira margem. Revista do Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ. Ano XIV, 22, jan.-jun, 2010, p. 60.

7

"Podemos apreender o que é acontecimento quando nos deixamos tomar pelo que no rito lhe dá sentido: o mito. Será então o acontecer poético" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Época e tempo poético". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 292.

8

Todo evento é o realizar-se de uma possibilidade da realidade. A ideia de uma realidade estática é um equívoco. Ela não para de estar acontecendo. Nesse sentido temos em cada evento um acontecimento. Assim sendo, todo evento é uma realização da realidade. A noção de evento é muito importante, sobretudo para a ciência porque desfaz a ilusão de termos leis permanentes na ciência. Toda lei está ligada ao tempo. E este não para. Claro, há uma recorrência dos acontecimentos da vida, da realidade. Por exemplo, todo ser vivo morre algum dia. Porém, o principal dessa recorrência é o que acontece em seu realizar-se, o seu sentido, o seu motivo. Nesse sentido, devemos diferenciar a certeza dos conceitos pelas possibilidades contínuas de todo ente, de todo acontecer. Por isso, o evento é mais importante do que o fato e, então, temos a diferença fundamental, essencial, de conceito e questão. Desse modo, temos que passar de uma visão estática da realidade e da própria ciência para uma visão dinâmica. Neste horizonte, todo fato é a realização de uma possibilidade da realidade, mas que não se pode tornar uma lei universal, no que diz respeito à realidade. Essa lei universal diz muito mais respeito a uma determinada teoria da realidade. Nesse horizonte, com as descobertas da física quântica certas concepções de ciência sofreram uma grande transformação. Talvez, a maior delas é o fim da certeza absoluta, ou seja, de uma certeza que é uma verdade acabada. Todo evento, em seu sentido fundamental, essencial, é um acontecimento.


- Manuel Antônio de Castro.

9

"Nestes termos, o silêncio se torna o acontecimento daquele calar-se originário da presença humana, a partir da qual o silêncio, isto é, a totalidade do sendo, em cujo seio está a presença humana, vem à linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.

10

não durma no ponto
do seu potencial
esperando o que pode acontecer
quando você pode ser
o acontecimento (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 145.

11

"O mesmo acontecimento, visto por pessoas diferentes e ao mesmo tempo, tem leituras-versões diferentes. E mais. Esse mesmo acontecimento age dentro de nós e sofre uma estranha ação da memória, de tal maneira que, tempos depois, esquecemos alguns aspectos e, por outro lado, os reinventamos de maneira diferente. Ou fica de vez jogado para o sótão do inconsciente da memória. É que a memória não é só o consciente, mas também o inconsciente. E do inconsciente quem fala não somos nós, mas a memória enquanto linguagem, projetando-se em nossa consciência como imagens-questões, que muitas vezes advêm como sonhos, imaginações, ficções" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte e imagem-questão". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 232.
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