Real

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Ver também: Realidade, Realismo, Mundo e Mistério.

1

"Es decir que, por efecto del ritual, se le confiere una "forma" que lo convierte en real (caos en cosmos). Evidentemente, la realidad se manifiesta, para la mentalidad arcaica, como fuerza, eficacia y duración. Por ese hecho, lo real por excelencia es lo sagrado; pues solo lo sagrado es de un modo absoluto, obra eficazmente, crea y hace durar las cosas. Los innumerables actos de consagración - de los espacios, de los objetos, de los hombres etc - revelan la obsesión de lo real, la sed del primitivo por el ser" (1).
"Quer dizer que, por efeito do ritual, dá-se-lhe uma 'forma' que o converte em real (caos em cosmo). Evidentemente, a realidade se manifesta, para a mentalidade arcaica, como força, eficácia e duração. Por causa disso, o real por excelência é o sagrado; pois somente o sagrado é de um modo absoluto, opera eficazmente, cria e faz durar as coisas. Os inumeráveis atos de consagração - dos espaços, dos objetos, dos homens etc - revelam a obsessão pelo real, a sede do primitivo pelo ser". (Tradução: Manuel Antônio de Castro).


Referência:
(1) ELIADE, Mircea. El mito del eterno retorno. Madrid: Alianza, 1972, p. 20.

2

É uma grande ilusão achar que a crítica do momento em que se está vivendo deve nos remeter para alguma outra época ou nos apontar, em algum momento, para um "lugar" ideal. Para tal visão contribuem: 1º Um entendimento equivocado do termo "originário"; 2º A aparente cronologia de tudo (conhecimentos); 3º A insistência no termo "evolução"; 4º O termo "passado" sem sua vigência na memória e a redução do tempo à mera cronologia; 5º O entendimento dicotômico da memória, na medida em que se opõe a esquecimento; 6º O entendimento equivocado da "palavra" (reforçado pela escrita) como portadora de algo real e substantivo (o som, a escrita) independente ou contraposta ao "referente". O que é o referente? Este não é nem pode ser "algo" estático: a palavra referente diz, pelo contrário, o que, por mais que se dê, sempre torna a levar para o que não se mostra em tudo que se manifesta; 7º O apelo ao resgate da raiz etimológica. Na realidade, todas as épocas são sempre experiênciações inaugurais do real, como fonte que a si mesma origina e brota sempre inauguralmente. Cada época é um novo jorrar e um novo experienciar e dessedentar. Por isso nossa época, como cada época, só tem uma única questão: onde está e como se dá esse jorrar inaugural? É claro que a presença da realidade como o passado e lembrado se sobrepõe à memória como o jogo permanente do que foi, é e será. A realidade enquanto originário sempre é o deixar-se tomar pelo jogo da memória, das épocas. Por isso, época diz o doar-se que se guarda.


- Manuel Antônio de Castro

3

"O conhecimento da ciência que é constrangente em seu âmbito, ou seja, o setor dos objetos, já anulou as coisas" (1).
Temos aí dois aspectos: a) o objeto da ciência e do real é a coisa como conhecimento racional e só isso; b) não é como querer, poíesis e éthos. Não é ético, pois é só conhecimento. No objeto, a coisa ficou reduzida ao conhecimento e esse silenciamento e esquecimento da poíesis/essência do agir é um modo de "ética" constrangente e do silenciamento. Ele silencia a coisa e nisso consiste a falta de ética da essência da técnica, ou dito positivamente, é uma ética constrangente. Mas como pode haver ética sem fundar-se na liberdade? Com os conhecimentos científicos não se ensina o ético, isto é, a sabedoria.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 148.

4

O termo português "real" esconde mais do que diz o que ele é por causa do clima intelectual no qual se forjou: a Escolástica e a Idade Média. Mário Botas, nos comentários ao ensaio de Heidegger (1), diz: "Descartes deslocou sobre a certeza do cogito o que a inspiração da filosofia grega, ainda dominante na Idade Média, tinha colocado sobre a manifestação do ente; não é fácil definir exatamente neste contexto o termo 'ente': trata-se da realidade enquanto manifestada, desvelada, tornada evidente e, consequentemente, disponível, à mão" (2). "Esta manifestação tornou-se possível pelos jogos de causalidade que tornam presentes os entes, na diversidade da sua ideia e da sua essência, à luz de um Bem transcendente ou segundo a influência unificada das quatro causas" (3). A questão do ente se dá em torno da "res" (coisa como ente e de onde se formaram as palavras em português: real e realidade), sendo, portanto, esta problemática que está por detrás do nosso conceito de realidade, como sendo o conjunto de entes (dentre eles, o homem), mas conjunto quase no sentido de soma, pois não se pensa mais a phýsis, até porque esses entes são entes criados que têm o fundamento como criador, sendo este o verdadeiro "real", ou seja, dotado de pura permanência, de tempo eterno, de perfeição acabada, de sumo Bem etc. A realidade como tal perde qualquer densidade e presença de nascividade e nada excessivos, segundo o fragmento 123 de Heráclito: "Physis kryptestai philei: Surgimento já tende ao encobrimento" (4).


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Língua de tradição e língua técnica". Lisboa: Vega, 1995.
(2) idem, p. 23.
(3) idem, p. 25.
(4) HERÁCLITO, frag. 123. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 91.

5

"A reação mais normal quando perguntamos o que é o real é algo deveras interessante e que se harmoniza perfeitamente com a metafísica. Faça o leitor essa experiência e verá se não estou certo. A resposta quase invariável à pergunta 'O que é o real?' é: 'O que é verdadeiro'. Mas se perguntarmos 'O que é verdadeiro?' virá outra resposta ainda mais surpreendente: 'O que é real'. Esse é o círculo vicioso da metafísica. Real é um conceito metafísico. Verdadeiro é um conceito metafísico" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Poíesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 17.

6

"O real não é evidente (senão para que a doutrinação científica?). O real é misterioso, é fugidio, é estranho, é extraordinário. Evidentes, simplesmente, são as opiniões (dóxa) sobre o real. Estas são banais na sua evidência. Foi com esta questão que Platão se defrontou. Mas na língua de Platão ainda não se falava essa palavra mais banal ainda: real. Na língua de Platão se falava: ón, particípio presente -– sendo -- do verbo eînai (ser)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Poíesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 30.

7

"O que é real deixa de ser o que em seu ser se mostra, para passar a ser determinado pela medida, pela identidade e pela ideia como o que é capaz de condicionar as possibilidades para o que é ou não real, ou melhor para o modo como este se apresenta no plano da ideia. Tem início a era da representação, fundada inicialmente sobre a medida e a identidade, e se desenvolvendo com base na analogia e na análise" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 74.

8

"O real não é a priori e nem pode ser estabelecido de antemão por nenhuma lei. O real não se comporta de acordo com nenhuma norma, não se deixa domesticar pela adjetivação. O real é vigência de si mesmo e ao viger assegura a dinâmica da verdade. O real só vige com a verdade, a verdade é a consolidação do real como dinâmica substantiva. A verdade, em sua dimensão originária, não vige a partir da imposição de juízos. Os juízos, na dinâmica da verdade, são a posteriori da vigência da verdade como dinâmica" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 78.

9

"Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: ... o real não está na saída nem na entrada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia" (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 52.

10

Quando tomamos o real como tema algumas situações estranhas e complexas se nos apresentam. Se perguntamos: O que é o real?, o que esperamos dessa pergunta? Que o real caiba numa resposta, num conceito? E pode o real caber num conceito? Essa resposta, se fosse possível, estaria dentro de uma estranha realidade: o real precede e é posterior sempre a qualquer resposta e pergunta, muito mais a qualquer conceito ou conceitos. Não só a resposta seria o real e real, também a pergunta seria real e não só a resposta, e também seria real quem pergunta. O real nos cerca, nos envolve, nos projeta e nos impulsiona. Sentimos a sua presença, a sua pregnância, e muitas vezes até nos sentimos acuados pelo real. É quando ele nos aparece e se faz presente como algo insólito, angustiante, estranho. O estranhamento também é real. Outras vezes é o extraordinário. E então só nos resta a sensação de impotência e admiração do que nos é infinitamente inalcançável e maravilhoso, desafiante e, parece, sem sentido, um deserto sem face, sem princípio nem fim, sólido e inconsistente. Ou ainda a plenitude do nada.


- Manuel Antônio de Castro

11

"Tomas: Existe uma palavra mágica para nós descrentes.
"Jenny: O que quer dizer?
"Às vezes eu a sussurro para mim.
"Pode me dizer qual é?
"Eu desejo ardentemente que alguém me toque para eu me tornar real. Eu repito sempre: "Permita que eu me torne real."
" Jemmy: O que quer dizer com "real"?
" Tomas: Ouvir uma voz humana e saber que ela vem de alguém que sente como eu. Beijar uma boca e saber de imediato que é uma boca. Não ter que repetir o momento terrível mais uma vez no qual experiências anteriores não dizem que era uma boca que beijei. Para mim realidade é quando alegria é verdadeira alegria. E sofrimento é verdadeiro sofrimento. Eu não sei. O real não é isso que eu imagino. Não existe razão para a realidade existir. Ela não é nada mais que uma esperança" (1).


Referência:
(1) BERGMAN, Ingmar. Filme Face a face. Falas dos personagens: Jemmy e Tomas.

12

"Somente por se compreender tudo a partir do viver é que se pode cair na tentação de determinar o real, qualquer real, como objetivo de vivência ou conteúdo vivido e, assim, edificar todo relacionamento com as coisas, as pessoas e o mundo numa vivência e como vivência. Tudo se torna, então, vivido no movimento de viver de uma vivência" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Uma leitura órfica de uma sentença grega" (Dzoion logon echon).In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis / RJ: Vozes, 1992, p. 131.

13

"O real é uma doação da poiesis. Este real se manifesta, se nos aparece, se mostra, se nos dá, se nos revela, é uma doação que nos lembra a epifania divina" (1).


Referência:
(1) ROCHA, Antônio Carlos Pereira Borba. "Diálogo com Chuang Tzu, hoje". In: Revista Tempo Brasileiro, 171 - Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro, out.-dez., 2007, p. 168.

14

"O inanimado tem daimon, isto é, tem uma dinâmica que nunca se deixa controlar totalmente. Não quer dizer que a técnica e a ciência não devam controlar o homem, mas devam controlar o mineral, o vegetal, o animal. Não. A técnica e a ciência não podem controlar nenhuma realização e nenhuma realidade. E é essa inacessibilidade ao controle de qualquer realidade que, no homem, se chama daimon, mas Aristóteles diz que se chama genos timeotaton: o gênero mais elevado, isto é, o modo de ser a estrutura mais elevada do real" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O corpo, a terra e o pensamento". In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 71.

15

"A linguagem é o mais concentrado modo de ser da realidade. Na linguagem o real se mostra em si mesmo com plenitude de liberdade. O real se realiza numa variedade infinda de modos, níveis e graus de mostrar-se. Há até a possibilidade de o real mostrar-se como algo que em si mesmo não é. Neste mostrar-se, o real aparece como se fosse. É o parecer e a aparência. A linguagem possui uma tal vitalidade que articula, ao mesmo tempo, tanto um sim como um não: o mostrar-se em si mesmo como sim e o mostrar-se em si mesmo como não. O Ente e a Essência são modalidades positivas, o parecer e a aparência são modalidades negativas de linguagem" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Texto distribuído em sala de aula, num curso da pós, em 1971. Faculdade de Letras - UFRJ.

16

"Os conceitos são determinados pela verdade lógica e matemática. Eles se servem de uma metodologia presa a teorias, determinadas pelas metodologias em que predominam a indução, a dedução e o experimental. São objetivos na medida em que adequam o real às teorias e suas metodologias. Elas originam as análises descritivas e explicativas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 13.

17

"Nas imagens-questões há uma tensão permanente entre o dito da língua e a ausculta da linguagem. No trânsito desse transe transam o saber e sabor de toda sabedoria da poiesis como imagens sonoro-visuais, que manifestam o real em caminhos que não conduzem a lugar nenhum, porque o caminho é o próprio real se dando em desvelo velado de realizações. Nesta escuta erótico-amorosa, a linguagem poética do silêncio se tece e entretece mergulhando tanto mais nas profundezas, como raiz, quanto mais eclode no livre aberto de toda abertura e clareira apropriante e manifestante das questões" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 19.

18

"Cada ser humano é antes de tudo também real e do real, mas a grande questão que o real coloca para o ser humano é que ele é uma doação do real e, ao mesmo tempo, cada ser humano deve “realizar” esse mesmo “real” de maneira diferente. Eis aí em poucas palavras a questão central do sentido do ser. Ele se destina no ser humano para que cada ser humano, pelo agir como sentido, realize o próprio ser em seu sentido. O ser humano como doação do real é uma doação ambígua. Por isso, quando a esfinge propõe o primeiro enigma e Édipo responde: o homem, este é e não é a resposta, por um motivo muito simples. Toda questão tem e não tem resposta" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 22.

19

"Édipo decifrou o enigma? Noutras palavras: Algum de nós já decifrou o enigma? Não. O mito do homem não é a resposta para o mito do real. Até é, mas só na medida em que recoloca sempre o mito do real, pois o real como questão é que nos tem e dimensiona. Toda resposta a qualquer questão será sempre ambígua. Toda questão se articula sempre em torno de duas dimensões: 1ª. o querer como vontade; 2ª. o querer como saber. O sujeito do querer como destino não é o ser humano. O sujeito é o real, o próprio enigma, e não o homem (como Édipo afirma equivocadamente em sua resposta)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.

20

"A vida não é real. Vida é fascínio, êxtase, elevação. A realidade tem a respiração curta, anda rente às calçadas" (1).


Referência:
(1) MEDEIROS, Martha. "Silêncio em movimento", Crônica. In: Revista Ela, publicação de O Globo, 10-04-2022, p. 10.
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