Técnica

De Dicionário de Poética e Pensamento

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É essencial apreender o ponto de partida da técnica na modernidade. Ela se funda na decisão do que é realidade a partir do sapere aude, onde se dá o ser como funcionalidade e a verdade como operatividade. Então, não há lugar para a escuta e o velar-se da phýsis no desvelar-se. Por isso diz Carneiro Leão: "... só temos olhos para o espaço físico-geométrico de sujeito e objeto. Pois este podemos medi-lo com uma escala exatamente definida. Podemos operá-lo com resultados precisos. Mas, com uma arte, que não está dentro nem fora, ou, o que dá no mesmo, que está tão dentro quão fora, da obra de arte e do artista, não podemos empreender nada. Não podemos nem mesmo compreendê-la" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro... "Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto. In: ------ Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 172.

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"Entretanto, também a técnica é um modo de revelação do Ser, modo em que Ser se revela como ausência, como esquecimento, como máximo retraimento, como opacidade do ente. Este retrair-se não é uma nulidade; uma força de atração. Na tração deste retraimento o homem é atraído, é forçado a desinstalar-se de hábitos cristalizados e automatismos de pensamento, a repensar sua identidade enquanto humano." (1)


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 164: 179/188, jan.-mar., 2006, p. 184.
Ver também:
*Tékhne

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"A compreensão usual de técnica, e quando falamos da Cultura Ocidental como uma cultura hegemonizada e hegemonizadora pela e através da técnica estamos nos referindo a esta compreensão mais usual, impõe a finalidade antes da produção. Produzir é produzir serventia e produtivo é quem produz serviço. Produzir é necessariamente produzir para uma finalidade pré-estipulada, para uma utilidade." (1)


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 88.

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" O sentido do mundo técnico oculta-se. Porém, se atentarmos agora, particular e constantemente, que em todo o mundo técnico deparamos com um sentido oculto, então encontramo-nos imediatamente na esfera do que se oculta de nós e se oculta precisamente ao vir ao nosso encontro. O que, deste modo, se mostra e simultaneamente se retira é o traço fundamental daquilo a que chamamos o mistério. Denomino a atitude em virtude da qual nos mantemos abertos ao sentido oculto do mundo técnico a abertura ao mistério (die Offenheit für das Geheimnis) " (1).


- Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d, p. 25.

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"... a técnica moderna está fundada, como prescrição, na persuasão. O que persuade na persuasão é precisamente a sua possibilidade de assegurar que o caminho percorrido leve inexoravelmente a um final previsto. Nesse sentido, persuasão é aqui entendida como o fazer emergir a razão como modo de assegurar a si mesma e ao real através do con-senso. Significa: o que é constante se apresenta como dado desde sempre e é em torno deste que é proclamado tanto con-senso quanto neutralidade. Con-senso diz aqui aceitação de uma constante como razão." (1)


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 120-1.

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"O filósofo Ortega y Gasset, em seu livro Meditação da técnica diz que esta é sempre o esforço para poupar esforço... (1). Mas para que poupar esforço? Onde se aproveitará este esforço? Para a experiência mais elevada da vida como invenção de si mesma e que se expressa nas artes inúteis como a música, a pintura, escultura, dança, retórica, filosofia etc.? No entanto, em nosso contexto, este esforço poupado serve para, nada mais nada menos, fazer mais cálculos para poupar mais esforço, para um maior asseguramento, numa lógica operativa e produtiva ilimitadas, isto é, que encontra na contínua superação do esforço e no asseguramento mais rigoroso seu modo de ser, seu sentido, sua força" (2).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. Meditação da técnica. Rio de Janeiro : Livro Ibero-Americano, 1963, p. 31.
(2) PISETTA, Écio Elvis. "A funcionalidade: o correto e o verdadeiro". In: Revista Tempo Brasileiro Dialética em questão I. Rio de Janeiro, 192: jan.-mar., 2013, p. 86.

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"Como se pode ver, a essência da técnica não são as máquinas, os instrumentos, os aparelhos. Tudo isso não passa de figurantes. A essência mesma é a funcionalidade de tudo e de todos, o que nos apresentaram recentemente os filmes Matrix"(1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Heidegger e a ética". In: Revista Tempo Brasileiro - Caminhos da ética, 157, Rio de Janeiro, abr.-jun., 2004, p. 76.

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"Quando, hoje, no domínio universal da técnica, falamos em globalização, no fundo, estamos querendo nos referir a um universal de tal poder que abrange todo o globo terrestre e todo o universo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro- Globalização, pensamento e arte, 201/202. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 15.

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"O sofrimento e a alegria, o ser afetado, tomado por uma força, são relações com o ser. Mas no mundo do voluntarismo absoluto em que a técnica o mergulha, o homem não sente mais a dor, ou a sente de modo somente passivo, e, portanto, ressentido e reativo. É principalmente em sua indiferença frente às consequências destrutivas da técnica, que o "funcionário da técnica" mostra sua insensibilidade e seu extremo fechamento, pois nele, o mais angustiante é sua incapacidade de se angustiar" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro. Revista Tempo Brasileiro: Interdisciplinaridade dimensões poéticas, 164, Jan.-mar. 2006, 179.

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"O desenvolvimento técnico ajuda muito a preservar, a divulgar e a multiplicar as próprias criações artísticas".
"No entanto, nem tudo é técnico e científico na vida. Diz Manoel de Barros no Livro sobre nada:


A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de um sabiá(1) (2).


Referências:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "Apresentação". In: A construção poética do real. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 7.
(2) BARROS, Manoel. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 53.

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"O método científico é sempre delimitado. Ele estabelece pressuposições que não podem ser violadas. Tudo aquilo que não constar e estiver dentro desses limites não é científico. Ora, quando se diz isso, está se dizendo que a ciência não é científica. Por quê? A ciência como ciência não é objeto de nenhuma pesquisa científica. Não é um fenômeno físico a Física. Não é um fenômeno químico a Química. Por isso é que há uma tensão entre o conhecimento propiciado pelo método e pela técnica, porque método e técnica na ciência se trocam, um constitui o outro. Em vista disso, dizer técnica ou ciência não tem muita diferença. A técnica é o que possibilita a ciência. Sem se articularem as possibilidades de verificação, de comprovação ou de não falsificação, não se constitui uma teoria científica. A Física tem uma Pro-física, uma Ante-física, para poder ser Física. É por isso que a diferença fundamental é de constituição. O método lógico-científico se constitui com forças e princípios que fogem do alcance do próprio método científico" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Dialética: entre o fechado e o aberto". Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão II. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, jul.-set., 2013, 194, p. 11.

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"A técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a essência da técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, isto é, da verdade" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: -------. Ensaios e conferências. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 17.

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"O inanimado tem daimon, isto é, tem uma dinâmica que nunca se deixa controlar totalmente. Não quer dizer que a técnica e a ciência não devam controlar o homem, mas devam controlar o mineral, o vegetal, o animal. Não. A técnica e a ciência não podem controlar nenhuma realização e nenhuma realidade. E é essa inacessibilidade ao controle de qualquer realidade que, no homem, se chama daimon, mas Aristóteles diz que se chama genos timeotaton: o gênero mais elevado, isto é, o modo de ser a estrutura mais elevada do real" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O corpo, a terra e o pensamento". In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 71.

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"Toda cultura resulta de uma conjuntura. Nela o homem se hominiza. Um famoso filme abordou essa situação de uma maneira admirável: 2001: uma odisseia no espaço, de Arthur Clarke e Stanley Kubrick. Toda grande época tem sua epopeia. e esta é, sem dúvida nenhuma, a epopeia da tematização, celebração e crítica angustiada da era da Técnica. Representa a continuação das grandes epopeias, embora narrada, sintomaticamente, na linguagem cinematográfica. Nela, a epopeia reencontra o caráter essencial do narrar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O fenômeno cultural". In: -----. O acontecer poético - a história literária, 2. e. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 19.

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"...a revolução da técnica que se está processando na era atômica poderia prender, enfeitiçar, ofuscar e deslumbrar o Homem de tal modo que, um dia, o pensamento que calcula viesse a ser o único pensamento admitido e exercido.
"Então que grande perigo se aproxima? Então a máxima e mais eficaz sagacidade do planejamento e da invenção que calculam andaria a par da indiferença para com a reflexão, para com a ausência total de pensamentos. E então? Então o Homem teria renegado e rejeitado aquilo que tem de mais próprio, ou seja, o fato de ser um ser que reflete" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos, s/d., p.26.

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"No entanto, aquilo que é verdadeiramente inquietante não é o fato de o mundo se tornar cada vez mais técnico. Muito mais inquietante é o fato de o Homem não estar preparado para esta transformação do mundo, é o fato de nós ainda não conseguirmos, através do pensamento que medita, lidar adequadamente com aquilo que, nesta era está realmente a emergir" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos, s/d., p. 21.

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Há dois significados modernos: (1) Designa um conjunto de coisas e atividades do homem. É uma habilidade. (2) Designa o conjunto de conhecimentos em relação a alguma atividade e que podem ser aprendidos.
"Há um significado em relação às atividades artísticas. Neste caso, designa a dinâmica de produzir, seja ela a produção individual, artesanal. É nessa atividade que o homem se torna homem. Arte significa então cultura, no sentido de que esta é tanto o espaço como o processo em que o homem acontece como homem. Neste sentido, técnica engloba tanto as coisas e a habilidade técnica como a competência poética. A arte, tomada em sentido radical, engloba a técnica, mas a técnica, em seu significado vigente, não engloba a arte.
Manuel Antonio de Castro.
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