Terra

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

" Por isso, o poeta faz a pergunta:
" Existe sobre a terra uma medida?
E deve responder que: "não há nenhuma". Por quê? Porque aquilo que nomeamos ao dizer esta terra só se sustenta enquanto o homem habita a terra e, no habitar, deixa a terra ser terra" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: ---. Ensaios e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 178.

2

No ensaio-Livro A origem da obra de arte (1), Heidegger mostra que só podemos saber o que é a Terra a partir da obra de arte. Terra, então, nada tem a ver com matéria (um conceito que está em função da interpretação do on como utensílio). O que é Terra? Ela muito menos tem a ver com o planeta como base e fonte de recursos naturais. O que é a Terra? Talvez o melhor caminho de compreensão esteja na palavra grega para Terra: Gaia. Ocorre que Gaia, em sua etimologia, significa vida. E esta é o princípio vital, o tempo eterno. É no âmbito da vida que entra a arte, mas é então a vida que amadurece enquanto sentido, isso é a vida feito arte, o ético. A vida enquanto alimento e plenificação em seu amadurecimento, está, misticamente, presentificada na última ceia, de que a missa é a memória. Contudo, tudo isso toma um sentido secreto profundo, porque é a alimentação sacrificial onde o dar a vida está ligado à morte, à renúncia, mas em que a renúncia não tira, dá. Isso é a arte, o ético, porque ao manifestar a Terra/Vida, arte é a arte enquanto doação que se retrai. Isto é, a Terra tanto mais se doa quanto mais se retrai. Em virtude disso falamos, com propriedade, em mãe Terra. E isso é a obra de arte. Ela se doa retraindo-se, pois então a arte se torna a própria Terra/Vida.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Tradução de Idalina Azevedo e Manuel Antônio de Castro. Edição bilíngue. São Paulo: Edições 70, 2010.
Ver também:
*Telos
*Corpo
*Mundo

3

"Aberta em sua claridade, a Terra somente se mostra como ela mesma ali onde a preservam e guardam como a que é essencialmente indecifrável e que recua diante de qualquer tentativa de apreensão, isto é, mantém-se constantemente fechada" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 117.

4

Os dias, as noites, nós, somos uma doação do sol, que tanto mais se dá quanto mais retrai para que cheguemos a ser o que somos: filhos e doação do sol E da terra. No fundo e essencialmente somos a dis-puta de Terra E Sol. Originários do sol e da terra, nosso viver consiste nesse per-curso entre o sol e a terra. Guimarães Rosa chamou a esse per-curso do entre de travessia. É que nesse percurso nos trans-vertemos, nos vertemos na densidade vertente do que nos constitui: sol e terra. O sol é a linguagem que dá sentido, que vivifica e faz eclodir a vida e a morte enquanto sentido do que somos, como doação da terra. Por isso nosso corpo é a língua da linguagem. Em todos os sentidos, em nossa constituição poética e ontológica somos sempre e sempre Entre-ser, ou seja: travessia.


- Manuel Antônio de Castro

5

" ... no Egito, todas as ações das forças que governam e atuam nos céus foram transferidas para a terra... mas deve-se dizer que todo o Cosmos habita no [Egito] como em seu santuário" .
Todas as ações, não importa quão mundanas, de alguma forma correspondiam a um ato cósmico: a aragem, o plantio, a colheita, a fabricação da cerveja, o tamanho de um copo de cerveja, o formato de uma pirâmide, a construção de navios, os combates, os jogos - todas eram vistas como símbolos terrenos das atividades divinas" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 21.

6

"Pois o "poético" parece pertencer, quanto ao seu valor poético, ao reino da fantasia. O habitar poético sobrevoa fantasticamente o real. O poeta faz face a esse temor e diz, com propriedade, que o habitar poético é o habitar "esta terra". Assim, Hölderlin não somente protege o poético contra sua incompreensão usual corriqueira mas, acrescentando as palavras "esta terra", remete para o vigor essencial da poesia. A poesia não sobrevoa e nem se eleva sobre a terra a fim de abandoná-la e pairar sobre ela. É a poesia que traz o homem para a terra, para ela, e assim o traz para um habitar" (1). Esta passagem do pensador Heidegger é extremamente importante, porque desfaz completamente a falsa noção de ficção, atribuída a toda literatura. É necessário, certamente, repensar tanto a noção corrente de ficção, bem como de fantasia, quanto o que se entende por real e realidade.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: ------. Ensaios e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 169.

7

"Trata-se de pensar (na poético-ecologia) a sociedade em rede e a Terra como uma grande teia poética, a teia da vida. Porém, não há como pensar essa teia poética sem repensar o lugar do homem centrado na subjetividade moderna. As contradições e consequências desta – para a sobrevivência da Terra e do próprio Homem – lançam o desafio de pensar o humano do homem em novos parâmetros de convivência entre si e com a própria Mãe-terra, tendo como horizonte inequívoco o seu esgotamento e até sua possível destruição. Sem a Mãe-terra ainda haverá o homem?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 11.

8

"O corpo é o mundo. Como corpo, o mundo se dá na disputa com a Terra. Uma tal disputa é o “entre” de Terra E Mundo acontecendo. Quanto mais o mundo se manifesta tanto mais a Terra se retrai e vela. Na disputa, na obra de arte, na poiesis, a Terra se dá no que ela é, aparecendo em sua riqueza e beleza, integração e plenitude: é o mundo. O mundo não é uma totalidade de conhecimentos, é a incessante doação da Terra enquanto poiesis E linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 34.

9

"Na cultura chinesa, sem partir de dicotomias, a energia que flui em nosso corpo e o constitui como um todo na unidade de suas partes, é proveniente de cinco fontes de energia interligadas essencialmente através dos cinco elementos, na disputa (polemos, dizem os gregos) entre Yin e Yan. Os cinco elementos são: Fogo, Terra, Metal, Água, Madeira (matéria). E as energias são: 1a. ancestral; 2a. dos alimentos; 3a. do ar; 4a. do cosmo / meio ambiente; 5a. das relações afetivas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 23.

10

"Crescer significa abrir-se à amplidão dos céus, mas também deitar raízes na escuridão da terra. Tudo o que é maduro, só chega à maturidade se o ser humano for, ao mesmo tempo, ambas as coisas: disponível para o apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra, que tudo sustenta" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "O caminho do campo". In: Revista Vozes, no. 4, ano 71, p. 46. Petrópolis, 1977.

11

"Para o ser humano, crescer não exclui, inclui, porque é mais do que atualizar as possibilidades do código genético. Com isso, o amar recebe toda a sua amplitude. Pois crescer nessa disponibilidade para o apelo tanto do que nos advém do operar do céu quanto da terra é que é amar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 302.

12

" - Qual o aprendizado que se pode tirar do isolamento? ".
- Aquilo que já sabíamos e havíamos esquecido: somos um só corpo, com todo o planeta. Não existe nada nem ninguém separado. Somos a vida da Terra em transformação e pertencemos à espécie humana. Não importa se seus olhos são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu, que língua fala" (1).


Referência:
(1) "O vírus faz lembrar que somos todos humanos". Entrevista dada pela Monja Coen - Líder espiritual - à jornalista Maria Fortuna. In: O Globo, Segundo Caderno, 19-03-2020, p. 1.

13

Hipótese de Gaia.
"Do ponto de vista científico, tem-se discutido muito a Hipótese de Gaia ou Teoria de Gaia, também conhecida como ecologia profunda...
Na década de 70, o inglês James Lovelock elaborou a Hipótese de Gaia e, segundo ela, o planeta Terra se comporta como um só organismo vivo.
A deusa Gaia, na mitologia grega, era a deusa da Terra e mãe de todos os seres vivos.
A Hipótese de Gaia sugere que os seres vivos são capazes de modificar o ambiente em que vivem, tornando-o mais adequado para sua sobrevivência. Dessa forma, a Terra seria um planeta cuja vida controlaria a manutenção da própria vida através de mecanismos de feedback e de interações diversas" (1).
Quatro observações: 1a. Esta teoria ou hipótese tem enfrentado muitas resistências porque contradiz correntes biológicas, sociológicas e filosóficas do século XIX e XX; 2a. Trazendo a Vida para o centro do acontecer da Terra e da própria história, é a própria ciência que tem de se repensar. E também a própria epistemologia, bem como a ideia de mundo. A teoria da determinação do ser humano - e da vida - pelo meio ambiente e social não se sustentaria mais. E abre novas dimensões para a ecologia; 3a. A questão essencial que precisa ser pensada é a questão Vida. O que é a Vida, não, é claro, simplesmente o ser vivente; 4a. No insondável número de seres viventes diferentes, tem lugar central o ser humano, mas na medida em que este é habitado pelo Logos. Dessa maneira, a questão Vida precisa ser dimensionada e pensada por essa nova questão: O que é o Logos? Sem este nem poderíamos estar questionando nem qualquer ação humana poderia realizar-se.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) https://brasilescola.uol.com.br//biologia/hipotese-gaia.htm.

14

"A arte e suas questões movem-se já desde sempre no sagrado do mito. Deste sagrado nos fala, como fala para escuta, o mito primordial ligado a Gaia, a Mãe-Terra, o mito das musas. E as Musas têm originariamente a sua origem em Gaia. Esta como Mãe-Terra-Vida é a própria Memória" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 26.

15

"Já passou da hora de os seres humanos compreenderem que não somos os donos da Terra, mas que dependemos dela. Para sermos capazes de compartilhar um mundo em comum, devemos tornar a proteção da natureza uma prioridade para nossas sociedades, ou sofrer com as amargas consequências de sua destruição" (1).


Referência:
(1) AZOULAY, Audrey e Outros. Reconciliando a humanidade com todos os seres vivos. In: O Globo, p. 3, 24-03-2021. Audrey Azulay é Diretora Geral da Unesco.
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