Ideia

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

"Em Platão, idea não diz nem conceito, no sentido de um conteúdo de significação, nem noção, no sentido de uma essência de articulação, nem representação, no sentido de uma imagem de substituição, nem modelo, no sentido de um paradigma de orientação. Idea é doação de ser" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Ideia=Doação de ser". In: -------. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 205.


2

: Ideia está ligada ao télos (fim/sentido) e ela significa o aspecto, a fisionomia. Isto poderia facilmente ser confundido com a aparência ou o que lhe é oposto: o ideal atemporal. Tal não se dá em Platão. Eis como Heidegger explica: "Isso que alguma coisa é, o ser-isso de alguma coisa (a quididade da casa, o brotar do broto etc.) é o que Platão apreende como idéa, o aspecto, a fisionomia que mostra alguma coisa, (algo) de tal modo que esta se mostra em seu ser-isso. A julgar pela visibilidade, essas fisionomias das coisas e de cada ente não são, porém, visualizadas numa visão sensível. São a fisionomia não-visível, a fisionomia supra-sensível" (1).


: - Manuel Antônio de Castro
: Referência:
: (1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 281.

3

"Thea (veja-se teatro) diz a fisionomia, o perfil em que alguma coisa se mostra, a visão que é e oferece. Platão chama esse perfil, em que o vigente mostra o que ele é, de eîdos. Ter visto, eidenai, o perfil é saber" (1). A ideia (eîdos) lida dentro do vigorar e do contexto do pensamento de Platão, o que no platonismo foi pensado como ideia, e é o que se repete hoje inadvertidamente, o que nela pensa o grande pensador é algo completamente diferente. Ideia é algo a ser pensado e não a ser repetido de uma maneira abstrata e vazia. Platão exige de nós o exercício do pensar. Eîdos é o aspecto em que a realidade em seu manifestar-se (verdade) se dá a ver. Nós só podemos ver aquilo que já de antemão se deu a ver. Mas vemos muito pouco do que se dá a ver. Por Isso, para o pensador Platão, o eidos, o aspecto em que a realidade se dá a ver enquanto o a-ser-pensado, diz o vigorar desse dar-se a ver. Não é representação nem conceito abstrato. Só sabemos por podermos ver o que se dá a ver. Isso é o eidos e não o nosso modo de conhecer o que vemos.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Ciência e pensamento do sentido". In: --------. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 45.

4

Eidos ou ideia é o vigorar das questões do questionar inerente a todo ser humano em suas possibilidades ontológicas, abrindo estas sempre novas dimensões pela dialética de ideal e real. Ideia sendo possibilidades que o ser humano recebeu jamais pode ser reduzida a algo enquanto representação ou estando em um outro mundo. Dialética então diz aí a concreticidade da realidade na realização do real, jamais podendo haver qualquer dicotomia. Neste horizonte da ideia como possibilidades qualquer posição advinda do Platonismo perde sua validade. O argumento para tal se funda numa simples constatação: Platão jamais escreveu qualquer tratado conceitual ou de ideias ou representações mas [[[Diálogos]], fundados nessa dialética. Atribuir a Platão ideias no sentido de conceitos ideais é o defendido pelo Platonismo. E jamais podemos confundir estes com o pensamento vivo, concreto, dialético do pensador que foi Platão e se faz presente em seus Diálogos.


- Manuel Antônio de Castro

5

"Platão descobre que para aproximar-se das coisas é preciso reconhecê-las como tais e que esse reconhecimento se faz mediante um acompanhamento de seus contornos, de suas linhas-limites, de seus aspectos, de sua aparência, o que na língua grega de Platão se diz com as palavras eîdos e ideia. Seguir as ideias das coisas significa seguir os limites de seu contorno ..." (1). Esse limite não vem do ver da nossa visão, mas do dar-se a ver das coisas e, mais, do já ter visto na medida em que já vigoramos em tudo que se dá a ver, retraindo-se, velando-se. É esse o vigorar da verdade, ou seja, a-letheia, em grego. Por isso podemos ter ideias e não ficar presos ao que já se conheceu e viu. É o poder ver no já visto o não-visto, isto é, no passado o presente do futuro. É isso o ideal. Tal nos advém por vigorarmos no Ser. Somos entre-ser, ou seja, o sendo no limite e não-limite do Ser (2).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. As cordas serenas de Ulisses. In: Ensaios de filosofia - Homenagem a Emmanuel Carenerio Leão. Márcia S.C. Schuback (org.). Petrópolis: Vozes, 1999, p. 172.


(2) Manuel Antônio de Castro


6

"Se o horizonte aberto de Platão se denomina ideia e se as cordas do limite se dizem como coisas, a descoberta de Platão foi perceber que as ideias não são anteriores, nem imanentes, nem posteriores às coisas. As ideias são como as coisas, aparecendo somente no ato de realização do mundo. O horizonte só aparece na odisseia realizadora do olhar" (1). Mas devemos assinalar que tanto o horizonte quanto o olhar já são doação do que se dá como e na clareira. Se não nos abrirmos para a clareira na qual já estamos pro-jetados como entre-ser, podemos facilmente cair nas malhas da epistemologia.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia S. C. Ensaios de filosofia. Vozes: 1999, p. 173.


7

"É vergonhoso o quanto os meus pensamentos vão longe de mim; até para mim temo um grande perigo no dia do meu juízo final. Durante a recitação dos salmos, minhas ideias fogem para um caminho que não convém. Elas correm, desencaminham-se, conduzem-se mal aos olhos do Deus supremo. Nas assembleias agitadas, na companhia de mulheres loucas, nos desertos e nas cidades, mais rápidos do que o vento... Inicialmente, elas vão por caminhos agradáveis, depois por lugares selvagens, assim elas se comportam. Sem barco, em sua caminhada perversa, elas atravessam todos os mares. Saltam rapidamente, de um só pulo, da terra ao céu. Correm numa corrida muito louca, para perto e para longe e, após seu percurso desordenado, voltam para casa... Nem arma cortante nem chicote as podem reter; são tão escorregadias como o fundo de uma agulha que se esguia sob meus dedos" (1).


Referência:
(1) Anônimo irlandês (Xo. século). Textos apresentados por Jean Markale. Paris: Albin Michel, Cadernos de Sabedoria, 2004, p. 41. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
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