Clareira

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

"O destino se apropria como a clareira do ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do Da lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimentar e assumir esse morar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 61.


Ver também:
*Dar-se
*Doação
*Da sein - Dasein.

2

Heidegger dedica uma atenção profunda e ampla à questão da verdade, pois é nela que se decide e constrói o projeto do pensamento metafísico ocidental. Porém, Heidegger se centraliza na palavra grega alétheia, traduzida normalmente como verdade. O pensador prefere traduzi-la por desvelamento. Desvelamento é, inicialmente, o ón vindo à sua presença. Porém, se ficasse só no desvelamento ainda estaria se limitando à predominância do pensamento metafísico, que se constrói em cima da presença e da luz, sintetizado na questão motriz para Platão: Eîdos, que originou a palavra portuguesa ideia. Não podemos esquecer que para os gregos a grande e permanente questão é o permanecer. Então, Heidegger vai refletir sobre a possibilidade do ón aparecer como o que aparecendo se faz presente. E assim surge a questão da clareira. Ela não foi pensada pela filosofia e, por isso, quando a filosofia chega ao fim e é substituída pela ciência, a questão da clareira passa a ser a questão da filosofia. Mas aí a filosofia se torna um questionar enquanto pensar. E a questão não é mais simplesmente o ón enquanto o que se faz presente, mas a clareira, ou seja, o livre aberto. Como possibilidade de aparecimento, a presença do ón, ou seja, da clareira, como o lugar tanto do desvelar como do velar.
Diz Heidegger: "... o claro, no sentido do livre aberto, não possui nada de comum, nem sob o ponto de vista linguístico, nem no atinente à coisa que é expressa com o adjetivo 'luminoso', que significa 'claro'" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "O fim da filosofia e a tarefa do pensamento". In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.
Ver também:

3

"Porque na clareira e só na clareira a luz da visão pode aparecer como luz e como visão. A luz não é a clareira. Pressupõe-na. Na clareira não há só luz, há também sombras. O raio que risca brilhando só o pode fazer porque brilha no aberto livre da clareira. Não vemos a partir da visão, vemos com a visão a partir do aberto livre da clareira" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poíesis, sujeito e metafísica". In: CASTRO, Manuel Antônio de (org.). A construção poética do real. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 33.

4

"Um grilo vivia numa clareira da Floresta. A clareira é dada pela ausência da Floresta na forma de liberdade das árvores. Em ausência, a Floresta presenteia o grilo com sua presença de claridade. É que na claridade da clareira se concentra toda a Floresta. Quer ouvindo a sinfonia dos sons ou respirando os perfumes silvestres, quer pulando sobre as folhas ou cantando o ar da liberdade, quer olhando a variedade das cores ou movendo-se no espaço dos lugares, o grilo pulsa com as pulsações e vibra com as vibrações da Floresta. Assim é justamente a ausência da Floresta que proporciona ao grilo liberdade para todos os casos de sua vida.
[...]
Até mesmo a única coisa, que, com a sua mecânica, o grilo julga conhecer da Floresta – a saber, que a Floresta é a não-clareira, a meta-clareira – ainda é um conhecimento da clareira. A clareira é todo o seu mundo. Todas as coisas presentes e ausentes, todos os casos reais e irreais, todas as combinações possíveis imagináveis, todas as sentenças verdadeiras ou falsas, toda a realidade e toda a possibilidade, o ser e o não-ser pertencem à clareira. Daí também, a não-clareira, a meta-clareira, dizendo o não-tudo, nenhuma coisa existente ou imaginável, nenhuma realidade ou possibilidade, nada em seu mundo, não tem sentido na clareira por força da própria clareira. Clareira e meta-clareira são a mesma coisa, enquanto ambas se acham igualmente aprisionadas e na dependência da mecânica da clareira" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A poesia e a linguagem". In: ______. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 175; p. 177.

5

"Na medida em que o ser vige a partir da alétheia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira (cf. Ser e tempo)" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Trad. Sérgio Mário Wrublevski. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 155.

6

"Diga-se ainda que não é a posição ou data histórica da composição do mito e a forma narrativa que devem determinar o diálogo com ele. É que não podemos reduzir a narrativa a uma posição formal. Para haver posição, já antes o narrador se acha posicionado no horizonte que a própria linguagem abre. Podemos denominar essa abertura a clareira do aberto, na qual todo horizonte acontece. Horizonte é amplitude do visível em tensão com o não-visível. Mas para haver horizonte, já ele se mostrou na abertura da clareira" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: .... .Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.

7

Em suas obras, Heidegger propõe pensar o homem enquanto o “lugar” (Da, em alemão, que aparece na palavra Dasein, no pensamento de Heidegger), a clareira, na qual o ser con-cresce e aparece. Não há clareira sem floresta, porém a floresta aparece como floresta na medida em que se retira e se deixa ver, perceber, manifestar, isto é, vir à luz, iluminar-se, na clareira. Eis a verdade como a-letheia. Ora, o Da- indica o lugar do entre, isto é, o vigorar ambíguo do que dando-se, presenteando-se, se retrai. O ser humano não é apenas Da-, é Da-sein, Entre-ser, segundo Heidegger. Eis aí bem clara a clareira numa dialética constante com a floresta. Só o ser humano possui o caráter fundamental (Grundzug) de ec-sistência: a insistência ec-stática na verdade do ser. Portanto, é impossível separar clareira de verdade, em que esta é o próprio ser humano sendo. O homem é a presença, palavra esta que se compõe de prae-, prefixo latino que significa: lugar, localização; e -sença: -sentia, do verbo latino esse, ser. Desta maneira, só o homem existe e tem consciência disso, pois é isto o que o diferencia dos demais entes. É nesse sentido que não podemos separar ser humano de verdade e esta de ser. Desse modo o que caracteriza essencialmente o ser humano é a diferença ontológica, ou seja, a existência.


- Manuel Antônio de Castro.

8

"Assim como a clareira é doação da floresta e a música, que é nossa vida, é doação e presentificação do silêncio. Nesse e sempre nesse horizonte, a vida é doação da morte. Por isso, somos mortais. A morte não é o fim, mas a plenitude da vida na qual agir e não-agir são um e o mesmo: ser-feliz" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser feliz”. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 210.

9

"A Terra se entretecendo como mundo é o Sol se doando em dias e noites. Terra E Sol tanto mais se doam quanto mais se retraem. O mundo doado pela Terra E pelo Sol é a clareira do claro aberto do “entreambíguo. A clareira originária do “entreintegra Mundo E Terra e Sol" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 34.

10

"Nas imagens-questões há uma tensão permanente entre o dito da língua e a ausculta da linguagem. No trânsito desse transe transam o saber e sabor de toda sabedoria da poiesis como imagens sonoro-visuais, que manifestam o real em caminhos que não conduzem a lugar nenhum, porque o caminho é o próprio real se dando em desvelo velado de realizações. Nesta escuta erótico-amorosa, a linguagem poética do silêncio se tece e entretece mergulhando tanto mais nas profundezas, como raiz, quanto mais eclode no livre aberto de toda abertura e clareira apropriante e manifestante das questões" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 19.

11

Se posição diz o estar, o êxtase pode abrir-nos para o ser, o que está fora de, além do estado, da posição, ou seja, o nos projetar no livre aberto (clareira) da libertação essencial. A possibilidade ontológica é a essência da liberdade. Daí advir no êxtase ontológico a completude da liberdade, do livre aberto, da clareira, em que nos podemos projetar e sair dos nossos limites posicionais, substantivos, da nossa finitude.


- Manuel Antônio de Castro
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