Proximidade

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

"Com a linguagem, dá-se algo muito estranho: ela faz lembrar o começo precisamente quando apresenta uma diferença, um desdobramento do começo. A palavra só pode ser referência a uma coisa porque traz para a proximidade as coisas, lembrando, ao mesmo tempo, que elas continuam sendo distantes. Como o dia não consegue apagar a noite, a palavra e todo o seu mundo de aproximações não consegue apagar as distâncias, os limites a partir dos quais ela se pronuncia. E é até por isso que toda palavra pede explicações, de que nenhuma palavra consegue ser final. Uma palavra só poderia ser final se conseguisse apagar todo vestígio de distanciamento, de limite, de infinição. Uma palavra só poderia ser final se o dia fosse eterno e apagasse para sempre a noite" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. "Para que língua se traduz o Ocidente?". In: O que nos faz pensar. Homenagem a Martin Heidegger. Rio de Janeiro: Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-RIO, nº 10, out. 1996, v. I, p. 62.

2

"Fora então que Ulisses aparecera casualmente na sua vida. Ele, que se interessara por Lóri apenas pelo desejo, parecia agora ver como ela era inalcançável. E mais: não só inalcançável por ele, mas por ela própria e pelo mundo. Ela vivia de um estreitamento no peito: a vida" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 38.

3

"Ela nunca vira ninguém salvar o outro, então temia uma aproximação que só faria desiludi-la na confirmação de que um ser não transpassa o outro como sombras que se trespassam" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 40.

4

A realidade é fugidia e dissimulada, sobretudo quando se trata do assédio epistemológico. Deste jogo de desvelamento e velamento surge a dupla questão da proximidade e da distância. Então, tentar compreender "a coisa", isto é, a realidade realizando-se, é sempre já se lançar nesse entre-jogo de proximidade e distância, identidade e diferença, na vigência de mundo e memória. Para aprofundar esta questão, ver o ensaio "A coisa" (1), de Martin Heidegger.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 149.

5

"É fácil achar que o mistério do que cabe pensar está sempre muito distante e escondido bem fundo, em camadas secretas e de difícil penetração. Mas o que cabe pensar tem seu lugar vigoroso na proximidade, que aproxima tudo que há de vigorar, resguardando o que é próximo. Na sua atenção ao vigente e ao que o vigente nos recomenda, o vigorar da proximidade é tão próximo de nossos hábitos de representação que nos sentimos despreparados para fazer a experiência e para pensar com suficiência o vigorar da proximidade. Quem sabe se o mistério que convoca no que nos cabe pensar nada mais seja do que o vigor disso que tentamos entender com a palavra 'clareira'?" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Alétheia (Heráclito, frag. 16)". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 248.

6

Para Heidegger, a proximidade será um dos aspectos fundamentais da coisa. Ela é tão importante que abre o ensaio "A coisa" (1) e se encaminha para a experienciação da coisa como ciranda (o jogo da quaternidade). A proximidade se dá e se desenrola fundamentalmente na questão do diálogo, pois diz respeito tanto a nós mesmos, no que somos e não somos, como também aos outros, no que eles são e não são. A proximidade é a própria essência do entre. Muito mais que espacial e temporal, o entre é poético-onto-fenomenológico. O ser humano como obra de arte é o ser-entre da proximidade em que consiste toda obra de arte.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.

7

"O tempo é quadrimensional. O que, porém, na enumeração, chamamos de quarta dimensão é, de acordo com a realidade, a primeira, isto é, o alcançar que a tudo determina. Este produz, no porvir, no passado, no presente, o presentar que é próprio a cada um, os mantém separados pelo iluminar, e os retém de tal maneira unidos um ao outro, na proximidade, a partir da qual permanecem reciprocamente próximas as três dimensões...Este aproximar-se da proximidade mantém aberto o advento desde o futuro, enquanto, na vinda, retém o presente. A proximidade que aproxima tem o caráter da recusa e da retenção. Mantém previamente ligados um ao outro, na unidade, os modos do alcançar do passado, do futuro e do presente" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Tempo e ser". In: ----------. Heidegger. Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 265.

8

"Jamais a proximidade será a realização de todas as possibilidades. Nunca haverá uma anulação da distância nem uma plenitude total na proximidade, simplesmente porque é impossível tanto a distância total quanto a proximidade total" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 307.

9

"O vigorar da inclusão é que faz a proximidade e distância tornarem-se sempre presentes no amar e não parecer no aparecer. É o dar-se da união amorosa. Só há aparência do aparecer quando há o esquecimento do sentido do ser, porque o aparecer se move no plano dos entes. E estes nunca podem fundar ser, porque só este é vigorar, acontecer. Amar é acontecer" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 308.

10

"O anseio é a dor da proximidade do distante" (1)


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Quem é o Zaratustra de Nietzsche". Trad. Gilvan Fogel. In: ------. Ensaios e conferências. Petrópolis / RJ: Vozes, 2002, p. 93.

11

"A dessacralização que domina hoje é devida a quê? Certamente muitos são os fatores. É no âmago dessa questão que a arte como questão se faz presente. Pode se falar em arte sem levar em consideração a questão do sagrado? Difícil. Porém, ela se faz presente de um modo muito simples e especial que se perdeu com o próprio distanciamento do sagrado acontecido na dinâmica dessas transformações históricas. Transformações essas que dizem respeito à própria dinâmica de o próprio sagrado se destinar. Mas ele, por mais que esteja esquecido, nunca se distancia e torna ausente como tal. Pelo contrário, sem sua presença, sua proximidade, tudo perderia o sentido e o próprio vigor de realização do real. E ele é próximo, tão próximo que até para sermos o que somos só podemos ser sendo essa proximidade. Porém, em tudo que fazemos temos a tendência, hoje e há muito tempo, a considerá-lo distante e inalcançável, como se ele fosse outro que não o vigor do que nos é próprio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.

12

"O problema da percepção do próximo torna-se sem solução porque se parte de dois exageros: exagera-se a proximidade em que cada um está de si mesmo e se exagera nossa distância do próximo. Se deixarmos de lado as teorias e formos aos fatos nos convenceremos de que não estamos mais distantes nem mais perto do próximo do que de nós mesmos" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.

13

"Jamais a proximidade será a realização de todas as possibilidades. Nunca haverá uma anulação da distância nem uma plenitude total na proximidade, simplesmente porque é impossível tanto a distância total quanto a proximidade total" (1). Daí surge a angústia e a ansiedade.


- Manuel Antônio de Castro.
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, 307.

14

Quem pergunta é porque já quer (saber) e este querer não nos vem de nossa vontade, mas do ser/saber (em Parmênides: einai/noein) que nos foi doado e o qual tendemos já desde sempre a realizar completamente, mas porque somos limitados nunca conseguimos de maneira completa, pois nele não mais poderia haver saber e não-saber. Daí surge a dialética enquanto procura incessante de proximidade e distância, de completude e falta, de sentido e não-sentido, de verdade e não-verdade, onde um tal não não indica falta, mas o que já se tem e tem demais e nunca cabe em nossos limites. Por isso, dentro deles só fazemos nos entregar incessantemente à procura da plenitude para a qual tendemos por sermos e não-sermos, e jamais como uma decisão de nossa vontade, que só aparentemente é que quer.


- Manuel Antônio de Castro.

15

"Tristeza pertence à renúncia, desde que tomemos a renúncia em seu peso mais próprio. Esse é o não recusar-se ao mistério da palavra, mistério que é a condição das coisas.
Sendo mistério, é distante. Sendo experiência de mistério, a distância é próxima. O suporte que sustenta distância e proximidade é o não recusar-se ao mistério da palavra. Para esse mistério não há palavras, ou seja, não há um dizer capaz de trazer à linguagem a essência vigorosa da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 187.

16

"Por outro lado, qualquer pessoa pode seguir os caminhos da reflexão à sua maneira e dentro de seus limites. Por quê? Porque o Homem é o ser (Wesen) que pensa, ou seja, que medita (sinnende). Não precisamos, portanto, de modo algum, de nos elevarmos às "regiões superiores" quando reflectimos. Basta demorarmo-nos (verweilen) junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos, s/d., p. 14.

17

" A questão da proximidade e da distância é o grande enigma da arte, é o grande enigma da vida. Só o ser humano se sente próximo ou distante. Só o ser humano pode sentir solidão e se sente em solidão porque a distância é maior do que a proximidade. Seja como for, se não houvesse proximidade e distância não poderia haver solidão. E é pensando a proximidade e a distância que podemos pensar a verdade poética e a globalização" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. In: ---. "Verdade poética e globalização". Ensaio não publicado.
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