Essência

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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O melhor caminho para compreender a essência é pensar o agir: A essência do agir é o agir da essência. Eis aí o universal concreto, que se diferencia do universal conceitual ou representacional. A essência do agir é questão e não se pode reduzir a um conceito.


- Manuel Antônio de Castro

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"Por essência não cabe entender algo, alguma coisa por trás, sub- ou pré-existente e que seria, p. ex., a causa desta ou daquela coisa. Não é um núcleo dentro, o caroço, formando o em-si da coisa. Essência é a própria dinâmica de algo fazer-se ou tornar-se algo, a dinâmica ou a força a partir da qual e como a qual algo vem a ser este algo que é e tal qual é - sempre uma escandalosa superfície. Vê-se ou tem-se realmente algo quando conseguimos nos transpor à sua essência, isto é, à sua proveniência, origem ou gênese. Então, partilhamos a coisa na sua gênese, na sua nascividade. Participamos, pois, de seu ser ou modo de ser e, assim, co-nascemos com ela" (1).


Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "Pensamento, elemento, transcendência". In: Revista Scintilla, Curitiba, volume especial, n. 6-03.2009, p. 46-64.

3

A palavra essência provém do latim essentia e está relacionada ao verbo latino esse (ser). Está ligada às palavras gregas ón e ousia. Porém, na trajetória ocidental e metafísica ligou-se muito mais ao ente do que ao Ser. Por isso, ela tornou-se um conceito, indicando algo que sub-está como fundamento e causa de cada ente. Daí ter-se também traduzido por sub-stância, perdendo o caráter verbal que tem em grego e deslocando-se para o substantivo, exercendo a função de sujeito na proposição. Por isso todos os substantivos podem exercer, sintaticamente, a posição funcional de sujeito (ou objeto). Essência significa então a natureza, a quididade, a causa, podendo se opor à existência ou à realidade. Esta dicotomia não existe nas palavras gregas, nas obras dos grandes pensadores. Essência diz, em verdade, a estrutura em que vigora, ou seja, atua e desenvolve a força do vigorar, do agir. Então essência diz a arkhé, aquilo que não deixa de vigorar para que algo se torne algo, chegando a seu télos. Essência nunca admite a separação de causa e causado, onde o causado é algo diferente da própria essência. Essência nunca é um conceito geral atribuível a diversas coisas, a diferentes sendos (entes). Essência é o vigorar do Ser no sendo.


- Manuel Antônio de Castro

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Essência não é a origem ou natureza de algo conforme diz e geralmente se entende o conceito. Essência de algo é o originário do sendo enquanto vigorar do Ser. Podemos, portanto, distinguir a essência conceitual e a Essência como vigorar do Ser em cada sendo. Se a primeira é metafísica, dual, a segunda é poética, integradora e realizadora.


- Manuel Antônio de Castro

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"Energia ancestral. Esta é a que recebemos ao sermos concebidos e provém de nossos pais, que a receberam de seus pais e assim sucessivamente, ou seja, temos uma ligação profunda e originária com a família. Ela é memória imemorial. Os gregos denominavam a unidade e origem das famílias e das pessoas: genos. Este genos (de onde se forma a palavra genética) passa, como energia, a ser tudo, a própria energia Qi. É ela também que faz com que cada um tenha um próprio, aquilo que cada um é, sua identidade e essência. Em si, a energia Qi é infinita e inesgotável. Contudo, aquela que cada um recebe do genos e pais é finita, originando a morte. E então se coloca a questão da relação essencial entre infinito e finito para nós" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 23.

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"A essência do ser humano é a sua referência ao ser. Daí não poder ficar determinada pelo instrumental ditado seja lá por qual sistema for. Nesse sentido de disciplina e sistema, a dança é o não-conhecimento porque é o não-sistema, porque é o livre dar-se e manifestar-se do que cada um já desde sempre é. Dança é sempre travessia, história, obra. E obra é o que opera. Opera o quê? A educação do humano pelo deixar vigorar o seu princípio constitutivo. Aqui está a questão. O princípio constitutivo do humano é o estético ou o poético? Dança não pode ficar reduzida a vivências estético-sentimentais, a um espetáculo para os olhos ou prazeres dos sentidos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Aprender com a dança: fluxos e diálogos poéticos”. In: TAVARES, Renata (org.). O que me move, de Pina Bausch – e outros textos sobre dança-teatro. São Paulo: LibersArs, 2017, p. 82.

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"A essência é uma questão no pensamento grego. Depois, ao longo do percurso filosófico tornou-se conceito. Ela está pensada na primeira interpretação do on, da coisa enunciada e comentada por Heidegger em A origem da obra de arte (1). Mas como muito bem diz Emmanuel C. Leão, essa palavra tem um uso tradicional que deu origem ao par opositivo metafísico: essência versus aparência e essência versus existência. A tradição sempre fez preceder a essência sobre a aparência. Depois Sartre fez uma inversão: disse que a existência precedia a essência, daí seu conceito de liberdade existencial, que deu origem ao existencialismo. Como se pode ver houve apenas uma nova inversão" (2).


Referência :
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Notas de tradução. In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad.Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Heidegger e a questão da essência". In: www.travessiapoetica.blogspot.com

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"O acesso à essência de uma coisa nos advém da linguagem. Isso só acontece, porém, quando prestamos atenção ao vigor próprio da linguagem. Enquanto essa atenção não se dá, desenfreiam-se palavras, escritos, programas, numa avalanche sem fim. O homem se comporta como se ele fosse criador e senhor da linguagem, ao passo que ela permanece sendo a senhora do homem. Talvez seja o modo de o homem lidar com esse assenhoramento que impele o seu ser para a via da estranheza. É salutar o cuidado com o dizer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar´". Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: ----------. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 126.

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Todos sabemos que Platão desenvolveu seu pensamento escrevendo quase exclusivamente diálogos. Nisso, era movido por algum motivo muito forte, não sendo jamais uma questão de gênero, de estilo literário ou de opção estética, muito menos metodológico, o que nos indica que neles o que está em questão é o próprio caminhar como trajetória de compreensão do que seja o humano e sua verdade, enquanto processo de realização, libertação e consumação. Todos os diálogos movem-se sempre na procura da compreensão do humano enquanto essência da verdade e esta como a essência do humano. É que a essência da verdade é a verdade da essência e, portanto, do humano. Foi sempre uma questão de pensamento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética e diálogo: A verdade do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 192, Dialética em questão I. Rio de Janeiro, jan.- mar., 2013, p. 12.

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"O pensamento busca elaborar uma representação universal da linguagem. O universal, o que vale para toda e qualquer coisa, chama-se essência. Prevalece a opinião de que o traço fundamental do pensamento é representar de maneira universal o que possui validade universal" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 7.

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"Na essência do agir o que decide não é o querer da vontade, uma vez que a essência do agir é o próprio agir, não a partir da vontade, mas do agir da essência. Essência é o vigorar do que é em tudo que é e está sendo. Este tem seu agir no vigorar do sentido do ser e não no agir das sensações do sujeito, pois o que o “eué se determina pelo ser e não pelo “eu” "(1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.

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"Em todo ato, o vigorar já vigora em sua plenitude, mas como esta não é um fim, mas uma consumação, a essência do agir tem sua medida no agir da essência, daquilo de quem recebemos nosso destino: o ser. Ser é verbo, o vigorar de todo agir. Ser então é a necessidade necessária" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 277.

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De uma maneira simples e clara podemos dizer que o eidos é o vigorar do Ser em cada sendo, a sua essência, sem a qual não é.


- Manuel Antônio de Castro.

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"O ente é ente em virtude do ser. O ser é aquilo que faz com que o ente seja ente, aquilo através do qual ente é ente; o ser é o fundamento do ente enquanto tal. O que significa isto? Em cada ente podemos distinguir dois aspetos: a- que ele é; b- o que ele é. P. ex., isto aqui é. É o quê? É um homem. O primeiro aspecto é o simples aspecto da realidade do ente e sua posição no ser. O segundo é o aspecto de “ser isto e não aquilo”, de ter um determinado modo de ser distinto dos outros entes. Ao primeiro aspecto corresponde o ser do ente, ao segundo a essência determinada deste ente. O ente concreto é o con-crescer destes dois aspetos: o ser e a essência" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"... a essência concreta de cada ente determinado é o que ele é em virtude somente do ser. Portanto, o ser é o princípio de tudo o que concretamente constitui o conteúdo real de tal ou tal determinado ente" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

16

"O ser é o princípio ilimitado de todos os entes e de cada ente em particular, e supõe, por isto, um outro princípio – que não seja ele mesmo – que explique a limitação de cada ente. Ora, este princípio é a essência... O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação da realidade do ente" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação da realidade do ente" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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Se o ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio de limitação da realidade do ente. O que isto implica? Devemos distinguir no ente o que é e o como é. O princípio do que o ente é é o ser, ao passo que o princípio do como o ente é é a essência. Aí é importante destacar duas dimensões: 1ª. ao realizar a sua essência o ente se desdobra em duas dimensões: o ser e a aparência; 2ª. além disso, ainda devemos considerar no como ele se desdobra, ou seja, na sua realização, o como se conhece.


- Manuel Antônio de Castro.

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"O ser é o fundamento interno da realidade do ente, do conteúdo entitativo do ente. Mas ser como fundamento do ente não coincide totalmente com este ente, como se fosse apenas fundamento deste ente aqui. O ser como ser é o fundamento de todos os entes. Por isto mesmo é que com o ser não está posta nenhuma limitação no ente, mas ele precisa de outro princípio que seja o princípio de limitação, a saber, o que chamamos de essência. O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação e determinação do ente. Ser não é essência e essência não é ser sem mais; um não se identifica com a outra. Há uma diferença entre ser e essência, que está posta no ente finito e que pertence essencialmente ao ente finito" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"Se nosso ser conseguisse expandir-se até atingir as dimensões infinitas do ser absoluto, deixaria de haver diferença entre nós e o absoluto, deixaríamos de ser alguém para naufragar totalmente na identidade absoluta do ser. E isto tudo, seja sob seu aspeto negativo de nunca podermos atingir a plenitude infinita, seja sob seu aspecto positivo de salvaguardar nossa individualidade [nosso próprio] de entes frente ao ser, tudo isto nós o devemos à nossa essência" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

21

"... a doutrina da imutabilidade da essência tinha a vantagem de poder-se construir uma ciência universal, válida para todos e para todos os tempos: sempre e para todos os homens valeria que o homem é um “animal rationabilis”. Esta verdade constituía uma conquista de valor eterno e universal. Esta lei interna era também chamada “a lei natural”. Isto porque a essência era também chamada de “natureza”, em vez de falar de “essência do homem” podia-se dizer também “natureza”. Aliás, é muito significativo este termo “natureza” para indicar a essência. A primeira preocupação filosófica do homem, na história, foi a de explicar a natureza, o mundo que o rodeia, do qual ele se considerava como fazendo parte da mesma forma como todos os demais entes que o rodeavam" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"Ora, o homem concreto, eu concretamente existente, não posso ser reduzido a uma definição essencial fixa de uma vez para sempre, diz o existencialismo. E isto precisamente porque o próprio do homem é o escolher. E não se trata de um escolher considerado abstratamente ou como não afetando o meu ser, mas um escolher em toda a sua concretude, em que eu mesmo “entro em jogo, numa tensão existencial entre um ou outro caminho que posso escolher. Por isto nunca se dá um escolher neutro, mas sempre toda escolha significa um escolher-se a si mesmo. Existir, para o homem, significa escolher continuamente ou sua autenticidade ou sua inautenticidade. E é neste sentido que nós, segundo a escolha que fazemos, segundo o modo como nos escolhemos e nos realizamos pela escolha, nos damos a essência: eu sou apenas aquilo que escolho ser. É este o significado fundamental do dito existencialista: “a existência precede a essência”, terminando assim com toda a teoria de um valor filosófico atribuído às essências possíveis, mas ainda não existentes, teoria tipicamente racionalista" (1).
Evidente que o ser humano como ser humano não tem esse poder. É, no fundo, a radicalização do racionalismo. O ser que somos nos foi doado. Porém, a realização deste ser que nos foi doado exige uma caminhada de apropriação, pois todas as nossas escolhas são regidas pela lei do que nos é próprio ou como diziam os gregos: por nossa Moira. E ninguém pode fugir à sua Moira.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"Ente finito significa que não é o ser pleno e ilimitado, mas que é tal e não tal outro. Ente finito é um ente limitado em seu ser pela essência, pela qual ele é o que ele é. Por isto, o espírito finito só pode atingir o ser do ente através de “o que é” do ente finito, ou seja, o que os escolásticos chamavam a “quidditas” de um ente finito, termo este proveniente do “quid est?”, isto é, “o que é?” este ente finito ou aquele ente finito" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.
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