Corpo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

Corpo é uma questão. E como questão não cabe numa definição que o configure enquanto essência. Qualquer resposta implica necessariamente um mergulho nas questões em que o corpo se tece e entretece: O que é o Ser? O que é o ser humano? O que é a verdade? Não são três questões sucessivas, porém, a referência de Ser e essência do ser humano acontece no desvelar-se enquanto verdade, sentido, linguagem e mundo. A esse desvelamento denominaram todas as culturas e épocas: corpo. Evidente que é um corpo social e poético.


- Manuel Antônio de Castro

2

As recentes descobertas da genética podem esclarecer nossa compreensão do corpo e da alma. O que Fritjof Capra afirma no livro A teia da vida (1) é que cada célula é uma parte que, em si, contém o todo. O que ocorre em micro ocorre em macro. É o código genético que sempre comparece e desfaz a visão tradicional metafísica, acentuada pelo cartesianismo. Capra fala de reciclagem e resíduos no processo de a célula se produzir e reproduzir, produzindo o próprio código genético. Guimarães Rosa no conto "Nada e a nossa condição" (2) mostra, no final, a "cremação" do corpo/casa e depois de um ascender acima da montanha numa transfiguração misteriosa, onde luz e trevas não se distinguem, descem à Terra as cinzas. Resíduos? Mas não são as cinzas que refertilizam a terra-mãe? Contudo, há algo mais complexo: a relação do código genético com a Moira / destino, ou seja, a realização de cada um em seu sentido. A genética não fala da realização do corpo como sentido e experienciação de vida. A reunião da genética com o sentido da vida dá-se no mito de "Cura", de Higino. Trata-se de refletir aí sobre a ação em seu sentido originário. Temos ser, conhecer e dizer, inter-ligados. Aí o enigma se dá em torno do "inter", que é o solo comum onde cresce o ser, o conhecer/perceber e o dizer (em grego: on/einai, noein, legein). É a ação e seu sentido que dão o alcance de cada um desses três núcleos. Mas uma tal ação provém do "inter". Ora, no ser humano, o "código genético", se comparado com o de um outro qualquer on/ente, mostra uma diferença radical: se, por um lado, já lhe é doado, por outro, o "seu sentido" vem do agir que une einai/ser, noein/perceber e pensar, legein/dizer. Porém, um tal agir tende para a sua plenitude de sentido na medida em que há uma transfiguração, mas num nível e densidade que vão além do que ocorre na célula de uma planta. Na cadeia da vida, vida e morte são um processo em diferentes escalas de metabolismo, reciclagem e resíduos. Contudo, o que isso quer dizer em termos do ser humano, enquanto o humano do ser humano? Não seria o que Rosa nos diz? Mas então como distinguir corpo e alma? Não podemos considerar o corpo como algo apenas, mas o que nesse algo se realiza como mundo e sentido. E é neste horizonte que deve ser considerada nossa finitude frente ao não-finito.


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 2004.
(2) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ______. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.

3

Descartes separa o ser-humano-corpo em duas realidades: res cogitans/realidade pensante e res extensa/realidade extensa. Essa divisão é a base da modernidade, daí a dificuldade de hoje pensar o corpo como um todo. Não só isso, experienciá-lo como um todo. A argumentação da consciência, determinando não só o ser mas o próprio real/corpo só é aceitável se admitirmos a dicotomia cartesiana. Isso levou a entender a leitura apenas como um exercício racional-silencioso ou em voz alta, mas do qual se afastou o corpo. A tripla leitura de voz-razão, música e dança procura resgatar a leitura-corpo. Mas essas três só são possíveis a partir da escuta do que se é. No que se é, nunca há a dicotomia cartesiana. As observações de Freud não seriam, no fundo, sobre a recusa do corpo como um todo?


- Manuel Antônio de Castro

4

Pode-se pensar o corpo como conceito ou como questão. E, então, tudo será diferente em relação ao corpo e em nossa relação com ele. No corpo, todas as filosofias, religiões e teorias científicas são aí contidas, incorporadas. Mas quando deixamos o corpo ser, ele se tornará corpo-poesia e corpo-pensamento. O corpo como corpo é sempre insólito, admirável, misterioso, mágico. Deixar o corpo ser corpo, pensar o corpo, eis a questão. Toda obra de arte é um corpo se é obra de arte. Não importa a Musa que a preside.


- Manuel Antônio de Castro

5

A tensão entre poiesis e linguagem se dá concretamente na estrutura. Aí podemos entender estrutura de duas maneiras: como organização e como corpo. É nesta distinção que se decide essencialmente a di-ferença e re-ferência entre função e referência. Na relação, o corpo está em função da organização, do sistema, enquanto faz estes funcionarem tendo em vista o próprio sistema, sem levar em conta o corpo. Corpo é a con-figuração do ser humano tendo em vista o que é enquanto identidade e existência, e não mera organização, ou seja, não se reduz a ter uma função dentro da organização.


- Manuel Antônio de Castro

6

A ideia de corpo do ser humano é muito restrita como tal. Contudo, ele, como célula de um corpo maior, contém todo o código genético, toda memória. Que corpo maior seria este?
Em princípio, há três corpos, claro, perfazendo e sendo um e o mesmo no sentido de Heráclito: "[...] hèn pánta eînai" (Tudo é um)"(1).
Na realidade, são três corpos misteriosamente unidos. O mais imediato é meu corpo, com tudo que sou e não sou. Mas este está integrado a um corpo maior que é a mãe Terra. Desta faz também parte a Lua e os demais planetas, indo até não se sabe onde. É no corpo terra-lua que estão integrados todos os corpos sociais, constituídos pelos diferentes povos e culturas. Todo social está integrado a uma terra-lua. A presença da Lua e dos planetas se dá misteriosamente. O exemplo mais pregnante é a referência: Mulher-Terra-Lua. A Lua como satélite da Terra é um conceito que não leva a nada. Já a Lua como corpo-terra se faz presente nas marés, nas estações, nas colheitas. Faz-se muito mais presente no ciclo lunar e no ciclo menstrual da mulher. Isso quer dizer que está profunda e misteriosamente ligada à fertilidade, que dá a identidade do que é ser mulher, e ao ciclo vida / morte. Mas há um terceiro corpo que a tudo engloba numa ciranda incessante e maravilhosa. É o grande Corpo Místico como Dzoé. Esta engloba todas as formas de vida e todos os ecossistemas. A ela está ligada a Memória, o Tempo e a Linguagem. Tanto o Corpo-ser-humano como o Corpo-Terra-Lua-Mulher têm seu vigor originário e inaugural no Corpo-Místico-Dzoé.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HERÁCLITO. Os pensadores originários. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.

7

O corpo é o mistério do limiar, a borda de todo trans-bordamento. Daí, o corpo é o vestir do "trans-", que ao se dar com "trans-", permite o aparecimento do corpo como limiar onde convive a borda, a margem e o trans-bordamento, imbricando-se mutuamente. De modo que, o que chamamos de alma é a borda se fazendo alegria, beleza, vida do trans-bordamento e do trans- da travessia. Nela, a diferença e diversidade são um e o mesmo como corpo de verdade e sentido e de fala e voz, escuta e silêncio. Corpo é a visibilidade ressoante do trans: transbordamento e trans-vessia, do diferir na identidade de vida/morte.


- Manuel Antônio de Castro

8

A exigência moderna de se partir do ser humano, impõe que se pense e compreenda o entre-ser como corpo. Esse "corpo" se constitui e se figura no poder-ser como questão, em que ela é poético-onto-fenomenologicamente o pro-jeto das possibilidades do poder-ser como disposição e compreensão. Como entre-ser o corpo é a Cura e as pro-curas, e reúne em-si e no para-si, como abertura dada pela Cura, mundo e verdade. A nossa condição "corporal" é ser-no-mundo, ser-em e ser-com. Realizar o projeto do entre-ser e o entre-ser do projeto é realizar o poder-ser inerente ao entre, à Cura. E isso é realizar o corpo. Realizar o corpo é realizar o ser-humano como Entre-ser. Tal realização se dá na medida em que o corpo se torna obra de arte, ou seja, o sentido do entre-ser.


- Manuel Antônio de Castro
Ver também:

9

"O uso de um órgão/parte do corpo humano para descrever um aspecto metafísico é uma prática comum no mundo inteiro. Os textos e símbolos do Antigo Egito são vastamente permeados com este entendimento de que o homem (no todo e em partes) é a imagem do Universo (no todo e em partes)" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 95.

10

"O corpo é entendido, hoje, como organismo, funcionando como combinação estrutural entre partes; como produto de um código genético, mapeável determinação que operacionaliza todo o nosso devir biológico; como entidade étnico-política, representando valores nos vetores do jogo de forças sociais; como força de trabalho a serviço de um projeto econômico e político que escraviza os corpos que promete libertar pelo consumo; como matéria e forma combinadas de diversas maneiras, conforme a estética que se imponha em cada conjuntura ou que se exponha em cada produto cultural. Por um lado, fica claro que não se entende o corpo em sua corporeidade – porque já não se pergunta pelo vigor que o corpo é. Por outro, o que é comum a todos estes encaminhamentos não-corporais de representação do corpo é o entendimento de que ele seja algo como uma unidade material do ente " (1).


Referência:
(1) BRAGA, Diego. "A terceira margem do mito: hermenêutica da corporeidade". In: Revista Terceira margem. Revista do Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ. Ano XIV, 22, jan.-jun, 2010, p. 53.

11

"A cada cultura corresponde alguma concepção de corpo, pois só podemos falar de cultura e corpo já no horizonte de uma concepção do que seja o homem e a realidade. E, hoje, apelar para alguma disciplina e verdade científica como teoria certa, exata e única, é uma nescidade. Na globalização, a "religião da ciência e seus dogmas e verdade única" ruiu" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A filosofia e o pensamento do corpo". In: MONTEIRO, Maria Conceição e GIUCCI, Guillermo (Org.). Desdobramentos do corpo no século XXI. Rio de Janeiro: Editora Caetés / FAPERJ, 2016, p. 15.

12

"O que vem à presença e aparece a partir de si mesmo são os corpos (somata, em grego) animados e inanimados. Aquilo que, de maneira bem indeterminada nós nomeamos espaço é representado na ótica do corpo vindo à presença" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

13

"A acupuntura, que é considerada chinesa, na verdade, é egípcia. Os chineses referem-se a estes doze centros de poder, como os doze meridianos do corpo" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 95.

14

"Em meio às muitas procuras de cura, é a própria Cura a nossa cura de nossas procuras. Ela é tanto o equilíbrio externo quanto o interno, cujo centro vital é nosso ser, nosso próprio. Como? Na harmonia de estar e ser, porque como seres do entre sempre estamos sendo. Ora tendemos mais para o estar, ora para o ser, quando o essencial é procurar e achar a justa medida de ser e estar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 232.

15

"Aristóteles nomeia aquilo que nós chamamos de espaço com dois nomes diferentes [em grego]: Topos e chora. Topos é o espaço que um corpo ocupa imediatamente. Este espaço ocupado pelo corpo foi inicialmente configurado pelo corpo (soma, em grego). Este espaço tem os mesmos limites que o corpo. Uma observação a este propósito: o limite não é, para os gregos, aquilo pelo qual alguma coisa cessa e toma fim, mas aquilo a partir de onde alguma coisa começa, por onde ela tem seu acabamento. O espaço ocupado por um corpo, topos, é o seu lugar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

16

"Considerando que somos um corpo, não um organismo, não há distinção entre o material, o intelectual e o afetivo-sentimental. Somos uma unidade corporal enquanto corpo -eros-mundo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.

17

A resposta à questão “o que é o corpo?” é muitas vezes confundida com organismo, porque não se considera a questão que lhe é correlata da diferença ontológica, isto é, a diferença que constitui a especificidade do ser humano e o distingue de todos os demais entes, sejam eles animais, vegetais, minerais. Por tal diferença o ser humano se torna humano na medida em que ontologicamente já mora na clareira do ser e só pelo pensar do ser que nele se dá, ele desvela no seu agir o sentido de todos os demais entes.


- Manuel Antônio de Castro

18

Outro é o ritmo do tempo em sua densidade poética, de onde surgem relações afetivas sob a efetiva vigência do tempo de eros, na vigência do tempo da proximidade e da distância. Temos de compreender que o tempo acontece no compasso do ser corpo, do incorporar o que se é e está sendo. Não é o fazer que faz o corpo e suas experienciações, mas o ser, realizando-se, incorporando-se, acontecendo, sendo. Dessa maneira, a relação e referência entre corpos tem uma duração própria e não técnica nem mecânica, inacessível às experiências.


- Manuel Antônio de Castro.

19

"Para os antigos egípcios, o homem, como um Universo em miniatura, representa as imagens de toda a criação. Já que Ra - o impulso criativo cósmico - é chamado de Aquele que reuniu, surgiu a partir de seus membros, então, o ser humano (a imagem da criação) é, similarmente, Um que reuniu. O corpo humano é uma unidade formada por diferentes partes colocadas juntas. Na Litania de Ra, cada uma das partes do corpo do homem divino é identificado com um neter/netert "(1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.

20

"Para os antigos egípcios, o homem era a personificação das leis da criação e, assim, as funções e processos fisiológicos das várias partes do corpo eram vistas como manifestações das funções cósmicas. Os membros e os órgãos tinham uma função metafísica, além de seu objetivo físico. As partes do corpo eram consagradas a um dos neteru (princípios divinos), que aparecem nos registros egípcios históricos recuperados" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.

21

"O que é o corpo? O alcance do que seja o humano, os humanismos e até o trans-humano, já deriva fundamentalmente do que seja concebido como corpo. Mas o corpo é uma questão ou é redutível às correntes conceituações científicas ou religiosas? E como se concebe o corpo, quando se trata de linguagem e poesia? A própria concepção do lugar do corpo do ser humano no universo já depende do que se compreenda, tanto pelo que seja o corpo, quanto pelo que seja o universo (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. " Eros, humano e os humanismos". In: MONTEIRO, Maria Conceição e outros (org.). Eros, Tecnologia, Transumanismo. Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2015, p. 43.

22

"Seja para o pensamento, seja para as artes, Éros sempre foi a grande questão, sendo a mais tematizada, interpretada e aprofundada. Por detrás do seu agir, como aquilo que o move, está sempre o Amor do amar. Dessa maneira, há uma certa impropriedade em se falar de Éros como algo substantivo, pois remete facilmente para a sua interpretação e compreensão como algo, como um ente. E não é isso Éros. Como essência do agir é total e completa energia de realização, é luz irradiante em contínuo acontecer. E isso já nos obriga a compreender o que é o corpo do ser humano, em toda a sua complexidade e densidade, muito além de um simples organismo e seu funcionamento. O ser humano, sendo essencialmente o agir de Eros, jamais pode ser reduzido a um corpo orgânico ou mecânico ou virtual. Sendo filhos, como somos de Pênia, a Pobreza, pro-curamos pelo que nos é necessário: o Bem) (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. " Eros, humano e os humanismos". In: MONTEIRO, Maria Conceição e outros (org.). Eros, Tecnologia, Transumanismo. Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2015, p. 45.

23

"Do mundo exterior não percebemos em cada momento senão um pequeno pedaço, uma reduzida paisagem ou aspecto que se nos apresenta destacado em relação à vaga totalidade, difusa e latente, do universo material. Por que percebemos em cada momento esse pedaço e só ele, em tão determinada perspectiva? Sem dúvida porque nosso corpo - coisa entre coisas - ocupa um certo lugar e nele recebe certas influências físicas que o modificam. Entre o universo e nós se intercala nosso corpo como um crivo ou retícula que seleciona por meio de suas sensações o acúmulo imenso de objetos que integram o mundo" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.

24

"É um fato notório que o corpo feminino está dotado de uma sensibilidade interna mais viva que a do homem, isto é, que nossas sensações orgânicas intracorporais são vagas e como que surdas comparadas com as da mulher. Neste fato vejo eu uma das raízes de onde emerge, sugestivo, gentil e admirável, o esplêndido espetáculo da feminilidade" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.

25

"A relativa hiperestesia das sensações orgânicas da mulher faz com que seu corpo exista para ela mais que para o homem o seu. Nós, homens, normalmente, esquecemos nosso irmão corpo; não sentimos que o temos, a não ser com o muito frio ou com o muito calor da extrema dor ou do extremo prazer. Entre nosso eu puramente psíquico e o mundo exterior não parece se interpor nada. Na mulher, pelo contrário, é solicitada constantemente a atenção pela vivacidade de suas sensações intracorporais: sente a toda hora seu corpo como interposto entre o mundo e seu eu, leva-o sempre diante de si, ao mesmo tempo como um escudo que defende ou prenda vulnerável. As consequências disto são claras: toda a vida psíquica da mulher está mais fundida com seu corpo que a do homem; quer dizer, sua alma é mais corporal - porém, vice-versa, seu corpo convive mais constante e estreitamente com seu espírito; quer dizer, seu corpo está mais tomado pela alma. Ocasiona, com efeito, na pessoa feminina um grau de penetração entre corpo e espírito muito mais elevado que na do homem. No homem, comparativamente, costumam ir cada um por seu lado; corpo e alma sabem pouco um do outro e não são solidários; pelo contrário atuam como irreconciliáveis inimigos" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.

26

"Porém, a conexão, peculiarmente estreita, entre alma e corpo, que caracteriza a mulher, mostra seus mais claros efeitos no sagrado recinto do amor. Se compararmos homens e mulheres de tipo médio, normais, de igual educação e cercados do mesmo ambiente social, logo salta à vista sua diferente atitude diante do erotismo. É normal que o homem sinta desejos de prazeroso arrebatamento carnal para com mulheres que não despertam em sua alma o menor afeto. Por assim dizer-lo dispõe a seu corpo para que cumpra os ritos do amor carnal, com total ausência de seu espírito" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 163.

27

"Na mulher, o corpo influi na normalidade da vida mais do que o do homem; porém, ao contrário, esse comportamento frequente faz com que a mulher, não doente, domine mais seu corpo do que o homem. Daí o estranho fenômeno de que a mulher resista à grande dor e à miséria física melhor que o homem e, em contrapartida, seja mais comedida em entregar-se aos prazeres excessivos, daí a surpreendente eurritmia e comedimento na postura feminina, no compasso e contenção em seus gestos, um não sei quê de recolhido e contenção que tem o corpo da mulher" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.

28

"Nesta observação creio que pode achar-se a causa desse fato eterno e enigmático que percorre a história humana de ponta a ponta, e de que não se deram senão explicações estúpidas ou superficiais: refiro-me à imortal propensão da mulher ao adorno e ao embelezamento do seu corpo. Visto à luz da ideia que exponho, nada mais natural e, ao mesmo tempo, inevitável. Sua nativa formação fisiológica impõe à mulher o hábito de fixar-se, de atender a seu corpo, que vem a ser o objeto mais próximo dentro da perspectiva de seu mundo. E como a cultura não é senão a ocupação reflexiva sobre aquilo para o qual nossa atenção se volta preferencialmente, a mulher criou a egrégia cultura do corpo, que, historicamente, começou pelo adorno, prosseguiu pelo asseio e se concluiu pela cortesia, genial invento feminino, que é, em conclusão, a fina cultura do gesto" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.

29

"O que no diálogo se entretece é o que somos como mundo. Mas há o mundo do orgânico e o mundo do corpo. Ao organismo corresponde o mundo já dado e manifestado enquanto rede de relações e funções. É o mundo das disciplinas, da língua como código, da linguagem como meio. Ao corpo corresponde o mundo inaugural, poético" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 34.

30

"Os olhos são a luz do corpo. Se os olhos forem bons, o corpo será luminoso. Mas, se forem maus, o corpo estará em trevas" (1) (2).


Referências:
(1) MATEUS, VI, 22).
(2) Citado no início do filme de Wim Wenders: Tão perto...tão longe. Prêmio do Grande Júri em Cannes, 1993.

31

"Na cultura chinesa, sem partir de dicotomias, a energia que flui em nosso corpo e o constitui como um todo na unidade de suas partes, é proveniente de cinco fontes de energia interligadas essencialmente através dos cinco elementos, na disputa (polemos, dizem os gregos) entre Yin e Yan. Os cinco elementos são: Fogo, Terra, Metal, Água, Madeira (matéria). E as energias são: 1a. ancestral; 2a. dos alimentos; 3a. do ar; 4a. do cosmo / meio ambiente; 5a. das relações afetivas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 23.

32

"Energia Cósmica. É difícil apreender toda importância desta energia pela densidade e amplitude de sua atuação e presença. Aí cósmica não diz uma noção científica e astronômica, espacial. Não se trata de meio ambiente no sentido espacial. Propriamente diz habitação, morada, onde, além de entrar em harmonia com tudo e todos, também vigora aí a energia cósmica como mundo e sentido de tudo. Habitar é o difícil exercício existencial de harmonizar essa tensão diferenciadora entre o que sou e o lugar do habitar, pois este não determina, mas influi ou para Yin ou para Yan. Isso é ser corpo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 24.

33

"A frase de Chantal ecoava-lhe na cabeça e ele imaginava a história do seu corpo: ele estava perdido entre milhões de outros corpos até o dia em que um olhar de desejo pousou sobre ele e o tirou da multidão nebulosa; em seguida, os olhares se multiplicaram e incendiaram esse corpo que desde então atravessa o mundo como uma tocha; é o tempo de uma glória luminosa, mas, logo depois, os olhares vão começar a escassear, a luz se apagará pouco a pouco até o dia em que esse corpo, translúcido, depois transparente, depois invisível, irá passear pelas ruas como um pequeno nada ambulante" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade, trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 31.

34

"Aliás, se perguntou, o que é um segredo íntimo? Será que é nisso que reside o que há de mais individual, de mais original, de mais misterioso num ser humano? Será que esses segredos íntimos fazem de Chantal esse ser único que ele ama? Não. É secreto aquilo que é mais corriqueiro, mais banal, mais repetitivo e comum a todos: o corpo e suas necessidades, suas doenças, suas manias, a prisão de ventre, por exemplo, ou a menstruação. Se escondemos pudicamente essas intimidades, não é porque elas são tão pessoais, mas, ao contrário, porque são lamentavelmente impessoais" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade, trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 74.

35

"... corpo é o acontecimento arcaico ou i-mediato da ou na vida, o proto-fenômeno ou o fenômeno originário (“Urphänomen”, segundo uma expressão de Goethe, num outro contexto e, claro, com outra conotação), na verdade, o mesmo que vida" (1).


Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "Notas sobre o corpo”. In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 36.

36

"Tudo se torna con-creto na imagem-questão do corpo, do incorporar. Incorporar é deixar-se conduzir pelo “in-”, de onde nos provém o “entre”. Toda viagem/leitura é uma caminhada do corpo, com o corpo e no corpo. Nele, tudo isso que constitui o ser-humano se incorpora. O corpo (não confundir com organismo) não é uma extensão, é o con-crescer poético do que é o ser-humano no que lhe é próprio: o humano" (1).


Referência:
(1) Cf. "A ação e a caminhada de vida". In: www.travessiapoetica.blogspot.com, 2006. Blog de Manuel Antônio de Castro.

37

"Caminho de passagens e paragens quer dizer aqui o processo poético de incorporação do que cada ser-humano já desde sempre é no que lhe é próprio, em sua identidade de diferenças. Por isso, a incorporação pressupõe passagens e paragens. Estas indicam um movimento poético de ascensão e descensão, de desvelamento e velamento, de pôr e depor, que vão dando corpo ao que somos. Este não deve ser confundido com organismo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: caminho de paragens e passagens". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 200.

38

"Nosso corpo é feito de paragens (limites) e de passagens (não-limites). O corpo-acontecimento é o entre-ver, entre-ter, entre-compreender de paragens e passagens, articulados no pensar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: caminho de paragens e passagens". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 200.

39

" - Qual o aprendizado que se pode tirar do isolamento? ".
- Aquilo que já sabíamos e havíamos esquecido: somos um só corpo, com todo o planeta. Não existe nada nem ninguém separado. Somos a vida da Terra em transformação e pertencemos à espécie humana. Não importa se seus olhos são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu, que língua fala" (1).


Referência:
(1) "O vírus faz lembrar que somos todos humanos". Entrevista dada pela Monja Coen - Líder espiritual - à jornalista Maria Fortuna. In: O Globo, Segundo Caderno, 19-03-2020, p. 1.

40

"A diferença e referência entre consciente e inconsciente não se pode reduzir apenas a mecanismos e processadores, mas inclui ambas as coisas. O que a fenomenologia do fenômeno nos faz perceber é que qualquer emergente na vida perfaz um movimento só na criação das pessoas. Sem o percurso desta identidade, de igualdade e diferença, não é possível sentir-se dentro nem encontrar-se com movimento de transformação da fenomenologia de todo fenômeno. Assim é indispensável passar dos mecanismos para o sentido que revelam e a que visam os mecanismos" (1).
Quando examinamos o ser humano e dizemos que ele é constituído por um organismo, reduzimos seu corpo apenas aos mecanismos e seus processos de funcionamento. E esquecemos que um corpo não pode ser reduzido a isso, não pode ser reduzido a funções. Seu corpo é mais complexo e rico. E a grande diferença é que o corpo em sua realização como pessoa portadora de uma identidade e diferença, sempre se dá na dinâmica da caminhada (existência) da realização de um sentido.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: -----. Filosofia contemporânea. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 70.

41

"Poesia é conceder silêncio à palavra (que é corpo) e ceder palavra-corpo ao silêncio, enquanto dança propriamente é a concessão de corpo (que é palavra) ao nada e imediatamente, cessão de nada à corporeidade. Dança é, portanto, conceber o corpo poeticamente. Poetizar é consumar a palavra como dança " (1).


Referência:
FAGUNDES, Igor. Macumbança - Poesia - Música - Dança. São Paulo / Guaratinguetá: Editora Penalux, 2020, p. 110.

42

mergulho na nascente do meu corpo
e chego a outro mundo
eu tenho tudo
de que preciso aqui dentro
não há motivo para procurar
em outro lugar
- casa (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 160.

43

Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa, sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o logos que a tudo põe, reúne e diz.


- Manuel Antônio de Castro.
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