Desejo

De Dicionário de Poética e Pensamento

Tabela de conteúdo

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Todo prazer é a satisfação de um desejo. Mas o que é o desejo? Formou-se da palavra latina: desiderium: (1) Desejo (de alguma coisa que se teve e não se tem mais) (o que já temos porque somos e não temos mais é o outro de nós mesmos); (2) objeto de carinho; (3) Necessidade natural (natural vem de physis, de quem recebemos o que somos, nosso ser como doação. Como doação que somos já nos foi doado também o desejo, a falta, de ter aquilo que nos foi dado e não temos, o que nos co-pertence e não temos, por isso pro-curamos como sendo parte de nós, mas que não pode ser outro senão o que já somos e não temos. É, portanto, uma necessidade natural, um desejo). Desiderium formou-se do verbo: de-sidero: deixar de ver, sentir falta de; daí: procurar, desejar, exigir. O deixar de ver está ligado à formação do verbo: de+sidus: astro, sol, estelas (constelação) ou sidereus: sidéreo, relativo a um astro, celeste, divino. O prefixo de- diz perda de alto a baixo. O desejo em sentido essencial remete para o que em nós vigora como luz e ainda não temos, daí o desejar, cobiçar, a concupiscência.


- Manuel Antônio de Castro

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"Mas, sem dúvida, se não podemos falar em sensação pura, também, em se tratando do ser humano, é impossível ficar preso a uma razão pura. Por isso, melhor do que falar em instinto, seja melhor dimensioná-lo pelo mito de Cura, conjugando a sua origem, tanto em Eros, quanto em Cura, fazendo desta uma dimensão do próprio Eros, pois, em última instância, as libidos são sempre uma procura, inerente ao próprio do ser humano, enquanto dimensionada por Eros" (1).
Esse sentido de procura como impulso da libido, a denominamos também desejo, embora tenha este um âmbito semântico mais amplo e variado.


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eros, o humano e os humanismos". In: Eros, tecnologia, transumanismo. MONTEIRO, Maria Conceição e Outros (org.). Rio de Janeiro: Caetés, 2015, p. 47.

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"Mas pela ambígua origem de Eros e nossa nele, podemos falar de quatro libidos: libido sentiendi, sciendi, essendi e, reunindo-as no querer, a libido dominandi. Libido, palavra latina, diz originariamente o impulso vital, regido pelo desejo e pela procura do prazer, da satisfação, da completude e realização. Não se pode aí reduzir “vital†a animal, reduzindo a libido a um instinto, próprio dos animais. Tal classificação já parte da interpretação do ser humano como “animal racionalâ€... . Não se pode ligar só a essa dimensão. O problema todo está em determiná-lo por ela. Seria reduzir o ser humano, tendo a origem em Eros, de onde provém certamente a libido, à libido sentiendi (impulso para o sentir)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eros, o humano e os humanismos". In: Eros, tecnologia, transumanismo. MONTEIRO, Maria Conceição e Outros (org.). Rio de Janeiro: Caetés, 2015, p. 46.

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No filme Samsara, do diretor indiano Pan Nalin, há a seguinte fala do monge Tashi:
Tem coisas que devemos "desaprender" para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas (1)
O monge budista Tashi está na dúvida se deve sair do mosteiro ou não, para poder realizar o desejo sexual pela mulher Pema, tomado que se sente pela libido sentiendi.
(1) NALIN, Pan. Samsara, filme de 2002.

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No filme Samsara, de Pan Nalin, o personagem Tashi diz:
"Tem coisas que devemos desaprender para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas" (1).
Trata-se, evidente, do que podemos compreender por possuir. O que recebemos e possuímos unicamente é o ser que somos e nos foi feita doação. A posse de todo o resto não passa de um uso provisório. Mas o que somos são possibilidades de e para possibilidades. Toda realização de uma possibilidade implica o empenho por algo. Sem o alcance deste algo não é possível renunciar a ele. Como somos possibilidades de e para possibilidades, é necessário que não nos prendamos às possibilidades realizadas, para podermos livremente nos lançar na realização de novas possibilidades. Daí a necessidade da renúncia para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o empenho de todos os empenhos: o que somos e nos foi doado.


- Manuel Antônio de Castro
(1) NALIN, Pan. Samsara, 2002.

6

Nesse mesmo filme de Pan Nalin (Samsara), o final coloca outro pensamento importante. O mestre dos monges budistas, sente que está para morrer e escreve ao monge que saiu do mosteiro, Tashi, atraído por uma mulher, Pema. Escreveu: "...estarei voltando para Samsara. Eu sei que nos encontraremos de novo. Talvez quando isso acontecer você possa me dizer o que é mais importante: satisfazer mil desejos ou conquistar apenas um. Do seu Apo" (1). Aí está colocada a questão da essência do desejo na vida do ser humano, uma vez que ele pode implicar o bem ou serão apenas bens?.


- Manuel Antônio de Castro
(1) NALIN, Pan. Samsara, 2002.

7

"Bong Joon-Ho explora dois veios inesgotáveis da experiência humana em sociedade: a ambição e a opressão. Primeiro, o filme [Parasita] retrata magnificamente a conclusão do sociólogo francês Jean Baudrillard (1929-2007) de que "a humanidade é produto do desejo e não da necessidade" "(1).


Referência:
(1) ALCÂNTARA, Eurípedes. "Pode-se criticar o Parasita?". In: O Globo, sábado, 15-2-2020, Caderno Opinião, p. 3.
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