Desaprender

De Dicionário de Poética e Pensamento

Tabela de conteúdo

1

Alberto Caieiro, o poeta-pensador, já disse poeticamente o que é desaprender:


Mas isto (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender . (Poema XXIV)
Procuro despir-me do que aprendi,:
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos ... (Poema XLVI) (1)

´

Isso é enigmático porque devemos aprender para desaprender, ter para renunciar, porque só renunciando chegamos a ser o que temos, porque só podemos ter o que somos e só podemos ser o que temos. Portanto, não há uma incompatibilidade entre ter e ser. Entra aí uma terceira dimensão nesse jogo dialético entre ter e ser, e ser e ter: o desprendimento, a renúncia, porque a renúncia não tira, dá. Nesse jogo dialético se torna também claro o jogo entre identidade e diferença. A identidade nos remete para o horizonte do fundar, do ser, do nada. Já a diferença nos mostra em que consiste o próprio, (ter), que só o nada, (ser), pode fundar. Enfim, toda aprendizagem é um desaprender.
-Manuel Antônio de Castro.


2

No filme Samsara, do diretor indiano Pan Nalin, há a seguinte fala do monge Tashi:


Tem coisas que devemos "desaprender" para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas (1)
O monge budista Tashi está na dúvida se deve sair do mosteiro ou não, para poder realizar o desejo sexual pela mulher Pema, tomado que se sente pela libido sentiendi.
(1) NALIN, Pan. Samsara, filme de 2002.


Referência:
(1) PESSOA, Fernando. Alberto Caeiro. S. Paulo: Cia. das Letras, 2004, p. 60, 84.


3

No filme Samsara, de Pan Nalin, o personagem Tashi diz: "Tem coisas que devemos desaprender para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas". Trata-se, evidente, do que podemos compreender por possuir. O que recebemos e possuímos unicamente é o ser que somos e nos foi feita doação. A posse de todo o resto não passa de um uso provisório. Mas o que somos são possibilidades de e para possibilidades. Toda realização de uma possibilidade implica o empenho por algo. Sem o alcance deste algo não é possível renunciar a ele. Como somos possibilidades de e para possibilidades,é necessário que não nos prendamos às possibilidades realizadas, para podermos livremente nos lançar na realização de novas possibilidades. Daí a necessidade da renúncia para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o empenho de todos os empenhos: o que somos e nos foi doado. Por isso, no filme, o mestre de Tashi diz: "O que é melhor: satisfazer mil desejos ou realizar apenas um?". Este "um" só pode ser o "bem" de todos os "bens", aquele que nos deve guiar em todas as procuras. Simplesmente porque os bens estarão sempre no âmbito dos "entes". E a realização do que somos só nos pode advir do Ser/Bem. É este o Amor. Sem dúvida nenhuma, aí a palavra essencial é: satis-fazer. "Satis", palavra latina que diz plenificar, ou seja, aquilo que nos faz plenos.


- Manuel Antônio de Castro


4

"Desaprender o social, o coletivo, o público e o hábito, que é este ver e interpretar publicamente, socialmente, habitualmente - isso quer pois dizer: retirar-se do uso abusado; retrair-se para o só, ensozinhar-se, ou seja, singularizar-se, fazer-se um e só. Aprender a desaprender é igual e simultaneamente aprender a ser só, é exercício de encaminhamento da solidão para a solidão - o lugar e a hora do ver" (1).
Fica claro que o desaprender é o movimento de arrancar, descobrir e desfazer-se das máscaras, a persona que cada um socialmente e por hábito vive, para cada um ser o que é e recebeu para ser.


- {{Manuel Antônio de Castro]].


Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "O desaprendizado do símbolo (A poética do ver imediato)". In: Revista Tempo Brasileiro, 171, Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 40.
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