Persona

De Dicionário de Poética e Pensamento

Tabela de conteúdo

1

O homem moderno é concebido em duas tendências: ou subjetividade psicológica, ou através das leis estabelecidas pela ciência que podem ser naturais, sociais, econômicas, culturais etc. É nessa tensão que se dá a personalidade. Esta vem de persona, palavra latina usada no teatro para nomear a máscara que o ator usava no palco quando desempenhava um papel e encarnava determinada personagem. A palavra Persona vem do etrusco phersu e este do grego prosopon. Há aí uma construção do homem de cunho metafísico, baseada na aparência e no falso, a persona, ou seja, que parece ser, mas não é, desempenha um papel, isto é, uma personagem. Nota-se facilmente que a persona nomeia um agir aparente, que não corresponde à essência do que se é. As ações e valores de um ator não são, necessariamente, as ações e valores dos personagens que representa. Às vezes são o contrário, mas que o agir e valores da personagem exigem que mostre essas aparências. Por outro lado, isso gera um paradoxo no ator, porque muitas vezes há a tendência de o ator passar a viver uma vida dupla na tensão de ser e parecer, de ser e não ser. Nestas tensões temos a importante questão da representação, daí a ligação essencial com persona e personagem. O famoso Diretor de cinema Ingmar Bergman, tematiza esse paradoxo no seu famoso filme Depois do ensaio. E ainda mais expressamente no filme Persona. Nele reflete sobre a essência da máscara, além, claro, de tematizar outras questões essenciais. Essa é uma temática cujas questões Bergman pensa continuamente. A transformação do ator em personagem viva, tornando-se uma só pessoa é tematizado profundamente por Bergman no filme com roteiro dele e dirigido por Liv Ullmann: Infiel.


- Manuel Antônio de Castro.

2

O tema da Persona se faz presente em todos os grandes autores (e na vida de cada um de nós), expondo-o de formas variadas. Completando a questão da Persona, vamos ter a temática do espelho, praticamente a mesma. Neste caso, temos dois contos famosos, de dois autores igualmente muito importantes e famosos: O conto "O espelho", de Machado de Assis, e o conto "O espelho", de João Guimarães Rosa. E, claro, um mito importantíssimo, onde aparece essa temática de uma maneira essencial: o mito de Narciso. No cinema, temos um filme famoso de um diretor igualmente muito importante e famoso: Ingmar Bergman. Seu filme Persona está entre os mais famosos e enigmáticos. No fundo, a questão da Persona sempre nos coloca diante do dilema da vida de todo ser humano: ser e parecer, ser ou parecer. Ligadas a estas questões ainda temos: pessoa, que se origina de persona, e personalidade. E na literatura / arte / ficção: personagem.


- Manuel Antônio de Castro.

3

" Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes " (1).
Sem dúvida nenhuma, a palavra retrato no conto tem em português como sinônimo: foto. Compreendemos melhor o que o poeta-pensador nos convida a pensar quando apreendemos a essência da foto, que tem origem na palavra grega phos e tem como significado essencial: luz. É impossível tirar duas fotos iguais porque a luz é pura energia, em contínua manifestação e transformação, fazendo-nos lembrar que a realidade se constitui a partir da luz e de sua vigência. Porém, não podemos compreender aí energia apenas no sentido científico: energia da luz, em sentido essencial, é antes de tudo energia de sentido e realização: linguagem, diziam os gregos: logos. Ainda podemos nos perguntar: o que a foto tem a ver com o espelho? É neste horizonte que temos de pensar o que, em essência, significa persona e personagem.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. "O espelho". In: -----.Primeiras estórias, 3. e. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 71.

4

"Fala da médica:
" Elisabet, não creio que haja motivos para ficar no hospital. Só lhe faz mal ficar aqui... Pensa que não entendo? O inútil sonho de ser, não parecer, mas ser. Estar alerta em todos os momentos. A luta: o que você é com os outros e o que você realmente é. Um sentimento de vertigem... e a constante fome de finalmente ser exposta. Ser vista por dentro, cortada até mesmo eliminada. Cada tom de voz, uma mentira. Cada gesto, falso. Cada sorriso, uma careta... Mas pode se recusar a se mover e ficar em silêncio. Então, pelo menos, não está mentindo. Você pode se fechar, se fechar para o mundo. Então não tem que interpretar papéis, fazer caretas, gestos falsos. Acreditaria que sim, mas a realidade é diabólica. Seu esconderijo não é à prova d'água. A vida engana em todos os aspectos. Você é forçada a reagir. Ninguém pergunta se é real ou não, se é sincera ou mentirosa. Isso só é importante no teatro, talvez nem nele. Entendo por que não fala, por que não se movimenta. Sua apatia se tornou um papel fantástico. Entendo e admiro você. Acho que deveria representar este papel até o fim, até que não seja mais interessante. Então pode esquecer, como esquece seus papeis " (1).


Referência:
(1) BERGMAN, Ingmar. Filme Persona. A médica está se dirigindo à personagem Elisabet, atriz de teatro que, de repente, fica em silêncio e se nega a falar. Não esqueçamos que personagem vem de Persona.

5

"Desaprender o social, o coletivo, o público e o hábito, que é este ver e interpretar publicamente, socialmente, habitualmente - isso quer pois dizer: retirar-se do uso abusado; retrair-se para o só, ensozinhar-se, ou seja, singularizar-se, fazer-se um e só. Aprender a desaprender é igual e simultaneamente aprender a ser só, é exercício de encaminhamento da solidão para a solidão - o lugar e a hora do ver" (1).
Fica claro que o desaprender é o movimento de arrancar, descobrir e desfazer-se das máscaras, a persona que cada um socialmente e por hábito vive, para cada um ser o que é e recebeu para ser.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "O desaprendizado do símbolo (A poética do ver imediato)". In: Revista Tempo Brasileiro, 171, Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 40.
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