Luz

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Tabela de conteúdo

1

"Na Grécica, luz (phos) é o princípio de tudo (arché panton): da vida e do pensamento (zoé e nous), da arte e da Cidade (techne e Pólis), do conhecimento e da produção (episteme e poíesis), do agir e do prestar (pracsein e chresthai)" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A luz na arte grega". In: ------. Filosofia grega - Uma Introdução. Teresópolis: Editora Daimon, 2010, p. 89.

2

E a verdade para o grego: a-letheia, se funda na luz, pois significa o vir à luz, o desvelamento. E este é como se chamou sempre a verdade, uma verdade que permite e possibilita todo ver e compreender, na medida em que a verdade é uma doação da clareira, na qual convivem claridade e escuridão, pois como diz Rosa no conto “Nada e a nossa condição”, a luz enquanto claridade constitui-se num paradoxo:
“O que era a luzência, a clara, incongruência claridade, seu tétrico radiar, o qual traspassava a noite” (1).
Em verdade, não sabemos o que seja a luz. E, no entanto, toda imagem e seu sentido se funda na luz. E note-se como a imagem muda de aparência segundo a incidência e a intensidade ou ausência de luz, dando origem às diferentes cores. Em essência, a complexidade e mistério da luz é o mesmo mistério da imagem e da cor de cada uma. Luz, essencialmente, é sentido, verdade, mundo e vida. Por isso, quando nasce uma criança, dizemos que a mulher dá à luz, um homem não dá à luz. No que há de essencial, a teoria de gênero nada pode. Outra expressão neste horizonte é o dizermos para nos referirmos à verdade: vir à luz ou à luz da razão.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ---. Primeiras estórias, 3. e. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1967, p. 89.

3

"Quando, de manhã cedo, um físico sai de casa para ir pesquisar no laboratório o efeito de Compton e sente brilhar nos olhos os raios de sol, a luz não lhe fala, em primeiro lugar, como fenômeno de uma mecânica quântica ondulatória. Fala como fenômeno de um mundo carregado de sentido para o homem, como integrante de um cosmos, na acepção grega da palavra, isto é, de um universo cheio de coisas a perceber, de caminhos a percorrer, de trabalhos a cumprir, de obras a realizar. A luz fala, sobretudo, de um mundo em que ele nasce e cresce, ama e odeia, vive e morre a todo instante. Sem este mundo originário, o físico não poderia empreender suas pesquisas, pois não lhe seria possível nem mesmo existir. E, ao atingir-lhe os olhos, a luz não somente fala, a luz é tudo isto" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Posfácio". In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback, 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 557.

4

"... para um grego luz é sempre energia irradiante em todo ser e não ser de tudo que é e está sendo, de tudo que não é nem está sendo. Energia de pura irradiação, luz concentra em si a força poética do raio de Zeus, que rege e acata todas as coisas: panta oikidzei kéranous (Diels, 66)" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A luz na arte grega". In: ---. Filosofia grega - Uma Introdução. Teresópolis: Editora Daimon, 2010, p. 90.

5

A luz é a energia do sentido e do silêncio e seu manto é a claridade. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio da luz. Portanto, a luz é o princípio de tudo, pois dela provêm tanto a claridade quanto a escuridão. E o silêncio é essa energia de plenitude e origem de sentido e verdade em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e velamento, como claridade e escuridão. É neste e somente neste horizonte que podemos diferenciar olhar e ver. Podemos olhar tudo e não ver nada. Nesta diferença está a essência do ver porque ele remete para a essência da luz. E é neste sentido que para o grego a luz é o princípio de tudo. Portanto, ver nos diz já originariamente o estar experienciando o princípio de tudo em tudo que se olha. Noutras palavras, o sentido de tudo. Só assim podemos não apenas olhar, mas, ao mesmo tempo, ver. Para tal dimensão remete a citação do conto do Rosa ["Nada e a nossa condição", no livro Primeiras estórias, acima citado no item 2 deste Verbete deste Dicionário].


- Manuel Antônio de Castro

6

Ao homem só é possível ver a partir da visibilidade do visível e a visibilidade do visível aparece e se manifesta como retraimento do não-visível, do sem-limite, o abismo de horizontalidade e verticalidade. A visibilidade está para a luz assim como o não-visível está para a escuridão. Tanto luz como escuridão dependem do visível como do não-visível e não o inverso.


- Manuel Antônio de Castro.

7

"O sendo de toda realidade é a luz de desvelamento em que todo velamento entre-acontece. Luz é energia irradiante de presença, realização e sentido, e não apenas a luminosidade. O entre-acontecer de desvelamento e velamento é a própria verdade poética da realidade doando-se em Mundo e retraindo-se na Terra" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.

8

realmente inacessível a luz em que habitas, ó Senhor, e não há ninguém, exceto tu, que possa penetrá-la bastante para contemplar-te com clareza. Eu não a vejo, sem dúvida, por causa do seu brilho, demasiado para os meus olhos, e, todavia, o que consigo ver, vejo-o através dela, da mesma maneira que o olho fraco do nosso corpo vê tudo aquilo que vê pela luz do sol, que, no entanto, não se pode contemplar diretamente" (1).


Referência:
(1) ANSELMO, Santo. "Cap. XVI - Que a luz em que ele habita é inacessível". In: Proslógio. Coleção: Os Pensadores. Santo Anselmo - Abelardo. São Paulo: Abril Cultural, 2. e., 1979, p. 113.

9

"Os olhos são a luz do corpo. Se os olhos forem bons, o corpo será luminoso. Mas, se forem maus, o corpo estará em trevas" (1) (2).


Referências:
(1) MATEUS, VI, 22).
(2) Citado no início do filme de Wim Wenders: Tão perto...tão longe. Prêmio do Grande Júri em Cannes, 1993.

10

"Não se deve reduzir a luz à claridade. A escuridão também pertence à luz e por isso mesmo nunca deixa de ser luminosa. A luz é tensão ontológica, a tensão da unidade de claridade e escuridão no próprio ser dos seres. É desta unidade que Heráclito de Éfeso diz que tudo é Um: (én panta einai) (Diels, 50)" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A luz na arte grega". In: ---. Filosofia grega - Uma Introdução. Teresópolis: Daimon, 2010, p. 89.

11

"Desse modo o esquecimento do ser se dá num caminho duplo e ambíguo, na caminhada do Ocidente: esqueceu-se o vigorar do mítico e do pensamento. Nesse sentido, devemos ter sempre em mente que não devemos procurar Platão, mas o que ele procurava. Nenhum mito, nenhuma obra de pensamento dá conta do que já o pensador Heráclito, no fragmento 16, propôs como questão para o pensar:
Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto”.
Não há doutrina ou teoria ou conhecimento que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse acontecer incessante e sempre inaugural manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro destino senão procurar o que todos os grandes pensadores e poetas procuraram em tudo que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso destino, com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o mesmo, é a unidade das diferenças, pois, não podemos esquecer, só há uma Lei e um Saber, a unidade da memória que a todos reúne e dá sentido. Essa unidade é Zeus, a Luz irradiante que congrega luminosidade e obscuridade, noite e dia, Eros e Thánatos. Eis nossa moira" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.

12

"A luz como tudo é a escuridão como nada. Por isso, quando vemos a luz nos julgamos na escuridão. Se a escuridão já não fosse também luz nunca poderíamos ver a luz, quando nos julgamos na escuridão" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 194.

13

"Ser feliz é viver na luz da verdade. O que é, no entanto, a luz para que possamos experienciar a verdade? Não será a luz a não-verdade da verdade? Não é a questão da morte que nos pode iluminar, dando-nos o sentido da vida em todas as vivências? Nunca podemos nos esquecer de que o vivente não é a vida, assim como o ente não é o ser" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 195.

14

"O segundo exemplo nos vem de Platão no "epos" da caverna. O homem acorrentado às sombras da caverna se desprende. E por que se desprende? Porque pro-cura o que já é. Caminha o caminho do ser, nosso maior bem. Ultrapassa o mundo das sombras e adentra a clareira e começa a ver o que cada um é na e pela luz do sol. Nessa luz pode até ver a noite estrelada. E aí vem a experienciação do extraordinário: ele só não pode olhar o que não pode ser olhado, a fonte de todo ver e luz: o sol" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 25.

15

"Normalmente só se fala desse enigma (sobre o Homem), mas há um outro. E diz:
A esfinge, aflita com aquela inteligência clara e rápida (aparentemente) recobra o fôlego e propõe novo enigma: São duas irmãs. Uma gera a outra. E a segunda, por seu turno, é gerada pela primeira. Quem são elas? A luz e a escuridão, responde Édipo. A luz do dia, clareira aberta no Céu, gera a escuridão da noite, que, por seu turno, precede a luz do dia ”.
O que este enigma nos quer propor? Qual a sua ligação com o anterior? As duas irmãs são, evidentemente, imagens-questões. Do quê? É clara a ligação entre os dois enigmas. A resposta ao primeiro enigma parece ser a certa e verdadeira, desfazendo então o enigma. Ao propor o segundo enigma, este mostra a ambiguidade da primeira resposta" (1).
Este enigma nos remete para o que o grego compreende por verdade, ou seja, aletheia. Ela é a tensão de desvelamento (luz) e velamento (escuridão). Nesse sentido é uma concepção da verdade muito diferente da concepção lógica da verdade.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.

16

tem dias
em que a luz tremula
e então eu lembro
que eu sou a luz
eu entro
e a acendo de novo
- potência (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 188.
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