Morte

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

"Da mesma forma que a presença (1), enquanto é, constantemente já é o seu ainda-não, ela também já é sempre o seu fim. O findar implicado na morte não significa o ser e estar-no-fim da presença, mas o seu ser-para-o-fim. A morte é um modo de ser que a presença assume no momento em que é" (2).


Referências:
(1) A tradutora de Ser e tempo, Márcia Sá Cavalcante Schuback, optou traduzir a palavra alemã Dasein por Presença. Dasein é uma palavra-chave no pensamento existencial e ontológico de Heidegger e a sua tradução implica já certas posições interpretativas de seu pensamento. Pessoalmente, prefiro a tradução Entre-ser. A mais corriqueira e banal é Ser-aí. Em vista disso, solicito que o leitor consulte neste Dicionário as palavras: Dasein, Presença e Ser-aí.
(2) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 320.

2

"Quando se pergunta, o que há para além da morte, nessa pergunta se esquece o essencial: todo além pressupõe um aquém. Seria mais importante pensar o além ou o aquém? Ou nenhum dos dois? Ou os dois e o meio, que é a travessia, já que não pode haver travessia que não faça parte do aquém e do além? Essas três dimensões dadas pelos advérbios recebem um nome muito comum e usado: tempo. Nenhum conceito dá conta da questão tempo. Não foi sem sentido que os gregos mostraram o tempo como devorador dos seus filhos, ou seja, o tempo é a morte vigorando" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 247.

3

A questão da morte já aparece nos ritos iniciáticos. Todo rito de iniciação implica uma transformação e, automaticamente, a morte de algo para o surgimento também de algo. O verbo iniciar é, pois, ambíguo: iniciar é introduzir, porque implica também o fazer morrer. A travessia se dá na tensão vida/morte di-mensionada na e como experienciação.


- Manuel Antônio de Castro
Ver também:
* Ressurreição

4

"– Antes de morrer se vive, Lóri. É uma naturalidade morrer, transformar-se, transmutar-se. Nunca se inventou nada além de morrer. Como nunca se inventou um modo diferente de amor de corpo que, no entanto, é estranho e cego e, no entanto, cada pessoa, sem saber da outra, reinventa a cópia. Morrer deve ser um gozo natural. Depois de morrer não se vai ao paraíso, morrer é que é o paraíso" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, 4. e., p. 63.

5

verdade que não podemos conquistar a morte; podemos, contudo, conquistar nosso medo da morte" (1).


Referência:
(1) KAZANTZAKIS, Nikos. Testamento para El Greco. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, p. 214.

6

"Na morte advém aos homens o que não esperam nem imaginam" (1).


Referência:
(1) HERÁCLITO. Fragmento 27. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 65.

7

"Não houve um dia da minha vida em que não tenha pensado na morte ou em que o pensamento da morte não tenha me tocado de alguma maneira. Mas então aconteceu algo curioso. Desenvolvi um abscesso com sinais de envenamento sanguíneo que precisou ser extraído. Senti uma pequena dor na operação e depois nada. Oito horas da minha vida foram completamente esquecidas. Isso me fascinou, pois pensei: "- A morte é assim. Você é uma luz acesa. E então um dia ela é apagada. Depois não há nada, não sobra nenhuma chama. A morte não é nada para se temer. E depois veio o grande problema, o problema devastador. Foi quando Ingrid morreu há quase oito anos. Logicamente, eu disse para mim mesmo: "- Nunca mais verei Ingrid. Ela se foi para sempre". Mas a coisa estranha é: sinto intensamente a presença de Ingrid, sobretudo aqui em Farö. E penso: "Não posso sentir sua presença se ela não existe, posso? Então é isso, a cirurgia que eu tinha feito foi uma reação química. Não foi uma morte real, mas uma morte artificial. Na morte verdadeira, pode ser simplesmente que Ingrid esteja esperando por mim e que ela exista. E que ela virá me encontrar. Então a coisa mais estranha acontece, pensei; "- É assim tão simples? Passamos nossas vidas pensando sobre a morte, o que acontece, o que não acontece. E realmente é simples assim. Aceito que irei encontrar Ingrid com minha morte, aquele outro pesadelo que nunca a encontraria de novo se desfaz" (1).


Referência:
BERGMAN, Ingmar. A ilha de Bergman. Fala de Bergman dizendo como encara a morte nesse filme de Marie Nyreröd sobre Bergman.

8

"A preocupação dos egípcios - quase obsessiva - com as ideias de nascimento e renascimento era o elemento fundamental de suas crenças funerárias: o renascimento era um dos estágios da existência após a morte. Os textos egípcios afirmam claramente que "a alma está no Céu, o corpo está na Terra" (Tumba de Pepi I), isto é, eles esperavam que o corpo físico ressuscitasse" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "A Vida Após a Terra". In: ---. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 147.

9

Ler é alimentar-se da e pela memória do que já desde sempre somos. Ser é o que há de mais autêntico, íntimo, profundo, imediato, evidente em cada um. O dizer mais radical e essencial é sempre: eu sou. Onde o sou é que é a fonte originária de todo eu, de toda subjetividade. Mas também o mais misterioso. O hábito das leituras essenciais nos predispõe para a escuta do seu silêncio, do seu mistério. Então se dá o sabor da sabedoria como advento do véu do mistério que se rasga: a morte. Viver e morrer são faces da mesma moeda. Mas quem faz do viver uma experienciação do morrer como sabedoria? A leitura silenciosa e que interioriza prepara um tal diálogo e caminho. Também poderíamos denominar uma tal leitura silenciosa: meditação.


- Manuel Antônio de Castro

10

“Os mortais são os homens. Chamam-se mortais porque podem morrer. Morrer diz: ser capaz da morte como morte. Somente o homem morre e, na verdade, somente ele morre continuamente, ao menos enquanto permanecer sobre a terra, sob o céu, diante dos deuses" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 130.

11

Mas por que temos medo? Seres da morte e da vida preferimos olhar a vida e voltar as costas para a morte como se o horizonte não terminasse justamente em nossa nuca. Para olhá-la só experienciando a vida com o terceiro olho, aquele que nos olha e aguarda como possibilidade de plenitude de sentido da vida: a morte. Pois querendo ou não querendo somos mortais. Essa é a experienciação máxima de pensamento e poiesis.


- Manuel Antônio de Castro

12

"A filosofia grega é uma experiência de Pensamento. Mas não é a única experiência grega de pensamento. Outra experiência grega de Pensamento é o Mito e a Mística. Uma outra, são os deuses e o extraordinário. Ainda uma outra é a Poesia e a Arte. Ainda outra é a Polis e a Politeia. A última, por ser no fundo a primeira experiência grega de Pensamento, é a Vida e a Morte, Eros e Thanatos " (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Apresentação". In: ---. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2010, p. 11.

13

"O radical de velar nos remete para um cuidado, como no substantivo velório. Mas o que no velório se vela não é o morto, mas o mistério da morte que se faz presente no morto. Essa ambiguidade está em Bewahrung, em desvelo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.

14

"Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade" (1).
Estas ideias seriam perfeitas se não houvesse apenas a dor, o sofrimento, o desespero, a ansiedade etc., que são simplesmente irredutíveis às sensações, pois há aquelas dores e aqueles sofrimentos que independem das sensações. Por exemplo, a perda de sentido pela morte de um ente querido ou de um filho, de um amor terminado, de surgimento de doenças inesperadas e assim por diante. O essencial na vida não depende de sensações, mas do sentido das sensações, pois o sentido não é algo meramente da consciência e do explicável. O sentido é o caminho e procura de plenitude, de libertação e iluminação. Em outras palavras: a procura essencial procura ser o que se é e recebeu para ser. E neste caminhar a dor e a alegria caminham juntas, não se sabendo quando começa e termina tanto uma quanto a outra. E qual é o mistério da paixão que é a causa do maior prazer e, ao mesmo tempo, do maior sofrimento quando termina? E a morte, como é algo inelutável, é o mais certo em nossa vida e o mais enigmático, nos sinaliza a necessidade da procura do sentido em tudo que fazemos e pensamos, enfim, que somos.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Trad. e Apresentação de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 25.

15

"Mortais são aqueles que podem fazer a experiência da morte como morte. O animal não é capaz dessa experiência. O animal também não sabe falar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 170.

16

"Morte, tudo que vemos acordados, sono, o que vemos adormecidos" (1).


Referência:
(1) HERÁCLITO. Fragmento 21. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 63.

17

A morte nada mais é do que o advento do não mais estar e passar a ser, não mais ser vivente para experienciar a vida, não mais ser instante para ser tempo e ser tempo para ser e deixar de estar.


- Manuel Antônio de Castro.

18

"Em todo existir há sempre um motivo, aquilo que nos move, comove e promove em tudo que fazemos e não fazemos: ser amando. Isso decorre de que não somos nós que nos movemos, mas o amar é que dá a energia e o sentido de todo mover. Amar é experienciar-se no entre Eros e Thanatos. A consumação de Eros é Thanatos, a morte. Esse é o abismo e perigo em que todo amante, porque é mortal, já está lançado" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 293.

19

"O que chamamos de realidade é a morte. O que vemos são as realizações da realidade, normalmente denonimadas de real. E alguém duvida da morte? Diante da morte, toda dúvida, fundamentada na razão duvidante, mostra como é limitada sua pretensão de conhecer, quando se trata da vigência da realidade da morte. O conhecer da razão jamais nos abrirá as portas da questão que nos convida a saber o não-saber de toda morte. A morte é o originário de todo saber que não-sabe. É um saber irrepetível, portanto, não conceitual. O indiscernível é a negação pretensiosa e inútil da irrepetibilidade sempre diferente, sempre inaugural, do próprio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 247.

20

Ironia forma-se do grego eironeía, proveniente do verbo grego: eíro ou eréo, que significa: perguntar, questionar. Todo questionar questiona porque não sabe e, ao mesmo tempo, porque já sabe (atematicamente), senão nem poderia perguntar. No e pelo perguntar há um krínein, isto é, um distinguir, um discernir, ou seja, um diferenciar. Todo questionar pressupõe um diálogo. Portanto, o questionar exercita sempre um criticar, no sentido de diferenciar, pelo e no diálogo. Todo diálogo já é, em si, um exercer diferenças. A ironia nas obras de arte funda explicitamente o diálogo de leitura como um diferenciar e um questionar. O diferenciar já traz em si o levar no entre em que o ser humano já desde sempre está lançado. Portanto, todo humano do ser humano se dá como ironia, porque em vida experiencia a morte como horizonte do sentido da vida. Desse modo todo questionar se funda na morte para chegar a viver a vida como plenitude. Só o sentido possibilita plenitude, a plena realização das possibilidades que todo ser humano já recebeu, ou seja, seu destino. Portanto, destino diz a morte como horizonte de possibilidade de realização do sentido da vida, que nos advém no saber inerente a todo questionar. Há questionar quando se fazem e assumem perguntas essenciais, aquelas que só se podem fundar no sentido, uma vez que este se diferencia do significado, ou seja, o sentido reduzido a uma representação sígnica. E a morte jamais pode ser reduzida, tendo em vista sua radicalidade, a uma mera representação. Ela é concreta e decisiva. E agora o concreto se diferencia da simples e mera abstração. Abstrata é a morte dos outros, jamais pode ser a do próprio.


- Manuel Antônio de Castro

21

"Entre o horizonte de origem e o horizonte de chegada é que se coloca a questão do sentido. Sentido é “isso”: o entre um de e um para. Sem o de e o para é impossível pensar o sentido. De imediato e de uma maneira muito evidente para todos, em qualquer momento, época e cultura, o entre acontece enquanto vivências e experienciações de vida. Mas dizer vivências e experienciações de vida quer dizer o mesmo que vivências e experienciações de morte, pois umas não acontecem sem as outras. A medida do entre tanto é a vida quanto a morte. Na medida está o sentido, no sentido está a medida" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 214.

22

"Assim como a clareira é doação da floresta e a música, que é nossa vida, é doação e presentificação do silêncio. Nesse e sempre nesse horizonte, a vida é doação da morte. Por isso, somos mortais. A morte não é o fim, mas a plenitude da vida na qual agir e não-agir são um e o mesmo: ser-feliz" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser feliz”. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 210.

23

"A pouco e pouco se desenvolveu a ideia de uma Moira universal, senhora inconteste do destino de todos os homens. Essa Moira, sobretudo após as epopeias homéricas, se projetou em três Moiras, que poderíamos chamar de Queres: Moira determina; as Queres, como sua projeção, fiam o tempo de vida que já foi prefixado e Tânatos (v.), a Morte, comparece, não como agente, mas como executora.
Essas três Queres, Cloto, Láquesis e Átropos, possuem funções específicas, de acordo com a etimologia de cada uma delas: CLOTO, em grego Klotho, do verbo klothein, fiar é a fiandeira por excelência. Segura o fuso e vai puxando o fio da vida; LAQUESIS, em grego Lakhesis, do verbo lankhanein, em sentido lato, sortear, é a que enrola o fio da vida e sorteia o nome de quem vai perecer; ÁTROPOS, em grego Átropos, de a (a, alfa privativo), não, e do verbo trepein, voltar, é a que não volta atrás, a inflexível. Sua função é cortar o fio da vida" (1).


Referência:
(1) BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega, volume II, J-Z, 3.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.

24

"Circe é a “‘deusa das deusas’, ‘a filha do sol’, cujo nome remete a kirkos, e que os escólios identificam com o anel ou círculo da natureza poderosa que reúne vida e morte, nascimento e destruição num eterno movimento, ou com o movimento circular do universo” (Schuback: 1999, 166) (1). No verso 150, do mesmo canto, assim Ulisses caracteriza Circe:
Circe, de tranças bem feitas, canora e terrível deidade. (Homero: 1960, 183)"(2) (3).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante (Org.). "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de filosofia. Petrópolis R/J: Vozes, 1999.
(2) HOMERO. Odisseia. 3.e. Trad. Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Melhoramentos, 1960.
(3) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 155.

25

Misteriosamente, a memória é a morte se dando em vida, manifestando-se nos viventes. A memória é muito mais do que a cronologia e a causalidade. Ela é o acontecer poético, que é sem por quê. Este não é o acaso. Em verdade só se fala em acaso porque a causalidade, isto é, a racionalidade, não pode explicar tudo. O acaso é a negatividade inerente à razão e não indica jamais as possibilidades da realidade, da morte. A realidade, como morte, constitui-se nas possibilidades da vida nos viventes.


- Manuel Antônio de Castro

26

Por vivermos já estamos agindo. Mas qual o motivo de nosso agir? O que em nossas ações temos em vista? Noutras palavras: o que dá sentido a nosso agir? E se for a morte? Como pode a morte, que é não-ação, dar sentido? Essa é a questão em que se move não somente o viver mas também o estar sendo no viver.


- Manuel Antônio de Castro.

27

"No sentido mais amplo, a morte é um fenômeno da vida. Deve-se entender vida como uma espécie de ser ao qual pertence um ser-no-mundo" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 321.

28

"A interpretação existencial da morte precede toda biologia ou ontologia da vida. É ela que fundamenta qualquer investigação histórico-biológica e psico-etnológica da morte" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 322.

29

"A questão sobre o que há depois da morte apenas terá sentido, razão e segurança metodológica, caso se conceba a morte em toda a sua essência ontológica. Aqui não se poderá tampouco decidir se essa questão apresenta uma questão teórica possível. A interpretação ontológica da morte ligada a este mundo precede toda especulação ôntica referida ao outro mundo" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 323.

30

"Numa ordem metodológica, a análise existencial precede as questões da biologia, psicologia, teodiceia e teologia da morte. Do ponto de vista ôntico, seus resultados mostram o caráter formal e vazio de toda caracterização ontológica. Isso, porém, não deve cegar a visão para a riqueza e complexidade do fenômeno. A morte é uma possibilidade privilegiada da presença [Dasein:entre-ser/ser-aí]. Ora, se a presença [Dasein:entre-ser/ser-aí] nunca pode tornar-se acessível como algo simplesmente dado porque pertence à sua essência a possibilidade de ser de modo próprio, então é tanto menos lícito esperar que a estrutura ontológica da morte possa resultar de uma mera leitura" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 323. Obs.: A tradutora preferiu traduzir Dasein por Presença. Porém, outras traduções são também usuais: Entre-ser; Ser-aí.

31

"Enquanto poder-ser, a presença [Dasein: entre-ser / ser-aí] não é capaz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade pura e simples de presença [Dasein: entre-ser/ser-aí]. Desse modo, a morte desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 323.
Obs.: A tradutora preferiu traduzir Dasein por Presença. Porém, outras traduções são também usuais: Entre-ser; Ser-aí.

32

"Viver sem sentido não implica no agir deixar-se tomar pelo sem sentido? Por vivermos já estamos agindo. Mas qual o motivo de nosso agir? O que em nossas ações temos em vista? Em outras palavras: o que dá sentido ao nosso agir? É a vida? E se não for a vida, mas a morte? Como pode a morte, que é não-ação, dar sentido? Essa é a questão em que se move não somente o viver, mas também o estar sendo no viver" (1).
A sociedade de consumo em que vivemos produz um paradoxo: embora se viva em função do consumo, as pessoas se dão, de repente, conta de que não estão aproveitando a vida. Por isso, mais do que nunca é necessário pensar a essência do agir e seu sentido, o poético da vida. Precisamos pensar o motivo que move nossas escolhas. E então se faz presente, necessariamente, a morte.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 245.

33

"Viver sem sentido não implica no agir deixar-se tomar pelo sem sentido? Por vivermos já estamos agindo. Mas qual o motivo de nosso agir? O que em nossas ações temos em vista? Em outras palavras: o que dá sentido ao nosso agir? É a vida? E se não for a vida, mas a morte? Como pode a morte, que é não-ação, dar sentido? Essa é a questão em que se move não somente o viver, mas também o estar sendo no viver" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 245.

34

 : "Louvado sejas, meu Senhor,
 : Por nossa irmã a morte corporal,
 : Da qual nenhum homem vivente pode escapar.
 : Ai daqueles que morrem em pecado mortal;
 : Feliz daquele que se achar na tua santíssima vontade
 : A segunda morte não lhe fará mal" (1).


Referência: Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis (1181-1226).

35

"Porém, o cultivo exclusivo da estética das vivências faz da morte algo negativo. O poético está em fazer da morte um nada criativo. Só assim as vivências deixam de ser meramente estéticas para serem o que são, possibilidades ontológicas. Eis aí a verdadeira liberdade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.

36

- Você tem medo de morrer?
- Tenho. Nas minhas orações, a única coisa que peço à vida é a boa morte. De resto, a vida tem me dado o que preciso para tocá-la adiante, não me esquecendo da primeira sentença das escrituras védicas: Tudo é sofrimento .
Referência:
(1) Entrevista de Gilberto Gil - Cantor e Compositor, concedida a Maria Fortuna: Recomeçar significa deixar para trás muito do que temos sido. In: O Globo, Segundo em Quarentena, quarta-feira, 29-04-2020, p. 1.

37

 :CONSOADA
 : Quando a Indesejada das gentes chegar
 : (Não sei se dura ou caroável),
 : Talvez eu tenha medo.
 : Talvez sorria, ou diga:
 :  : - Alô, iniludível!
 : ............................... (1)


Referência:
(1) BANDEIRA, Manuel. "Opus 10". In: ----. Estrela da vida inteira - Poesias reunidas. 4. e. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973 p. 221. Coleção Sagarana, volume 85.

38

A ciência nos acena com a vida biológica e lá no seu final a morte. É um engano, é um embuste. Existencialmente morremos desde que nascemos. E isso é bom, porque só morrendo é que podemos saber que vivemos, não a vida biológica, mas o que somos e não-somos. Essa é a nossa travessia.


- Manuel Antônio de Castro

39

" E então, de repente, ela me pediu para administrar a casa de banhos com ela. Talvez quisesse ter certeza de que alguém manteria a casa. Afinal acender fogo é a minha especialidade. Trabalhar aqui por tantos anos fez com que eu pensasse que a morte é uma passagem. A morte não é o fim. É deixar para trás este mundo e partir para um outro. É realmente um portão. E eu, na qualidade de guardião do portão, acompanhei aqui muitas pessoas:
- Boa viagem. Até breve.
É assim que me despeço das pessoas " (1).
Para compreender melhor: O personagem que está falando tem como profissão cremar os cadáveres. E é ele que aciona o fogo do crematório.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) Personagem do filme A Partida. Direção: YOJIRO TAKITA, 2009, filme japonês. Ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 2009.

40

"O nada é fonte de tudo que é, assim como o silêncio é a fonte de toda fala. Por isso mesmo o nada nos aparece como a morte. Porém, sem esta não há posição para o vivente. Nada é vida. Vida é morte. Todo mal e dor é da nossa condição de humanos finitos. Desse modo o maior mal e a maior dor é a distância do Nada. E o maior bem e plenitude é sua proximidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 169.

41

"Por que as palavras doces, divinas e encantadoras das Sereias podem levar à morte? Não há aí um paradoxo? Certamente. E esse é o vigor poético da palavra cantada: a sua ambiguidade. Mas todo viver não é ambíguo? Não estamos, a cada momento que vivemos, ao mesmo tempo morrendo? Viver não é o desdobrar da dobra de vida e morte? O perigo e a possibilidade da morte é uma experiência de vida. A ciência nos acena com a vida biológica e lá no seu final a morte. É um engano, é um embuste. Existencialmente morremos desde que nascemos. E isso é bom, porque só morrendo é que podemos saber que vivemos, não a vida biológica, mas o que somos e não-somos. Essa é a nossa travessia poética, o nosso destino" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 175.

42

"Poética e miticamente a Palavra Cantada nos aparece como Memória, Musas e Sereias. Estas, por tudo saberem, têm como reverso a morte. Há a definição da morte “biológica”, mas nós não sabemos o que é a morte do que somos. E por quê? Quem experimentou a morte não voltou para dizer. A morte é o umbral do não-saber, do saber infinito. Nosso saber é finito" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 177.

43

"Circe adverte Ulisses do perigo da morte e ensina como fugir dele. O mesmo repete Ulisses aos companheiros. As Sereias não falam da morte, não poderiam falar de morte, só do saber pleno, divino e inefável, porque a tensão entre saber e morte só existe para nós mortais. Só por sermos mortais é que podemos saber. Plantas e animais não morrem, não sabem que morrem, perecem. O saber das Sereias é um saber que nos faz ultrapassar os umbrais da morte. Um tal saber só se experiencia como fala do silêncio, tão plena que é a não-fala. Se queremos a palavra cantada e, como saber pleno é a morte, então, no fundo, queremos o não-querer, o destino que nos advém das Môirai, filhas da Noite" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 178.

44

"Por incrível que pareça, a liberdade nos advém do saber da morte, da qual desde que nascemos já sabemos. Só esse saber essencial liberta, mas este nunca está pronto. A vida como saber da morte tem de ser vivida como saber/sabor no viver" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 193.

45

"Numa ilha ao sudoeste da Irlanda, vive o deus Donn, Senhor dos Mortos, a quem todos os seres humanos um dia acabam prestando homenagens. Ele é o deus ancestral que dorme numa caverna, assistido por nove donzelas, cujo sopro alimenta o fogo sob o seu caldeirão mágico. O reino de Donn se estende até as sepulturas em que guerreiros e reis celtas estão enterrados com suas armas, joias e trajes cerimoniais - e também as carruagens em que eles viajam para o Outro Mundo, onde viverão pela eternidade" (1).


Referência:
(1) HOOD, Juliette. O livro celta da vida e da morte. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 18.

46

"A morte é uma passagem para uma esfera diferente da vida. Ela muitas vezes é precedida por sinais e premonições" (1).


Referência:
(1) HOOD, Juliette. O livro celta da vida e da morte. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 19.

47

"As árvores são símbolos importantes na sabedoria celta - por exemplo, o deus Esus é, por tradição, retratado cortando um salgueiro. Com raízes que penetram fundo na terra e galhos que crescem em direção ao céu, o salgueiro proporciona uma ligação entre os mundos superior e inferior. As árvores que mudam de folhas anualmente evocam o ciclo infinito de nascimento, morte e renascimento, enquanto as árvores perenes refletem o aparente paradoxo de vida eterna depois da morte" (1).
Referência:
(1) HOOD, Juliette. O livro celta da vida e da morte. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 27.

48

"O poeta romano Lucano resume a atitude celta diante da morte quando afirma: "A morte é o meio de uma longa vida". Oferendas funerárias eram enterradas junto com o corpo para facilitar a passagem do espírito pelo reino dos mortos, até o Outro Mundo. Armas, muitos objetos pessoais, como taças, trompas de caça e até carruagens, acompanhavam os guerreiros, ao passo que peças de joalheria e cerâmica eram os principais bens sepultados com as mulheres. Alimentos e bebidas eram providenciados para sustentar a alma em sua jornada. Além dos objetos mais práticos, algumas sepulturas continham os ossos de animais domésticos, como cavalos e cães, e modelos de rodas, que simbolizavam os ciclos eternos de vida e morte" (1).


Referência:
(1) HOOD, Juliette. "Como Viver e como Morrer". O livro celta da vida e da morte. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 132.

49

À tripartição do tempo falta a consistência do mudar, do atualizar, não como um presente que só é presente no acontecer enquanto velar-se (futuro) no desvelar-se (passado), mas onde ambos acontecem como presente permanentemente. Quando este presente finda, advém a morte e o mergulho misterioso no des-viver para se experienciar a vigência da memória como memória, o rio da morte como sendo, no mito, o rio Lethes. Este não é, como pseudamente se traduz, o rio do esquecimento, mas o Rio da Memória como Memória, ou seja, como acontece nas obras de arte, um presente, um atuar sem futuro nem passado. Então a morte deixa de ser morte porque não mais se pode falar de morte, pois não mais há vida. Não há mais Amor, só amar. Advém o silêncio como repouso amoroso.


- Manuel Antônio de Castro.

50

"No grito de dor de Édipo, anuncia-se a proximidade da morte como plenitude de sentido da vida" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 34.

51

"Toda pergunta é querer ver claro a selva da vida, pois sabemos que vivemos na espera da sua plenitude: a morte. A morte é o vazio onde se move e tece a teia da vida. A morte é o silêncio vivo do mistério. Vivemos nesse "E" de vida "E" morte como um entre sempre provisório" (1).


CASTRO, Manuel Antônio de. "A imagem-questão", ensaio ainda não publicado.

52

"Na rede são os buracos que unem e reúnem as linhas e nós da rede. A rede é uma doação do vazio, assim como a vida é uma doação da morte. A travessia da morte para a vida são as questões" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Cinco questões de Grande sertão: veredas". Ensaio não publicado.

53

A morte é o vazio onde se move e tece a teia da vida.


- Manuel Antônio de Castro.
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