Habitar

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

O ensaio de Heidegger "Construir, habitar, pensar" (1) gira fundamentalmente em torno da essência do habitar. Ele não pensa a raiz latina (habere/haver/existir), embora no português seja possível. Existir é habitar no sentido de ter-se. Não ter algo externo a nós, mas o ter que se tem porque nos foi dado: o próprio. Habitar enquanto ter é apropriar-se do que é próprio: o ser. Então o ter deve ser pensado no horizonte em que Emmanuel Carneiro Leão o pensa no ensaio "Uma leitura órfica de uma sentença grega" (2). Heidegger, em seu ensaio, trata mais do bauen – construir – e não toca na raiz de wohnen – habitar –, embora todo o ensaio se faça a partir da essência do habitar. Isso fica mais claro ao final do ensaio: "Resguardar a quadratura, salvar a terra, acolher o céu, aguardar os divinos, acompanhar os mortais, esse resguardo de quatro faces é a essência simples do habitar" (3).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002.
(2) In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992.
(3) HEIDEGGER, Martin. Op. cit., p. 138.

2

"Salvando a terra, acolhendo o céu, aguardando os deuses, conduzindo os mortais, é assim que acontece propriamente um habitar. Acontece enquanto um resguardo de quatro faces da quadratura" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 130.

3

"Habitar é bem mais um demorar-se junto às coisas. Enquanto resguardo, o habitar preserva a quadratura naquilo junto a que os mortais se demoram: nas coisas" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sa Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 131.

4

"A referência do homem aos lugares e através dos lugares aos espaços repousa no habitar. A relação entre homem e espaço nada mais é do que um habitar pensado de maneira essencial" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 137.

5

"Habitar é, porém, o traço essencial do ser de acordo com o qual os mortais são. Quem sabe se nessa tentativa de concentrar o pensamento no que significa habitar e construir torne-se mais claro que ao habitar pertence um construir e que dele recebe a sua essência. Já é um enorme ganho se habitar e construir tornarem-se dignos de se questionar e, assim, permanecerem dignos de se pensar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 140.

6

"A crise propriamente dita de habitação é, além disso, mais antiga do que as guerras mundiais e as destruições, mais antiga também do que o crescimento populacional na terra e a situação do trabalhador industrial. A crise propriamente dita do habitar consiste em que os mortais precisam sempre, de novo, buscar a essência do habitar, consiste em que os mortais devem primeiro aprender a habitar." (1)


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 140.

7

"Com isso, deixamos de lado a representação corriqueira do que seja habitar. De acordo com essa representação, habitar continua sendo simplesmente um modo do comportamento humano, dentre tantos outros. Trabalhamos na cidade e habitamos fora. Empreendemos uma viagem e habitamos ora aqui, ora ali. Nesse sentido, habitar é sempre apenas a posse de um domicílio. Quando Hölderlin fala do habitar, ele vislumbra o traço fundamental da presença humana. Ele vê o "poético" a partir da relação com esse habitar, compreendido nesse modo vigoroso e essencial" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: -----. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis R/J: Vozes, 2002, p. 161.

8

"Pois o "poético" parece pertencer, quanto ao seu valor poético, ao reino da fantasia. O habitar poético sobrevoa fantasticamente o real. O poeta faz face a esse temor e diz, com propriedade, que o habitar poético é o habitar "esta terra". Assim, Hölderlin não somente protege o poético contra sua incompreensão usual corriqueira mas, acrescentando as palavras "esta terra", remete para o vigor essencial da poesia. A poesia não sobrevoa e nem se eleva sobre a terra a fim de abandoná-la e pairar sobre ela. É a poesia que traz o homem para a terra, para ela, e assim o traz para um habitar" (1). Esta passagem de do pensador Heidegger é extremamente importante, porque desfaz completamente a falsa noção de ficção, atribuída a toda literatura. É necessário, certamente, repensar tanto a noção corrente de ficção, bem como de fantasia, quanto o que se entende por real e realidade.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: ------. Ensaios e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 169.


9

"Não habitamos porque construímos. Ao contrário, construímos e chegamos a construir à medida que habitamos, ou seja, à medida que somos como aqueles que habitam "(1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 128.


10

"Energia Cósmica. É difícil apreender toda importância desta energia pela densidade e amplitude de sua atuação e presença. Aí cósmica não diz uma noção científica e astronômica, espacial. Não se trata de meio ambiente no sentido espacial. Propriamente diz habitação, morada, onde, além de entrar em harmonia com tudo e todos, também vigora aí a energia cósmica como mundo e sentido de tudo. Habitar é o difícil exercício existencial de harmonizar essa tensão diferenciadora entre o que sou e o lugar do habitar, pois este não determina, mas influi ou para Yin ou para Yan. Isso é ser corpo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 24.
Ferramentas pessoais