Sou

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Tabela de conteúdo

1

Num diálogo, eu me dirijo ao tu e ele me escuta e sabe que está me escutando. Porém, quando o tu responde, eu escuto, não como eu, mas como tu. Portanto, para podermos dialogar temos de ser a dobra de eu e tu, pois aí depende só da posição de quem fala e de quem escuta, não de ser como possibilidade. Igualmente podemos falar conosco mesmo, ou seja, eu posso me escutar. Ontologicamente há a unidade interna de eu e tu (outro). Só na unidade pode vigorar a identidade e a diferença da unidade, uma vez que para haver e vigorar unidade é necessária a afirmação tanto da identidade quanto da diferença. A unidade é o sou. É neste mesmo horizonte ontológico que devemos compreender em nós a vigência de masculino e feminino. Dessa maneira o próprio que cada um é vigora no sou.


- Manuel Antônio de Castro

2

Eu sou significa para o grego que o Eu só é Eu porque o sou do eu como o que é se faz presente. Assim o Eu só pode ser Eu não por uma vontade e decisão, seja subjetiva seja epistemológica, mas porque o sou implica presença como desvelamento enquanto eu, a partir do que sempre se vela, seja no tu que eu mesmo tenho de ser também, seja no mistério da realidade, que os gregos denominavam physis. Trata-se, neste caso, do Outro de todos os outros e de todos os eus, ou seja, o Ser, que é Nada de tudo que é e vem a ser. Esclareço: physis foi traduzida para o latim por natura, em português, natureza. No entanto, physis é muito mais do que natureza, a inclui, mas vai além, pois diz também os mitos, a história, todos os entes, enfim, physis é tudo e nada, um mistério. E é deste mistério que o sou se origina e para ele volta. Por mais que o ser humano pense o sou, ele sempre se oculta, se vela, em seu mistério. E todas as grandes obras de arte são, em sua essência, procuras do sou, que cada ser humano é, sem distinção de masculino ou feminino. Isto fica bem evidente na modernidade com o mergulho profundo na subjetividade e no jogo de espelhos em que ele tanto mais se revela quanto mais se vela, numa espiral infinita...Em vista disto, um dos grandes temas da modernidade se tornou o espelho, na procura da identidade...


- Manuel Antônio de Castro

3

Assim como há um jogo dialético entre sou e eu, o mesmo se dá entre o não sou do que recebi para ser e não chegou ainda a ser. Nesse sentido, também todo eu é ao mesmo tempo um não eu, caso contrário, o eu já se conheceria completamente. O não sou é o acontecer do não ser que recebi para ser. Desse modo tanto o sou como o eu estão em contínua transformação e revelação. Não há aqui nenhuma evolução, pois isso é existir e existência, em que se manifesta e realiza o próprio de cada um, insubstituível e imprevisível.


- Manuel Antônio de Castro

4

"O ser, o mais próximo de cada um de nós e inegável em sua presença fundadora, se tornou tão distante e estranho a nós, pela educação sofística e gramatical, que não notamos, por exemplo, quando dizemos: Eu sou, que o Eu só pode ser afirmado quando fundado no sou. Se o eu é o sujeito enquanto fundamento, o sou é que funda o fundamento, o eu. Não é o eu que funda o sou, mas este é que funda o eu. Sem ser não há eu. E então o que é o eu? Um eu nunca é masculino ou feminino, nunca tem uma identidade cultural a ou b. Um eu não é nenhum nenhuma, não é algum alguma. Um eu é. O eu, sendo, vigora num abismo tão profundo que cada eu ao se colocar e procurar como eu se encontra na mais profunda solidão" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 218.


5

"E agora é necessária uma primeira distinção, sempre a partir da essência do agir, do questionar. Ontologicamente, podemos conceber todo sendo como a dobra: a) do que é; b) do como é. É sempre no agir do como sou que, desdobrando-me dialeticamente, chego a ser o que sou" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 38.

6

"Diz Kant, resumindo: O que de mim posso conhecer com a pura autoconsciência intelectiva é que eu sou; mas para saber que sou devo conhecer-me como atividade unificadora (=no juízo); para conhecer-me como atividade unificadora devo ter dados a unificar, e estes dados são sensíveis e, por conseguinte, fenomênicos; “logo, não tenho conhecimento de mim como sou, senão apenas como apareço a mim mesmo” "(1).


Referência:
HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. História da Filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS.

7

"...Uzodinma quis saber se me incomodava ser tratado por mulato. Nunca me reconheci em classificações racistas. Na verdade, nem sequer me reconheço no meu nome, que me soa tão alheio agora quanto me soava quando era criança. Acho tão estranho ser apresentado como branco, quanto como mulato ou indiano - o que também acontece. Nenhuma raça me define. Não sou uma raça. Respondi que aquela palavra tanto pode magoar quanto celebrar ou acarinhar. O que magoa é o sentimento que nela coloca quem a utiliza" (1).


Referência:
(1) AGUALUSA, José Eduardo. "Palavras más". Crônica publicada no "Segundo Caderno", de O Globo, sábado, 21-09-2019, p. 8.

8

"A minha casa, costumo dizer, é todo o lugar onde estão as pessoas que amo. Contudo, não é inteiramente verdade, porque já me aconteceu estar com as pessoas que amo em lugares nos quais não me sinto em casa. Então, descobri a resposta: a minha casa é todo o lugar onde não preciso explicar quem sou. Apenas sou" (1).


Referência:
(1) AGUALUSA, José Eduardo. "Minha Casa". In: .... O Globo, Segundo Caderno, 14-03-2020, p. 6.

9

"Quando digo “eu sou”, o alcance desse “eu” está na estrita dependência e determinação necessária do “sou”. Até para dizereu não sou”, só sendo o não-ser é que o “eu” pode se afirmar como sendo o que não-é. Ser é a necessidade essencial de todoeu” (de todo sendo). Só ela liberta.
Quando o “eu” se dimensiona pelo ser, então, o “eué e, sendo, é livre, porque ser é a essência da liberdade, da ação. A essência é o vigorar do ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.

10

Ser é silêncio, o vigorar do repouso e recolhimento que se manifesta e desvela em cada sou e não-sou. Assim como o silêncio origina cada fala, o ser origina cada conhecimento. Fala e conhecimento configuram o “eu”.


- Manuel Antônio de Castro

11

"Eu sou, por isto exerço meu ser, exerço ser. Isto significa que não apenas exerço a mim mesmo como ente, ou seja, que não apenas exerço meu ser, mas também exerço o ser na sua plenitude, pois somente enquanto relaciono meu ser ao ser simplesmente, posso compreender-me como ente. Eu me encontro a mim mesmo como ente somente se me encontro como posto no horizonte do ser ilimitado e incondicionado" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

12

"... se eu sei “que eu sou”, isto não provém de um puro saber do ser. Pelo contrário, eu só posso saber “que eu sou” sabendo mais ou menos “o que eu sou”, ou seja, sabendo acerca dos limites do ser deste ente finito que eu sou. Por mais atemático que seja este saber da minha “quidditas”, “do que” eu sou, é só nele que eu sei “que sou”. Isto é importante compreender: a saber que eu só posso dar-me conta de meu ser, se me dou conta dos limites de meu ser. Isto talvez fique mais claro na seguinte reflexão: Antes de mais nada – que eu, seja o que for, ou qualquer que seja a forma como possa saber o que soueu não sou o ser em ilimitada plenitude, mas um ente finito, que está posto e fundamentado no ser, mas limitado no ser. E por isto deixa margem para maior plenitude de ser para além dele mesmo. Por isto, se eu me sei a mim mesmo, então devo saber-me como algo que “é”, mas que não é o ser mesmo e total" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.
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