Existência

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

Ek-sistencia é uma questão essencial em Ser e tempo, de Martin Heidegger. O apelo à origem latina da palavra quer destacar que não se trata do significado tradicional de existência, termo usado na filosofia para se opor a essência. Mas o que então compreender por ek-sistencia e qual a sua diferença de existência bem como de essência? É uma provocação do pensamento pela qual tudo que a metafísica diz entra em questão. Tal tematização encontrou ressonância em todos os campos do saber. Aí incluído o repensar as classificações formais, estéticas e ideológicas da arte, nas quais o atuar próprio das obras não acontece. Mais profundamente ek-sistencia é o vigorar de Eros. O traço decisivo do esforço de pensamento consistiu em algo simples, porém, de profundas consequências: pôr em questão o conceito de essência.


- Manuel Antônio de Castro

2

"Ek-sistência, a essência ou o modo próprio de ser do homem, enquanto o lugar (o Da de Da-sein) ou a clareira do ser, fala do aberto ou do exposto (disposto, pré-disposto ou apto) do homem ao aparecer, ao fazer-se visível ou mostrar-se, ou seja, o desvelar-se ou desencobrir-se. Ser ek-sistência, ek-sistir, é ser no ek, no ex, isto é, no fora, melhor, no aberto ou ex-posto, portanto, ser na ex-posição a... o ser, que é ser exposto ou no aberto (revelado, mostrado) de ser e isto perfaz ou constitui o sentido de ser. Isto é ser no sentido de ser. O homem é este modo de existir (isso é o ek-sistir) ou de viver " (1). A existência constitui para o ser humano a sua diferença ontológica, aquilo que o diferencia de todos os outros entes. Pois só o ser humano, de fato, tem existência.


Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "A respeito de homem, de vida e de corpo". In: SANTORO, Fernando et al. Emanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Hexis; Fundação Biblioteca Nacional, 2010, pp. 166-7. (Coleção Pensamento no Brasil, vol. 1)

3

Há uma sentença órfica grega, para diferenciar o ser humano de todos os outros entes, que diz: Dzoion logon echon (O ser humano é aquele ser vivo que é possuído pela linguagem/logos). Quando o ser humano é caracterizado como aquele sendo que é zoé que tem logos, diz então que viver é ek-sistir no logos, enquanto a casa do Ser. Ek-sistir é desde sempre e originariamente con-sistir num re-stituir. Notemos a raiz comum: st (que indica um posicionar-se). Convém, portanto, pensar a formação da palavra existência. Compõe-se do prefixo ek-, que diz o livre aberto do caminho, o não-limite, o para fora do limite. Que limite? O do radical do verbo: sistere, ocupar uma posição, estar. Ek-sistencia diz, ao mesmo tempo, o livre aberto (não-limite) e o limite. Eis a Essência paradoxal e dialética da condição humana. Os gregos a nomearam: Eros.


- Manuel Antônio de Castro.

4

"O ser humano, desde Édipo - o mito imemorial que pensa o humano no que lhe é próprio em sua essência sócio-político-histórica - sempre teve a pretensão de ser o sujeito das suas escolhas e realizações. A Moira sorri, em silêncio, diante de tais pretensões, deixando-o iludir-se, em seu pseudo-poder racional de dar-se a existência, segundo a liberdade fundada na sua vontade. É uma ilusão que custa caro e gera o sofrimento de muitos fracassos inúteis" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.


5

"Que a existência é o penhor de todo empenho e desempenho, é a questão de todas as questões verdadeiras, isto é, daqueles que, ao questionarem qualquer coisa, se colocam a si mesmos em questão. É a questão que sempre, sabendo ou sem saber, se questiona em toda questão. Nenhum questionamento, nenhum problema teórico ou prático, racional ou emocional, natural ou cultural, se compreende a si mesmo se não se compreender a questão de todas as questões, isto é, se não questioná-la" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Aprender e Ensinar". In: -----. Aprendendo a pensar. Petrópolis R/J: Vozes, 1977, p. 45.


6

"Numa fossa da vida, quando distamos igualmente da esperança e do desespero, e a banalidade de todo dia estende um vazio onde se nos afigura indiferente se há ou não empenho. Ressoa novamente a questão: a existência se dá sempre como o penhor de todo empenho e desempenho" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Aprender e Ensinar". In: -----. Aprendendo a pensar. Petrópolis R/J: Vozes, 1977, p. 45.


7

Ek-sistência é um termo posto em circulação por Martin Heidegger a partir da publicação de Ser e tempo. O apelo à origem latina da palavra quer destacar que não se trata do significado tradicional de existência, termo usado na filosofia para se opor a essência.


- Manuel Antônio de Castro.


8

"Pensa-se que destino é o que a razão, fonte do livre agir do ser humano, não podia determinar nem controlar. Pela visão racionalista, o destino se opõe à liberdade humana. No existir o ser humano deve-se dar livremente a sua essência, o seu genos enquanto seu quinhão. Nessa visão, a existência precede e determina a essência. O existir enquanto o como é deve determinar livremente o que é. O homem não tem um destino, dá-se um destino. Esta foi a utopia moderna, esquecida dos ensinamentos do mito de Édipo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.


9

Como ente nos damos aquilo que já sempre somos na dimensão do Ser. Com a existência nos damos os limites dentro do campo infinito do Ser. Neste horizonte é impróprio falar em nos darmos uma essência, apenas manifestamos a nossa existência, dentro daquilo que já recebemos para ser (nossa Moira/Destino). Avançamos ou recuamos. Nessa tensão temos o jogo oculto de liberdade e destino. Por isso, a existência nos diferencia de todos os demais entes. Propriamente somente o ser humano é um sendo. Como existência o ser humano vigora sempre no mistério do Ser.


- Manuel Antônio de Castro.


10

Horae é uma palavra grega que diz o tempo circular de eclosão e de extinção, enfim, da mudança, mas também da permanência. Propriamente, em português, diríamos "estações". As quatro dimensões do tempo é que caracterizam o que podemos denominar existência humana, não aquela que se opõe à essência, pois o tempo será sempre essência. Heidegger para a distinguir do significado corrente que se opõe à essência, denominou-a com o nome latino: ek-sistentia / ek-sistência / ec-sistência, existência.


- Manuel Antônio de Castro.

11

"Numa ordem metodológica, a análise existencial precede as questões da biologia, psicologia, teodiceia e teologia da morte. Do ponto de vista ôntico, seus resultados mostram o caráter formal e vazio de toda caracterização ontológica. Isso, porém, não deve cegar a visão para a riqueza e complexidade do fenômeno. A morte é uma possibilidade privilegiada da presença entre-ser. Ora, se a presença entre-ser nunca pode tornar-se acessível como algo simplesmente dado porque pertence à sua essência a possibilidade de ser de modo próprio, então é tanto menos lícito esperar que a estrutura ontológica da morte possa resultar de uma mera leitura" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis/RJ: Vozes / Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 323.

12

"Num primeiro contato, a diferença entre um e outro estaria na distinção entre consciência-inconsciente de um lado e a existência e referência de outro. A comunhão entre ambos estaria na maneira de lidar no procedimento com que se trataria a consciência e a existência num e noutro caso" (1). (Observação: "...um e outro..." refere-se a Binswanger e Freud)


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: -----. Filosofia contemporânea. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 70.

13

"A psicose traduz um esforço desesperado de criar o mundo, no déficit doloroso de ser e conviver. A angústia é a morte sentida com extrema intensidade que vem sempre acompanhada de uma radical insegurança. Por outro lado, a angústia é o que nos singulariza ao extremo. Enquanto não se lidar com ela, a angústia sufoca a existência na existência. Logo, porém, que consigo aceitá-la, eu me revelo para mim mesmo em minhas possibilidades e meus limites. Por sua radicalidade, a angústia nos dá uma lucidez única" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: -----. Filosofia contemporânea. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 71.

14

Só o ser humano possui o caráter fundamental (Grundzug) de ec-sistência: a insistência ec-stática na verdade do ser. É nesse sentido que não podemos separar ser humano de verdade e esta de ser. Desse modo o que caracteriza essencialmente o ser humano é a diferença ontológica, ou seja, a existência.


- Manuel Antônio de Castro
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