Limite

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

"O limite não é nada que de fora sobrevém ao sendo. Muito menos ainda uma deficiência no sentido de uma restrição privativa. O manter-se que se contém nos limites, o ter-se seguro a si mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o ser do sendo. Faz com que o sendo seja tal em distinção ao não-sendo. Vir à consistência significa, portanto: conquistar limites para si, de-limitar-se" (1).
O limite aparece, assim, como a manifestação consistente do que é, que ocupa uma posição, está. Os gregos diziam originariamente este ocupar posição com o verbo legein, de onde se originou dizer e depois, com o logos, linguagem. A linguagem é o vigorar do sentido do ser numa posição, no estar. Linguagem é essencialmente sentido e verdade, o que denominamos: mundo. Só nos podemos apreender como mundo na medida em que nos apreendemos dentro de limites, pois este dá nossa identidade enquanto diferença, ou seja, aquilo que cada um é. Há uma dobra entre ser e estar (2).
O limite inclui e exige sempre um fim. Porém, este não é negativo como tal, mas é a plenitude do limite. Este fim denominavam os gregos telos.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
(2) Cf. o ensaio "Ser e estar". In: CASTRO, Manuel Antônio de. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 19-57.

2

"Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites. Os limites de um humano eram divinos? Eram" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 40.

3

"Lembrou-se de como era antes destes momentos de agora. Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a [[grande liberdade de não ter modos nem formas" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 168.

4

A questão do limite apresenta diversas dimensões: 1ª o limite externo; 2ª o limite interno; 3ª limite no horizonte do não-limite; 4ª o limite da liminaridade, ou seja, do entre; 5ª o limite do como; 6ª o limite de "o que é"; 7ª o limite da "compreensão"; 8ª o limite do diá-logo; 9ª o limite como disputa (polemós do grego, Streit de Heidegger); 10a. o limite de toda interpretação.
Todas essas dimensões brotam no interior do Entre-ser e fazem aflorar as nossas limitações, a nossa finitude. A limitação faz eclodir a tensão "entre" questão e conceito, assim como se faz presente no horizonte da nossa compreensão. Mas mais profundamente acontece no entre ser E não-ser. É dentro desta dinâmica que precisa ser encarada a obra de arte.


- Manuel Antônio de Castro
Ver também:
* Rio

5

"Espaço é algo espaçado, arrumado, liberado, num limite, em grego péras. O limite não é onde uma coisa termina mas, como os gregos reconheceram, de onde alguma coisa dá início à sua essência. Isso explica por que a palavra grega para dizer conceito é horismós, limite. Espaço é, essencialmente, o fruto de uma arrumação, de um espaçamento, o que foi deixado em seu limite" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 134.

6

"No sentido grego, o limite não tranca, mas traz como pro-duzido a própria presença para o aparecer. O limite liberta para o desvelado. Através de seu contorno, à luz da visão grega, a montanha põe-se em seu erguer-se e repousar. O limite que fixa é o que repousa – a saber, na plenitude da mobilidade – e tudo isto vale para a obra no sentido grego do ergon, que diz obra, cujo “ser” é a energeia, que reúne infinitamente em si mais movimento do que as modernas 'energias' " (1).


Referência:
HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 213.

7

"... o limite não é, para os gregos, aquilo pelo qual alguma coisa cessa e toma fim, mas aquilo a partir de onde alguma coisa começa, por onde ela tem seu acabamento" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

8

"Os limites não apenas nos retiram e recusam alguma coisa. Os limites, quando o fazem, só o fazem para nos conceder e pôr nas possibilidades que somos e por isso mesmo temos. Pretender eliminar obscuridades tão criadoras equivaleria à impotência de poder tudo, de saber tudo, de fazer tudo. Pretender esclarecer tudo é não ver nada. Para o homem finito, definido pela mortalidade, uma clareza sem sombras não esclarece, cega" (1).


(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Mito e filosofia grega". In: Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 48.

9

"Os gregos denominaram physis o uni-verso, de onde se originam todos os fenômenos. Ambas as palavrasphysis e phainomenon - radicam na raiz indo-europeia ph (fi). E há uma terceira que, normalmente, não é pensada no fenômeno da physis: a phos, ou seja, a luz. Para os pensadores gregos sem luz não há physis, pois ela é o princípio de tudo que é e não-é. Sem luz não há limite e não-limite. A claridade bem como a escuridão são sem limite, porque ambas somente são porque vigoram na luz. No entanto, sem a claridade não podemos apreender o limite de tudo que é. Esse é o mistério da luz, da phos, já o disseram os gregos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 228.

10

"Não somos nós que temos as questões, elas é que nos têm. E nos têm na medida em que solicitam de nós a abertura para o pensar. Por isso o limite é uma questão de pensamento, porque neste se dá e acontece a referência entre Ser e Essência do ser humano" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 229.

11

O termo horizonte provém do verbo grego horidzo e significa limitar. Ele diz propriamente limite, mas toda experiência concreta de horizonte, ou seja, na nossa vida cotidiana e de acontecimentos, já nos diz mais do que o simples limite. Diz-nos do homem em liminaridade, em estado de limiar, pois é impossível falar de limite sem ao mesmo tempo e tensionalmente sermos lançados no não-limite. Isso não nos diz imediatamente a palavra limite, porque não nos damos conta de que só se pode traçar um limite enquanto possibilidade efetiva dada pelo não-limite, o limite é uma oferta do não-limite, na medida em que se dando e podendo ser posto e pro-posto como limite se retira e retrai como não-limite. Este retraimento é toda possibilidade do limite se afirmar como limite, de tal maneira que o que é próprio do limite é o não-limite, do qual e a partir do qual ele se pode mostrar como o que ele é.


- Manuel Antônio de Castro

12

Pode o êxtase levar a possuir o silêncio e o vazio, o nada criativo? Miticamente, é a mulher, em seu feminino como possibilidade, a mais completa fonte de prazer e realização do desejar, aquela que atinge e pode levar ao êxtase. Êxtase será então completude, plenitude de realização, eclosão na liberdade. Entendamos, a palavra êxtase se compõe do prefixo latino e grego ex/eks, que tanto pode significar para fora ou fora de, quando diz uma relação espácio-temporal, substantiva, quanto o lançar para fora dos limites, dizendo, então, uma possibilidade ontológica do existir humano. O que está fora dos limites é o livre aberto, a possibilidade enquanto possibilidade, ser. Já o radical -stase diz posição. Êxtase assinala, portanto, ontologicamente, o que está além e aquém da posição. Se posição diz o estar, o êxtase pode abrir-nos para o ser, o que está fora de, além do estado, da posição, ou seja, o nos projetar no livre aberto da libertação essencial. A possibilidade ontológica é a essência da liberdade. Daí advir no êxtase ontológico a completude da liberdade, do livre aberto em que nos podemos projetar e sair dos nossos limites posicionais, substantivos, da nossa finitude.


- Manuel Antônio de Castro

13

"O on traz em si a ambiguidade da referência do ser à essência do ser humano, do limite e do não-limite, pois todo ser humano enquanto este e aquele humano é limite, e enquanto ser é não-limite" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 129.

14

"A mente permanece instável no grande Vácuo.
Aqui, o saber mais elevado
É ilimitado. O que concede às coisas
Sua razão de ser, não pode limitar-se pelas coisas.
Assim, quando falamos em 'limites',
Ficamos presos às coisas delimitadas.
O limite do ilimitado chama-se 'plenitude' " (1).
(xxii, 6)


Referência:
(1) MERTON, Thomas. "Onde está o Tao?". In: A via de Chuang Tzu, 9.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999, p. 159.

15

"Contudo, não há ente sem Ser nem conhecimento sem pensamento e nem língua sem linguagem. Porém, toda e qualquer obra de arte é originariamente um perguntar. Por isso os gregos perguntavam sempre: tì tò ón? O entendimento, enquanto pensamento e linguagem, desta pergunta se torna decisivo para o encaminhamento da compreensão de nossa finitude, de nossos limites. Limites de ser e conhecer" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 234.

16

"Limitar não é excluir, mas incluir em outro nível. Por isso a dialética de Platão é sempre a dialética criativa" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Dialética: entre o fechado e o aberto". Revista Tempo Brasileiro, 194: Dialética em questão II. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, jul.-set., 2013, p. 10.

17

Na realidade, o limite só existe como conceito, (por exemplo, o do ponto, fisicamente impossível de determinar), a partir de uma teoria, de um eidenai (ver, em grego). E aqui está a genialidade de Platão ao criar o eidos (ideia): uniu eidenai (ver), logos (dizer, reunir), techne (conhecimento) e epistastai (considerar dos três pontos de vista anteriores). A teoria das ideias de Platão não consiste, portanto, na oposição (sensível/inteligível) nem na exclusão do sensível frente ao inteligível. Consiste na invenção do limite como questão: eidos=logos. Ou, inversamente, na determinação do eidos e do logos como limite e constante, dando origem à medida. Por isso a teoria das ideias não é uma quimera e pode-se, com ela, operar a causalidade, na "medida" em que é um limite constante. Achado o limite como constante, acha-se a causa e, portanto, o efeito e sua previsibilidade (e nisto consiste a lei), sendo causa e efeito o mesmo, porque não são quimeras, mas representações da "medida/lei". E surge, por isso, o problema da imitação, da mimesis. Ideia se torna uma medida da medida. Isso fica muito claro a respeito do tempo cronológico. Mas como medir o tempo de um carinho, de um afago? Toda ciência parte do orgânico, que é o limite enquanto medida e limite. Daqui igualmente a dificuldade de determinar o que é um corpo, porque ele não é só orgânico, isto é, ele é orgânico e não-orgânico. Na dança, por exemplo, isso fica bem claro porque nela o corpo é o instável limite do não-limite. Ocorre que este tempo-orgânico-não-orgânico deve ser apreendido e compreenido a partir da vida (inpirar-expirar/psique), da experienciação e da narração do ser/não-ser como ethos/linguagem. E isso é a poiesis, a aletheia do ser em seu sentido. A isso se dá o nome de kairos (tempo oportuno) com eros.


- Manuel Antônio de Castro

18

"Para mim o ser humano é uma tremenda criação...Um pensamento inconcebível. No ser humano existe tudo, do mais elevado até o mais baixo. O homem é a imagem de Deus e Deus existe em tudo. E assim o ser humano foi criado, mas também os demônios, os santos, os profetas, os artistas, os iconoclastas. Tudo existe lado a lado. É como se fossem desenhos gigantes mudando o tempo inteiro. Da mesma maneira devem existir inúmeras realidades. Não apenas a realidade que percebemos com nossas obtusas sensibilidades, mas um tumulto de realidades arqueando-se uma em cima da outra, por dentro e por fora. É só o medo e o puritanismo que nos levam a acreditar em limites. Não existem limites. Nem para pensamentos nem para sentimentos. A ansiedade é que estabelece limites" (1).


Referência:
(1) BERGMAN, Ingmar. Filme: Sonata de outono. Fala da personagem Eva.

19

"As Moîrai são filhas da Noite cissiparidas (do latim scissus, fendido, e parére, parir, ou seja, nascidas por auto-divisão) e filhas da união de Zeus e Thêmis. A dobra constitutiva, enquanto destino, centrada nas Moîrai, estabelece o limite positivo e configurativo de cada ser divino e humano, e, ao mesmo tempo, o limite negativo, coercitivo e cancelante:
"[...] elas afirmam tudo o que um ser é e pode ser, e negam tudo o que ele não é e não pode ser [...] a dupla filiação das Moîrai indica, nos termos próprios do pensamento mítico, que toda afirmação implica a negação” " (2).
Porém, não há afirmação e negação sem a unidade, ou seja, memória" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 168.
(2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ---. Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 80.

20

"Na globalização atual predomina, sem dúvida nenhuma, a tecnicização do humano, por um lado, mas, por outro, abre possibilidades nunca antes vistas. Trata-se de apreender os limites e alcance dessa tecnicização, seja nos aspectos materiais, seja nos aspectos espirituais e imaginário-simbólicos. O grande desafio é apreender a essência da técnica e nela as possibilidades de realização libertadora do humano, naquele horizonte já pensado no projeto de Aristóteles" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 21.

21

"J - A amplidão é aquela falta de limite que se mostrou na palavra ku, o vazio do céu.
P - Assim, enquanto andarilho da mensagem de desvelamento da duplicidade, o homem seria também o andarilho dos limites do ilimitado.
J - Nestas andanças, ele procura o mistério do limite...
P - mistério que não se pode guardar senão no termo que determina sua essência" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem...". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 107.

22

Quando compreendemos a essência do não-poder, a nossa compreensão da figura do diabo nos aparece no que ele é, de fato, ele não-é. Desse modo, a tentação tem, no fundo, a dúvida do ser humano em resistir ao que se lhe oferece e aparece como bom e um bem. Ceder à tentação é deixar-se atrair pelo não-poder. Resistir-lhe é afirmar o ser e o seu poder. Fica evidente que o horizonte de todas as tentações, ou seja, do diabo, para o ser humano se constitui no fato de sermos limitados e estarmos sempre querendo ir além dos limites. Se bem observarmos, o limite tem para o ser humano um sentido ambíguo: de um lado, temos sempre de estar ultrapassando nossos limites, pois isso é existir; de outro lado, se não compreendemos essencialmente o sentido do limite, podemos cair no não-poder, isto é, no não-ser. Daí a importância do pensar.


- Manuel Antônio de Castro

23

"O ser é o princípio ilimitado de todos os entes e de cada ente em particular, e supõe, por isto, um outro princípio – que não seja ele mesmo – que explique a limitação de cada ente. Ora, este princípio é a essência... O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação da realidade do ente" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

24

"O ser é o fundamento interno da realidade do ente, do conteúdo entitativo do ente. Mas ser como fundamento do ente não coincide totalmente com este ente, como se fosse apenas fundamento deste ente aqui. O ser como ser é o fundamento de todos os entes. Por isto mesmo é que com o ser não está posta nenhuma limitação no ente, mas ele precisa de outro princípio que seja o princípio de limitação, a saber, o que chamamos de essência. O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação e determinação do ente. Ser não é essência e essência não é ser sem mais; um não se identifica com a outra. Há uma diferença entre ser e essência, que está posta no ente finito e que pertence essencialmente ao ente finito" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

25

Devemos evitar reduzir tudo ao que se nos mostra em limites. Há a energia concentrada e tudo, sem dúvida, é energia. Dessa maneira, devemos também ver tudo dentro tanto da energia quanto dentro do sentido] que advém dessa energia. É nesse sentido que os gregos falavam em hylé, princípio de elaboração universal. Ora, a elaboração possibilitada é possibilitada tanto pela energia quanto pelo seu sentido, advindo no vigorar da linguagem e se constituindo em mundo. Mundo e linguagem constituem propriamente o que é humano.


- Manuel Antônio de Castro.

26

"Ora, ser consciente de limites só é possível se eu sei acerca de algo que está além dos limites e que, limitando-me, se me opõe. Porém, este outro não pode ser o ser ilimitado que me ultrapassa, o ser como horizonte infinito. Pois, como ente finito, não sou capaz de exercer o ser ilimitado em si mesmo, mas somente o ser de entes finitos e através deste, indiretamente, o ser ilimitado, do contrário eu deveria ser o próprio ser ilimitado, ou não seria mais finito, mas espírito infinito. Portanto, este ser que me transcende para além de mim mesmo – e do qual preciso dar-me conta para dar-me conta de meus limites. – eu só posso saber acerca dele num ente finito, que não sou eu, mas que se me opõe como algo de outro. Somente na medida em que me dou conta do outro como outro, pode luzir em meu saber a diferença ou transcendência do ser ilimitado frente ao meu ser" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

27

"Entre o limite da fala e o ilimitado da voz do silêncio se dá a Escuta. Nela nos advém o ilimitado de nossos limites, da nossa finitude, nela e por ela sabemos o não-saber, somos o não-ser, daí o perigo iminente da morte, daí a necessidade de assumirmos a nossa finitude, mas com os ouvidos bem abertos para o canto divino e encantador das Sereias, para o vigorar poético da palavra cantada" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 180.

28

"Por que, então, achar que a consumação do que cada ente é, telos, em grego, deve consistir numa dissolução indiferenciante, num ser indiferenciado, se o que cada um é não lhe é dado pelos limites, mas pelo tempo-ontológico como doação do ser, que, para simplesmente ser, só pode ser a diferença das diferenças, embora se faça presente no presente com que presenteia cada ente-ser? Como se daria então a referência ser (não-mais-ente) / diferença como referência ao ser e como referência aos outros seres-não-mais-entes? Uma coisa fica clara. Cada ser-ente e cada ser-não-mais-ente é sempre uma doação do ser. Daí que o ser que doa só pode doar a partir da sua riqueza e não e jamais a partir do niilismo ou do ser como um abstração generalizante. Não é esse o ser que Heráclito nos convida a pensar sempre, quando diz: "tudo é um", indicando esse "tudo" riqueza de doação e plenitude?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 21.

29

"Enquanto imagem-palavra, a imagem é linguagem e, como a linguagem, não-é. A imagem-palavra-poiesis não pode ser nunca determinada como um ente, porque não se lhe pode atribuir um limite. E não se lhe pode atribuir um limite porque é a própria poiesis poetando, e isso é o ser se doando como desvelamento. A imagem-questão é poiesis de experienciação e nunca este ou aquele ente. Capitu, como imagem, não é, porque Capitu é imagem-poético-manifestativa de questões, é imagem-questão. Como imagem e verbo toda obra de arte é a dinâmica poética (tautologia) de manifestação do real em sua verdade. Hermes, Palavra, Verbo, Imagem, Verdade são poiesis" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 18.
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