Criação

De Dicionário de Poética e Pensamento

Tabela de conteúdo

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Nenhum grande poeta cria a partir da imaginação técnico-subjetiva, mas sempre cada imaginar se funda no nada criativo. Sendo agir inaugural é vigorar da memória. Em vista disso, o importante não é a imaginação do autor, mas o operar da imaginação pela obra. É a obra que faz o autor, pois então a obra será a manifestação do ser humano naquilo que ele é. Tal operar tem sempre um longo e profundo diálogo com a memória e esta se faz presente nas obras de arte e pensamento onde vigora como memória originária. A tão difundida e mal compreendida inspiração e o ser tomado pelas Musas não pode deixar de lado um fato muito simples: a presença em tudo da mãe das Musas, Mnemósine, a memória. Sem a escuta e o diálogo disciplinado e constante com grandes obras de arte, onde vigora a memória, é impossível verdadeira criação. Daí a repetição de lugares comuns na maioria das obras que se querem afirmar como obras de arte e não passam de manifestações subjetivas sem a presença do vigorar da memória, a unidade e vigorar do e no tempo. A repetição acontece pelo hábito da tradição substantivada, petrificada e formal, a dos hábitos rituais, sem a dinâmica constante da criação. Tradição não é o que se repete, mas o que se conserva como unidade nas constantes mudanças criativas. É a realidade acontecendo: criação.


- Manuel Antônio de Castro

2

Arte é desafio humano de criação. Mas o que é criar? O que é ser humano? Por etapas: A concepção de criar ressente-se dos humanismos, frutos de uma metafísica do esquecimento do sentido do Ser. Por metafísica entenda-se aí fundamento. O Cristianismo, via Judaísmo, traduziu o Ser / Physis como fundamento e este como Deus, o Criador. Logo, Deus é o criador de entes e como fundamento tornou-se o ente absoluto, ou seja, o "Então". O que ficou aí esquecido é o sentido do Ser em seu mistério, irredutível à totalidade dos entes, a um "Então". Portanto, a criação não depende de um fundamento, tradicionalmente identificado com sujeito (em grego hypokeimenon e em latim subjectum). Então em arte, o ser humano, identificado ao sujeito, tornou-se o criador das obras de arte, que é uma contradição metafísica. Em verdade o ser humano não cria nada. Ele tem de enfrentar o grande desafio. Qual? De um lado, não nos criamos, de outro, já estamos projetados nas questões, que não criamos, ninguém cria, pois são elas que nos têm, se apossam de nós, independentemente de nossa vontade. É então que entra aí o propriamente humano, ou seja, o artístico: responder ao desafio das questões. Cada obra de arte manifesta o humano porque cada uma é uma tentativa de resposta às questões. E nisso consiste a "criação" artística, ou seja, manifestação do humano. Mas nenhuma resposta dá conta e elimina a questão, porque somos o fundamento ou sujeito das respostas, não das questões. As questões são fundadas pelo Nada. Somos fundados pelo nada. Então criar é responder às questões originárias de modo original, porque cada situação, sempre diferente em seu acontecer, exige de nós novas respostas, ou seja, novas obras de arte, onde o humano se manifesta como destinado pelas questões do sentido do Ser, do Inesperado, no dizer de Heráclito (frag. 18). Cada obra de arte produz manifestação de mundo, o sentido do Ser que se destina no ser humano enquanto pensar. Eis aí a essência verbal da arte em suas épocas e, portanto, da necessidade do contemporâneo.


- Manuel Antônio de Castro

3

"A primeira etapa para dar início à criação teve o objetivo de fazer o Ser Objetivo Divino (Atum) conceber em seu próprio coração (que, em termos cósmicos, é o local onde se encontra o intelecto, a mente e a consciência) o conceito do múltiplo (seres divinos) a partir do Um, isto é, o Big Bang " (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 93.

4

"Para os antigos egípcios, o homem, como um Universo em miniatura, representa as imagens de toda a criação. Já que Ra - o impulso criativo cósmico - é chamado de Aquele que reuniu, surgiu a partir de seus membros, então, o ser humano (a imagem da criação) é, similarmente, Um que reuniu. O corpo humano é uma unidade formada por diferentes partes colocadas juntas. Na Litania de Ra, cada uma das partes do corpo do homem divino é identificado com um neter/netert "(1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.

5

"A criação ninguém sabe como é que se dá e quem controla a criação" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Dialética: entre o fechado e o aberto". Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão II. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, jul.-set., 2013, 194, p. 11.


6

Outro índice radicalmente humano que não se encaixa na definição do homem como animal racional é o jogo. Em si, o jogo se constitui num todo racional, mas onde a essência do jogo é um sutil paradoxo: fazer eclodir o inesperado, o além, o novo, o inventado dentro das regras do jogo. É o que se chama a criatividade. O homem não recebe o apelo das regras do jogo, mas do que a partir das regras explode em pura criatividade, o que, no fundo, é o que está para além do racional.


- Manuel Antônio de Castro.


7

"Diotima - ... sabes que a palavra poesia é de múltiplos significados. Geralmente chama-se poesia à causa que torna possível a passagem de qualquer coisa do não-ser ao ser, de maneira que as criações de todas as artes são poesia, e que os criadores são poetas!" (1).


Referência:
(1) PLATÃO. O Simpósio ou O do Amor. Tradução Revista e Notas: Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães Editores, 1986, p. 81.

8

"A diferença e referência entre consciente e inconsciente não se pode reduzir apenas a mecanismos e processadores, mas inclui ambas as coisas. O que a fenomenologia do fenômeno nos faz perceber é que qualquer emergente na vida perfaz um movimento só na criação das pessoas. Sem o percurso desta identidade, de igualdade e diferença, não é possível sentir-se dentro nem encontrar-se com movimento de transformação da fenomenologia de todo fenômeno. Assim é indispensável passar dos mecanismos para o sentido que revelam e a que visam os mecanismos" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: -----. Filosofia contemporânea. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 70.
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