Racional

De Dicionário de Poética e Pensamento

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A definição do homem como animal racional ocasionou alguns desvios fundamentais, pois o racional acabou por impor ao homem um padrão ou padrões que exatamente não dão conta do que mais caracteriza o ser humano. Temos o caso da loucura. Esta não se encaixa na definição do homem como animal racional e aí ele começa a ser excluído do sistema, porque a loucura é humana e só o homem pode ser louco, mas não é racional. A loucura é uma das características mais tradicionais e originárias do ser humano. No fundo, o racional nada tem a dizer sobre a loucura, até porque a loucura em seu sentido mais radical indicia a eclosão do homem como linguagem. Na medida em que o racional é uma medida da linguagem (ratio = linguagem medida), cria-se uma incompatibilidade entre razão e linguagem não medida. Outro índice radicalmente humano que não se encaixa na definição do homem como animal racional é o jogo. Em si, o jogo se constitui num todo racional, mas onde a essência do jogo é um sutil paradoxo: fazer eclodir o inesperado, o além, o novo, o inventado dentro das regras do jogo. É o que se chama a criatividade. O homem não recebe o apelo das regras do jogo, mas do que a partir das regras explode em pura criatividade, o que, no fundo, é o que está para além do racional. Um terceiro índice que mostra o homem para além do racional é o eros/amor. Há uma relação racional no comportamento amoroso, mas o amor propriamente dito é aquilo que ultrapassa e está além dessa mera relação racional. Daí as variáveis de amor e paixão, onde esta é marcada por um arrebatamento próximo da loucura e que nada tem de racional. Muito pelo contrário. Se bem atentarmos, o racional, em vez de caracterizar o homem naquilo que o homem tem de mais essencial e que é seu cuidado (cura) originário nada tem de racional. Não é que o racional esteja ausente desses índices, mas, sim, de que eles não dão conta do apelo mais radical e originário do que o homem é. Por isso, o índice mais radical do ser humano, a nossa condição, é o não-ser, o nada, a morte. Diante da morte, toda racionalidade se esvai e não resta senão a arrogância niilista, horizonte no qual o humano do homem perde o sentido e sabedoria.


- Manuel Antônio de Castro


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