Cura

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

Para tratar da realidade, é importante tomar como referência o corpo, em sentido poético, porque nele está contida toda a realidade. Por isso, Cura figura o homem. Nesse sentido, enquanto o corpo/homem é um figurar de Cura, o corpo, como tal, e a realidade são uma metáfora do que é isto - o humano do homem. A metáfora corpo/real remete também para o entre enquanto figurar de Cura. Daí que o vai caracterizar - enquanto entre de cura como metáfora/corpo, o paradoxo/pensamento - a palavra, o verbo, a ironia/linguagem. Cura se torna assim o princípio da sintaxe das três questões fundamentais que nos constituem: corpo, terra e mundo, manifestadas na poíesis, isto é, no vigor poético. Aqui nos referimos à Cura a partir do mito de "Cura", de Higino.


- Manuel Antônio de Castro

2

A essência da cura é deixar-se tomar, possuir pela questão. Não somos nós que temos questões. São as questões que nos têm. Quando isto acontece então nos movemos nos elementos da Cura, ou seja, o homem é de-finido por ela na medida em que deixa eclodir nele as questões. Estar aberto ao apelo da cura é a questão maior. Como esta abertura gera um limiar e se dá numa tensão, nós nos movemos na cura na medida e na proporção em que estamos já sempre e desde sempre na procura, onde não somos nós que pro-curamos, mas na qual nos apropriamos do que nos é próprio: o que nos é próprio é o que somos. Ser para o homem significa tornar-se homem na e pela procura. Por isso, é necessário distinguir querer e desejar. O desejar é do homem. O querer é da cura.


- Manuel Antônio de Castro

3

"A Cura é um cuidar, desejar, amar o que se quer pelo vigorar da questão. O que radicalmente queremos e amamos é o que é. O que é, antes de tudo, é o ser. Esse é o sentido poético-ontológico de Cura, ou seja, cuidar, guardar e chocar, amar para que surja a figura" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 232.

4

"É de nossa constituição de vida enquanto travessia estarmos o tempo todo à procura e nos experienciamos em muitas pro-curas, até descobrirmos, se descobrirmos, que uma só e só uma é a procura única e necessária: a Cura. É nesse sentido que cuidar, curar e salvar radicam no mesmo. Quando nossa vida está em perigo, surge o cuidado e procuramos a cura, uma Cura que já vigora dentro de nós. Não é nunca o cuidado do médico que nos cura. Sua tarefa consiste em nos ajudar a pensar e procurar a cura, isto é, a restabelecer o equilíbrio das energias da luz que em nós vigoram " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 232.

5

"Felizmente, em português, ainda ressoa em desvelo não só a intensidade do velar o que é digno de ser velado e cuidado, mas, ao mesmo tempo, a intensidade no deixar ser, isto é, o deixar eclodir no que é, no desvelamento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.

6

"O mito de Cura é o mito latino para explicar o surgimento e criação do ser humano, que não é uma criação de um Deus, mas uma plasmação, obra, de Cura, ou seja, de Eros, entendido como aquilo que nos projeta na procura poética da realização em plenitude " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eros, o humano e os humanismos". In: Eros, tecnologia, transumanismo. MONTEIRO, Maria Conceição e Outros (org.). Rio de Janeiro: Caetés, 2015, p. 47.

7

"O ser humano como corpo se move já desde sempre no horizonte da Cura. O corpo é uma figuração da Cura. Nós não sabemos o que é a Cura, porque somos uma doação sua. A Cura é sempre Cura do que sentimos e não sentimos, do que sabemos e não sabemos, queremos e não queremos, somos e não somos.
A Cura é o enigma de todo corpo. O corpo só é corpo como questão da Cura" (1).


(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Corpo". Ensaio não publicado.

8

"O grito de dor de Édipo, arrancando os olhos, leva à plenitude de sentido, porque o leva à Cura de todas as procuras de afirmação da negação do que lhe fora destinado" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 33.
Ferramentas pessoais