Dialética

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

"O mundo, o mesmo em todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez, mas sempre foi, é e será, fogo sempre vivo, acendendo segundo a medida e segundo a medida apagando" (1).
Este é o sentido originário de dialética, aquela em que toda a realidade já se dá retraindo-se e que não depende de nenhuma teoria nem jamais é passível de qualquer síntese, porque não depende, como diz o pensador originário Heráclito, de nenhum movimento de relações circunstanciais e conjunturais, pois sua medida é o ser.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) Heráclito, Fragmento 30. In: Os pensadores originários, Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 67.

2

"É esta estrutura dialética das coisas que faz com que as devamos chamar racionais, lógicas, inteligíveis. A estrutura dialética constitui a verdadeira e mais profunda inteligibilidade das coisas: compreender, compreender verdadeiramente (no alemão: “begreifen”: pegar, agarrar, tomar), significa para o espírito apreender por si mesmo, do fundo de si mesmo, a estrutura íntima das coisas e reconstruí-la assim na luz. Por isto Hegel chama de “Conceito” (no alemão “Begriff”: do verbo “begreifen”) cada grupo dialético triádico, enquanto pelo conjunto destes três passos dialéticos – tese, antítese e síntese – “concebemos” perfeitamente toda a estrutura inteligível de uma realidade, “especulamos” a verdade total de uma realidade. Por isto, o termo “conceito” (“Begriff”) não tem em Hegel o sentido corrente de uma noção universal que é abstraída da experiência, mas significa todo o conjunto de um processo dialético triádico. Assim para Hegel o “conceito” se torna a matriz da inteligibilidade das coisas" (1).


Referência:
(1) HUMMES, Cardeal Dom Cláudio. História da filosofia. Texto distribuído no curso de filosofia dado em 1963, em Daltro Filtro, hoje cidade Imigrantes, RS.

3

"Mas o próprio mundo, o ser que nos rodeia e existe no nosso íntimo não é nunca unilateral. Nenhuma criatura humana, nenhuma ação é inteiramente Sansara nem inteiramente Nirvana. Homem algum é totalmente santo ou totalmente pecador" (1).


Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 117.

4

"O pensar sabendo-se, que acontece no sendo humano, e por isso se torna humano, é o ser. Pensar é o ser se pensando como saber. Na verdade, é o ser desdobrando-se nele mesmo, em seu vigorar. E como acontece esse desdobrar-se? No vigorar do ser enquanto energia irradiante, luz originária, possibilidade de todo ver e de todo horizonte, como não-ver de todo possível ver" (1). Essencialmente isso é a dialética, pois desse e nesse movimento advém o sentido do pensar e ser: ver e não-ver.
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: ---------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 304.

5

"A proximidade será sempre distância e a distância será sempre proximidade. Neste jogo dialético constitui-se a vida amorosa como tempo e amor. Não há amor que não vigore no tempo, mas é o tempo da cura, do desvelo, do fazer das possibilidades tempo de realização e destas possibilidades de ser. Por isso, pensar a essência do amar é sempre trazer para o questionamento tempo e ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar ser". In: --------------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 310.

6

É no diálogo, com o diálogo e pelo diálogo que acontece a dialética. Sem diálogo não há dialética. E sem dialética não há história. Quem dá sentido à dialética é o sentido do ser enquanto tempo. Isso é fundamental para nós nos compreendermos. O sentido é a dialética da história porque esta é o destinar-se do sentido do ser.


- Manuel Antônio de Castro

7

"Do ponto de vista dos conteúdos vividos, crença diz pulsão de repetir, diz constância de relações, teoria diz cálculo de operações. Do ponto de vista das atitudes de andamento, crença inclui adesão, fé implica fidelidade e teoria abrange objetivações. São três vertentes que se excluem mutuamente nos processos de fazer e agir, mas que a vida reúne, dialeticamente, nas posições e situações existenciais" (1).


Refência:
LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Crença, fé e teoria na filosofia". In: Revista Tempo Braileiro 186, Cláudio Magris: 125-132, jul.-set., 2011, p.129.

8

A dialética é o próprio vigorar do princípio do acontecer poético da realidade.


- Manuel Antônio de Castro

9

"Que o que gasta, vai gastando o diabo de dentro da gente, aos pouquinhos, é o razoável sofrer. E a alegria de amor - compadre meu Quelemém diz. Família. Deveras? É, e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é..." (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 12.

10

Em geral não se leva em conta a importância do fato de que cada dialogante já se encontra, ontologicamente, numa posição. Ora, esta posição já determina a nossa finitude ontológica, pois ninguém pode assumir todas as posições. Isto se torna essencial para a própria questão da verdade, em três dimensões: 1a. Cada dialogante não pode assumir todas as posições; 2a. Uma vez que a verdade da realidade se dá e retrai, jamais o não-visto e não-desvelado pode ser objeto de uma posição; 3a. Daí advém que todo diálogo já vigora na essência da dialética da verdade (aletheia) da realidade. Se agora nos lembrarmos que a palavra para posição, em grego, é thesis, significa isso que o ser de todo sendo jamais pode ser reduzido a uma posição, seguido de uma antítese e finalizado numa síntese, uma vez que jamais pode haver uma síntese total, pois a verdade é a dobra dialética de desvelamento e velamento. Toda dialética é necessariamente aberta, inconclusa. Jamais podemos ver tudo que se dá a ver e muito menos ver o que nunca se dá a ver. "Não se pode estabelecer todo relacionamento numa posição, a não ser aceitando a multiplicidade de posições. Na multiplicidade você se coloca, assume uma posição. Sempre há o outro, o diferente, tanto o outro do outro, quanto o outro de si mesmo, em cada posição. O outro é a diferença do próprio movimento de constituir uma diferença, uma posição. Toda posição se mantém numa processo de diferenciação e já é em si mesma um outro, e traz consigo a dinâmica de diferenciação de sua proveniência" (1). A questão da posição se torna decisiva para compreender a profundidade de uma outra questão decisiva na vida de todo ser humano e até na sucessão dialética das épocas: o diálogo. E assim o diálogo externo (com os outros) é acompanhado de ou solicitado por um diálogo interno (com o outro de si mesmo), gerando, portanto, tanto uma dialética externa quanto uma interna. Mas estas denominações espaciais não levam em conta que a própria dialética é o sentido tanto do tempo quanto do espaço. Eis o complexo horizonte tanto do diálogo quanto da dialética.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O caminho genealógico de Platão". In: -------. Filosofia grega: uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 212.

11

"Mas, essencialmente, a dialética já se vê envolvida por algo que normalmente não é pensado: a essência da linguagem, que não pode ser confundida com nenhuma língua ou código gramatical, por mais que se queira enquadrar seu funcionamento numa essência conceitual ou norma abstrato-universal. Essa gramática conceitual até pode ser formulada, mas nela se perde o próprio vigorar da realidade em seu acontecer sempre inesperado" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética e diálogo: A verdade do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 192, Dialética em questão I. Rio de Janeiro, jan.- mar., 2013, p. 10.

12

"Mistério é o agenciador da dialética que não permite que se conclua o processo dialético com uma plenitude que exaurisse as condições de possibilidade de novo conhecimento" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Dialética: entre o fechado e o aberto". Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão II. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, jul.-set., 2013, 194, p. 8.

13

"Seu [de Hegel] método de reflexão filosófica é exclusivamente o método dialético triádico: tese, antítese e síntese, ou melhor, segundo a terminologia hegeliana: afirmação, negação e negação da negação. Por este método Hegel pretende mostrar como se classificam racionalmente e como se encadeiam racionalmente, e com necessidade, todos os aspectos mais importantes da realidade, a partir dos mais abstratos como: o ser em geral, o vir-a-ser, a qualidade, a quantidade etc., até os mais concretos como os diversos tipos de civilizações e de filosofias" (1).


Referência:
HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. História da Filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS.

14

"A formação da palavra dialética é a seguinte: em grego, o sufixo –ikos, e, on (masc/fem/neut) forma adjetivos a partir de verbos. Neste caso, o verbo é dia-lego. Tal sufixo indica a aptidão ou capacidade de realizar a ação expressa pelo verbo e é traduzido normalmente por: apto para ou o que concerne a alguma coisa ou, ainda, o que diz respeito ao ato de. No verbo dia-lego, o adjetivo daria conta da qualidade de ser apto para o diálogo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética e diálogo: A verdade do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 192, Dialética em questão I. Rio de Janeiro, jan.- mar., 2013, p. 11.

15

" - Sócrates - Assim é, meu caro Fedro! Todavia, acho muito mais bela a discussão destas coisas quando se semeiam palavras de acordo com a arte dialética, uma vez encontrada uma alma digna para receber as sementes! Quando se plantam discursos que se tornam auto-suficientes e que, em vez de se tornarem estéreis, produzem sementes e fecundam outras almas, perpetuando-se e dando ao que os possui o mais alto grau de felicidade que um homem pode atingir!" (1).
A obra de arte e de pensamento é uma semente que procura e espera a alma fértil para nascer, crescer e dar frutos. Essa é a essência da obra de arte. E essa é a dialética pensada essencialmente, como nos diz o pensador Platão.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) PLATÃO. Fedro. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 125, 276 e.

16

Quem pergunta é porque já quer (saber) e este querer não nos vem de nossa vontade, mas do ser/saber (em Parmênides: einai/noein) que nos foi doado e o qual tendemos já desde sempre a realizar completamente, mas porque somos limitados nunca conseguimos de maneira completa, pois nele não mais poderia haver saber e não-saber. Daí surge a dialética enquanto procura incessante de proximidade e distância, de completude e falta, de sentido e não-sentido, de verdade e não-verdade, onde um tal não não indica falta, mas o que já se tem e tem demais e nunca cabe em nossos limites. Por isso, dentro deles só fazemos nos entregar incessantemente à procura da plenitude para a qual tendemos por sermos e não-sermos, e jamais como uma decisão de nossa vontade, que só aparentemente é que quer.


- Manuel Antônio de Castro.

17

"Na realidade, a gramática está estreitamente ligada à retórica e esta se guiava por interesses econômicos e formais, fazendo do logos humano o seu fundamento e interpretando a linguagem como língua, tornando-se esta um instrumento político de tomada do poder e de convencimento das mentes dos cidadãos. É a publicidade de hoje. Platão, diante dessa prática, escreve o diálogo Fedro, onde ataca o formalismo retórico e propõe, em seu lugar, a dialética. Nesta, a linguagem e seu uso são determinados pela ideia de Bem, fazendo do discurso algo de Belo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 18.
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