Autor

De Dicionário de Poética e Pensamento

1

"Este ano celebra o segundo centenário do nascimento de Hegel. Há mais de cento e cinquenta anos que age o pensamento de Hegel. Na ação o pensador guarda a sua presença. Encolhe-se a distância cronológica que nos separa da obra de seu pensamento. Celebrar Hegel será apresentar-lhe a presença na operação histórica do seu pensamento" (1). Aqui se destaca o autor enquanto obra de pensamento. Isso se pode dizer também do poeta enquanto obra da poíesis. "Celebrar Hegel já não será apenas rememorar um filósofo que nasceu há duzentos anos. Será tomar consciência do que hoje somos e não somos" (2), pois "... uma celebração que não pretender negar-se como celebração de um pensador, incluirá necessariamente um diálogo de pensamento" (3).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Hegel, Heidegger e o absoluto". In: Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 251.
(2) Idem.
(3) idem.

2

As possibilidades poéticas das obras não são diferentes daquelas que vigoraram nos autores e se fazem presentes nas obras, porque, em verdade, os autores não são os autores das obras. As obras é que são as autoras dos autores e dos leitores. E o podem ser porque tanto autores como leitores vigoram e podem acontecer na mesma mediação: a poiesis, que se torna e desde sempre é a medida do humano.


- Manuel Antônio de Castro

3

"Parede e fundo, de que é feita a jarra e com que fica em pé, não perfazem propriamente o recipiente. Caso, porém, este estivesse no vazio da jarra, então, o oleiro, que molda, no torno, parede e fundo, não fabrica, propriamente, a jarra; ele molda, apenas, a argila. Pois é para o vazio, no vazio e do vazio que ele conforma, na argila, a conformação de receptáculo" (1).
Se entendemos por autor o que cria algo, aqui fica evidente que moldar ainda não é criar. Isso se aplica a toda a criação artística. Redigir algo ainda não é criar, pois a redação é apenas a inscrição que a própria linguagem doa a quem escreve ou fala. A ideia de autor propalada desde a Modernidade é falha porque não se abre para o acontecer da realidade, entendendo esta como o que vigora. Se a denominamos, sempre impropriamente, de imaginação, silêncio, vazio, nada criativo, é porque como finitos temos sempre de nos mover no limite. Porém, o que nos caracteriza é justamente não ficarmos determinados pela finitude. Criar mesmo nunca criamos, não somos autores de nada, mas acontece em nós o advir ao sentido a própria realidade, o vazio de que nos fala o pensador. Mover-se na autoria é ainda ficar restrito à entificação subjetiva. Mas sem ser não há ente. Deve haver dialética entre língua e linguagem, entre silêncio e fala. O oleiro faz a jarra com o que a realidade lhe oferece, mas quem lhe dá sentido e acolhimento é o vazio. O poético é isso e é essencialmente dialético.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: ---. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 147.

4

"Neste preciso momento soam canções e cores, música de ópera e música de câmera extraídas da obra de Conradin Kreutzer. Nestes sons está o próprio artista, pois a presença do mestre na obra é a única que é autêntica. Quanto maior é um mestre mais completamente a sua pessoa desaparece por detrás da obra" (1).


Referência bibliográfica:
(1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d., p. 10.

5

"Ao ser-criado da obra pertencem, essencialmente do mesmo modo, tanto os que criam como os que desvelam. Porém, é a obra que faz possível, em sua essência, os que criam e necessita, a partir da sua essência, dos que desvelam" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 181.

6

"Um novo caminho tinha que ser pensado e proposto, um caminho que reconduzisse o leitor para o questionamento, a escuta, a diversidade e o diálogo com as obras poéticas. Isso exige um leitor novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu sentido, verdade e mundo. Exige um leitor num diálogo com e não mais um falar ou escrever sobre as obras. É um diálogo exigente, pois só escuta e dialoga quem se escuta. Mas a fala é da obra e não do autor, uma vez que nela quem age é a poiesis e quem fala é o Logos originário e não o logos racional da Modernidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.

7

"- Sócrates - O maior inconveniente da escrita parece-se, caro Fedro, se bem julgo, com a pintura. As figuras pintadas têm atitudes de seres vivos mas, se alguém as interrogar, manter-se-ão silenciosas, o mesmo acontecendo com os discursos: falam das coisas como se estas estivessem vivas, mas, se alguém os interroga, no intuito de obter um esclarecimento, limitam-se a repetir sempre a mesma coisa. Mais: uma vez escrito, um discurso chega a toda a parte, tanto aos que o entendem como aos que não podem compreendê-lo e, assim, nunca se chega a saber a quem serve e a quem não serve. Quando é menoscabado, ou justamente censurado, tem sempre necessidade de ajuda do seu autor, pois não é capaz de se defender nem de se proteger a si mesmo" (1).


Referência:
(1) PLATÃO. Fedro. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 122, 275 d.

8

A obra de arte manifesta o sentido do próprio ser, fazendo com que a realidade advenha ao sentido e instituindo mundo. E o próprio artista manifesta dimensões essenciais do próprio ser humano, daí a importância da arte na vida das pessoas, pois o artista deixa de ser alguém simplesmente individual e que se serve da inspiração. O lugar do artista no todo da realidade enquanto mundo é essencialmente misterioso, pois a criação do enredo e dos personagens e os valores que os guiam no seu agir transcendem tanto o eu do personagem ou dos personagens quanto o eu do artista ou do autor. O genial diretor de cinema Ingmar Bergman tematiza isso muito bem em dois famosos filmes: Infiel e Depois do ensaio. São muitas as questões neles colocadas quanto às criações das obras, aos personagens e ao próprio enredo. Qual o verdadeiro limite entre os valores e vida do artista e do personagem que ele representa?


- Manuel Antônio de Castro.
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