Como

De Dicionário de Poética e Pensamento

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O "como", em geral, é entendido em duas dimensões: 1ª o como funciona, ou seja, diz respeito ao padrão de organização e seu funcionamento em cada ente. É um como geral e que pré-existe ao funcionamento de uma determinada estrutura enquanto este ou aquele ente; 2ª o como enquanto se constitui, se estrutura, ou seja, que toma forma. Mas note-se que aqui a forma/estrutura só é apreensível no funcionar do padrão de organização, ou seja, a determinação da forma está diretamente relacionada à função que preenche dentro da ideia prévia inerente ao padrão de organização. Este prevê a forma que concretiza aquela. A ideia inerente ao padrão de organização pré-representa a estrutura/forma concreta. Há aqui um círculo. O como se concretiza aí a partir do télos enquanto ideia inerente ao padrão de organização. Temos então um "ob-jeto". A relação entre o padrão de organização e a estrutura de um ente vivo será diferente. É que nesse caso o como se centraliza no entre da relação. Porém, agora, este como/entre se realiza em duas dimensões: 1ª como um ente como tal, no caso dos seres vivos; 2ª como o entre que se faz presente no ser humano, na medida em que ele é um ser da liminaridade, remetendo para o ser/não-ser, finito/não-finito. Aqui o como se dá como entre no horizonte da compreensão e da pré-compreensão. Um tal como/entre remete para o sentido do ser e do tempo. Na realidade, todo como essencial é o como poético. Este como diz respeito às possibilidades de realização histórica do ser humano como humano e não simplesmente enquanto um ente entre outros entes. No humano o télos consiste no sentido enquanto princípio de possibilidade de levar o finito à plenitude do infinito. Por isso, a morte é um grande mistério, pois é ela que impulsiona o finito para o infinito, enquanto a vida quer trazer o infinito para o finito e plenificá-lo. Neste entre de vida e morte acontece o como poético, o como onde se dá o humano do homem.


- Manuel Antônio de Castro


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O como que surge na dinâmica do entre é um grande enigma. O acontecer que move todo como essencial é em si um manifestar e retrair. E é nesse enigma e enquanto enigma que se faz presente/ausente a coisa. A tentativa de resolver o que é a coisa, seja objeto, seja ente vivo, seja qualquer ente, esbarra em algo inapreensível a uma conceituação e à redução à função ou à relação entre padrão de organização e estrutura singular. Para além desta bipolaridade, intervém também o observador. "Por fim, há sistemas que mudam de estado quando são observados, de modo que a própria intenção do observador de prever seu curso estrutural os retira de seu domínio de previsão" (1). Ampliando essencialmente o campo do observar a partir do ver e do evidente como a afirmação precedente se faz presente no: 1º) leitor; 2º) crítico; 3º) explicador; 4º) analista; 5º) observador; 6º) intérprete; 7º) em quem dialoga. Então, o que acontece em relação ao sujeito? O que acontece em relação ao objeto? O que acontece em relação à linguagem?
Mas nunca podemos esquecer que o como intervém também de uma maneira enigmática entre o observador "e" (entre) a coisa observada. Que "e" é esse? Como esse "e" intervém no como?


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) MATURANA, Humberto R. & VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento. 4ª ed. São Paulo: Palas Athena, 2004, p. 137.


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Coisa é o que é e o como é. Esse "e" aí é o entre. O como, inerente a cada ser humano e fundado no entre, é o mais enigmático. O como do entre (pois o entre tanto se refere a "o que é" quanto a "o como é") faz aparecer o próprio entre como mundo e verdade. Porém, o mundo e a verdade são o acontecer do que é. Quando um tal acontecer se vê circunscrito e inscrito no mundo e na sua verdade, como tal sem referência à não-verdade e ao não-mundo, então o próprio se torna impróprio e relações meramente intramundanas. Não há uma volta à casa, à linguagem. É a perda da aura e a dissolução do sagrado no real, enquanto função técnico-utilitário-dos-objetos. Mas esse poder-ser impróprio é inerente ao entre. O entre e seu vigor se plenifica (num misterioso levar à plenitude os limites ou a vida enquanto morte) no mundo e sua verdade, quando a verdade do entre-ser é a não-verdade.


- Manuel Antônio de Castro
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