Doar

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Tabela de conteúdo

1

O doar como e enquanto presente é o ser presentificante (no duplo sentido de que se faz presente e se torna presente como o que se doa). Presentificar-se e doar-se são um e o mesmo, pois no doar não há um transferir de algo para algo nem de alguém para alguém. De algum modo, eis aí a essência do amar, contudo, este é ambíguo, pois se confunde muito a essência do amar com o receber sem se pensar o doar. E sobretudo deve-se pensar o receber algo e o receber o que se é, ou seja, o destino como doação. Os sofrimentos causados pela paixão, advêm sobretudo dessa ambiguidade e perda do horizonte do amar, ou seja, da essência da doação.


- Manuel Antônio de Castro

2

"Em Platão, idea não diz nem conceito, no sentido de um conteúdo de significação, nem noção, no sentido de uma essência de articulação, nem representação, no sentido de uma imagem de substituição, nem modelo, no sentido de um paradigma de orientação. Idea é doação de ser" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. VII - "Idea=doação de ser". In: -------. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 205.

3

"o ser humano em sua Essência é uma doação do Ser. Este, doando-se enquanto pensamento e linguagem, é que possibilita ao ser humano consumar o que é, isto é, conhecer e chegar a conhecer-se nas e fora das disciplinas que são, em última instância, uma doação do Ser, da realidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 229.

4

"O adágio escolástico nemo dat quod non habet - ninguém dá o que não tem - só vale mesmo de coisas e conteúdos dados, de tudo que é estático, que já está pronto e acabado e não tem que e o que ainda vir a ser. Ora, nas relações de vida, de ser e realizar-se em ininterrupto vir a ser, ninguém pode dar o que tem. Qualquer um só pode dar mesmo o que não tem, pois quem aqui desse o que tem não daria. Tiraria, antes, do outro o perfil de ser outro e, com isso, toda possibilidade de aceitar ou recusar. O que quer que alguém me possa dar, uma coisa, certamente, nunca me poderá dar, a possibilidade de receber. Esta todos já devemos ter conosco e trazer com nosso próprio ser, para podermos receber alguma coisa" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. VII - "Idea=doação de ser". In: -------. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 205.

5

"Pensar diz respeito à essência do humano, porque nele procuramos realizar e chegar a ser as possibilidades próprias do que cada um já desde sempre é. E cada um é por uma doação do Ser, sendo, portanto, uma singularidade, um próprio, irredutível a uma generalização conceitual" (1).


Referência;
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética: a verdade do ser". In: ---------. http://travessiapoetica.blogspot.com.

6

"Do ente dizemos: ele é. No que diz respeito à questão do "ser" e no que diz respeito à questão "tempo", permanecemos cautelosos. Não dizemos: ser é, tempo é: mas dá-se ser e dá-se tempo. Primeiro modificamos com essa expressão apenas um uso de linguagem. Em vez de "ele é", dizemos "dá-se" " (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Tempo e ser". In: -----. Conferências e escritos filosóficos - Coleção Os pensadores. Trad., Introduções e Notas: Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 259.

7

"O ser, pensá-lo propriamente, exige que se afastem os olhos do ser na medida em que, como em toda metafísica, é explorado e explicitado apenas a partir do ente e em função deste, como seu fundamento. Pensar o ser propriamente exige que se abandone o ser como fundamento do ente em favor do dar que joga velado no desvelar, isto é, em favor do dá-Se. Ser, como dom deste dá-Se, faz parte do dar-se. Ser enquanto dom não é expulso do dar. Ser, pre-s-ença é transformado. Como presentificar faz parte do desocultar, permanece incluído no dar como seu dom. Ser não é. Ser dá-Se como o desocultar do pre-s-ente" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Tempo e ser". In: -----. Conferências e escritos filosóficos - Coleção Os pensadores. Trad., Introduções e Notas: Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 259.

8

"O tempo não é. Dá-Se o tempo. O dar que dá tempo determina-se a partir da proximidade que recusa e retém. Ela garante o aberto do espaço-de-tempo e preserva o que, no passado, permanece recusado, e, no futuro, retido. Denominamos o dar que dá o tempo autêntico, alcançar que ilumina e oculta. Na medida em que o próprio alcançar é um dar, oculta-se, no tempo autêntico, o dar de um dar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Tempo e ser". In: -----. Conferências e escritos filosóficos - Coleção Os pensadores. Trad., Introduções e Notas: Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 265.

9

"O real é uma doação da poiesis. Este real se manifesta, se nos aparece, se mostra, se nos dá, se nos revela, é uma doação que nos lembra a epifania divina" (1).


Referência:
(1) ROCHA, Antônio Carlos Pereira Borba. "Diálogo com Chuang Tzu, hoje". In: Revista Tempo Brasileiro, 171 - Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro, out.-dez., 2007, p. 168.

10

"Ao contrário do que se acredita na Modernidade, o conhecimento não é uma criação da razão crítica. Sem Ser não há nem pode haver epistemologia. Seria o mesmo que tentar afirmar a existência de fenômenos sem a physis ou de posições e conjunturas sem o legein, de onde surge o estar enquanto tempo e espaço. E estes sem o doar-se do Ser em realizações. Impossível. Sem Ser não há pôr e depor, não há estar, não há limitar, não há tempo e espaço" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 229.

11

"Doação é o ato de conferir um dom, um presente ofertado. A liberdade, como oferta de um dom, não pertence ao homem. Ou melhor: a ele pertence somente na medida em que lhe foi doada. Deus é a imagem disto que, excedendo o humano, o institui enquanto tal" (1).


Referência:
(1) FERRAZ, Antônio Máximo. "O homem e a interpretação: da escuta do destino à liberdade". In: CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (Org.). O educar poético. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 105.

12

dado a todos os homens conhecer-se a si mesmos e pensar" (1).


Referência:
(1) HERÁCLITO. Fragmento 116. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 89.

13

"... a palavra daimon, de daiomai significa: o doar retirando-se. A maneira de doar não é aquela em que aquilo que se doou desaparece na doação. Não, é aquilo que sobrevive na doação. É o que diz daiomai, de onde vem esse daimon. Então, esse daimon é uma atuação que não se deixa controlar, administrar, praticar ou programar. É alguma coisa que se esquiva e, por isso, possibilita toda e qualquer modalidade de realização vital, mesmo nas tentativas de querer destruir a vida. Pois essas tentativas de destruir a vida não podem ser conscientes e não são transparentes, mas se vestem, se escamoteiam e se camuflam de proteção à vida" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O corpo, a terra e o pensamento". In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 70.

14

"A concepção do amar como doação é usada de uma maneira generalizada. Pode haver amor sem doação? Já sabemos o que é dar/doação para podermos afirmar que o amar é doação, entrega? Damos e entregamos o quê quando amamos? No dia dos pais, por exemplo, os filhos dão e entregam um presente aos pais. É um dar como sinal do amar, que afirma o carinho, o reconhecimento, a importância do pai em suas vidas. Uma forma de dar é dar presentes. Mas será essa e outras formas de dar a essência do dar? E se o amor for presença e não o presente? Amor e doação de quê? Já sabemos o que é, essencialmente, doar para dizer que os amantes se doam quando se amam? Neste dar-se o amante entrega-se completamente, sem limites e sem condições? E pode o outro sem deixar de ser outro receber tal entrega? Tal doar e receber não anulariam o próprio de cada um?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Amar e ser". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 295.

15

"Porque o ser que somos é uma doação, um presente do ser. E ele se presentifica como escuta" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 8.

16

"Por que, então, achar que a consumação do que cada ente é, telos, em grego, deve consistir numa dissolução indiferenciante, num ser indiferenciado, se o que cada um é não lhe é dado pelos limites, mas pelo tempo-ontológico como doação do ser, que, para simplesmente ser, só pode ser a diferença das diferenças, embora se faça presente no presente com que presenteia cada ente-ser? Como se daria então a referência ser (não-mais-ente) / diferença como referência ao ser e como referência aos outros seres-não-mais-entes? Uma coisa fica clara. Cada ser-ente e cada ser-não-mais-ente é sempre uma doação do ser. Daí que o ser que doa só pode doar a partir da sua riqueza e não e jamais a partir do niilismo ou do ser como um abstração generalizante. Não é esse o ser que Heráclito nos convida a pensar sempre, quando diz: "tudo é um", indicando esse "tudo" riqueza de doação e plenitude?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 21.

17

"A experienciação da linguagem como nosso maior bem não pode ser ensinada nem transmitida, porque é ethos. O que cada um é só pode ser experienciação a partir do que cada um é. E nem é decisão de cada um. É uma doação para a qual somos convocados pela ausculta. Mas a ausculta também nos é dada. Diz Hölderlin:
O mais perigoso de todos os bens foi dado ao homem:
a linguagem...
Para que ele testemunhe o que ele é...


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 26.

18

"O ser, portanto, é doação, presentificação. O que é essa doação nós a experienciamos em nós mesmos. E só cada um pode se experienciar e dizer-se linguagem / ser, nosso maior bem como escuta. Mas o ser humano, porque é dizer-com - homolegein, no dizer de Heráclito -, procura sempre compreender e dizer o que é essa plenitude de doação. É realmente o único penhor de todas as nossas ações, pelas quais, sendo, poderemos ser o que somos: felizes" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 24.

19

"Cada ser humano é antes de tudo também real e do real, mas a grande questão que o real coloca para o ser humano é que ele é uma doação do real e, ao mesmo tempo, cada ser humano deve “realizar” esse mesmo “real” de maneira diferente. Eis aí em poucas palavras a questão central do sentido do ser. Ele se destina no ser humano para que cada ser humano, pelo agir como sentido, realize o próprio ser em seu sentido. O ser humano como doação do real é uma doação ambígua. Por isso, quando a esfinge propõe o primeiro enigma e Édipo responde: o homem, este é e não é a resposta, por um motivo muito simples. Toda questão tem e não tem resposta" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 22.

20

Realização é o vir a ser da realidade no seu manifestar-se em real, ou seja, a totalidade dos entes (ta onta), dos fenômenos. Como tal, todo fenômeno é uma realização da realidade constituindo o real. Toda realização é oblíqua e dissimulada porque nela a realidade se dá e retrai, se manifesta e vela. Toda realização é uma doação do ser. Daí podermos falar de real e irreal, de ideal e real, porque este, em verdade, é a vigência do vigor da realidade pondo-se e depondo-se nas realizações. O Ser é doação enquanto tempo, presença, mundo, sentido e realização.


- Manuel Antônio de Castro
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