Ler

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Tabela de conteúdo

1

Ler é um agir de grande e profunda complexidade. Jamais pode ser reduzido ao ato banal de decodificar algo escrito. Em vista disso está muito além de qualquer letramento. Em todo ler já estão implícitas três questões essenciais: o que é a realidade, o que é o ser humano e como se dá a referência entre realidade e ser humano. Melhor que realidade é dizer Ser, para sermos logo jogados no próprio do ser humano. Note-se que aí humano já é um desdobramento e manifestação do próprio Ser, realidade. A questão correlata está em que apreender a diferenciação do ser humano de todos os outros seres ou entes da realidade sempre foi a questão por excelência em todas as culturas e épocas. E é nesse momento que o ler incorpora toda a sua complexidade, pois, em última instância, ler é ler-se. Mas este "se" reflexivo não diz algo subjetivo, porém, o vigorar do próprio Ser em todo sendo/ente. Ler desde sempre é já um dizer. Por isso, o verbo latino que deu origem ao verbo ler, em português, antes de ser apreendido como ler, significa dizer. É o verbo legere por sucessivas quedas: 1a. Do "e" final; 2a. Depois da gutural sonora "g" (lei fonética de transformação histórica), resultando em "leer", finalmente ler, por contração de "ee".


- Manuel Antônio de Castro
Cf. Leitura neste dicionário.

2

"Ler, em sentido poético, é sempre questionar-se, mas cujo caminho de leitura nos expõe e exige decisões de sentido de nosso viver. Nesse momento, aparece a diferença entre a experiência e a experienciação da leitura, pois esta não apenas nos informa algo, mas nos põe em questão. E isso é compreendermo-nos" (1).


Referênica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura e obra: a parte e o todo": In: -------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 111.

3

Ler é alimentar-se da e pela memória do que já desde sempre somos. Ser é o que há de mais autêntico, íntimo, profundo, imediato, evidente em cada um. O dizer mais radical e essencial é sempre: eu sou. Onde o sou é que é a fonte originária de todo eu, de toda subjetividade. Mas também o mais misterioso. O hábito das leituras essenciais nos predispõe para a escuta do seu silêncio, do seu mistério. Então se dá o sabor da sabedoria como advento do véu do mistério que se rasga: a morte. Viver e morrer são faces da mesma moeda. Mas quem faz do viver uma experienciação do morrer como sabedoria? A leitura silenciosa e que interioriza prepara um tal diálogo e caminho.


- Manuel Antônio de Castro.

4

O ler e o logos: Por que o ler é dotado de muita energia e pode-se tornar o alimento essencial de nossa vida? Ler não consiste simplesmente em decodificar signos escritos. Ler vem do verbo latino legere que tem a mesma raiz indo-europeia do verbo grego legein, do qual se originou o substantivo logos. Logos é verbo, palavra, ação, manifestação, linguagem, escrita, fala, silêncio, caminho, sentido. Todo ler se move nesses significados, daí o lugar decisivo em nossa vida. E é ele que distingue o ser humano de todos os outros seres. Ele constitui a sua diferença ontológica.


- Manuel Antônio de Castro

5

"O que é ler? Ler sempre é mais, muito mais, do que qualquer resposta que se dê. Mas elas não são inúteis. Têm a possibilidade de trazerem novas dimensões e aspectos para apreender melhor a questão do que é ler. E também possibilitam superar ideias estabelecidas e seus lugares-comuns" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 17.

6

"Tomando a genética como uma primeira referência para pensarmos o que é ler, há um dado fenomenal muito interessante: a descoberta de que nosso genoma se constitui de cerca de três bilhões de combinações de suas “letras”, que guardam todas as informações necessárias para dar forma a uma pessoa. E mais: as informações são guardadas por milhares de anos. Em relação às palavras e seus sentidos, é isso que nos proporciona o estudo da etimologia" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 18.

7

"Os dicionários, com base semântica, quando consultados, trazem os mesmos significados do que é ler, com ligeiras variações. O Aurélio, por exemplo, diz para ler: interpretar o sentido de; perceber, decifrar; explicar, lecionar. Além destes, indica dois significados que se tornam decisivos pela questão que levantam: 1º. Adivinhar, no sentido de pré-dizer, como, por exemplo, “ler a mão”. Aliás, dependendo da cultura e época, são variados os augúrios. E, na verdade, todos os seres humanos, essencialmente, já são áugures, pois todos têm possibilidade de pré-dizer e interpretar; 2º. Reunir as letras em palavras. Qual é a questão? Em primeiro lugar, podem esses dois significados ocorrer sem que, previamente, haja uma “interpretação”? Claro que não, pois ler desde sempre já é interpretar. E o que todo interpretar implica? É algo que vai muito além das teorias semântico-gramaticais e já nos demanda o pensamento fundador da etimologia. Qual a relação entre “pré-dizer” e “reunir letras”? Somente podemos “reunir letras” porque podemos “pré-dizer” ou “pré-ler” " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 18.

8

Ler é alimentar-se da e pela memória do que já desde sempre somos. Ser é o que há de mais autêntico, íntimo, profundo, imediato, evidente em cada um. O dizer mais radical e essencial é sempre: Eu sou. Onde o sou é que é a fonte originária de todo eu, de toda subjetividade. Mas também o mais misterioso. O hábito das leituras essenciais nos predispõe para a escuta do seu silêncio, do seu mistério. Então se dá o sabor da sabedoria como advento do véu do mistério que se rasga: a morte. Viver e morrer são faces da mesma moeda. Mas quem faz do viver uma experienciação do morrer como sabedoria? A leitura silenciosa e que interioriza prepara um tal diálogo e caminho.


- Manuel Antônio de Castro

9

"... pois o agir, em sua essência, é o agir do vigorar do tempo que se dispõe e destina epocalmente. E isso já nos foi sinalizado pela inscrição no templo de Apolo em Delfos, que dizia: “Conhece-te a ti mesmo”. Eis a essência do questionar, agindo. Eis a essência do ler".


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 39.

10

"Ler é uma outra forma de ampliar o tempo. Um bom livro é sempre uma máquina do tempo, não só por nos fazer viajar para outras eras e lugares, mas, sobretudo, pelo poder que tem de desacelerar as horas" (1).


Referência:
(1) AGUALUSA, José Eduardo. "A velocidade do tempo". In: O Globo, "Segundo Caderno", p. 8, 24-8-19.

11

"Ler é alimentar-se da memória do que já desde sempre somos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 86.

12

"A linguagem não é um ente, mas o fenômeno dos fenômenos, pois quanto mais se revela, mais se vela, operando num “entre”, que os gregos denominaram polemos, cuja tradução mais frequente é: luta, tensão de contrários, disputa. E propomos traduzi-la também por “entre”. Linguagem é um entre princípio e fim, entre finito e não-finito, entre compreender e não-compreender, entre saber e não-saber, entre ver e não-ver, entre ser e não-ser. Em virtude disso, nossa caminhada é um contínuo avançar e recuar, num verdadeiro labirinto poético-circular, cuja saída almejamos e, no entanto, sempre nos advém como desafio, pois a cada passo se abre em infinitas possibilidades, numa aparente sem saída, onde o importante do ler é a procura e caminhada. Isso gera no ser humano angústia e dor, mas também a alegria erótico-libertadora das contínuas e sempre novas experienciações. E, no fundo, essa caminhada do caminho é o ler" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 21.
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