Narrativa

De Dicionário de Poética e Pensamento

Tabela de conteúdo

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Narrativa: muitas e muitas são as teorias do que seja a narrativa. Porém, ela se funda em algo tão simples quanto complexo, e até diria misterioso: a condição humana e suas vicissitudes. E o grande pensador e narrador que é Guimarães Rosa sintetizou isso de uma maneira genial: travessia. Dizer o que somos enquanto uma travessia de realização é narrar sempre narrativas originais. Narrativa é travessia. A cada ser humano corresponde uma travessia entre o nada criativo e o tudo da plenitude: nisso corresponde a sua narrativa de vida, que só se dá acontecendo, realizando-se concretamente em defrontar-se com tudo o que nos foi dado para ser. Toda narrativa é narrativa de vidas defrontando-se com suas questões, que se tornam o cerne, a essência de todo enredo verdadeiro. Nenhuma narrativa é autêntica se não se fundar no experienciar as questões com as quais temos de nos defrontar em nossas vidas. Se travessia é narrativa, toda narrativa é narrativa de questões.


- Manuel Antônio de Castro

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No poético, as línguas são o rito da linguagem. O mito narrado não é o mito, mas o rito e a língua da linguagem. Também podemos pensar a narrativa como o ritmo de sentido da voz da música. O rito está para o mito, assim como a língua está para a linguagem e a sonoridade para a música. Por isso o poético, toda arte, tem origem mítica. E tanto o mito como a arte radicam no sagrado. Martin Heidegger afirma: "O pensador diz o ser, o poeta nomeia o sagrado" (1) (2).


(1) HEIDEGGER, Martin. "Que é metafísica? - Posfácio (1943)". In: Heidegger - Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 51.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do canto das Sereias". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 155.

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"A questão narrativa deve ser referenciada às questões e não e jamais às formas, porque estas não passam do que no vigorar da presença implica a instável linha do limite. A forma é uma linha instável porque a realidade, em seu vigorar incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um conceito e / ou a uma essência abstrata, generalizante. A forma se baseia na concepção da obra como um organismo, um objeto, cuja ação se determina pelo funcionar do sistema ou pela teoria em que se estabelece o que é organismo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In; -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.

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"Mas note-se que essas questões não são propriedade única dos gregos. Cada conjunto de mitos em todas as culturas já são modos diferentes de se defrontarem com as mesmas questões. Em nenhuma cultura mito quer ser explicação de algo. A redução dos mitos a explicações já é uma visão fundamentada na metafísica do fundamento, da causalidade. O mito manifesta a questão e estabelece a referência de ser e essência do ser humano. Todo mito é uma referência onde se manifesta a questão. Todo rito é uma narração não de uma história, mas da manifestação da questão. A questão é prévia a todo mito e rito. Porém, ela nunca é a-tem-poral, nem a-espacial e nem a-histórica. Onde houver acontecer de tempo e espaço aí se fará presente sempre a história" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 128.

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"As sagas egípcias transformam substantivos e adjetivos factuais comuns (indicadores de qualidade) em substantivos conceituais apropriados, que, além disso, foram personificados para que pudessem ser combinados em narrativas. Os contadores de história eram pessoas especialmente qualificados que tinham a incrível responsabilidade de sempre ser - Maa Kheru (Voz da verdade)" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O mais religioso". In: -----. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 23.

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"A cosmologia egípcia baseia-se em princípios científicos e filosóficos coerentes. O conhecimento cosmológico do Antigo Egito foi expresso no formato de uma história, que é um meio superior de expressar tanto os conceitos físicos quanto metafísicos. Qualquer bom escritor ou palestrante sabe que contar uma história é melhor que a exposição pura e simples para explicar o comportamento das coisas, porque a relação das partes entre si e com o todo mantém-se mais claramente" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 23.

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Em nosso tempo, isto é, nossa época, a palavra narrativa passou a significar algo bem próprio, ou seja: indica uma interpretação ideológica de fatos, de períodos ou épocas. Às diferentes interpretações históricas compreendidas numa determinada teoria, hoje, dá-se o nome de narrativas.


- Manuel Antônio de Castro.

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"Toda narrativa, como a sua etimologia o mostra, é um fazer conhecer. Conhecimento do real, conhecimento de si mesmo, é nesta perspectiva que examinamos a metamorfose da narrativa" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Metamorfose da narrativa". In: ..... Tempos de metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 64.

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"A questão narrativa deve ser referenciada às questões e não e jamais às formas, porque estas não passam do que no vigorar da presença implica a instável linha do limite. A forma é uma linha instável porque a realidade, em seu vigorar incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um conceito e / ou a uma essência abstrata, generalizante. A forma se baseia na concepção da obra como organismo, um objeto, cuja ação se determina pelo funcionar do sistema ou pela teoria em que se estabelece o que é organismo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: .... .Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.

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"Originariamente, todo educar é mítico, posteriormente se desdobrou no lógico-racional. O educar poético é dialético, nada excluindo. A sua origem mítica fica bem clara na conhecida afirmação de que Homero educou a Grécia, pois ele, em suas obras poéticas, trata de mitos. E estes são conaturais a todos os povos e culturas. Dessa maneira, as formas originárias de educar são os ritos dos mitos, daí a força das narrativas hoje e sempre, porque estas dizem respeito à narrativa da caminhada entre vida e morte do ser humano, em seu sentido e mistério" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Educar poético: diálogo e dialética". In: ..... e outros. O educar poético. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 15.
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