Conceito

De Dicionrio de Potica e Pensamento

(Redirecionado de Conceitos)

1

O conceito quer provar, não provocar.
O conceito quer o saber ainda não-sabido, mas jamais o não-saber do saber.
O conceito não quer a fonte, só as águas correntes das entre-margens, não o
entre de toda margem (1).
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O conceito e as questões", ensaio não publicado.

2

Há uma relação profunda entre metafísica, conceitos e razão. Se os conceitos vigem na razão, as questões vigem no pensamento enquanto poíesis, o poético vigorando. O destino metafísico ocidental está em se constituir a metafísica numa experienciação de pensamento enquanto razão, nos seus limites de possibilidade a partir de e nos conceitos. Por isso nos diz Nietzsche:
"Os diversos conceitos filosóficos não são, de forma alguma, coisa de somenos nem nada que tenha nascido espontaneamente por si mesmo. Cresceram numa relação de parentesco uns com os outros. Por mais que aparentem ter surgido de chofre e arbitrariamente, pertencem de fato a um sistema, tanto quanto os espécimes da fauna de uma região: é o que, em última instância, nos revela a segurança com que os filósofos mais diferentes entre si sempre preenchem um mesmo esquema básico de filosofias possíveis. Na força de um ditado invisível, todos eles percorrem sempre de novo a mesma órbita. Por mais que se sintam independentes, em sua vontade crítica ou sistemática, algo neles os conduz, alguma coisa os empurra, um atrás do outro, dentro de determinada ordem, a saber, o sistema inato de parentesco dos conceitos. O seu pensamento é, na verdade, muito menos descoberta do que reconhecimento e recordação, retorno e volta para uma economia distante e arcaica da alma, donde os conceitos brotaram pela primeira vez. Deste modo, filosofar é uma espécie de atavismo no mais alto grau" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal - Prelúdio de uma filosofia do futuro, apud LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 122.

3

Diz Heidegger:
"Nas ciências se realiza no plano das ideias - uma aproximação daquilo que é essencial em todas as coisas" (1).
O problema do conceito é sempre este: ele estabelece necessariamente uma forma e um limite a partir do poder estabelecer relações - o da ideia. Porém, esta se torna problemática porque toda forma enquanto ideia (conteúdo) se torna uma fôrma. E esta, enquanto representação, é apenas uma aproximação sem vigor na proximidade do Ser, physis, realidade.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. O que é metafísica?. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1969, p. 23.
Ver também:
*Provar

4

"Uma interpretação do símbolo continua sendo ela mesma símbolo, apenas um pouco racionalizada, ou seja, um pouco mais próxima do conceito" (1).
"O sentido não é solúvel no conceito. Papel do comentário. Teremos, quer uma racionalização relativa do sentido (a análise científica habitual), quer um aprofundamento do sentido, com a ajuda de outros sentidos (a interpretação filosófico-artística)" (2).


Referência:
(1) BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. S. Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 402.
(2) Idem, p. 402.

5

"Fica absolutamente esquecido que a hegemonia do conceito e a explicação do pensamento como um conceber já residem unicamente na essência impensada, porque não experimentada, do ón e einai " (1).
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra de Anaximandro". In: Os pensadores. Os pré-socráticos. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 26.

6

"P - Talvez acena para a essência da linguagem?
J - Isso mesmo. Mas também receio que caracterizar a formulação 'casa do ser' e aceno poderia nos levar a representar o aceno como um conceito-chave em que tudo pudesse ser empacotado.
P - É o que não pode e nem deve acontecer.
J - Mas evitar?
P - Jamais poderá evitá-lo totalmente.
J - Por que não?
P - Porque o modo de representação conceitual se aninha facilmente em todo tipo de experiência humana" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 92.

7

"O conceito é a tentativa constante e necessária de o conhecimento anular o paradoxo da realidade em sua manifestação poética. Ele não consegue porque a todo conceito subjaz sempre um interstício, um vazio, um silêncio, um velar-se." (1)


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: número 164, jan.-mar. 2006, p. 7.


Ver também:
*Metafísica
*Ser

8

Conceituar é identificar o acontecer poético da realidade com um paradigma que serve de teoria funcional e explicativa. A realidade enquanto acontecer poético não tem explicação porque não pode ser reduzida a funções: é sendo. E enquanto sendo jamais pode ser reduzida a conceitos, pois sua vigência se dá sempre na questão. Conceituar enquanto identificar não é questionar.


- Manuel Antônio de Castro

9

O conceito enquanto captação, o apreender reunindo os traços universais e deixando de lado as diferenças concretas, daí o seu caráter abstrato), e delimitação encontra sua operatividade máxima na matematização da phýsis, da "realidade": daí surge o conceito como algo preciso, de onde se deduz a objetividade do conceito. Por isso, o conceito é um produto da ciência (só há ciência do universal, mas não do singular, do próprio, muito menos do que dando-se se retrai, da voz como escuta ou silêncio). Contudo, a ciência é um produto da tekhné. No grego, tekhné significa conhecimento que nasce. E enquanto conhecimento que nasce, se dá em dois significados. Se reunida à questão torna-se o contorno e a figura de eclosão da poíesis / vigor do poético, da phýsis que se desvela velando-se. Se se transforma na massa do conceito, torna-se a forma formal de objetivação e precisão da "coisa" como objeto. A tekhné é ambígua. Por isso possibilitou a sua tradução para o latim como ars, artis, de onde se originou nosso conceito de arte. Contudo, não se pode esquecer que Aristóteles fala de tekhnés poietikés. Mas na tradução só se assinalou, traidoramente, a tekhné. Isto possibilitou a redução da obra de poíesis à sua dimensão formal-conceitual através dos gêneros, estilos e correntes críticas. Aí a tekhné perdeu, como conceito, todo poder ambíguo, desvelador, que é inerente à arte, enquanto ela é essencialmente poíesis / vigor poético, ambiguidade . Nesse sentido, a poíesis / linguagem (Hermes) se tornou só tekhné, fazendo da poíesis / linguagem algo instrumental, lógico e comunicativo. É a linguagem como código conceitual. Mas a obra de arte, porque é poíesis / vigor poético, manifesta, desvela, a realidade sempre numa tensão inaugural.


-Manuel Antônio de Castro.

10

Não é qualquer proposição afirmativa que se torna conceito. Isto acontece simplesmente porque há a proposição conceitual e outros tipos de proposição, sobretudo as da sintaxe poética. O conceito pressupõe uma proposição que na estrutura sujeito/objeto delimite, abstraia, precise, dê medida, seja lógico-racional, tenha pretensões universais, isto é, válidas independentemente de tempo e espaço. Uma afirmação-proposição pode-se tornar questão ou imagem/figura-questão. A proposição: "O pôr-de-sol do Arpoador peroliza de luz o mar" não é conceito, é figura-questão, pois a ela não corresponde nenhuma delimitação nem precisão nem medida exata. A exatidão lógica constrói a realidade dos conceitos, isto é, uma proposição conceitual. Contudo, se disser: "A não-verdade é a verdade de todas as verdades", isto é uma afirmação-questão porque aí não há um sentido lógico, preciso, delimitante, exato, racional. Aí se enuncia e afirma uma questão. Onde se dá a dialética ambígua de questão e conceito é na pergunta, se for de fato pergunta. Dependendo da resposta se reinstala a questão ou se cai num conceito.


- Manuel Antônio de Castro

11

Como surge o conceito? Diversas são as questões que levam ao conceito:
1ª - Mudanca/permanência
2ª - Limite/não-limite
3ª - Concreto/abstrato
4ª - Sentido/significado
5ª - Necessidade/liberdade
6ª - Substantivo/verbo
7ª - Vida/experienciação
8ª - Linguagem/língua
9ª - Velamento/desvelamento
10ª - Vazio/forma
Estas dimensões trazem para a discussão a tensão questão/conceito. Contudo, a dimensão essencial que diz respeito tanto à questão como ao conceito é a questão da verdade/não-verdade. A possibilidade de surgimento do conceito só foi possível pela passagem da alétheia/desvelamento para a homoiosis/semelhança como orthotes/correto (adequação entre enunciado e enunciação). A variabilidade no entendimento do conceito é exatamente o percurso das faces que toma a verdade como homoiosis/orthotes. E isto é acompanhado por quatro grandes mudanças:
1ª - palavra - proposição;
2ª - Hermes/dialética (daí as duas possibilidades de ler diá-logo; ou seja, o diá- como através de, onde o lógos é visto apenas como instrumento/língua; o diá- como entre, onde temos a tensão fala/silêncio ou desvelamento/finito/forma x velamento não-finito/vazio;
3ª - lógos/ratio (razão);
4ª - phýsis - poíesis x phýsis tekhné. Temos aqui uma sequência: proposição - lógos/lógica - (verdade) - tekhné/conhecimento sem poíesis. E daí surge a possibilidade de sujeito-predicativo, o conceito e o resultado de todos estes processos, mas a figura de verdade correlata ao do método é que dá o fundamento e completude do conceito e, por isso mesmo, o abandono da questão.


- Manuel Antônio de Castro

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Sujeito e objeto tanto na filosofia como na gramática são conceitos. Toda a gramática - porque lógica - trabalha com conceitos.
Também é fundamental perceber que só se pode estabelecer o conceito na medida em que se estabelece um limite. Contudo, o limite, concretamente, nunca existe. Ele é uma invenção do cálculo/razão. Daí que o logosdiscurso/verbo, entendido como razão, significa exatamente esse cálculo na medida em que se torna ratio, porção, ou seja, delimitação, medida. Mas, aí, medida diz da medida calculante e não da medida/meio/entre poética. Daí surgem as duas sintaxes, dependendo do sentido de medida. Por isso, conceito, medida, proposição são os referentes para o estabelecimento de sujeito e objeto, na medida é que todo objeto é objeto do sujeito. Ora tal medida se constitui a partir do deslocamento do verbo para a substância. O verbo/ser/questão se torna verbo de ligação, isto é, elo formal-gramatical da ligação lógico-conceitual de estabelecimento pelo sujeito, tornado medida, do objeto como conceito delimitado e calculado. Aí a linguagem, na mão da lógica-calculante, se torna representação. Só não se desconfiou que uma tal representação não é só do objeto mas sobretudo do sujeito. Isto porque, quando o sujeito diz, este dizer não brota dele a não ser lógico-representacionalmente como oferta do dizer/verbo/ser ao sujeito que diz, pois tal dizer/verbo/ser não é fundado pelo sujeito, embora se dê numa representação do ser humano como lógos calculante, isto é, ratio. O conceito-lógico vive de um círculo vicioso: o conceito sujeito gera o conceito objetivo que, por sua vez, gera o conceito sujeito.


- Manuel Antônio de Castro

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O traço essencial é sem dúvida o limite e por isso mesmo a abstração. Acontece que na medida em que perde a concretude do con-crescer, o conceito origina, como tal, uma representação e esta se desprende como conceito do movimento, do não-limite, e passa a se constituir em algo lógico e racional: é a dimensão epistêmica e não mais ontológica. Quando esse racional se torna número, temos a possibilidade da realidade virtual ou conceitual. Porém, a realidade não se manifesa apenas como número, ela já traz em si o retrair-se, o velar-se. Então a imagem, ao nos advir como virtual, realiza-se nela a imagem-questão, quando a realidade se manifesta retraindo-se. O retrair-se advém sempre como questão. Um filme, em realidade digital, não deixa de poder ser imagens-questões. Não podemos esquecer que o lógos reduzido à razão como número e limite represenatacional não deixa de ser lógos/linguagem. O conceito tambémo é concebido como racional, podendo corresponder ou não ao real. Mas aí o real diz respeito ao real representado e ao real da teoria, e não ao real da phýsis/nascividade. O conceito dá origem ao conceito de mímesis. O conceito só dá, como representação, uma identidade abstrata e jamais funda as diferenças. Por isso, como conceito, a morte se opõe à vida. Porém, a morte, como abismo da vida, proclama sempre a artificialidade do conceito, a sua insuficiência e a necessidade de superá-lo. Como delimitar vida e morte? A morte nos lembra, diante da vida, a questão que ela é e que o conceito silencia. A morte como conceito é o silenciamento do mistério que é a vida como sinal e sentido vivo e velante que é a morte: morte e vida são mistérios e questões. O conceito nada sabe da questão e do mistério. O conceito, ao se constituir como limite abstrato, gera o controle. Deste lhe vem o imenso poder. A questão não gera poder porque não é precisa e não gera a verdade abstrata e de controle. Esta é inerente ao conceito. Por isso, todo poder se gera dentro do sistema. Porém, a questão gera autoridade que se funda na aprendizagem e na sabedoria. Édipo ao furar os olhos abandona o palácio e perde o poder, mas ganha imensa e misteriosa autoridade, pois se tornou, como imagem-questão do ser humano, a própria sabedoria se realizando concretamente.


- Manuel Antônio de Castro

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O conceito como tal é uma questão, embora ele se encontre ligado aos sistemas e aos jargões. Os jargões é que constituem as ideologias. É importante destacar que o conceito é uma faceta fundamental do ser-entre. Nele e por ele o ser-entre se decide pelo limite, mas não deixa ainda de ser ambíguo: o conceito pode manifestar a ambiguidade e ser o caminho/decisão pela qual se volta à questão. Aí o limiar está na sua poíesis/dinâmica. O conceito como tal é ambíguo: pode gerar o sistema, os jargões e ideologias, os significados, os códigos; mas também pode ser o diá-logo da questão e na questão. Este limiar se dá na ambiguidade do Cuidado - curioso (questão/ser) e curiosidade.
"P - Assim, enquanto andarilho da mensagem de desvelamento da duplicidade, o homem seria também o andarilho dos limites do ilimitado.
J - Nestas andanças, ele procura o mistério do limite..." (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 107.

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Foucault comete um grande equívoco no seu livro As palavras e as coisas. Na realidade, ele trata dos conceitos e das palavras. As coisas como coisas não passam pela sua reflexão. Simplesmente porque ele não se questiona sobre os conceitos e a sua base: o saber. Ele não questiona: O que é isto - o saber? E por que não questiona? Porque já sabe o que é saber e então vai examiná-lo na sua constituição histórica. Mas será que ele se pergunta: O que é isto - a história? Não, porque ele parte de uma visão sociológica, embora faça um excelente e renovador trabalho dentro dessa ótica. Ele não se pergunta pelo saber. Por quê? Porque o saber é uma questão e o horizonte dele são os conceitos. Na ordem em que é necessário aprofundar toda essa problemática, deveríamos seguir o seguinte caminho: as palavras e os conceitos, os conceitos e as questões, as questões e as coisas, as coisas e as palavras. Assim como há uma tensão entre conceitos e questões, a mesma se dá entre palavras e coisas. Como não questiona o saber e faz dele um a priori, passa muito longe da questão central e do pensamento: a coisa. Quem a tematiza poeticamente entre nós é Clarice Lispector e Manoel de Barros. Foucault vai partir das formações discursivas. Mas estas são da ordem dos conceitos e jamais das palavras. Ele nunca percebe o caráter radicalmente ambíguo das palavras. Ele não percebe a questão radical que é a linguagem, reduzindo-a ao código língua ou no dizer dele: a ordem do discurso. Porque o discurso como uma ordem social ainda está no horizonte dos conceitos.


- Manuel Antônio de Castro


16

"A estrutura dialética constitui a verdadeira e mais profunda inteligibilidade das coisas: compreender, compreender verdadeiramente (no alemão: “begreifen”: pegar, agarrar, tomar), significa para o espírito apreender por si mesmo, do fundo de si mesmo, a estrutura íntima das coisas e reconstruí-la assim na luz. Por isto Hegel chama de “Conceito” (no alemão “Begriff”: do verbo “begreifen”) cada grupo dialético triádico, enquanto pelo conjunto destes três passos dialéticos – tese, antítese e síntese – “concebemos” perfeitamente toda a estrutura inteligível de uma realidade, “especulamos” a verdade total de uma realidade. Por isto, o termo “conceito” (“Begriff”) não tem em Hegel o significado corrente de uma noção universal que é abstraída da experiência, mas significa todo o conjunto de um processo dialético triádico. Assim para Hegel o “conceito” se torna a matriz da inteligibilidade das coisas" (1). Pelo exposto, fica claro como as palavras, na densidade de uma obra de [[pensador], se afastam dos significados correntes. Elas criam uma dinâmica própria que exige a abertura para o pensar e não simplesmente para uma lógica racional, regida pela lógica gramatical. Em português, a melhor expressão para o conceito em Hegel é a compreensão, em seu sentido constitutivo. Diz de um cum-prendere, ou seja, de um ser tomado no próprio acontecer da realidade e no deixar-se prendere, isto é, prender, agarrar, ser tomado. Tomado pelo quê? Pelo acontecer da realidade em seu doar-se e retrair-se. Daí a ligação profunda com a dialética originária, que Hegel denomina, especulativa. Para tal é necessário deixar-se tomar pela luz.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HUMMES, Cláudio. História da filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade Imigrantes, no RS.

17

"Não será um esforço altamente insidioso: meditar sobre a essência das coisas, pensando correr atrás dos conceitos - e se esquivar às coisas elas mesmas? Sob aparência de profundidade, desviar-se da realidade?" (1).


Referência
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes / Bragança Paulista: São Francisco, 2007, p. 97.


18

O conceito é a certeza da adequação de rei et intellectus (da coisa e do intelecto), base da proposição discursiva sobre a coisa. Claro que sempre deve haver aí uma mútua ação e por isso se denomina con-ceito, isto é, do latim cum-capere / captum (particípio), ou seja, o mútuo implicar-se no ser agarrado, pegado e trazido ao racional, ao conceitual. A questão que está por detrás do conceito é e sempre será a questão do universal, mas o conceito gera um universal abstrato, onde a realidade verbal em seu vigorar, se torna substantiva, perdendo toda a força do agir. Os conceitos são, nesse sentido abstrato, muito úteis, pois se tornam a base de toda a funcionalidade e de toda representação.


- Manuel Antônio de Castro

19

Quando o pensar se tece no diálogo com a linguagem, manifestá-lo numa língua engravida as suas palavras de sentido, indo além de seu significado dicionarizado e corrente, isto é, conceitual. É necessário retomar o pensar que lhe dá origem, originando a necessidade da interpretação criadora, para além da repetição da conceituação. É um tal pensar que torna as palavras verbais e não, gramaticalmente, substantivos, exigindo traduções diferentes e inovadoras. É o que acontece com a palavra conceito no pensar de Hegel: :"É esta estrutura dialética das coisas que faz com que as devamos chamar racionais, lógicas, inteligíveis. A estrutura dialética constitui a verdadeira e mais profunda inteligibilidade das coisas: compreender, compreender verdadeiramente (no alemão: “begreifen”: pegar, agarrar, tomar), significa para o espírito apreender por si mesmo, do fundo de si mesmo, a estrutura íntima das coisas e reconstruí-la assim na luz. Por isto Hegel chama de “Conceito” (no alemão “Begriff”: do verbo “begreifen”) cada grupo dialético triádico, enquanto pelo conjunto destes três passos dialéticos – tese, antítese e síntese – “concebemos” perfeitamente toda a estrutura inteligível de uma realidade, “especulamos” a verdade total de uma realidade. Por isto, o termo “conceito” (“Begriff”) não tem em Hegel o sentido corrente de uma noção universal que é abstraída da experiência, mas significa todo o conjunto de um processo dialético triádico. Assim para Hegel o “conceito” se torna a matriz da inteligibilidade das coisas" (1). Uma tradução conceitual semântica e não de pensamento jamais apreenderá esse poder manifestador do conceito (Begriff) na obra de Hegel.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HUMMES, Cláudio. História da filosofia. Texto distribuído no curso de filosofia dado em 1963, em Daltro Filtro, hoje cidade Imigrantes, RS.


20

"... o vocabulário, em sua amplitude, tende num primeiro momento a manter uma tensão entre questões e conceitos. Os conceitos são o dito, as questões são o não-dizer de todo dizer vivo e pulsante. Os conceitos são representações. As questões são sempre presenças velantes, dissimulantes. Como aqueles tendem mais a se impor em detrimento da dinâmica das questões, eles imprimem ao mundo real o seu caráter abstrato e representacional. E acabam por circunscreverem um mundo abstrato em detrimento do mundo real, vivo, operante" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ------------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 243.

21

"A medida do entre tanto é a vida quanto é a morte. Na medida está o sentido, no sentido está a medida. Toda procura, no fundo, é sempre a procura do sentir do sentido. É justamente isso que denomino aqui experienciação e não (jamais!) experiência. Toda procura advém sempre enquanto experienciação. Todo conceito advém sempre enquanto experiência. É por isso que posso dizer que “Fulano é experiente no fazer artefatos de madeira, de barro, em dar aula etc”. Todavia, jamais posso dizer que alguém é experiente na experienciação de morrer. Das experiências surge um aprendizado, passível de ser ensinado, porque é um saber baseado em conceitos, por exemplo, um carpinteiro que ensina o aprendiz a fazer móveis. Das experienciações surge uma aprendizagem, algo absolutamente pessoal e impossível de ser ensinado, porque não é redutível aos conceitos. A aprendizagem é experienciação das questões" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 215.


22

A palavra portuguesa conceito formou-se do latim conceptus. Esta liga-se ao verbo concipio: tomar no conjunto, recolher; conceber; compreender. O sentido predominante é o filosófico: representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais, através de um processo de abstração, daí a definição. Porém, a palavra conceito é usada em diversas acepções: noção, ideia, pensamento, opinião, julgamento, avaliação.


- Manuel Antônio de Castro


23

As palavras conceituais tendem a ser unívocas. Se digo verde tem de ser verde e não amarelo, vermelho ou outra cor. Porém, a realidade não cabe nessa univocidade das palavras conceituais. Se olho para uma encosta cheia de árvores, vejo muitas variedades de verde. O conceito é pobre para dizer e manifestar essa riqueza excessiva da realidade. E nisso o mundo se torna muito mais rico e alegre e vivo e poético. Quem traz para o mundo essa riqueza excessiva da realidade é a palavra poética. E ela ainda se torna mais poética quando se nos dá como imagem-questão. Na imagem-questão o não visível do visível se manifesta inauguralmente. O não visível do visível é o mito, é a linguagem.


- Manuel Antônio de Castro


24

"O que é pensar enquanto experienciação? É penetrar nos interstícios dos conceitos racionais. E um conceito só se potencializa realmente quando se deixa engravidar pelo paradoxo. Os paradoxos são os interstícios dos conceitos, porque neles acontecem as questões. O paradoxo é o entre de todo aprendizado como abertura para a aprendizagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 27.

25

"Os conceitos são determinados pela verdade lógica e matemática. Eles se servem de uma metodologia presa a teorias, determinadas pelas metodologias em que predominam a indução, a dedução e o experimental. São objetivos na medida em que adequam o real às teorias e suas metodologias. Elas originam as análises descritivas e explicativas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p.


26

"O que é algo, to tí estin, o ser isso, a quididade, contém desde Platão, aquilo que comumente se chama de "essência", a essentia de uma coisa. Assim entendida, a essência está restrita ao que posteriormente se chamou de conceito, isto é, à representação por meio da qual podemos dispor e apreender o que uma coisa é" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 158.

27

"O conceito, índice elementar de todo pensamento representativo ou do chamado conhecimento representativo-conceptual, é o velho, o habitual. O conceito é a coisa sempre já vista, sempre já sabida, uma vez previamente constituído como universal abstrato, ao qual todo novo, melhor, todo indivíduo é reduzido ou reconduzido e, assim, esvaziado enquanto concreto e individual ou singular - do indivíduo não há ciência, o indivíduo é inefável! Em linguagem filosófica, esta redução ou recondução chama-se subsunção. O novo, isto é, o súbito, o inesperado é subsumido ao conceito, quer dizer, reduzido ao já sabido, re-conduzido ao já visto, já conhecido - a saber, ao conceito" (1).


Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "O desaprendizado do símbolo (A poética do ver imediato)". In: Revista Tempo Brasileiro, 171, Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 41.

28

"Optaram pela compreensão e conceituação (palavra ambígua em sua composição: cum-cápere: Cum=unidade; cápere: agarrar pelas sensações dos sentidos e pela razão. Conceito: unidade de sensações fundamentadas na razão, que opera por abstração das diferenças). No conceito predomina a substantivação e perde-se o vigorar verbal da realidade. Como é esta que perdura e muda, os conceitos mudam ou novos são criados. Eles estão em função de sistemas e estes se fundamentam nos conceitos. Nenhum conceito perdura. Seus significados variam de acordo com as épocas, quando não caem no esquecimento, porque eles são instrumentais. E, como todo instrumento, sujeitos à perda das suas funções" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 132.

29

"Os conceitos vão surgir quando a resposta se torna mais importante do que a questão, na medida em que a resposta “acha” que dá conta da questão, pois estabelece um conhecimento definido, preciso e exato. Os conceitos tiveram um duplo encaminhamento. Primeiro, eles se tornaram a definição de verdades por oposição ao erro. O seu fundamento foi a verdade lógica. E então os conceitos se tornaram a espinha dorsal dos sistemas filosóficos, na medida em que estes se sobrepuseram ao próprio real como teorias e abortaram as questões. Com o surgimento da ciência, a partir dos conceitos filosóficos, estes sofrem uma transformação: além dos limites definidos, passa a ser exigido deles exatidão. E então, além da lógica, introduz-se a linguagem matemática, a linguagem da exatidão e da precisão. A maioria dos conceitos com que se analisam as obras de arte surgiram a partir do paradigma científico. E acabaram por ocultar as questões em que sempre a arte se move" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 14.

30

"Os conceitos são determinados pela verdade lógica e matemática. Eles se servem de uma metodologia presa a teorias, determinadas pelas metodologias em que predominam a indução, a dedução e o experimental. São objetivos na medida em que adequam o real às teorias e suas metodologias. Elas originam as análises descritivas e explicativas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 13.

31

A lógica brota naturalmente do lógos, assim como o conceito da questão. Tanto lógica como conceito são etapas interrompidas da coisa como acontecer. Nesse horizonte, tanto a lógica como o conceito devem ser paragens de apreensão e compreensão da própria doação da coisa. E não o seu término. As paragens são momentos de uma estância na própria coisa, por isso exigem que se avance para logos originário e para a sua manifestação, a questão.


- Manuel Antônio de Castro

32

"A palavra portuguesa conceito formou-se do latim conceptus. Esta liga-se ao verbo concipio: tomar no conjunto, recolher; conceber; compreender. O sentido predominante é o filosófico: representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais, através de um processo de abstração, daí definição. Porém, a palavra conceito é usada em diversas acepções: noção, idéia, pensamento, opinião, julgamento, avaliação. A palavra conceito é a base da epistemologia ou teoria do conhecimento" (1).


Referência:
CASTRO, Manuel Antônio de. "Realidade: entre a questão e o conceito". Ensaio não publicado.

33

O conceito é o delimitar preciso de uma idéia. As palavras conceituais tendem a ser unívocas. Se digo verde tem de ser verde e não amarelo, vermelho ou outra cor. Porém, a realidade não cabe nessa univocidade das palavras conceituais. Se olho para uma encosta cheia de árvores, vejo muitas variedades de verde. O conceito é pobre para dizer e manifestar essa riqueza excessiva do real.


- Manuel Antônio de Castro.
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