Linguagem

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Há três noções fundamentais de linguagem:
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: Pela [[linguagem]] não podemos [[perguntar]], a não ser já vigorando nela. [[Vigorar]] nela é deixar advir toda coesão e coerência da [[linguagem]] do [[silêncio]]... [[morte]] de todas as [[falas]]. Do [[silêncio]] só podemos [[dizer]] que vigora, não o que [[é]]. A [[morte]] não é o [[silêncio]] vigorando? O [[sentido]] da  [[morte]] é o mesmo [[sentido]] [[silêncio]]? Tentar [[responder]] a esta [[questão]] é deixar-se tomar pelo [[vigorar]] da [[essência]] da [[linguagem]]. E então percebemos como jamais podemos reduzir a [[linguagem]] a qualquer [[língua]].
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:1ª) Comunicacional/informacional: é a concepção da língua como meio e [[instrumento]]. Ela então se reduz a um [[código]] relacional-funcional.
 
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:2ª) De [[conhecimento]]/conceitual: é a linguagem enquanto [[representação]], pela qual se dá uma tensão entre o significante e o significado em relação ao referente. Predomina o conteúdo, daí tornar-se lógico-conceitual, até porque se depreende da sintaxe.  
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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:3ª) Poético-ontológica: é a ''[[phýsis]]'' se manifestando. As duas primeiras presidem à concepção do código genético como "linguagem universal da vida". Mas aí interfere algo fundamental: a) a relação parte/todo e todo/parte, ou seja, as duas concepções: mecanicista e [[sistema|sistêmica]], onde se dá a questão da sintaxe lógico-formal; b) a sintaxe poético-ontológica. Como se dá a tensão entre linguagem e sintaxe? O que podemos entender por linguagem poético-ontológica é contraface da ''phýsis'', da realidade realizando-se. Ela precisa ser pensada a partir do que o pensador Heráclito diz do ''[[lógos]]''.
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: Há três noções fundamentais de [[linguagem]], embora as duas primeiras se refiram a [[língua]] e/ou [[código]]:
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: 1ª) Comunicacional/informacional: é a [[concepção]] da [[língua]] como meio e [[instrumento]]. Ela então se reduz a um [[código]] relacional-funcional.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: 2ª) De [[conhecimento]] / [[conceitual]]: é a [[linguagem]] enquanto [[representação]], pela qual se dá uma tensão entre o [[significante]] e o [[significado]] em [[relação]] ao [[referente]]. Predomina o [[conteúdo]], daí tornar-se [[lógico]]-[[conceitual]], até porque se depreende da [[sintaxe]].
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: 3ª) [[Poético]]-[[ontológica]]: é a ''[[phýsis]]'' se manifestando em seu [[sentido]] de [[realização]] e [[plenitude]], inesgotavelmente, pois constitui o [[sentido]] do [[ser]]. As duas primeiras presidem à [[concepção]] do [[código]] [[genético]] como "[[linguagem]] [[universal]] da [[vida]]". Mas aí interfere algo fundamental: a) a [[relação]] [[parte]]/[[todo]] e [[todo]]/[[parte]], ou seja, as duas [[concepções]]: mecanicista e [[sistema|sistêmica]], onde se dá a [[questão]] da [[sintaxe]] [[lógico]]-[[formal]]; b) a [[sintaxe]] [[poético]]-[[ontológica]]. Como se dá a tensão entre [[linguagem]] e [[sintaxe]]? O que podemos [[compreender]] por [[linguagem]] [[poético]]-[[ontológica]] é a contraface da ''[[phýsis]]'', da [[realidade]] realizando-se, [[acontecendo]] em seu [[sentido]]. Este [[sentido]] é o ''[[lógos]]'', a [[linguagem]]. Mais apropriadamente diremos: [[Sentido do  Ser]]. Ela precisa ser pensada a partir do que o [[pensador]] Heráclito diz do ''[[lógos]]'': "Auscultando não a mim, mas ao ''[[Logos]]'', é sábio concordar : [[tudo]] é [[um]]" (1). Para avaliar a importância da linguagem como logos temos também de pensar o que diferencia o ser humano  de todos os outros entes. Isso nos é dito por Heráclito quando diz: ''Dzoion logon echon''. O ''[[Logos]]'' é que diferencia e faz com que o [[ser humano]], o [[homem]], seja [[propriamente]] o que ele [[é]].
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:A linguagem fala. O ''[[lógos]]'' fala. Quando a linguagem fala, o que advém e acontece como e na [[palavra]] da linguagem? O próprio [[ser]] e não-ser como linguagem é fala na e como palavra. Nesta, mais fundamental do que a fala é a [[escuta]]. A palavra diz da nossa liminaridade, o estarmos já ontologicamente jogados no entre: jogar no [[entre]] se diz em grego ''pará-ballein'', de onde se forma o termo: palavra.
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referência:
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: (1) HERÁCLITO. Fragmento 50. In: '''Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito'''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.
== 3 ==
== 3 ==
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:A importância da ação/''poíesis'' e do próprio [[corpo]] como linguagem viva e não como um corpo que fala ou escreve a partir de um código, pois o gesto e a [[música]] falam como linguagem sem, no entanto, serem fala de língua, está no fato de que a linguagem e a ação/''[[poíesis]]'', em sua [[referência]], sempre se colocam como questão. Esta precede qualquer [[conceito]], pelo simples fato de que só por já se falar/agir é que se pode tentar conceituar a linguagem. Por isso é impossível compreender a linguagem originariamente como um produto social. A linguagem é co-originaria ao homem e à sociedade. Linguagem é [[mundo]] e mundo é o solo natural do social. Não há homem nem sociedade sem diálogo, porque não há [[diálogo]] sem o ''lógos'': linguagem, mundo e [[memória]]. Como o agir/linguagem não se restringe à fala/escrita, ele deve ser apreendido no agir/corpo/linguagem, chegando-se a uma conclusão simples de que homens e corpo são uma e mesma questão. E de que qualquer definição e conceito de corpo já é precedido pela ação/corpo/linguagem. Com isso se desfaz qualquer delimitação universal abstrata e então somos lançados na [[ambiguidade]] da questão.
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: A [[linguagem]] [[fala]]. O ''[[logos]]'' [[fala]]. Quando a [[linguagem]] [[fala]], o que advém e acontece como e na [[palavra]] da [[linguagem]]? O próprio [[ser]] e [[não-ser]] como [[linguagem]] é [[fala]] na e como [[palavra]]. Nesta, mais fundamental do que a [[fala]] é a [[escuta]]. A [[palavra]] diz da nossa [[liminaridade]], o estarmos já [[ontologicamente]] jogados no [[entre]]: [[jogar]] no [[entre]] se diz em [[grego]] ''pará-ballein'', de onde se forma o termo português [[parábola]] e desta se originou [[palavra]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 4 ==
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:Linguagem é fazer da experienciação do nome/verbo "ser" a ''[[poíesis]]'' e o ''éthos'' (ato [[Ética|ético]]). "J- Há uma palavra japonesa que diz mais a [[essência]] da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala. P- Sim, a essência da linguagem não pode ser nada linguístico. É o que também acontece com a formulação 'casa do ser'" (1). Por isso, não se pode ligar só o ''[[lógos]]'' à linguagem. Comparece com igual valor e vigor: ''poíesis'', ''éthos'' (lugar: sintaxe), linguagem/ser, ''phýsis''. É o âmbito da ''poíesis'', ''éthos'' e ''lógos'', enquanto ''[[alétheia]]'', que configura a linguagem. Por isso, a linguagem dos linguistas é um conceito [[lógico]] e jamais poético.  
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: A importância da [[ação]]/''[[poíesis]]'' e do próprio [[corpo]] como [[linguagem]] viva e não como um [[corpo]] que fala ou escreve a partir de um [[código]], pois o [[gesto]] e a [[música]] falam como [[linguagem]] sem, no entanto, serem fala de [[língua]], está no [[fato]] de que a [[linguagem]] e a [[ação]]/''[[poíesis]]'', em sua [[referência]], sempre se colocam como [[questão]]. Esta precede qualquer [[conceito]], pelo simples fato de que só por já se [[falar]]/[[agir]] é que se pode tentar [[conceituar]] a [[linguagem]]. Por isso é impossível [[compreender]] a [[linguagem]] originariamente como um [[produto]] [[social]]. A [[linguagem]] é [[co-originária]] ao [[homem]] e à [[sociedade]]. [[Linguagem]] é [[mundo]] e [[mundo]] é o solo natural do [[social]]. Não há [[homem]] nem [[sociedade]] sem [[diálogo]], porque não há [[diálogo]] sem o ''[[logos]]'': [[linguagem]], [[mundo]] e [[memória]]. Como o [[agir]]/[[linguagem]] não se restringe à [[fala]] / [[escrita]], ele deve ser apreendido no [[agir]]/[[corpo]]/[[linguagem]], chegando-se a uma conclusão [[simples]] de que [[homens]] e [[corpo]] são uma e mesma [[questão]]. E de que qualquer [[definição]] e [[conceito]] de [[corpo]] já é precedido pela [[ação]]/[[corpo]]/[[linguagem]]. Com isso se desfaz qualquer delimitação [[universal]] [[abstrata]] e então somos lançados na [[ambiguidade]] da [[questão]].
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: [[Linguagem]] é fazer da [[experienciação]] do [[nome]]/[[verbo]] "[[ser]]" a ''[[poíesis]]'' e o ''[[éthos]]'' ([[ato]] [[Ética|ético]]).
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: Diz Heidegger:
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:Referência:  
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: "''J- Há uma [[palavra]] japonesa que diz mais a [[essência]] da [[linguagem]]. Não é uma [[palavra]] que se pudesse usar para dizer [[língua]] e [[fala]]''.
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: P- ''Sim, a [[essência]] da [[linguagem]] não pode ser nada linguístico. É o que também acontece com a formulação '[[casa]] do [[ser]]' ''" (1).
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: ''A Caminho da Linguagem''. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.
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: Por isso, não se pode ligar só o ''[[lógos]]'' à [[linguagem]]. Comparece com igual [[valor]] e [[vigor]]: ''[[poíesis]]'', ''[[éthos]]'' ([[lugar]]: [[sintaxe]]), [[linguagem]] / [[ser]], ''[[phýsis]]''. É o âmbito da ''[[poíesis]]'', ''[[éthos]]'' e ''[[logos]]'', enquanto ''[[alétheia]]'', que configura a [[linguagem]]. Por isso, a [[linguagem]] dos linguistas é um [[conceito]] [[lógico]] e [[abstrato]], e jamais [[poético]].  
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== 5 ==
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Assim como cada [[rito]] não realiza o [[mito]], do mesmo modo cada língua não realiza a linguagem, daí advêm duas consequências: 1ª) toda palavra é insuficiente para dizer a [[realidade]], embora ela só nos advenha como linguagem; 2ª) o poeta diante dessa dissimetria tensional opta pela negação e pela [[ambiguidade]]. Esses são os princípios da [[ironia]] e de toda ''[[poíesis]]''. E nisso consistem a libertação nossa e a do poeta, pela qual articula a [[liberdade]] negativa e positiva para realizá-la ontologicamente, na medida em que responde e corresponde à linguagem. Ser livre é responder e corresponder à linguagem.
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: Referência:
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: '''A Caminho da Linguagem'''. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.
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:O tentar dizer o que é a linguagem sempre acaba num [[limite]], num [[paradoxo]]: não posso delimitá-la nem dizê-la toda, porque eu já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é impossível delimitá-la. A linguagem é [[questão]] e esta é maior do que o homem. Minhas possibilidades vêm dela, até para poder dizer o que é. Aí surge o paradoxo: a melhor forma de apreender o que é a linguagem é pela fala do silêncio. Por isso, na linguagem cotidiana há uma força oculta que pode eclodir inesperadamente. Na fala cotidiana, a linguagem-tempo se faz sempre presente como eclosão ou como repetição, como algo habitual. O [[silêncio]] como medida da linguagem é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do ensino da [[gramática]], só se pensa a linguagem como meio, mensagem, mediação. Isso é verdadeiro, mas ela é muito mais. O pensar a linguagem como ambiguidade diz que a realidade inerente à linguagem é tanto o que se dá como o que se retrai, a linguagem é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda. Por isso, não pode haver fala sem [[escuta]]. Esta não é a submissão à fala, mas a possibilidade de toda fala. Na escuta, podemos ser mais: a abertura para o silêncio, o vigor de toda fala. Reforçando a linguagem cotidiana e seu duplo agir (como meio e como manifestação, como fala e como silêncio), podemos afirmar que o vigor do silêncio comparece no [[pensamento]] dos pensadores, na [[poesia]] dos poetas e na convivência dos homens.
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: Assim como cada [[rito]] não realiza o [[mito]], do mesmo modo cada [[língua]] não realiza a [[linguagem]], daí advêm duas consequências: 1ª) toda [[palavra]] é insuficiente para [[dizer]] a [[realidade]], embora ela só nos advenha como [[linguagem]]; 2ª) o [[poeta]] diante dessa dissimetria tensional opta pela [[negação]] e pela [[ambiguidade]]. Esses são os [[princípios]] da [[ironia]] e de toda ''[[poíesis]]''. E nisso consistem a [[libertação]] nossa e a do [[poeta]], pela qual articula a [[liberdade]] negativa e positiva para realizá-la [[ontologicamente]], na medida em que responde e corresponde à [[linguagem]]. [[Ser]] [[livre]] [[é]] [[responder]] e [[corresponder]] à [[linguagem]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 7 ==
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:O povo grego só experienciou a democracia porque experienciou profundamente a palavra e, com a palavra, o poder da [[palavra]]. O [[poder]] da palavra enquanto vigor da linguagem é sempre [[Ética|ético]]. Por isso, é impossível pensar a democracia sem a linguagem. Isso no tempo dos gregos e hoje, mas mais no tempo dos gregos, porque vão experienciar a palavra em níveis radicais: como palavra poética, filosófica e [[retórica]]. Daí que para os gregos se eleva e se experiencia tão radicalmente o ''[[lógos]]''. Sobretudo nos advém na poesia e no pensamento. Não se pode pensar o poder do povo ([[democracia]]) sem o poder da linguagem, mas só na medida em que o povo é tomado pela palavra e não administrado por ela, seja na palavra dos sofistas com a retórica, seja nos jogos de poder dos meios de [[comunicação]]. Por isso, o grego é formado na palavra, pela palavra e para a palavra. A cultura grega é linguagem, é ''lógos''. Desabrocham em plenitude enquanto linguagem, daí o poder das suas artes. Linguagem para eles é vida em plenitude. Mas a linguagem pode também ser realizada como algo inessencial, fazendo da palavra um poder manipulatório: é a retórica pela retórica e a erística. É o jogo da ''dóxa''. Mas qual o lugar do [[diálogo]] na democracia? Qual o lugar da liberdade na linguagem? Tudo isto é essencial para a democracia, se não consistir num mero [[conceito]]. Sem povo não há democracia, mas sem linguagem não há povo.
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: O tentar [[dizer]] o que é a [[linguagem]] sempre acaba num [[limite]], num [[paradoxo]]: não posso delimitá-la nem dizê-la [[toda]], porque [[eu]] já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é [[impossível]] delimitá-la. A [[linguagem]] é [[questão]] e esta é maior do que o [[homem]]. Minhas [[possibilidades]] vêm dela, até para [[poder]] [[dizer]] o que [[é]]. Aí surge o [[paradoxo]]: a melhor [[forma]] de [[apreender]] o que [[é]] a [[linguagem]] é pela [[fala]] do [[silêncio]]. Por isso, na [[linguagem]] cotidiana há uma força oculta que pode eclodir [[inesperadamente]]. Na [[fala]] cotidiana, a [[linguagem]]-[[tempo]] se faz sempre [[presente]] como eclosão ou como repetição, como algo [[habitual]]. O [[silêncio]] como [[medida]] da [[linguagem]] é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do [[ensino]] da [[gramática]], só se pensa a [[linguagem]] como [[meio]], [[mensagem]], [[mediação]]. Isso é [[verdadeiro]], mas ela é muito mais. O [[pensar]] a [[linguagem]] como [[ambiguidade]] diz que a [[realidade]] inerente à [[linguagem]] é tanto o que se dá como o que se retrai, a [[linguagem]] é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda, vela. Por isso, não pode haver [[fala]] sem [[escuta]]. Esta não é a submissão à [[fala]], mas a [[possibilidade]] de toda [[fala]]. Na [[escuta]], podemos [[ser]] mais: a [[abertura]] para o [[silêncio]], o [[vigor]] de toda [[fala]]. Reforçando a [[linguagem]] cotidiana e seu [[duplo]] [[agir]] (como [[meio]] e como [[manifestação]], como [[fala]] e como [[silêncio]]), podemos afirmar que o [[vigor]] do [[silêncio]] comparece no [[pensamento]] dos [[pensadores]], na [[poesia]] dos [[poetas]] e na [[convivência]] dos [[homens]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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:A linguagem é um [[enigma]] porque a realidade é um enigma. A angústia social com os [[exclusão|excluídos]] e com a [[sobrevivência]] tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o objetivo que está para além da própria realidade, nem fazer desta um simples meio para esse objetivo. É preciso pensar tanto a sobrevivência como a convivência, no âmbito maior da realidade/linguagem. "Pois será mesmo possível transformar a realidade em meio para um fim?... Ao pretender decidir como deve ser a [[realidade]], a necessidade de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a realidade se mostre e revele como é em si mesma. É que um objetivo não nos descobre, antes nos encobre, a necessidade essencial: abrir-se e expor-se à originalidade do real assim como é em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos necessitar!" (1).
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: O [[povo]] [[grego]] só experienciou a [[democracia]] porque experienciou profundamente a [[palavra]] e, com a [[palavra]], o [[poder]] da [[palavra]]. O [[poder]] da [[palavra]] enquanto [[vigor]] da [[linguagem]] é sempre [[Ética|ético]]. Por isso, é impossível [[pensar]] a [[democracia]] sem a [[linguagem]]. Isso no [[tempo]] dos [[gregos]] e hoje, mas mais no [[tempo]] dos [[gregos]], porque vão [[experienciar]] a [[palavra]] em níveis [[radicais]]: como [[palavra]] [[poética]], [[filosófica]] e [[retórica]]. Daí que para os [[gregos]] se eleva e se experiencia tão radicalmente o ''[[lógos]]''. Sobretudo nos advém na [[poesia]] e no [[pensamento]]. Não se pode [[pensar]] o [[poder]] do [[povo]] ([[democracia]]) sem o [[poder]] da [[linguagem]], mas só na [[medida]] em que o [[povo]] é tomado pela [[palavra]] e não administrado por ela, seja na [[palavra]] dos [[sofistas]] com a [[retórica]], seja nos [[jogos]] de [[poder]] dos [[meios]] de [[comunicação]]. Por isso, o [[grego]] é formado na [[palavra]], pela [[palavra]] e para a [[palavra]]. A [[cultura]] [[grega]] é [[linguagem]], é ''[[logos]]''. Desabrocham em [[plenitude]] enquanto [[linguagem]], daí o [[poder]] das suas [[artes]]. [[Linguagem]] para eles é [[vida]] em [[plenitude]]. Mas a [[linguagem]] pode também [[ser]] realizada como algo inessencial, fazendo da [[palavra]] um [[poder]] manipulatório: é a [[retórica]] pela [[retórica]] e a [[erística]]. É o [[jogo]] da ''[[dóxa]]''. Mas qual o lugar do [[diálogo]] na [[democracia]]? Qual o lugar da [[liberdade]] na [[linguagem]]? [[Tudo]] isto é [[essencial]] para a [[democracia]], se não consistir num mero [[conceito]]. Sem [[povo]] não há [[democracia]], mas sem [[linguagem]] não há [[povo]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: A [[linguagem]] é um [[enigma]] porque a [[realidade]] é um [[enigma]]. A [[angústia]] [[social]] com os excluídos e com a sobrevivência tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o [[objetivo]] que está para além da própria [[realidade]], nem [[fazer]] desta um [[simples]] [[meio]] para esse [[objetivo]]. É preciso [[pensar]] tanto a sobrevivência como a [[convivência]], no âmbito maior da [[realidade]]/[[linguagem]]. Mas jamais devemos deixar de fazer tudo  para que [[todos]] os [[seres humanos]] tenham assegurada a sobrevivência. "Pois será mesmo possível [[transformar]] a [[realidade]] em meio para um [[fim]]?... Ao pretender decidir como deve ser a [[realidade]], a [[necessidade]] de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a [[realidade]] se mostre e revele como é em si mesma. É que um [[objetivo]] não nos descobre, antes nos encobre, a [[necessidade]] [[essencial]]: abrir-se e expor-se à originalidade do [[real]] assim como [[é]] em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos [[necessitar]]!" (1).
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:Referência:
 
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Aprendendo a pensar II''. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 9 ==
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: Referência:
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:A linguagem tem prioridade na construção da realidade como uma construção ficcional: "A experiência do real é facultada pela sua conversão em [[discurso]]" (1). Mas o discurso fundador é a [[ficção]] do ''fingere''/fingidor de Fernando Pessoa, isto é, dos grandes poetas. Ser poeta não é uma questão social, de discurso ou de gênero. É o deixar-se tomar pela linguagem. Incluir o ser humano dando-lhe a dimensão do [[humano]] é levá-lo às possibilidades da linguagem.
+
 +
: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto". -----. In: '''Aprendendo a pensar II'''. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 10 ==
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: "A [[linguagem]] não é uma [[faculdade]] do [[homem]]. Nós não possuímos a [[linguagem]], a [[Linguagem]] é que nos possui, e só somos aquilo que somos quando acolhemos e correspondemos ao [[apelo]] da [[Linguagem]]. Nós, por isso mesmo, não sabemos o que é a [[Linguagem]], porque ela se dá enquanto se retrai, daí o seu [[acontecer]] desdobrante. Tal [[dobra]] da [[realidade]] é o seu [[vigorar]] na [[finitude]]. [[Tudo]] o que dizemos só o dizemos a partir da [[Linguagem]]" (1).
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:Referência:  
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: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.
-
:(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: ''Linha de Pesquisa Revista do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da UVA''. Rio de Janeiro, 2000, v. 1, pp. 27-48.
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== 11 ==
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: "A [[criatividade]] da [[experiência]] cotidiana só parece [[banal]] aos ditos da [[fala]]. Pois toda [[situação]] dita [[banal]] remete sempre ao [[vigor]] [[original]] de seu [[silêncio]]" (1).
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== 10 ==
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: Referência:
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:"A criatividade da [[experiência]] cotidiana só parece banal aos ditos da fala. Pois toda situação dita banal remete sempre ao vigor original de seu [[silêncio]]" (1).
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 +
: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. '''Aprendendo a pensar II'''. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.
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:Referência:
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== 12 ==
 +
: É preciso [[pensar]] a [[questão]] da [[linguagem]] não só na sua constituição [[signo|sígnica]], mas também enquanto [[imagem]] não repetida, mas manifestadora. Na [[cultura]] [[pós-moderno|pós-moderna]], a [[linguagem]] como [[imagem]] é muito importante. É claro que é [[essencial]] [[pensar]] como a [[imagem]] se torna o [[sentido]] da [[linguagem]], ou seja, se torna portadora de [[informação]] e [[sentido]], porque manifestadora da [[realidade]]. Daí deriva também a [[questão]] do [[olhar]] enquanto [[sentido]] e [[realidade]] e até da [[função]] e fundação do próprio [[eu]].
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Aprendendo a pensar II''. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 11 ==
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== 13 ==
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:É preciso pensar a questão da linguagem não só na sua constituição [signo|sígnica]], mas também enquanto [[imagem]] não repetida, mas manifestadora. Na [[cultura]] [[pós-moderno|pós-moderna]], a linguagem como imagem é muito importante. É claro que é essencial pensar como a imagem se torna linguagem, ou seja, se torna portadora de informação e [[sentido]], porque manifestadora da realidade. Daí deriva também a questão do [[olhar]] enquanto sentido e [[realidade]] e até da função e fundação do próprio [[eu]].  
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: Em Foucault (1), o que se desenvolve como [[linguagem]] é a sua [[conceituação]] como [[língua]] enquanto [[código]], dando [[informações]] [[historiografia|historiográficas]]. Não há aí uma [[reflexão]] [[poética]] e de [[pensamento]] da [[linguagem]], pois também ele não se propõe nada mais do que uma [[epistemologia]] [[historiográfica]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 12 ==
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: Referência:
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:Em Foucault (1), o que se desenvolve como linguagem é a sua conceituação como [[língua]] enquanto [[código]], dando informações [[historiografia|historiográficas]]. Não há aí uma reflexão poética e de [[pensamento]] da linguagem, pois também ele não se propõe nada mais do que uma [[epistemologia]] historiográfica.
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 +
: (1) FOUCAULT, Michel. '''As palavras e as coisas'''. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 58.
-
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
+
== 14 ==
 +
: A [[linguagem]] [[instrumental]] é o [[diálogo]] do [[significante]] e do [[significado]] reduzidos a meras [[função|funções]] [[comunicação|comunicativas]] ou de [[transmissão]] de [[conhecimentos]]. A [[linguagem]] [[poética]] é o [[diálogo]] da [[linguagem]] e do [[silêncio]] na [[entre]]-[[fala]] das [[línguas]]. "O [[homem]] se define pelo [[poder]] de [[transcender]] a [[condição (humana)|condição]] [[humana]]. A [[essência]] metafórica da [[linguagem]] é solidária da [[natureza]] [[transcendência|transcendente]] do [[homem]]" (1).
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:Referência:
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:(1) FOUCAULT, Michel. ''As palavras e as coisas''. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 58.
 
 +
: Referência:
-
== 13 ==
+
: (1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Epistemologia e hermenêutica em Bachelard". In: Revista '''Tempo Brasileiro'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 90, 1987, p. 64.
-
:A linguagem instrumental é o [[diálogo]] do [[significante]] e do [[significado]] reduzidos a meras [[função|funções]] [[comunicação|comunicativas]] ou de transmissão de conhecimentos. A linguagem poética é o diálogo da linguagem e do silêncio na entre-fala das línguas. "O homem se define pelo poder de transcender a condição humana. A essência metafórica da linguagem é solidária da natureza [[transcendência|transcendente]] do homem" (1).
+
 +
== 15 ==
 +
: "Na [[experiência]] numinosa, arcaica e hesiódica da [[linguagem]], o [[nome]] do ''Nume'' é esse ''Nume'' em sua própria Ipseidade. [...] pois o [[nome]] é a [[Presença]]" (1). O [[autor]] trata de [[seres]] terríveis e que, por isso, não são pronunciados, porque dizer-lhes o [[nome]] é dar-lhes [[Presença]]. "O ''Nume'' é o seu [[Nome]] cuja nomeação funda a [[Presença]] do próprio [[Nome]] - e, portanto, não signi-fica, mas [[é]]" (2).
-
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
 
 +
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
:Referência:
+
: Referências:  
-
:(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Epistemologia e hermenêutica em Bachelard". In: ''Revista Tempo Brasileiro''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 90, 1987, p. 64.  
+
: (1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. '''Teogonia'''. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 97.
 +
: (2) Idem, p. 98.
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== 14 ==
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== 16 ==
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:"Na experiência numinosa, arcaica e hesiódica da linguagem, o [[nome]] do ''Nume'' é esse ''Nume'' em sua própria Ipseidade. [...] pois o nome é a [[Presença]]" (1). O autor trata de seres terríveis e que, por isso, não são pronunciados, porque dizer-lhes o nome é dar-lhes Presença. "O ''Nume'' é o seu Nome cuja nomeação funda a Presença do próprio [[Nome]] - e, portanto, não signi-fica, mas é" (2).
+
: Para tratar [[radicalmente]] da [[linguagem]] é [[necessário]] estudá-la em sua [[relação]] com a [[questão]] da [[liberdade]]. A [[questão]] da [[relação]] da [[linguagem]] e da [[liberdade]] aparece na [[reflexão]] sobre a [[essência]] do [[agir]] e, evidentemente, da própria [[realidade]] realizando-se.  
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 17 ==
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: O [[conceito]] de [[linguagem]] como [[produto]] da [[sociedade]], embora seja discutido longamente hoje, já constituía o cerne da [[questão]] [[sofista]]: a [[linguagem]] como [[produto]] [[cultural]] e não [[natural]], ou seja, a arbitrariedade do [[signo]]. É a [[questão]] central do [[diálogo]] de Platão ''Crátilo''. Temos, pois, aí a [[questão]] dos [[sofistas]]: ''[[nomos]]'' / ''[[logos]]'' em vez de ''[[physis]]''/''[[nomos]]''. A [[questão]] da [[linguagem]] como [[informação]] também está ligada à [[linguagem]] como [[produto]] [[cultural]]. Só o [[signo]], sendo arbitrário, pode ligar a [[linguagem]] a um [[código]] [[formal]], na medida em que é [[cultural]], [[contextual]], ou seja, só por ser [[cultural]] é que pode ser [[formal]]. Porém, jamais podemos esquecer que a [[linguagem]] antes e acima de [[tudo]] é uma [[questão]] que nenhuma [[teoria]] pode esgotar.
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:Referências:
 
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:(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. ''Teogonia''. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 97.
+
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:(2) Idem, p. 98.
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== 18 ==
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: "A [[linguagem]] - que é concebida e experimentada por Hesíodo como uma força múltipla e numinosa ([[sagrado|sagrada]]) que ele nomeia com o [[nome]] de [[Musas]] - é filha da [[Memória]], ou seja, este [[divino]] [[Poder]] traz à [[Presença]] o não-presente, coisas [[passadas]] ou [[futuras]]" (1). "O [[ser]] se dá na [[linguagem]] porque a [[linguagem]] é numinosamente a força-de-[[nomear]]" (2). "No caso de Hesíodo, a [[linguagem]] é por excelência o [[sagrado]]... A [[experiência]] do [[sagrado]] é a mais viva [[experiência]] do que é o mais [[real]] e é a mais vivificante [[experiência]] de [[Realidade]]" (3).
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== 15 ==
 
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:Para tratar radicalmente da linguagem é necessário estudá-la em sua relação com a questão da [[liberdade]]. A questão da relação da linguagem e da liberdade aparece na reflexão sobre a essência do [[agir]] e, evidentemente, da própria [[realidade]] realizando-se.
 
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: Referências:
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
+
: (1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. '''Teogonia'''. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 29.
 +
: (2) Idem, p. 29.
 +
: (3) Idem, p. 30.
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== 19 ==
 +
: "Só podemos [[perguntar]] porque já [[vigoramos]] no [[ser]], na [[memória]] do [[sentido do ser]]. É que o [[ser]], a [[memória]] ou [[sentido do ser]], é [[questão]]. É que a [[questão]] não é apenas [[saber]] e [[não-saber]], [[ser]] e [[não-ser]], ela é também a [[unidade]] de [[saber]] e [[ser]], de [[não-saber]] e [[não-ser]]. E só por ser [[unidade]] é que a [[questão]] pode [[advir]] à [[pergunta]]. [[Advir]] à [[pergunta]] [[é]] [[advir]] à [[linguagem]], a partir da [[memória]]. [[Memória]] é [[unidade]] e sendo [[unidade]] [[é]] [[linguagem]]. [[Linguagem]], enquanto [[unidade]], não é, em primeira [[instância]], [[fala]] ou [[elocução]]. Só se [[fala]] na e a [[partir]] da [[linguagem]]. Então podemos [[dizer]] que a quarta [[dimensão]] do [[tempo]] é a [[memória]], e esta é a [[unidade]] do [[tempo]] enquanto o [[tempo]] se faz [[linguagem]]. [[É]]. O [[tempo]] [[é]] já [[diz]], [[originariamente]], [[linguagem]], [[unidade]]" (1).
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== 16 ==
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:O conceito de linguagem como produto da [[sociedade]], embora seja discutido longamente hoje, já constituía o cerne da questão [[sofista]]: a linguagem como produto cultural e não natural, ou seja, a arbitrariedade do [[signo]]. É a questão central do diálogo de Platão ''Crátilo''. Temos, pois, a questão dos sofistas: ''[[nómos]]''/''[[lógos]]'' em vez de ''[[phýsis]]''/''nómos''. A questão da linguagem como informação também está ligada à linguagem como produto cultural. o signo sendo arbitrário, pode-se ligar a linguagem a um [[código]] formal na medida em que é cultural, contextual, ou seja, por ser cultural é que pode ser formal.
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". '''Ensaio''' ainda não publicado.
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== 20 ==
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: A [[questão]] da [[interpretação]] remete para o [[diálogo]]. Mas aí o [[essencial]] é a [[questão]] do ''[[lógos]]''. E este é complexo em si e mais ainda porque a [[referência]] [[ser]]-[[linguagem]] se dá em amplos níveis  e correlações com ''[[poíesis]]'' ([[vigor]] [[poético]]), ''[[alétheia]]'' ([[desvelamento]], [[verdade]]), ''[[éthos]]'' ([[ética]], diferente da [[moral]]), ''[[sophía]]'' ([[sabedoria]]) e, sobretudo, a ''[[phýsis]]'' ([[nascividade]] / [[natureza]]). Outro [[aspecto]] é a ''[[techné]]'' ([[técnica]]). Ora, a partir do ''[[logos]]'' ([[linguagem]]) e da ''[[techné]]'' ([[técnica]]) surgem as [[teorias]], tendo como [[atitude]] o ''theoreîn'' [[grego]], isto é, o [[ver]] em [[profundidade]]. E elas procuram dar conta da [[questão]] [[radical]]: [[ser]] / [[linguagem]]. Esta é a [[questão]] do [[diálogo]] / [[interpretação]]. Mas ela pode ser reduzida a [[conceitos]] e vamos ter o [[diá-logo]] sem o ''[[éthos]]'' ([[ética]]) e ''[[poíesis]]'' ([[vigor]] [[poético]]) e [[sophía]] ([[sabedoria]]), mas visto tecnicamente como [[comunicação]] e conversa. Então a [[linguagem]] fica reduzida a um [[instrumento]] [[comunicativo]] sob a égide de um [[código]] como [[rede]] [[discursiva]] num mero [[contexto]]. O [[ser]] ficou reduzido a um [[ente]], sem ''[[éthos]]'' nem ''[[sophía]]'' nem ''[[poíesis]]'' e o [[diá-logo]] se dá na [[aparência]] [[conceitual]] e [[identitária]]. Perde-se a [[diferença]] e, aparentemente, a [[distância]], sem jamais haver [[proximidade]] e preservação das [[diferenças]]. É nesta [[dimensão]] em que ocorrem o [[falatório]] e os diferentes linguajares ou [[língua|línguas]] [[técnicas]]: [[filosófica]], [[teológica]], [[científica]] (com inúmeras variáveis)... [[Tudo]] se dá no plano do [[ente]] e não do [[ser]]. Mas nós só somos o que somos como [[entes]] na medida e na [[dimensão]] do [[ser]]. [[Diálogo]] é sempre [[afirmação]] de [[diferenças]] no [[acontecer]] [[poético]] da [[identidade]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 21 ==
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: "O acesso à [[essência]] de uma [[coisa]] nos advém da [[linguagem]]. Isso só acontece, porém, quando prestamos atenção ao [[vigor]] próprio da [[linguagem]]. Enquanto essa atenção não se dá, desenfreiam-se [[palavras]], escritos, programas, numa avalanche sem fim. O [[homem]] se comporta como se ''ele'' fosse [[criador]] e senhor da [[linguagem]], ao passo que ''ela'' permanece sendo a senhora do [[homem]]. Talvez seja o modo de o [[homem]] lidar com esse assenhoramento que impele o seu [[ser]] para a [[via]] da estranheza. É salutar o [[cuidado]] com o [[dizer]]" (1).
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: Referência:
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar´", trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: ---. '''Ensaios e conferências'''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 126.
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== 22 ==
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: "Aonde o [[homem]] assume a exigência de adentrar a [[essência]] de alguma [[coisa]]? O [[homem]] só pode assumir essa exigência a partir de onde ele a recebe. Ele a recebe no [[apelo]] da [[linguagem]]. Mas isso, certamente, apenas e enquanto o [[homem]] já estiver atento à [[essência]] da [[linguagem]]" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ---. '''Ensaios e conferências'''. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 167.
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== 23 ==
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: "Em sentido próprio, a [[linguagem]] é que [[fala]]. O [[homem]] fala apenas e somente à medida que co-responde à [[linguagem]], à medida que [[escuta]] e pertence ao apelo da [[linguagem]]. De todos os apelos que nós, os [[humanos]], devemos conduzir, a partir de nós mesmos, para um [[dizer]], a [[linguagem]] é ela mesma o [[apelo]] mais elevado e, por toda parte, o [[apelo]] primordial. É a [[linguagem]] que, primeiro e em última instância, nos acena a [[essência]] de uma [[coisa]]" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ---. '''Ensaios e conferências'''. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167-8.
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== 24 ==
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: "A [[densidade]] imposta pela [[identidade]] é uma [[densidade]] sem [[corpo]]. Desconcretizada, a [[densidade]] da [[identidade]] faz da [[linguagem]] um útil [[adequado]], que deve, por força, corresponder ao [[objeto]] identificado. O único compromisso desse [[processo]] é que se dê a [[identidade]], significa: que se identifiquem [[objetos]], [[coisa|coisas]], [[situações]]. Desse modo, a [[linguagem]] se subtrai enquanto [[dinâmica]] de desencadeamento da [[realidade]], para se ver reduzida a uma modalidade [[unidimensional]] de [[realização]], a [[realização]] da identificação" (1).
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: Referência:
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 51-2.
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== 25 ==
 +
: "O modo como essa [[harmonia]] se dá é primordialmente o [[discurso]] e não a [[ideia]], isto é, o [[curso]], o [[caminho]] que leva ao des-conhecido e que simultaneamente o traz para diante, o manifesta, o [[movimento]] que encurta a [[dis-tância]], isto é, [[estar]] no ''di-'', [[estar]] no [[outro]], [[estar]] duas vezes, [[estar]] no des-conhecido. O [[discurso]] é o [[movimento]] de duas [[vias]] em que me dirijo ao [[desconhecido]] e o faço vir para mim, é, portanto um [[movimento]] [[harmônico]], isto é, o [[movimento]] que une no [[um]], ordena o [[caos]] e constitui ''[[kósmos]]'', [[uni-verso]], o que se verte, o que se dobra concomitantemente em direção ao [[uno]]" (1).
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: Referência:
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 80.
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== 26 ==
 +
: "Na [[linguagem]] da [[prosa]] [[verbal]] [[contemporânea]], a única [[presença]] exigida é a da [[palavra]]. Ela é o bastante. Ela é suficiente para tornar [[presente]], [[Abstração|abstratamente]], qualquer modalidade de [[ausência]]. O que se ausenta é [[abstratamente]] tornado [[presente]] por meio da [[palavra]]. A [[presença]] de um [[concreto]], a [[palavra]], traz consigo a [[presença]] [[abstrata]] de [[outro]] [[concreto]], aquilo a que a [[palavra]] se refere. De um modo geral, é assim que funciona a [[moderna]] [[linguagem]] [[verbal]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 174.
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== 27 ==
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: A [[questão]] da [[escrita]] e da oralidade passa pela [[essência]] da [[linguagem]] que não é determinada por essas duas [[possibilidades]]. Por isso diz Heidegger:
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: "'' J - A [[palavra]] 'expressão' indica a contraposição, isto é, aquilo contra o que o senhor se põe, pois a sua [[visão]] da [[essência]] da [[linguagem]] não está presa ao caráter fonemático e grafemático das [[palavras]], o que se costuma reapresentar como o caráter expressivo da [[linguagem]]''" (1).
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: "'' J - Seria, portanto, de importância secundária, se a conversa fosse [[escrita]] ou soasse apenas em algum [[tempo]] ou [[lugar]]''" (2).
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: Mas essa [[distinção]], aí, já tem como pano de fundo: a [[essência]] da [[linguagem]] como [[saga]]; o [[sentido]] [[originário]] de con-versa; a implicação da conversa como [[lugar]] e este como [[casa]] e [[mundo]].
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referências:
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: "J" - Refere-se ao Japonês.
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'
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: '''A caminho da linguagem'''. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 101.
-
== 17 ==
+
: (2) Idem, p. 118.
-
:"A linguagem - que é concebida e experimentada por Hesíodo como uma força múltipla e numinosa ([[sagrado|sagrada]]) que ele nomeia com o nome de Musas - é filha da [[Memória]], ou seja, este divino Poder traz à [[Presença]] o não-presente, coisas passadas ou futuras" (1). "O ser se dá na linguagem porque a linguagem é numinosamente a força-de-nomear" (2). "No caso de Hesíodo, a linguagem é por excelência o sagrado... A experiência do sagrado é a mais viva experiência do que é o mais real e é a mais vivificante experiência de [[Realidade]]" (3).  
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== 28 ==
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: A [[Linguagem]] é, antes, o [[dar-se]] [[essencial]] da [[possibilidade]] realizadora de uma [[medida]]: o [[homem]] enquanto [[realização]] [[concreta]]. Desta maneira, o [[cuidado]] da [[linguagem]] é a [[realização]] [[concreta]] do [[pensamento]]: a [[vigência]] da [[Linguagem]], a [[casa]], o [[sentido do Ser]]. A [[linguagem]] está além do [[sistema]] [[comunicativo]] e das [[funções]] [[linguísticas]]: "A [[linguagem]] é o [[advento]] do [[próprio]] [[Ser]] que se clareia e se esconde" (HEIDEGGER, 1967: 44) (1). Ela é [[condição]] de [[possibilidade]] [[originária]] e [[inaugural]] em que se [[funda]] o [[aparecer]] de todo [[sendo]], que só [[é]] desde o [[ser]]. Esta [[distinção]] é importante porque, em geral, desde os [[retóricos]] [[gregos]], inventores da [[gramática]], que tinha por [[finalidade]] a [[formação]] no [[estruturar]] com [[coesão]] e [[coerência]] a [[argumentação]] na [[escrita]] e na [[fala]], para bem persuadir, a [[linguagem]] ficou reduzida ao seu [[aspecto]] [[instrumental]]. É o que hoje se denomina [[comunicação]] ou [[expressão]]. Este uso [[prático]] da [[linguagem]] levou ao [[esquecimento]] de sua [[essência]] [[poética]]. E criou-se o [[lugar]] comum de achar que a [[linguagem]] é o que os [[gramáticos]] [[ensinam]], quando, em verdade, [[ensinam]] apenas o lado [[comunicativo]] [[ordenado]] [[retoricamente]]. Mas pode haver [[vivente]] sem a [[vida]]? Pode haver [[rio]] sem a nascente? Pode haver filho/a sem [[mãe]]? Está na hora de os [[gramáticos]] voltarem a [[descobrir]] o [[poético]] da [[linguagem]], a [[medida]] de toda [[fala]]. Hoje há muita [[comunicação]] e pouco [[pensamento]], porque [[pensar]] é por-se a [[caminho]] da [[linguagem]] em sua [[essência]].
 +
-
:Referências:
+
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
-
:(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. ''Teogonia''. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 29.
+
: Referência:
-
:(2) Idem, p. 29.
+
-
:(3) Idem, p. 30.
+
 +
: (1) HEIDEGGER, Martin. '''Conferências e Escritos Filosóficos'''. Trad. Ernildo Stein. São Paulo, Nova Cultura: 1999.
-
== 18 ==
+
== 29 ==
-
:"Por isso, toda efetividade da passagem do [[concreto]] ao [[abstrato]] do puro [[ser]], em Platão, ocorre não somente porque, de um lado, tudo é ''mímesis'', mas também porque, de outro lado, tudo se torna [[objeto]] de uma comunicação pura e simples. A compreensão de Platão liga-se diretamente à noção do vocábulo ''léxis'' em que, no Livro III, passa da descrição do tipo de [[história]] [[narrar|narrada]] pelo poeta para pensar sua atividade como uma [[técnica]] de [[comunicação]] verbal. Essa mudança assinala, na verdade, uma mudança de paradigma a respeito do que vem a ser a própria linguagem. Se com o poeta a linguagem, sob a forma da palavra, é a própria onto-logo-fania do real, isto é, a linguagem é depositária da experiência numinosa arcaica do [[real]], Platão a toma num sentido totalmente diverso, como [[tecnologia]] de comunicação. A linguagem em Platão é desatrelada do próprio real para se constituir num elemento intermediário, mediador entre o que é a [[ideia]] e o que dela está representado na [[experiência]]" (1). "Para Platão agora é ''léxis'' não mais ''lógos''. A linguagem daí por diante não pode manifestar nada, mas deve ser instrumento proposicional que executa a correspondência operada por aquele que conhece ([[sujeito]]) ao que por ele é conhecido ([[objeto]]). A instituição de uma racionalidade abstrata exige a adoção de uma linguagem puramente conceitual e que corresponda integralmente à [[exatidão]] do conceito" (2). Fique claro que há muitos Platões, de acordo com os diferentes [[diálogo]]s. Se, por exemplo, lermos a partir do grego o ''Fedro'', aí veremos como a questão da obra de arte é fundamental como manifestação da realidade, dentro de uma [[imagem-questão]] de cada obra como um corpo-vivo.  
+
: [[Heidegger]] toma como um dos grandes [[temas]] centrais de seu [[pensamento]] a [[questão]] sempre instigante e [[enigmática]] da [[Linguagem]]. Em 1950 numa conferência ele sintetiza:
 +
:    ''Die Sprache spricht, nicht der Mensch. Der Mensch spricht erst, wenn er der Sprache entspricht''.
 +
:      ''A [[Linguagem]] [[fala]], não o [[homem]]. O [[homem]] só [[fala]] quando corresponde à [[Linguagem]]'' (Tradução: Manuel Antônio de Castro).
-
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
 
 +
: - [[ Manuel Antônio de Castro]]
-
:Referência:
+
== 30 ==
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: "O ''soma'' [ [[corpo]] ] de que fala [[Platão]] passou a ser entendido – enquanto [[organismo]] – como um [[ente]] composto de [[matéria]] e [[forma]], como qualquer [[utensílio]] é constituído. Porém, quando [[Platão]] reflete sobre a [[obra]], jamais a pensou no [[horizonte]] de um [[utensílio]], com seus [[aspectos]] [[formais]] e [[materiais]] ([[causas]] [[material]] e [[formal]]) ou com seus [[aspectos]] de [[finalidade]] [[funcional]] e utilitária ([[causa]] [[final]]), tanto melhor quanto for a sua [[funcionalidade]], incluída aí a [[eficiência]] [[funcional]] [[estética]]. A [[concepção]] da [[linguagem]] e do [[próprio]] [[ser humano]] como [[social]] parte deste [[horizonte]] [[funcional]] e [[sistêmico]]. E é justamente o contrário: tanto a [[linguagem]] como o [[ser humano]] (e um coincide com o outro) são [[seres]] [[dialogais]]. A [[essência]] [[originária]] do [[homem]] e da [[linguagem]] é o ''[[logos]]'' (1).
-
:(1) AGUIAR, Werner. ''Música: poética do sentido''. Tese de Doutorado. Faculdade de Letras da UFRJ. Programa de Pós-graduação de Ciência da Literatura. Área de Poética, 2004, pp. 15-6.
 
-
:(2) Idem, p. 16.
 
 +
: Referência:
-
== 19 ==
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 250.
-
:A questão da [[interpretação]] remete para o [[diálogo]]. Mas aí o essencial é a questão do ''[[lógos]]''. E este é complexo em si e mais ainda porque a referência ser-linguagem se em amplos níveis  e correlações com ''[[poíesis]]'' (vigor poético), ''[[alétheia]]'' (desvelamento, verdade), ''[[éthos]]'' (ética, diferente da [[moral]]), ''sophía'' ([[sabedoria]]) e, sobretudo, a ''phýsis'' (nascividade/natureza). Outro aspecto é a ''[[techné]]'' (técnica). Ora, a partir do ''lógos'' (linguagem) e da ''techné'' (técnica) surgem as teorias, tendo como atitude o ''theoreîn'' grego, isto é, o ver em profundidade. E elas procuram dar conta da questão radical: [[ser]]/linguagem. Esta é a questão do diálogo/interpretação. Mas ela pode ser reduzida a conceitos e vamos ter o diá-logo sem o ''éthos'' (ética) e ''poíesis'' (vigor poético) e [[sophía]] (sabedoria), mas visto tecnicamente como [[comunicação]] e conversa. Então a linguagem fica reduzida a um [[instrumento]] comunicativo sob a égide de um código como [[rede]] discursiva num mero contexto. O ser ficou reduzido a um ente, sem ''éthos'' nem ''sophía'' nem ''poíesis'' e o diá-logo se dá na aparência conceitual e identitária. Perde-se a diferença e, aparentemente, a distância, sem jamais haver proximidade e preservação das diferenças. É nesta dimensão em que ocorrem o falatório e os diferentes linguajares ou [[língua|línguas]] técnicas: filosófica, teológica, científica (com inúmeras variáveis)... Tudo se dá no plano do [[ente]] e não do ser. Mas nós só somos o que somos como entes na medida e na dimensão do ser. Diálogo é sempre afirmação de diferenças no acontecer poético da identidade.
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== 31 ==
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: "A [[linguagem]] é o mais concentrado modo de ser da [[realidade]]. Na [[linguagem]] o [[real]] se mostra em si mesmo com [[plenitude]] de [[liberdade]]. O [[real]] se realiza numa variedade infinda de modos, níveis e graus de mostrar-se. Há até a [[possibilidade]] de o [[real]] mostrar-se como algo que em si mesmo não é. Neste mostrar-se, o [[real]] aparece como se fosse. É o [[parecer]] e a [[aparência]]. A [[linguagem]] possui uma tal vitalidade que articula, ao mesmo tempo, tanto um ''sim'' como um ''não'': o mostrar-se em si mesmo como ''sim'' e o mostrar-se em si mesmo como ''não''. O [[Ente]] e a [[Essência]] são modalidades positivas, o [[parecer]] e a [[aparência]] são modalidades negativas de [[linguagem]]" (1).
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 +
: Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Texto distribuído em sala de aula, num curso da pós, em 1971. Faculdade de Letras - UFRJ.
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== 32 ==
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: Uma vez que a ''[[aletheia]]'' é a [[experienciação]] da [[realidade]] como [[linguagem]], a [[verdade]] recebe diferentes [[interpretações]], atrás das quais se faz ouvir a [[fala]] do [[silêncio]] de toda ''[[aletheia]]'', porque esta não é nem pode ser algo que cale as [[experienciações]] da [[realidade]] e da [[linguagem]], na medida em que elas sempre acontecem como ''[[aletheia]]''. [[Realidade]], [[linguagem]] e [[aletheia]] dizem sempre o [[mesmo]] diferente de si mesmo. E então se torna presente todo [[vigor]] e riqueza do ''[[logos]]''. [[Impossível]] [[pensar]] a [[linguagem]] sem o ''[[logos]]''. Eis o [[motivo]] pelo qual já teve tantas [[interpretações]]... e elas não pararam, porque a cada nova [[época]] aí se faz necessária uma nova [[interpretação]]...[[Impossível]] dissociar [[tempo]] de [[linguagem]].
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
 +
== 33 ==
 +
: "Mas não somos nós, com nosso [[pensar]], que damos [[sentido]]. O [[sentido]] já nos é dado. Como? Como o [[tempo]] se dá em cada [[instante]]. Não poderíamos [[experienciar]] nenhum [[instante]] como [[tempo]] se este não fosse [[sentido]], ou seja, [[linguagem]]. A [[linguagem]] é o [[sentido]] do [[tempo]] na [[medida]] em que este é [[vida]], é [[memória]], é [[mar]], é [[ser]]" (1).
-
== 20 ==
 
-
:"O acesso à [[essência]] de uma coisa nos advém da linguagem. Isso só acontece, porém, quando prestamos atenção ao vigor próprio da linguagem. Enquanto essa atenção não se dá, desenfreiam-se palavras, escritos, programas, numa avalanche sem fim. O homem se comporta como se "'ele'' fosse criador e senhor da linguagem, ao passo que ''ela'' permanece sendo a senhora do homem. Talvez seja o modo de o homem lidar com esse assenhoramento que impele o seu ser para a via da estranheza. É salutar o [[cuidado]] com o dizer" (1).
 
 +
: Referência:
-
:Referência:
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 251.
-
:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 126.
+
== 34 ==
 +
: "A [[linguagem]] é a [[unidade]] da [[memória]] vigorando enquanto [[sentido]]. Cada [[palavra]], cada [[oração]], cada [[língua]], cada [[possibilidade]] de [[discurso]], é sempre [[possibilidade]] da [[linguagem]] em cada [[vivente]], não interessa qual seja a [[língua]], assim como cada [[vivente]] é [[possibilidade]] da [[vida]] e cada [[instante]] é [[possibilidade]] do [[tempo]], não interessa a [[época]] nem a [[cultura]]" (1).
-
== 21 ==
+
: Referência:
-
:"Aonde o homem assume a exigência de adentrar a [[essência]] de alguma coisa? O homem só pode assumir essa exigência a partir de onde ele a recebe. Ele a recebe no apelo da linguagem. Mas isso, certamente, apenas e enquanto o homem já estiver atento à [[essência]] da linguagem" (1).
+
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 251.
-
:Referência:
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== 35 ==
 +
: "Não podemos [[limitar]] a [[linguagem]] à [[fala]], pois ficar em [[silêncio]] é já [[radicar]] na máxima [[potencialidade]] da [[linguagem]] de todo [[sentido]] e [[fala]]. Ficar em [[silêncio]] é [[recolher-se]] ao [[ser]], ao [[silêncio]] enquanto [[nada criativo]], de onde surge a [[compreensão]], radicada, portanto, em uma [[abertura]] de [[pré-compreensão]], advinda no [[silêncio]] vigoroso do [[sentido do ser]]. [[Ser]] é deixar-se tomar pelo [[vigorar]]  do [[silêncio]]" (1).
-
:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167.
 
-
== 22 ==
+
: Referência:
-
:"Em sentido próprio, a linguagem é que [[fala]]. O homem fala apenas e somente à medida que co-responde à linguagem, à medida que [[escuta]] e pertence ao apelo da linguagem. De todos os apelos que nós, os humanos, devemos conduzir, a partir de nós mesmos, para um dizer, a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por toda parte, o apelo primordial. É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de uma coisa" (1).
+
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 271.
-
:Referência:
+
== 36 ==
 +
: "E assim o [[filósofo]] chinês [ [[Chuang Tzu]] ] afirma que nós temos, internamente uma grande árvore, nós temos o aparelho fonador, o cérebro e a característica de [[poder]] [[dialogar]]. Isso possibilita que a [[linguagem]] nos tenha, ou seja, para que através de nós, a [[linguagem]] flua. E a [[linguagem]] flui, é transmitida a partir da [[terra]] deserta do [[silêncio]]. O [[silêncio]] é o [[deserto]], o [[silêncio]] é o [[vazio]] e [[é]] nesse [[vazio]] que as [[palavras]] atuam, fluem e se fazem presentes. A [[linguagem]] instrumental é o [[útil]]. A [[linguagem]] [[poética]] é o [[inútil]]" (1).
-
:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167-8.
 
-
== 23 ==
+
:  Referência:
-
:"A densidade imposta pela [[identidade]] é uma densidade sem [[corpo]]. Desconcretizada, a densidade da identidade faz da linguagem um útil adequado, que deve, por força, corresponder ao [[objeto]] identificado. O único compromisso desse processo é que se dê a identidade, significa: que se identifiquem objetos, [[coisa|coisas]], situações. Desse modo, a linguagem se subtrai enquanto dinâmica de desencadeamento da [[realidade]], para se ver reduzida a uma modalidade unidimensional de [[realização]], a realização da identificação" (1).
+
 +
: (1) ROCHA, Antônio Carlos Pereira Borba. "Diálogo com Chuang Tzu, hoje". In: Revista '''Tempo Brasileiro''', 171 - '''Permanência e atualidade da Poética'''. Rio de Janeiro, out.-dez., 2007, p. 171.
 +
== 37 ==
 +
: "O que se dá a [[ver]] é, para os [[gregos]], a ''[[physis]]''; para nós, a [[realidade]]. Para mostrar o que se dá a [[ver]] (a [[realidade]], a ''[[physis]]''), o [[ser humano]] recebe da própria ''[[physis]]'' duas [[dimensões]] que o constituem, circunscrevem e determinam: o [[pensamento]] (''[[nous]]'', em [[grego]]) e a [[linguagem]] (''[[logos]]'', em [[grego]]). O ''[[nous]]'' é o [[pensamento]] que permite [[ver]] o não visto. E este pode ser dito enquanto [[sentido]] e [[mundo]] porque somos constituídos pelo ''[[logos]]'', a [[linguagem]]. São o ''[[nous]]'' e o ''[[logos]]'', na [[vigência]] da ''[[poiesis]]'' da [[realidade]], que constituem o seu [[sentido]] e [[mundo]], manifestados nos [[paradigmas]]. Chamamos ''[[poiesis]]'' a [[permanência]] e [[transformação]] da [[realidade]], daí ser ela [[originária]] e radicalmente [[poética]]" (1).
-
:Referência:
 
-
:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 51-2.
+
: Referência:  
 +
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista '''Tempo Brasileiro''', 201/202 - '''Globalização, pensamento e arte'''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 19.
-
== 24 ==
+
== 38 ==
-
:"O modo como essa [[harmonia]] se dá é primordialmente o dis-curso e não a [[ideia]], isto é, o curso, o caminho que leva ao des-conhecido e que simultaneamente o traz para diante, o manifesta, o [[movimento]] que encurta a dis-tância, isto é, estar no di, estar no outro, estar duas vezes, estar no des-conhecido. O dis-curso é o movimento de duas vias em que me dirijo ao desconhecido e o faço vir para mim, é, portanto um movimento harmônico, isto é, o movimento que une no um, ordena o [[caos]] e constitui ''[[kósmos]]'', uni-verso, o que se verte, o que se dobra concomitantemente em direção ao [[uno]]" (1).
+
: O [[destino]] que somos nos é destinado na [[linguagem]], pois é a [[linguagem]] que fala, não o [[ser humano]], em sua [[língua]]. Esta e cada falante só falam porque já vigoram na [[linguagem]]. Assim como cada [[mãe]]-[[mulher]] só gesta seus filhos porque já lhe foi dada a [[possibilidade]] de [[gestar]]. Ela não cria a [[Vida]]. Esta é que a cria e a faz ser [[mulher]]-[[mãe]]. Sem [[linguagem]] não há [[matéria]] / [[mãe]] criativa. Do mesmo modo é a [[linguagem]] que cria os [[mitos]] e, portanto, cria as [[obras de arte]], todas as [[obras de arte]], enfim, todas as [[línguas]] de todos os povos.
-
:Referência:
+
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 80.
+
== 39 ==
 +
: Como o [[tempo]] se dá em [[instantes]], não poderíamos [[experienciar]] nenhum [[instante]] como [[tempo]] se este não fosse [[sentido]], ou seja, [[linguagem]]. A [[linguagem]] é o [[sentido]] do [[tempo]] na medida em que este é [[vida]], é [[memória]], é [[ser]]. A [[linguagem]] é a [[unidade]] da [[memória]] vigorando enquanto [[sentido]]. Em um tal [[vigorar]] é que consiste propriamente a [[poesia]]. Portanto, tanto esta quanto a [[linguagem]] são indissociáveis de [[ser]] e [[tempo]]. E é o [[tempo]] enquanto [[instante]] que se torna o [[motivo]] de [[ser]] [[poeta]]. É o que nos diz a [[poeta]] Cecília Meireles no primoroso [[poema]] "Motivo" do livro '''Viagem''' (1):
-
== 25 ==
+
:     ''Motivo''
-
:"Na linguagem da prosa verbal contemporânea, a única presença exigida é a da palavra. Ela é o bastante. Ela é suficiente para tornar presente, [[Abstração|abstratamente]], qualquer modalidade de ausência. O que se ausenta é abstratamente tornado presente por meio da palavra. A presença de um concreto, a [[palavra]], traz consigo a presença abstrata de outro concreto, aquilo a que a palavra se refere. De um modo geral, é assim que funciona a moderna linguagem verbal" (1).
+
 +
:  ''Eu canto porque o instante existe
 +
:  ''e a minha vida está completa.
 +
:  ''Não sou alegre nem sou triste:
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:  ''sou poeta''.
-
:Referência:  
+
:   .............................
 +
   
 +
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
-
:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 174.
+
: Referência:
 +
: (1) MEIRELES, Cecília. '''Viagem'''. In: ---. '''Obra poética'''. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987, p. 81.
-
== 26 ==
+
== 40 ==
-
:A questão da [[escrita]] e da oralidade passa pela essência da linguagem que não é determinada por essas duas possibilidades. Por isso diz Heidegger: "A palavra 'expressão' indica a contraposição, isto é, aquilo contra o que o senhor se põe, pois a sua visão da essência da linguagem não está presa ao caráter fonemático e grafemático das palavras, o que se costuma reapresentar como o caráter expressivo da linguagem" (1). "Seria, portanto, de importância secundária, se a conversa fosse escrita ou soasse apenas em algum [[tempo]] ou [[lugar]]" (2). Mas essa distinção, aí, já tem como pano de fundo: a [[essência]] da linguagem como [[saga]]; o sentido originário de con-versa; a implicação da conversa como lugar e este como casa e mundo.
+
: "Só entrando no [[jogo]] da [[Linguagem]] é que encontramos um [[princípio]] de [[unidade]] realmente [[integrador]] das [[dimensões]] e níveis de [[aprender]] e [[ensinar]]. Os planos de [[formação]], de que tratam [[diferentes]] [[línguas]], têm na [[Linguagem]] a força de [[integração]] que lhes garante [[crescer]] e [[diversificar-se]] sem perda da [[identidade]]" (1).
-
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
+
: Referência:
 +
: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Aprender e ensinar". In: ------. '''Aprendendo a pensar'''. Petrópolis/RJ: Vozes, 1977, p. 50.
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== 41 ==
 +
: "Tanto os [[nós]] como as ligações precisam do “[[entre]]” enquanto [[identidade]] das [[diferenças]]. Uma tal faceta do “[[entre]]” aparece bem claramente na [[imagem-questão]]: [[rede]]. Uma tal faceta é o [[vazio]], o [[silêncio]]. A [[rede]] sem o [[vazio]]/[[silêncio]] não se pode constituir como [[rede]], ou seja, como “fios” e “[[nós]]”. A [[rede]] é uma [[doação]] do [[vazio]] e do [[silêncio]]. O [[vazio]] é o [[não-limite]] do [[silêncio]] e seu [[sentido]]. A [[língua]] enquanto [[código]] é a [[rede]] enquanto fios e [[nós]]. Mas assim como a [[rede]] precisa do [[vazio]]/[[silêncio]], a [[língua]] precisa da [[linguagem]]. Por isso, a [[linguagem]] é a [[mãe]] de todas as [[línguas]], assim como o [[vazio]] é a [[origem]] de todas as [[redes]], de todos os [[códigos]]. E o [[silêncio]] é a [[origem]] de todas as [[falas]] e [[escutas]], enquanto [[energia]] de [[sentido]], [[verdade]] e [[mundo]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o ''entre''". Revista '''Tempo Brasileiro''': Rio de Janeiro: '''Interdisciplinaridade: dimensões poéticas''', 164, jan.-mar., 2006, p. 33.
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== 42 ==
 +
: "Falamos porque [[falar]] nos é [[natural]]. [[Falar]] não provém de uma [[vontade]] especial. Costuma-se [[dizer]] que por [[natureza]] o [[homem]] possui [[linguagem]]. Guarda-se a [[concepção]] de que, à [[diferença]] da planta e do [[animal]], o [[homem]] é o [[ser]] [[vivo]] dotado de [[linguagem]]. Essa [[definição]] não diz apenas que, dentre muitas outras [[faculdades]], o [[homem]] também possui a de [[falar]]. Nela se diz que a [[linguagem]] é o que faculta ao [[homem]] [[ser]] o [[ser]] [[vivo]] que ele é enquanto [[homem]]. Enquanto aquele que fala, o homem [[é]]: [[homem]]. Essas [[palavras]] são de Wilhelm von Humboldt. Mas ainda resta [[pensar]] o que se chama assim: o [[homem]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 7.
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== 43 ==
 +
: "Para [[pensar]] a [[linguagem]] é preciso penetrar na [[fala]] da [[linguagem]], a fim de conseguirmos [[morar]] na [[linguagem]], isto é, na ''sua'' [[fala]] e não na nossa. Somente assim  é possível alcançar o [[âmbito]] no qual pode ou não [[acontecer]] que, a partir desse [[âmbito]], a [[linguagem]] nos confie o seu modo de [[ser]], a sua [[essência]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 9.
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== 44 ==
 +
: "A [[linguagem]] fala. O que acontece com essa [[fala]]? Onde encontramos a [[fala]] da [[linguagem]]? Sobremaneira no que se diz. No dito, a [[fala]] se consuma, mas não acaba. No dito, a [[fala]] se resguarda. No dito, a [[fala]] recolhe e reúne tanto os modos em que ela perdura como o que pela [[fala]] perdura - seu [[perdurar]], seu [[vigorar]], sua [[essência]]. Contudo, na maior parte das vezes e com frequência, o dito nos vem ao encontro como uma [[fala]] que passou" (1).
 +
: Não podemos esquecer que o [[vigorar]] da [[linguagem]] é o [[sentido]] e a [[verdade]] que orientam nossas [[ações]], nosso, enfim, [[agir]]. Daí o seu perdurar. E é nesse [[perdurar]] que o [[tempo]] [[é]] e acontece em seu [[desdobrar-se]] em [[épocas]]. A cada desdobramento, a cada manifestação do [[vigorar]] do sentido e da verdade corresponde [[mundo]], de modo que o [[perdurar]] evidencia o [[vigorar]] do [[sentido]], da [[verdade]] e do [[mundo]] que se manifesta e é [[horizonte]] de nosso [[viver]], de nosso [[realizar-se]]. [[Mundo]] e [[sentido]] e [[verdade]] são para nós a [[realidade]]: [[vigorar]] da [[linguagem]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: Referência:
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 +
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 11.
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== 45 ==
 +
: "Mas fazer uma [[experiência]] com a [[linguagem]] é algo bem distinto de se adquirir [[conhecimentos]] sobre [[linguagem]]. Esses [[conhecimentos]] nos são proporcionados e promovidos infinitamente pela [[ciência]] da [[linguagem]], pela [[linguística]] e pela [[filologia]] das diferentes  [[línguas]] e [[linguagens]], pela [[psicologia]] e pela [[filosofia]] da [[linguagem]]. Atualmente, o alvo cada vez mirado pela [[investigação]] [[científica]] e [[filosófica]] das [[línguas]] é a [[produção]] do que se chama  de "[[metalinguagem]]". Tomando como ponto de partida a [[produção]] dessas supralinguagens, a [[filosofia]] científica compreende-se consequentemente como [[metalinguística]]. Isso soa como [[metafísica]]. Na verdade, não apenas soa como ''[[é]]'' [[metafísica]]. [[Metalinguística]] é a [[metafísica]] da contínua [[tecnicização]] de todas as [[línguas]], com vistas a torná-las  um mero [[instrumento]] de [[informação]] capaz de [[funcionar]] interplatetariamente, ou seja,  [[globalmente]]" (1).
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 +
: Referência:
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 +
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 122.
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== 46 ==
 +
: "Mas onde a [[linguagem]] como [[linguagem]] vem à [[palavra]]? Raramente, lá onde não encontramos a [[palavra]] certa para [[dizer]] o que nos concerne, o que nos provoca, oprime ou entusiasma. Nesse momento, ficamos sem [[dizer]] o que queríamos [[dizer]] e assim, sem nos darmos bem conta, a própria [[linguagem]] nos toca, muito de longe, por [[instantes]] e fugidiamente, com o seu [[vigor]].
 +
: Quando se trata de trazer à [[linguagem]] algo que nunca foi dito, tudo fica na dependência de a [[linguagem]] conceder ou recusar a [[palavra]] apropriada. Um desses casos é o do [[poeta]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 123.
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== 47 ==
 +
: Enfim, [[originariamente]], a [[linguagem]] é [[reunião]], [[ordem]], [[lei]] [[sagrada]], repouso, [[silêncio]] vibrante, [[musical]]. Na medida em que as [[obras de arte]], as [[obras]] [[poéticas]], se constituem em diferentes [[linguagens]], estas não são o [[princípio]] da [[arte]]. Pois, se são [[linguagem]], e são, elas [[vigoram]] enquanto [[unidade]]. É esta [[unidade]] que as torna [[radicalmente]] [[temporais]], no [[sentido]] de [[Memória]], [[vigorar]] do [[tempo]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 48 ==
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: A [[realidade]] e o [[ser humano]] são muito, mas muito mais do que [[finalidades]] [[funcionais]] dentro de [[sistemas]] de [[relações]], sejam elas quais forem. É que a [[linguagem]], fundamentalmente, não é [[funcional]] nem [[relacional]]. A [[linguagem]] é a [[unidade]] do incessante [[eclodir]] da [[realidade]] em sua [[verdade]] e [[sentido]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 49 ==
 +
: Para os [[gregos]], o que hoje denominamos [[linguagem]] tem uma outra [[fonte]] diferente do que acontece no português. Entre eles, [[linguagem]] não está ligada a [[língua]], parte do aparelho fonador. Tal [[palavra]] se diz em [[grego]] ''glossa''. O que entendemos por [[linguagem]] provém da [[palavra]] [[grega]] ''[[logos]]''.
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: [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 50 ==
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: "Como [[falar]] de [[diferenças]] se elas já não se movessem no [[sentido]] da [[unidade]]? [[Ter]] [[unidade]] é mover-se no [[sentido]]. Uma justaposição de tijolos ainda não é uma [[casa]]. Eles se tornam [[casa]] quando se reúnem numa [[unidade]]: a [[casa]]. Esta como [[unidade]] é prévia aos tijolos. Prévia diz aí a [[abertura]] do [[homem]] para o [[sentido]] da [[unidade]], do ''[[logos]]''. A [[unidade]] acontecendo é o [[sentido]]. O [[sentido]] acontecendo é a [[linguagem]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo'''. '''Ensaio''' ainda não publicado.
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== 51 ==
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: "Se agora olhamos para as [[palavras]], a [[justaposição]] aleatória delas ainda não faz traz [[sentido]], [[mundo]]. Do ponto de vista das [[palavras]], de onde lhe advém o [[sentido]] e [[mundo]]? Da [[linguagem]]. [[Linguagem]], [[sentido]] e [[mundo]] já constituem a [[possibilidade]] de cada [[ser]] se [[manifestar]] como [[ser]], e de cada [[ser]] se relacionar com outros seres no plano da [[palavra]], do [[discurso]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:---. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.
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== 52 ==
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: "Mas a [[fala]] do [[silêncio]] é mais do que [[relação]] e [[comunicação]]. São, portanto, [[linguagem]], [[sentido]] e [[mundo]] que possibilitam as [[posições]] como [[posições]], isto é, são as [[possibilidades]] de [[tempo]] e [[mundo]] e suas [[circunstâncias]]. Sem [[ser]] não há [[linguagem]], [[sentido]] e [[mundo]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:---. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.
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== 53 ==
 +
: A [[linguagem]] é [[vigor]] de [[possibilidade]] de fazer da [[finitude]] [[humana]] um projeto de [[realização]] [[divina]], de se medir pelo [[sentido]] do [[sagrado]]. Na e com a [[linguagem]] a [[realidade]] se manifesta na sua [[verdade]] e se torna [[mundo]] como [[sentido]] do [[próprio]] [[ser humano]] e do [[real]] em que já está [[poeticamente]] projetado.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 54 ==
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: "Então do que deve [[falar]] uma Aula [[Inaugural]]? Sem dúvida nenhuma, do que é [[Inaugural]]. Esta [[palavra]] tem muitos [[significados]]. Contudo, o que o [[inaugural]] inaugura deve ser a [[questão]] desta Aula. Escolhi uma [[questão]]: a [[linguagem]] como nosso maior [[bem]]. Mas é disso que justamente [[Heráclito]] trata: nosso maior [[bem]] é a [[sabedoria]] e ela é a [[linguagem]]. Mas ela não se pode [[ensinar]], só se pode [[apreender]] e [[compreender]] como [[escuta]]. Por isso, não me escutem, mas auscultem e escutem o ''[[Logos]]''. É o que [[Heráclito]] nos diz (1): ''[[Escutando]] não a mim, mas o ''[[Logos]]'', é [[sábio]] concordar que [[tudo]] é [[um]]'' " (2).
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: Referências:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 5.
 +
 +
: (2) HERÁCLITO, Frag. 50. In: '''Os Pensadores Originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito'''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Editora Vozes: Petrópolis / RJ, 1991.
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== 55 ==
 +
: "A [[experienciação]] da [[linguagem]] como nosso maior [[bem]] não pode [[ser]] ensinada nem transmitida, porque é ''[[ethos]]''. O que cada um [[é]] só pode ser [[experienciação]] a partir do que cada um [[é]]. E nem é decisão de cada um. É uma [[doação]] para a qual somos convocados pela [[ausculta]]. Mas a [[ausculta]] também nos é dada. Diz Hölderlin:
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 +
: ''O mais perigoso de todos os [[bens]] foi dado ao [[homem]]'':
 +
: ''a [[linguagem]]...''
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: ''Para que ele testemunhe o que ele [[é]]...''
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 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 26.
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== 56 ==
 +
: "O que normalmente chamamos de [[memória]] ou [[lembrança]] é identificado com o [[passado]]. Mas se é [[memória]] não é [[passado]]. Pelo contrário, [[vige]] como [[memória]] e a qualquer [[momento]] se pode tornar [[presente]]. "[[Momento]]" e "[[presente]]" mostram a [[vigência]] do [[ser]] do [[ente]] e não algo [[passado]]. A denominação aí de [[passado]] é um equívoco gramatical que não leva em conta o aparente [[passado]] como [[ente]]-[[ser]] [[ontológico]]. Por outro lado, quando se olha o [[passado]] do ponto de vista do [[infinitivo]] - a [[memória]] do [[ser]] - pode-se [[perceber]] perfeitamente que o [[passado]] integra o [[presente]] e o [[futuro]]. Por isso, o [[ser]] / [[infinitivo]] como [[memória]] [[ontológica]] é o que foi, o que é e o que será. Daí podermos [[dizer]] que a [[linguagem]] - e eis aí o equívoco [[gramatical]] ao [[ler]] [[linguagem]] do ponto de vista da [[gramática]] e não do [[ser]] - é a [[memória]] como ''[[logos]]'' " (1).
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 +
: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.
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== 57 ==
 +
: "Podemos notar que, no [[infinitivo]], [[tempo]] e [[linguagem]] coincidem e são manifestações da ''[[poiesis]]'' da ''[[physis]]''/[[ser]]. É [[necessário]] começar a [[pensar]] a [[gramática]] do ponto de vista da [[linguagem]]/[[tempo]] e não o [[tempo]]/[[linguagem]] do ponto de vista da [[gramática]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.
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== 58 ==
 +
: "... a [[questão]] do [[finito]] só aparece como [[finito]], [[essencial]] e inapelavelmente, como sendo [[ente]] e [[ser]], ou seja, [[finito]] e [[infinito]]. Disto resulta que, fundamentalmente, o que somos, somos [[sempre]] como [[língua]] e [[linguagem]], somos [[sempre]] como [[eu]] e [[outro]], somos [[sempre]] como [[co-letividade]] [[originária]], somos [[sempre]] como [[proximidade]], onde esta é a [[memória]] [[infinita]] [[vigorando]]. E, como tal, diz respeito a cada um, ao [[outro]], ao presentificado, ao presentificável, a todos os [[povos]]. Queiramos ou não, a [[linguagem]] é o nosso maior [[bem]]. Em que [[sentido]]? No da [[identidade]] e [[diferença]] em relação ao que cada um [[é]], ao [[ser]] de cada um, ao [[ser]] dos [[seres]]. A [[linguagem]] é o nosso maior [[bem]], porque é ''[[ethos]]''. ''[[Ethos]]'' é a [[morada]], [[Casa do Ser]]: nosso maior [[bem]]" (1).
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 +
: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.
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== 59 ==
 +
: "É necessário denunciar e [[anunciar]] que a [[linguagem]] – que faz do [[ser humano]], [[humano]] – antes de [[ser]] [[científica]] e [[lógica]] – é [[essencialmente]] [[sábia]]. A [[via]] do [[ser humano]] não é a [[via]] do [[conhecimento]] técnico-científico só. É também e, sobretudo, [[essencialmente]] a [[vida]] e [[via]] da [[sabedoria]]. [[Sabedoria]] desde [[tempos]] imemoriais se realiza como ''[[poiesis]]'' do [[sagrado]]" (1).
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 +
: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: '''Confraria''' - ''2 anos''. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 18.
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== 60 ==
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: "Nosso projeto de [[ser]] acontece como [[tempo]] e [[linguagem]]. A [[vida]] vivida como [[experienciação]] de [[ser]] – [[sentido]] - é o [[tempo]] como [[linguagem]]. A [[linguagem]] é o [[tempo]] oportuno de [[manifestação]] do que somos. A esse [[tempo]] os [[gregos]] deram o [[nome]] de ''[[kairos]]'': é o [[tempo]] oportuno, o [[tempo]] do florescimento, da eclosão do que somos. Cada um tem o seu ''[[kairos]]''. Para [[ser]].  [[Ser]] é o único desafio [[verdadeiro]] de nossa [[vida]]. Então esse é o [[horizonte]] de nossas [[escolhas]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 85.
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: "A [[linguagem]] é a “[[arte]] [[culinária]]” do [[ser]] de cada um. Ela é nosso [[ser]], nossa [[memória]]. Somos [[sempre]] [[memória]]. Esta é o que há de mais [[enigmático]] em nossa [[vida]]. Só podemos [[saber]] que há [[memória]] [[genética]] e [[conhecer]] em parte o [[código]] [[genético]] porque somos [[linguagem]] e [[memória]]. A [[memória]] nos chega como [[linguagem]], mas [[nós]] não sabemos o que ela [[é]], nem carece, basta [[ser]]. O [[ser]] não é, [[se dá]]: [[linguagem]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 86.
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== 62 ==
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: "Nas [[imagens-questões]] há uma tensão permanente [[entre]] o dito da [[língua]] e a [[ausculta]] da [[linguagem]]. No trânsito desse transe transam o [[saber]] e sabor de toda [[sabedoria]] da ''[[poiesis]]'' como [[imagens]] sonoro-visuais, que manifestam o [[real]] em [[caminhos]] que não conduzem a [[lugar]] nenhum, porque o [[caminho]] é o [[próprio]] [[real]] se dando em [[desvelo]] velado de [[realizações]]. Nesta [[escuta]] erótico-amorosa, a [[linguagem]] [[poética]] do [[silêncio]] se tece e entretece mergulhando tanto mais nas profundezas, como [[raiz]], quanto mais eclode no [[livre]] [[aberto]] de toda [[abertura]] e [[clareira]] apropriante e manifestante das [[questões]]" (1).
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: Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte em questão: as questões da arte'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 19.
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== 63 ==
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: "A [[linguagem]] não é um [[ente]], mas o [[fenômeno]] dos [[fenômenos]], pois quanto mais se revela, mais se vela, operando num “''[[entre]]''”, que os [[gregos]] denominaram ''[[polemos]]'', cuja [[tradução]] mais frequente é: luta, tensão de contrários, [[disputa]]. E propomos traduzi-la também por “''[[entre]]''”. [[Linguagem]] é um ''[[entre]]'' [[princípio]] e [[fim]], ''[[entre]]'' [[finito]] e [[não-finito]], ''[[entre]]'' [[compreender]] e não-compreender, ''[[entre]]'' [[saber]] e não-saber, ''[[entre]]'' [[ver]] e não-ver, ''[[entre]]'' [[ser]] e [[não-ser]]" (1).
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:  Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 21.
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== 64 ==
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: "O ''[[logos]]'' significa [[pôr]], [[reunir]] e [[dizer]]. Pondo, pode [[criar]] as [[oposições]] e reuni-las, dizendo-as em [[proposições]]. O ''[[logos]]'' não é a [[posição]] nem as [[oposições]], a [[proposição]] nem o [[discurso]]: é sua [[origem]] e [[fonte]]. Reúne [[linguagem]] e [[realidade]] enquanto [[sentido]] e [[verdade]], e [[identidade]] e [[diferença]]" (1). ''[[Logos]]'', por [[ser]] [[linguagem]], faz [[vigorar]] a [[realidade]] como [[sentido]], [[mundo]] e [[verdade]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.
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: "Pois ''[[poiesis]]'' é a [[essência]] do [[agir]]. E quando a [[essência]] do [[agir]], a ''[[poiesis]]'', é o [[não-agir]], então a [[linguagem]] [[poética]] – e há outra? – é a [[fala]] do [[silêncio]]. E a [[fala]] do [[silêncio]] é sempre [[música]], a [[música]] do [[silêncio]], porque a [[linguagem]] [[é]] [[originariamente]] [[música]] e só depois [[som]]" (1).
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Referências:  
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: Referência:
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: ''A caminho da linguagem''. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 101.
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: (1) "A condição humana e a essência do agir". '''Ensaio''' ainda não publicado, interpretação poética do conto de Guimarães Rosa: ''Nada e a nossa condição''.
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:(2) Idem, p. 118.
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Edição atual tal como 20h18min de 10 de Novembro de 2022

1

Pela linguagem não podemos perguntar, a não ser já vigorando nela. Vigorar nela é deixar advir toda coesão e coerência da linguagem do silêncio... morte de todas as falas. Do silêncio só podemos dizer que vigora, não o que é. A morte não é o silêncio vigorando? O sentido da morte é o mesmo sentido silêncio? Tentar responder a esta questão é deixar-se tomar pelo vigorar da essência da linguagem. E então percebemos como jamais podemos reduzir a linguagem a qualquer língua.


- Manuel Antônio de Castro.

2

Há três noções fundamentais de linguagem, embora as duas primeiras se refiram a língua e/ou código:
1ª) Comunicacional/informacional: é a concepção da língua como meio e instrumento. Ela então se reduz a um código relacional-funcional.
2ª) De conhecimento / conceitual: é a linguagem enquanto representação, pela qual se dá uma tensão entre o significante e o significado em relação ao referente. Predomina o conteúdo, daí tornar-se lógico-conceitual, até porque se depreende da sintaxe.
3ª) Poético-ontológica: é a phýsis se manifestando em seu sentido de realização e plenitude, inesgotavelmente, pois constitui o sentido do ser. As duas primeiras presidem à concepção do código genético como "linguagem universal da vida". Mas aí interfere algo fundamental: a) a relação parte/todo e todo/parte, ou seja, as duas concepções: mecanicista e sistêmica, onde se dá a questão da sintaxe lógico-formal; b) a sintaxe poético-ontológica. Como se dá a tensão entre linguagem e sintaxe? O que podemos compreender por linguagem poético-ontológica é a contraface da phýsis, da realidade realizando-se, acontecendo em seu sentido. Este sentido é o lógos, a linguagem. Mais apropriadamente diremos: Sentido do Ser. Ela precisa ser pensada a partir do que o pensador Heráclito diz do lógos: "Auscultando não a mim, mas ao Logos, é sábio concordar : tudo é um" (1). Para avaliar a importância da linguagem como logos temos também de pensar o que diferencia o ser humano de todos os outros entes. Isso nos é dito por Heráclito quando diz: Dzoion logon echon. O Logos é que diferencia e faz com que o ser humano, o homem, seja propriamente o que ele é.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HERÁCLITO. Fragmento 50. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.

3

A linguagem fala. O logos fala. Quando a linguagem fala, o que advém e acontece como e na palavra da linguagem? O próprio ser e não-ser como linguagem é fala na e como palavra. Nesta, mais fundamental do que a fala é a escuta. A palavra diz da nossa liminaridade, o estarmos já ontologicamente jogados no entre: jogar no entre se diz em grego pará-ballein, de onde se forma o termo português parábola e desta se originou palavra.


- Manuel Antônio de Castro

4

A importância da ação/poíesis e do próprio corpo como linguagem viva e não como um corpo que fala ou escreve a partir de um código, pois o gesto e a música falam como linguagem sem, no entanto, serem fala de língua, está no fato de que a linguagem e a ação/poíesis, em sua referência, sempre se colocam como questão. Esta precede qualquer conceito, pelo simples fato de que só por já se falar/agir é que se pode tentar conceituar a linguagem. Por isso é impossível compreender a linguagem originariamente como um produto social. A linguagem é co-originária ao homem e à sociedade. Linguagem é mundo e mundo é o solo natural do social. Não há homem nem sociedade sem diálogo, porque não há diálogo sem o logos: linguagem, mundo e memória. Como o agir/linguagem não se restringe à fala / escrita, ele deve ser apreendido no agir/corpo/linguagem, chegando-se a uma conclusão simples de que homens e corpo são uma e mesma questão. E de que qualquer definição e conceito de corpo já é precedido pela ação/corpo/linguagem. Com isso se desfaz qualquer delimitação universal abstrata e então somos lançados na ambiguidade da questão.


- Manuel Antônio de Castro

5

Linguagem é fazer da experienciação do nome/verbo "ser" a poíesis e o éthos (ato ético).
Diz Heidegger:
"J- Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala.
P- Sim, a essência da linguagem não pode ser nada linguístico. É o que também acontece com a formulação 'casa do ser' " (1).
Por isso, não se pode ligar só o lógos à linguagem. Comparece com igual valor e vigor: poíesis, éthos (lugar: sintaxe), linguagem / ser, phýsis. É o âmbito da poíesis, éthos e logos, enquanto alétheia, que configura a linguagem. Por isso, a linguagem dos linguistas é um conceito lógico e abstrato, e jamais poético.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.

6

Assim como cada rito não realiza o mito, do mesmo modo cada língua não realiza a linguagem, daí advêm duas consequências: 1ª) toda palavra é insuficiente para dizer a realidade, embora ela só nos advenha como linguagem; 2ª) o poeta diante dessa dissimetria tensional opta pela negação e pela ambiguidade. Esses são os princípios da ironia e de toda poíesis. E nisso consistem a libertação nossa e a do poeta, pela qual articula a liberdade negativa e positiva para realizá-la ontologicamente, na medida em que responde e corresponde à linguagem. Ser livre é responder e corresponder à linguagem.


- Manuel Antônio de Castro.

7

O tentar dizer o que é a linguagem sempre acaba num limite, num paradoxo: não posso delimitá-la nem dizê-la toda, porque eu já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é impossível delimitá-la. A linguagem é questão e esta é maior do que o homem. Minhas possibilidades vêm dela, até para poder dizer o que é. Aí surge o paradoxo: a melhor forma de apreender o que é a linguagem é pela fala do silêncio. Por isso, na linguagem cotidiana há uma força oculta que pode eclodir inesperadamente. Na fala cotidiana, a linguagem-tempo se faz sempre presente como eclosão ou como repetição, como algo habitual. O silêncio como medida da linguagem é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do ensino da gramática, só se pensa a linguagem como meio, mensagem, mediação. Isso é verdadeiro, mas ela é muito mais. O pensar a linguagem como ambiguidade diz que a realidade inerente à linguagem é tanto o que se dá como o que se retrai, a linguagem é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda, vela. Por isso, não pode haver fala sem escuta. Esta não é a submissão à fala, mas a possibilidade de toda fala. Na escuta, podemos ser mais: a abertura para o silêncio, o vigor de toda fala. Reforçando a linguagem cotidiana e seu duplo agir (como meio e como manifestação, como fala e como silêncio), podemos afirmar que o vigor do silêncio comparece no pensamento dos pensadores, na poesia dos poetas e na convivência dos homens.


- Manuel Antônio de Castro.

8

O povo grego só experienciou a democracia porque experienciou profundamente a palavra e, com a palavra, o poder da palavra. O poder da palavra enquanto vigor da linguagem é sempre ético. Por isso, é impossível pensar a democracia sem a linguagem. Isso no tempo dos gregos e hoje, mas mais no tempo dos gregos, porque vão experienciar a palavra em níveis radicais: como palavra poética, filosófica e retórica. Daí que para os gregos se eleva e se experiencia tão radicalmente o lógos. Sobretudo nos advém na poesia e no pensamento. Não se pode pensar o poder do povo (democracia) sem o poder da linguagem, mas só na medida em que o povo é tomado pela palavra e não administrado por ela, seja na palavra dos sofistas com a retórica, seja nos jogos de poder dos meios de comunicação. Por isso, o grego é formado na palavra, pela palavra e para a palavra. A cultura grega é linguagem, é logos. Desabrocham em plenitude enquanto linguagem, daí o poder das suas artes. Linguagem para eles é vida em plenitude. Mas a linguagem pode também ser realizada como algo inessencial, fazendo da palavra um poder manipulatório: é a retórica pela retórica e a erística. É o jogo da dóxa. Mas qual o lugar do diálogo na democracia? Qual o lugar da liberdade na linguagem? Tudo isto é essencial para a democracia, se não consistir num mero conceito. Sem povo não há democracia, mas sem linguagem não há povo.


- Manuel Antônio de Castro.

9

A linguagem é um enigma porque a realidade é um enigma. A angústia social com os excluídos e com a sobrevivência tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o objetivo que está para além da própria realidade, nem fazer desta um simples meio para esse objetivo. É preciso pensar tanto a sobrevivência como a convivência, no âmbito maior da realidade/linguagem. Mas jamais devemos deixar de fazer tudo para que todos os seres humanos tenham assegurada a sobrevivência. "Pois será mesmo possível transformar a realidade em meio para um fim?... Ao pretender decidir como deve ser a realidade, a necessidade de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a realidade se mostre e revele como é em si mesma. É que um objetivo não nos descobre, antes nos encobre, a necessidade essencial: abrir-se e expor-se à originalidade do real assim como é em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos necessitar!" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto". -----. In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.

10

"A linguagem não é uma faculdade do homem. Nós não possuímos a linguagem, a Linguagem é que nos possui, e só somos aquilo que somos quando acolhemos e correspondemos ao apelo da Linguagem. Nós, por isso mesmo, não sabemos o que é a Linguagem, porque ela se dá enquanto se retrai, daí o seu acontecer desdobrante. Tal dobra da realidade é o seu vigorar na finitude. Tudo o que dizemos só o dizemos a partir da Linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.

11

"A criatividade da experiência cotidiana só parece banal aos ditos da fala. Pois toda situação dita banal remete sempre ao vigor original de seu silêncio" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.

12

É preciso pensar a questão da linguagem não só na sua constituição sígnica, mas também enquanto imagem não repetida, mas manifestadora. Na cultura pós-moderna, a linguagem como imagem é muito importante. É claro que é essencial pensar como a imagem se torna o sentido da linguagem, ou seja, se torna portadora de informação e sentido, porque manifestadora da realidade. Daí deriva também a questão do olhar enquanto sentido e realidade e até da função e fundação do próprio eu.


- Manuel Antônio de Castro

13

Em Foucault (1), o que se desenvolve como linguagem é a sua conceituação como língua enquanto código, dando informações historiográficas. Não há aí uma reflexão poética e de pensamento da linguagem, pois também ele não se propõe nada mais do que uma epistemologia historiográfica.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 58.

14

A linguagem instrumental é o diálogo do significante e do significado reduzidos a meras funções comunicativas ou de transmissão de conhecimentos. A linguagem poética é o diálogo da linguagem e do silêncio na entre-fala das línguas. "O homem se define pelo poder de transcender a condição humana. A essência metafórica da linguagem é solidária da natureza transcendente do homem" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Epistemologia e hermenêutica em Bachelard". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 90, 1987, p. 64.

15

"Na experiência numinosa, arcaica e hesiódica da linguagem, o nome do Nume é esse Nume em sua própria Ipseidade. [...] pois o nome é a Presença" (1). O autor trata de seres terríveis e que, por isso, não são pronunciados, porque dizer-lhes o nome é dar-lhes Presença. "O Nume é o seu Nome cuja nomeação funda a Presença do próprio Nome - e, portanto, não signi-fica, mas é" (2).


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 97.
(2) Idem, p. 98.

16

Para tratar radicalmente da linguagem é necessário estudá-la em sua relação com a questão da liberdade. A questão da relação da linguagem e da liberdade aparece na reflexão sobre a essência do agir e, evidentemente, da própria realidade realizando-se.


- Manuel Antônio de Castro

17

O conceito de linguagem como produto da sociedade, embora seja discutido longamente hoje, já constituía o cerne da questão sofista: a linguagem como produto cultural e não natural, ou seja, a arbitrariedade do signo. É a questão central do diálogo de Platão Crátilo. Temos, pois, aí a questão dos sofistas: nomos / logos em vez de physis/nomos. A questão da linguagem como informação também está ligada à linguagem como produto cultural. Só o signo, sendo arbitrário, pode ligar a linguagem a um código formal, na medida em que é cultural, contextual, ou seja, só por ser cultural é que pode ser formal. Porém, jamais podemos esquecer que a linguagem antes e acima de tudo é uma questão que nenhuma teoria pode esgotar.


- Manuel Antônio de Castro

18

"A linguagem - que é concebida e experimentada por Hesíodo como uma força múltipla e numinosa (sagrada) que ele nomeia com o nome de Musas - é filha da Memória, ou seja, este divino Poder traz à Presença o não-presente, coisas passadas ou futuras" (1). "O ser se dá na linguagem porque a linguagem é numinosamente a força-de-nomear" (2). "No caso de Hesíodo, a linguagem é por excelência o sagrado... A experiência do sagrado é a mais viva experiência do que é o mais real e é a mais vivificante experiência de Realidade" (3).


Referências:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 29.
(2) Idem, p. 29.
(3) Idem, p. 30.

19

"Só podemos perguntar porque já vigoramos no ser, na memória do sentido do ser. É que o ser, a memória ou sentido do ser, é questão. É que a questão não é apenas saber e não-saber, ser e não-ser, ela é também a unidade de saber e ser, de não-saber e não-ser. E só por ser unidade é que a questão pode advir à pergunta. Advir à pergunta é advir à linguagem, a partir da memória. Memória é unidade e sendo unidade é linguagem. Linguagem, enquanto unidade, não é, em primeira instância, fala ou elocução. Só se fala na e a partir da linguagem. Então podemos dizer que a quarta dimensão do tempo é a memória, e esta é a unidade do tempo enquanto o tempo se faz linguagem. É. O tempo édiz, originariamente, linguagem, unidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio ainda não publicado.

20

A questão da interpretação remete para o diálogo. Mas aí o essencial é a questão do lógos. E este é complexo em si e mais ainda porque a referência ser-linguagem se dá em amplos níveis e correlações com poíesis (vigor poético), alétheia (desvelamento, verdade), éthos (ética, diferente da moral), sophía (sabedoria) e, sobretudo, a phýsis (nascividade / natureza). Outro aspecto é a techné (técnica). Ora, a partir do logos (linguagem) e da techné (técnica) surgem as teorias, tendo como atitude o theoreîn grego, isto é, o ver em profundidade. E elas procuram dar conta da questão radical: ser / linguagem. Esta é a questão do diálogo / interpretação. Mas ela pode ser reduzida a conceitos e vamos ter o diá-logo sem o éthos (ética) e poíesis (vigor poético) e sophía (sabedoria), mas visto tecnicamente como comunicação e conversa. Então a linguagem fica reduzida a um instrumento comunicativo sob a égide de um código como rede discursiva num mero contexto. O ser ficou reduzido a um ente, sem éthos nem sophía nem poíesis e o diá-logo se dá na aparência conceitual e identitária. Perde-se a diferença e, aparentemente, a distância, sem jamais haver proximidade e preservação das diferenças. É nesta dimensão em que ocorrem o falatório e os diferentes linguajares ou línguas técnicas: filosófica, teológica, científica (com inúmeras variáveis)... Tudo se dá no plano do ente e não do ser. Mas nós só somos o que somos como entes na medida e na dimensão do ser. Diálogo é sempre afirmação de diferenças no acontecer poético da identidade.


- Manuel Antônio de Castro.

21

"O acesso à essência de uma coisa nos advém da linguagem. Isso só acontece, porém, quando prestamos atenção ao vigor próprio da linguagem. Enquanto essa atenção não se dá, desenfreiam-se palavras, escritos, programas, numa avalanche sem fim. O homem se comporta como se ele fosse criador e senhor da linguagem, ao passo que ela permanece sendo a senhora do homem. Talvez seja o modo de o homem lidar com esse assenhoramento que impele o seu ser para a via da estranheza. É salutar o cuidado com o dizer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar´", trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: ---. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 126.

22

"Aonde o homem assume a exigência de adentrar a essência de alguma coisa? O homem só pode assumir essa exigência a partir de onde ele a recebe. Ele a recebe no apelo da linguagem. Mas isso, certamente, apenas e enquanto o homem já estiver atento à essência da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ---. Ensaios e conferências. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 167.

23

"Em sentido próprio, a linguagem é que fala. O homem fala apenas e somente à medida que co-responde à linguagem, à medida que escuta e pertence ao apelo da linguagem. De todos os apelos que nós, os humanos, devemos conduzir, a partir de nós mesmos, para um dizer, a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por toda parte, o apelo primordial. É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de uma coisa" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ---. Ensaios e conferências. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167-8.

24

"A densidade imposta pela identidade é uma densidade sem corpo. Desconcretizada, a densidade da identidade faz da linguagem um útil adequado, que deve, por força, corresponder ao objeto identificado. O único compromisso desse processo é que se dê a identidade, significa: que se identifiquem objetos, coisas, situações. Desse modo, a linguagem se subtrai enquanto dinâmica de desencadeamento da realidade, para se ver reduzida a uma modalidade unidimensional de realização, a realização da identificação" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 51-2.

25

"O modo como essa harmonia se dá é primordialmente o discurso e não a ideia, isto é, o curso, o caminho que leva ao des-conhecido e que simultaneamente o traz para diante, o manifesta, o movimento que encurta a dis-tância, isto é, estar no di-, estar no outro, estar duas vezes, estar no des-conhecido. O discurso é o movimento de duas vias em que me dirijo ao desconhecido e o faço vir para mim, é, portanto um movimento harmônico, isto é, o movimento que une no um, ordena o caos e constitui kósmos, uni-verso, o que se verte, o que se dobra concomitantemente em direção ao uno" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 80.

26

"Na linguagem da prosa verbal contemporânea, a única presença exigida é a da palavra. Ela é o bastante. Ela é suficiente para tornar presente, abstratamente, qualquer modalidade de ausência. O que se ausenta é abstratamente tornado presente por meio da palavra. A presença de um concreto, a palavra, traz consigo a presença abstrata de outro concreto, aquilo a que a palavra se refere. De um modo geral, é assim que funciona a moderna linguagem verbal" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 174.

27

A questão da escrita e da oralidade passa pela essência da linguagem que não é determinada por essas duas possibilidades. Por isso diz Heidegger:
" J - A palavra 'expressão' indica a contraposição, isto é, aquilo contra o que o senhor se põe, pois a sua visão da essência da linguagem não está presa ao caráter fonemático e grafemático das palavras, o que se costuma reapresentar como o caráter expressivo da linguagem" (1).
" J - Seria, portanto, de importância secundária, se a conversa fosse escrita ou soasse apenas em algum tempo ou lugar" (2).
Mas essa distinção, aí, já tem como pano de fundo: a essência da linguagem como saga; o sentido originário de con-versa; a implicação da conversa como lugar e este como casa e mundo.


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
"J" - Refere-se ao Japonês.

'

(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 101.
(2) Idem, p. 118.

28

A Linguagem é, antes, o dar-se essencial da possibilidade realizadora de uma medida: o homem enquanto realização concreta. Desta maneira, o cuidado da linguagem é a realização concreta do pensamento: a vigência da Linguagem, a casa, o sentido do Ser. A linguagem está além do sistema comunicativo e das funções linguísticas: "A linguagem é o advento do próprio Ser que se clareia e se esconde" (HEIDEGGER, 1967: 44) (1). Ela é condição de possibilidade originária e inaugural em que se funda o aparecer de todo sendo, que só é desde o ser. Esta distinção é importante porque, em geral, desde os retóricos gregos, inventores da gramática, que tinha por finalidade a formação no estruturar com coesão e coerência a argumentação na escrita e na fala, para bem persuadir, a linguagem ficou reduzida ao seu aspecto instrumental. É o que hoje se denomina comunicação ou expressão. Este uso prático da linguagem levou ao esquecimento de sua essência poética. E criou-se o lugar comum de achar que a linguagem é o que os gramáticos ensinam, quando, em verdade, ensinam apenas o lado comunicativo ordenado retoricamente. Mas pode haver vivente sem a vida? Pode haver rio sem a nascente? Pode haver filho/a sem mãe? Está na hora de os gramáticos voltarem a descobrir o poético da linguagem, a medida de toda fala. Hoje há muita comunicação e pouco pensamento, porque pensar é por-se a caminho da linguagem em sua essência.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Conferências e Escritos Filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo, Nova Cultura: 1999.

29

Heidegger toma como um dos grandes temas centrais de seu pensamento a questão sempre instigante e enigmática da Linguagem. Em 1950 numa conferência ele sintetiza:
Die Sprache spricht, nicht der Mensch. Der Mensch spricht erst, wenn er der Sprache entspricht.
A Linguagem fala, não o homem. O homemfala quando corresponde à Linguagem (Tradução: Manuel Antônio de Castro).


- Manuel Antônio de Castro

30

"O soma [ corpo ] de que fala Platão passou a ser entendido – enquanto organismo – como um ente composto de matéria e forma, como qualquer utensílio é constituído. Porém, quando Platão reflete sobre a obra, jamais a pensou no horizonte de um utensílio, com seus aspectos formais e materiais (causas material e formal) ou com seus aspectos de finalidade funcional e utilitária (causa final), tanto melhor quanto for a sua funcionalidade, incluída aí a eficiência funcional estética. A concepção da linguagem e do próprio ser humano como social parte deste horizonte funcional e sistêmico. E é justamente o contrário: tanto a linguagem como o ser humano (e um coincide com o outro) são seres dialogais. A essência originária do homem e da linguagem é o logos (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 250.

31

"A linguagem é o mais concentrado modo de ser da realidade. Na linguagem o real se mostra em si mesmo com plenitude de liberdade. O real se realiza numa variedade infinda de modos, níveis e graus de mostrar-se. Há até a possibilidade de o real mostrar-se como algo que em si mesmo não é. Neste mostrar-se, o real aparece como se fosse. É o parecer e a aparência. A linguagem possui uma tal vitalidade que articula, ao mesmo tempo, tanto um sim como um não: o mostrar-se em si mesmo como sim e o mostrar-se em si mesmo como não. O Ente e a Essência são modalidades positivas, o parecer e a aparência são modalidades negativas de linguagem" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Texto distribuído em sala de aula, num curso da pós, em 1971. Faculdade de Letras - UFRJ.

32

Uma vez que a aletheia é a experienciação da realidade como linguagem, a verdade recebe diferentes interpretações, atrás das quais se faz ouvir a fala do silêncio de toda aletheia, porque esta não é nem pode ser algo que cale as experienciações da realidade e da linguagem, na medida em que elas sempre acontecem como aletheia. Realidade, linguagem e aletheia dizem sempre o mesmo diferente de si mesmo. E então se torna presente todo vigor e riqueza do logos. Impossível pensar a linguagem sem o logos. Eis o motivo pelo qual já teve tantas interpretações... e elas não pararam, porque a cada nova época aí se faz necessária uma nova interpretação...Impossível dissociar tempo de linguagem.


- Manuel Antônio de Castro

33

"Mas não somos nós, com nosso pensar, que damos sentido. O sentido já nos é dado. Como? Como o tempo se dá em cada instante. Não poderíamos experienciar nenhum instante como tempo se este não fosse sentido, ou seja, linguagem. A linguagem é o sentido do tempo na medida em que este é vida, é memória, é mar, é ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 251.

34

"A linguagem é a unidade da memória vigorando enquanto sentido. Cada palavra, cada oração, cada língua, cada possibilidade de discurso, é sempre possibilidade da linguagem em cada vivente, não interessa qual seja a língua, assim como cada vivente é possibilidade da vida e cada instante é possibilidade do tempo, não interessa a época nem a cultura" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 251.

35

"Não podemos limitar a linguagem à fala, pois ficar em silêncio é já radicar na máxima potencialidade da linguagem de todo sentido e fala. Ficar em silêncio é recolher-se ao ser, ao silêncio enquanto nada criativo, de onde surge a compreensão, radicada, portanto, em uma abertura de pré-compreensão, advinda no silêncio vigoroso do sentido do ser. Ser é deixar-se tomar pelo vigorar do silêncio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 271.

36

"E assim o filósofo chinês [ Chuang Tzu ] afirma que nós temos, internamente uma grande árvore, nós temos o aparelho fonador, o cérebro e a característica de poder dialogar. Isso possibilita que a linguagem nos tenha, ou seja, para que através de nós, a linguagem flua. E a linguagem flui, é transmitida a partir da terra deserta do silêncio. O silêncio é o deserto, o silêncio é o vazio e é nesse vazio que as palavras atuam, fluem e se fazem presentes. A linguagem instrumental é o útil. A linguagem poética é o inútil" (1).


Referência:
(1) ROCHA, Antônio Carlos Pereira Borba. "Diálogo com Chuang Tzu, hoje". In: Revista Tempo Brasileiro, 171 - Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro, out.-dez., 2007, p. 171.

37

"O que se dá a ver é, para os gregos, a physis; para nós, a realidade. Para mostrar o que se dá a ver (a realidade, a physis), o ser humano recebe da própria physis duas dimensões que o constituem, circunscrevem e determinam: o pensamento (nous, em grego) e a linguagem (logos, em grego). O nous é o pensamento que permite ver o não visto. E este pode ser dito enquanto sentido e mundo porque somos constituídos pelo logos, a linguagem. São o nous e o logos, na vigência da poiesis da realidade, que constituem o seu sentido e mundo, manifestados nos paradigmas. Chamamos poiesis a permanência e transformação da realidade, daí ser ela originária e radicalmente poética" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 19.

38

O destino que somos nos é destinado na linguagem, pois é a linguagem que fala, não o ser humano, em sua língua. Esta e cada falante só falam porque já vigoram na linguagem. Assim como cada mãe-mulher só gesta seus filhos porque já lhe foi dada a possibilidade de gestar. Ela não cria a Vida. Esta é que a cria e a faz ser mulher-mãe. Sem linguagem não há matéria / mãe criativa. Do mesmo modo é a linguagem que cria os mitos e, portanto, cria as obras de arte, todas as obras de arte, enfim, todas as línguas de todos os povos.


- Manuel Antônio de Castro

39

Como o tempo se dá em instantes, não poderíamos experienciar nenhum instante como tempo se este não fosse sentido, ou seja, linguagem. A linguagem é o sentido do tempo na medida em que este é vida, é memória, é ser. A linguagem é a unidade da memória vigorando enquanto sentido. Em um tal vigorar é que consiste propriamente a poesia. Portanto, tanto esta quanto a linguagem são indissociáveis de ser e tempo. E é o tempo enquanto instante que se torna o motivo de ser poeta. É o que nos diz a poeta Cecília Meireles no primoroso poema "Motivo" do livro Viagem (1):


Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
.............................
- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) MEIRELES, Cecília. Viagem. In: ---. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987, p. 81.

40

"Só entrando no jogo da Linguagem é que encontramos um princípio de unidade realmente integrador das dimensões e níveis de aprender e ensinar. Os planos de formação, de que tratam diferentes línguas, têm na Linguagem a força de integração que lhes garante crescer e diversificar-se sem perda da identidade" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Aprender e ensinar". In: ------. Aprendendo a pensar. Petrópolis/RJ: Vozes, 1977, p. 50.

41

"Tanto os nós como as ligações precisam do “entre” enquanto identidade das diferenças. Uma tal faceta do “entre” aparece bem claramente na imagem-questão: rede. Uma tal faceta é o vazio, o silêncio. A rede sem o vazio/silêncio não se pode constituir como rede, ou seja, como “fios” e “nós”. A rede é uma doação do vazio e do silêncio. O vazio é o não-limite do silêncio e seu sentido. A língua enquanto código é a rede enquanto fios e nós. Mas assim como a rede precisa do vazio/silêncio, a língua precisa da linguagem. Por isso, a linguagem é a mãe de todas as línguas, assim como o vazio é a origem de todas as redes, de todos os códigos. E o silêncio é a origem de todas as falas e escutas, enquanto energia de sentido, verdade e mundo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.

42

"Falamos porque falar nos é natural. Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se dizer que por natureza o homem possui linguagem. Guarda-se a concepção de que, à diferença da planta e do animal, o homem é o ser vivo dotado de linguagem. Essa definição não diz apenas que, dentre muitas outras faculdades, o homem também possui a de falar. Nela se diz que a linguagem é o que faculta ao homem ser o ser vivo que ele é enquanto homem. Enquanto aquele que fala, o homem é: homem. Essas palavras são de Wilhelm von Humboldt. Mas ainda resta pensar o que se chama assim: o homem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 7.

43

"Para pensar a linguagem é preciso penetrar na fala da linguagem, a fim de conseguirmos morar na linguagem, isto é, na sua fala e não na nossa. Somente assim é possível alcançar o âmbito no qual pode ou não acontecer que, a partir desse âmbito, a linguagem nos confie o seu modo de ser, a sua essência" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 9.

44

"A linguagem fala. O que acontece com essa fala? Onde encontramos a fala da linguagem? Sobremaneira no que se diz. No dito, a fala se consuma, mas não acaba. No dito, a fala se resguarda. No dito, a fala recolhe e reúne tanto os modos em que ela perdura como o que pela fala perdura - seu perdurar, seu vigorar, sua essência. Contudo, na maior parte das vezes e com frequência, o dito nos vem ao encontro como uma fala que passou" (1).
Não podemos esquecer que o vigorar da linguagem é o sentido e a verdade que orientam nossas ações, nosso, enfim, agir. Daí o seu perdurar. E é nesse perdurar que o tempo é e acontece em seu desdobrar-se em épocas. A cada desdobramento, a cada manifestação do vigorar do sentido e da verdade corresponde mundo, de modo que o perdurar evidencia o vigorar do sentido, da verdade e do mundo que se manifesta e é horizonte de nosso viver, de nosso realizar-se. Mundo e sentido e verdade são para nós a realidade: vigorar da linguagem.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 11.

45

"Mas fazer uma experiência com a linguagem é algo bem distinto de se adquirir conhecimentos sobre linguagem. Esses conhecimentos nos são proporcionados e promovidos infinitamente pela ciência da linguagem, pela linguística e pela filologia das diferentes línguas e linguagens, pela psicologia e pela filosofia da linguagem. Atualmente, o alvo cada vez mirado pela investigação científica e filosófica das línguas é a produção do que se chama de "metalinguagem". Tomando como ponto de partida a produção dessas supralinguagens, a filosofia científica compreende-se consequentemente como metalinguística. Isso soa como metafísica. Na verdade, não apenas soa como é metafísica. Metalinguística é a metafísica da contínua tecnicização de todas as línguas, com vistas a torná-las um mero instrumento de informação capaz de funcionar interplatetariamente, ou seja, globalmente" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 122.

46

"Mas onde a linguagem como linguagem vem à palavra? Raramente, lá onde não encontramos a palavra certa para dizer o que nos concerne, o que nos provoca, oprime ou entusiasma. Nesse momento, ficamos sem dizer o que queríamos dizer e assim, sem nos darmos bem conta, a própria linguagem nos toca, muito de longe, por instantes e fugidiamente, com o seu vigor.
Quando se trata de trazer à linguagem algo que nunca foi dito, tudo fica na dependência de a linguagem conceder ou recusar a palavra apropriada. Um desses casos é o do poeta" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 123.

47

Enfim, originariamente, a linguagem é reunião, ordem, lei sagrada, repouso, silêncio vibrante, musical. Na medida em que as obras de arte, as obras poéticas, se constituem em diferentes linguagens, estas não são o princípio da arte. Pois, se são linguagem, e são, elas vigoram enquanto unidade. É esta unidade que as torna radicalmente temporais, no sentido de Memória, vigorar do tempo.


- Manuel Antônio de Castro.

48

A realidade e o ser humano são muito, mas muito mais do que finalidades funcionais dentro de sistemas de relações, sejam elas quais forem. É que a linguagem, fundamentalmente, não é funcional nem relacional. A linguagem é a unidade do incessante eclodir da realidade em sua verdade e sentido.


- Manuel Antônio de Castro.

49

Para os gregos, o que hoje denominamos linguagem tem uma outra fonte diferente do que acontece no português. Entre eles, linguagem não está ligada a língua, parte do aparelho fonador. Tal palavra se diz em grego glossa. O que entendemos por linguagem provém da palavra grega logos.


Manuel Antônio de Castro.

50

"Como falar de diferenças se elas já não se movessem no sentido da unidade? Ter unidade é mover-se no sentido. Uma justaposição de tijolos ainda não é uma casa. Eles se tornam casa quando se reúnem numa unidade: a casa. Esta como unidade é prévia aos tijolos. Prévia diz aí a abertura do homem para o sentido da unidade, do logos. A unidade acontecendo é o sentido. O sentido acontecendo é a linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo. Ensaio ainda não publicado.

51

"Se agora olhamos para as palavras, a justaposição aleatória delas ainda não faz traz sentido, mundo. Do ponto de vista das palavras, de onde lhe advém o sentido e mundo? Da linguagem. Linguagem, sentido e mundo já constituem a possibilidade de cada ser se manifestar como ser, e de cada ser se relacionar com outros seres no plano da palavra, do discurso" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.

52

"Mas a fala do silêncio é mais do que relação e comunicação. São, portanto, linguagem, sentido e mundo que possibilitam as posições como posições, isto é, são as possibilidades de tempo e mundo e suas circunstâncias. Sem ser não há linguagem, sentido e mundo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.

53

A linguagem é vigor de possibilidade de fazer da finitude humana um projeto de realização divina, de se medir pelo sentido do sagrado. Na e com a linguagem a realidade se manifesta na sua verdade e se torna mundo como sentido do próprio ser humano e do real em que já está poeticamente projetado.


- Manuel Antônio de Castro

54

"Então do que deve falar uma Aula Inaugural? Sem dúvida nenhuma, do que é Inaugural. Esta palavra tem muitos significados. Contudo, o que o inaugural inaugura deve ser a questão desta Aula. Escolhi uma questão: a linguagem como nosso maior bem. Mas é disso que justamente Heráclito trata: nosso maior bem é a sabedoria e ela é a linguagem. Mas ela não se pode ensinar, só se pode apreender e compreender como escuta. Por isso, não me escutem, mas auscultem e escutem o Logos. É o que Heráclito nos diz (1): Escutando não a mim, mas o Logos, é sábio concordar que tudo é um " (2).


Referências:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 5.
(2) HERÁCLITO, Frag. 50. In: Os Pensadores Originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Editora Vozes: Petrópolis / RJ, 1991.

55

"A experienciação da linguagem como nosso maior bem não pode ser ensinada nem transmitida, porque é ethos. O que cada um é só pode ser experienciação a partir do que cada um é. E nem é decisão de cada um. É uma doação para a qual somos convocados pela ausculta. Mas a ausculta também nos é dada. Diz Hölderlin:
O mais perigoso de todos os bens foi dado ao homem:
a linguagem...
Para que ele testemunhe o que ele é...


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 26.

56

"O que normalmente chamamos de memória ou lembrança é identificado com o passado. Mas se é memória não é passado. Pelo contrário, vige como memória e a qualquer momento se pode tornar presente. "Momento" e "presente" mostram a vigência do ser do ente e não algo passado. A denominação aí de passado é um equívoco gramatical que não leva em conta o aparente passado como ente-ser ontológico. Por outro lado, quando se olha o passado do ponto de vista do infinitivo - a memória do ser - pode-se perceber perfeitamente que o passado integra o presente e o futuro. Por isso, o ser / infinitivo como memória ontológica é o que foi, o que é e o que será. Daí podermos dizer que a linguagem - e eis aí o equívoco gramatical ao ler linguagem do ponto de vista da gramática e não do ser - é a memória como logos " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.

57

"Podemos notar que, no infinitivo, tempo e linguagem coincidem e são manifestações da poiesis da physis/ser. É necessário começar a pensar a gramática do ponto de vista da linguagem/tempo e não o tempo/linguagem do ponto de vista da gramática" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.

58

"... a questão do finito só aparece como finito, essencial e inapelavelmente, como sendo ente e ser, ou seja, finito e infinito. Disto resulta que, fundamentalmente, o que somos, somos sempre como língua e linguagem, somos sempre como eu e outro, somos sempre como co-letividade originária, somos sempre como proximidade, onde esta é a memória infinita vigorando. E, como tal, diz respeito a cada um, ao outro, ao presentificado, ao presentificável, a todos os povos. Queiramos ou não, a linguagem é o nosso maior bem. Em que sentido? No da identidade e diferença em relação ao que cada um é, ao ser de cada um, ao ser dos seres. A linguagem é o nosso maior bem, porque é ethos. Ethos é a morada, Casa do Ser: nosso maior bem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.

59

"É necessário denunciar e anunciar que a linguagem – que faz do ser humano, humano – antes de ser científica e lógica – é essencialmente sábia. A via do ser humano não é a via do conhecimento técnico-científico só. É também e, sobretudo, essencialmente a vida e via da sabedoria. Sabedoria desde tempos imemoriais se realiza como poiesis do sagrado" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 18.

60

"Nosso projeto de ser acontece como tempo e linguagem. A vida vivida como experienciação de sersentido - é o tempo como linguagem. A linguagem é o tempo oportuno de manifestação do que somos. A esse tempo os gregos deram o nome de kairos: é o tempo oportuno, o tempo do florescimento, da eclosão do que somos. Cada um tem o seu kairos. Para ser. Ser é o único desafio verdadeiro de nossa vida. Então esse é o horizonte de nossas escolhas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 85.

61

"A linguagem é a “arte culinária” do ser de cada um. Ela é nosso ser, nossa memória. Somos sempre memória. Esta é o que há de mais enigmático em nossa vida. Só podemos saber que há memória genética e conhecer em parte o código genético porque somos linguagem e memória. A memória nos chega como linguagem, mas nós não sabemos o que ela é, nem carece, basta ser. O ser não é, se dá: linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 86.

62

"Nas imagens-questões há uma tensão permanente entre o dito da língua e a ausculta da linguagem. No trânsito desse transe transam o saber e sabor de toda sabedoria da poiesis como imagens sonoro-visuais, que manifestam o real em caminhos que não conduzem a lugar nenhum, porque o caminho é o próprio real se dando em desvelo velado de realizações. Nesta escuta erótico-amorosa, a linguagem poética do silêncio se tece e entretece mergulhando tanto mais nas profundezas, como raiz, quanto mais eclode no livre aberto de toda abertura e clareira apropriante e manifestante das questões" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 19.

63

"A linguagem não é um ente, mas o fenômeno dos fenômenos, pois quanto mais se revela, mais se vela, operando num “entre”, que os gregos denominaram polemos, cuja tradução mais frequente é: luta, tensão de contrários, disputa. E propomos traduzi-la também por “entre”. Linguagem é um entre princípio e fim, entre finito e não-finito, entre compreender e não-compreender, entre saber e não-saber, entre ver e não-ver, entre ser e não-ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 21.

64

"O logos significa pôr, reunir e dizer. Pondo, pode criar as oposições e reuni-las, dizendo-as em proposições. O logos não é a posição nem as oposições, a proposição nem o discurso: é sua origem e fonte. Reúne linguagem e realidade enquanto sentido e verdade, e identidade e diferença" (1). Logos, por ser linguagem, faz vigorar a realidade como sentido, mundo e verdade.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.

65

"Pois poiesis é a essência do agir. E quando a essência do agir, a poiesis, é o não-agir, então a linguagem poética – e há outra? – é a fala do silêncio. E a fala do silêncio é sempre música, a música do silêncio, porque a linguagem é originariamente música e só depois som" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) "A condição humana e a essência do agir". Ensaio ainda não publicado, interpretação poética do conto de Guimarães Rosa: Nada e a nossa condição.