Destino

De Dicionário de Poética e Pensamento

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: "O [[substantivo]] [[destino]] deriva do [[verbo]] [[destinar]] e se forma do [[radical]] [[latino]] ''sto'', com o [[sentido]] de apoio, suporte, o que ocupa [[posição]] e por isso mesmo está posto. Dentro desse âmbito, apresenta dois [[significados]] básicos: sucessão de [[fatos]] que constituem a [[vida]] do [[homem]] como resultante de [[processos]] independentes de sua [[vontade]]. Tem como [[sinônimos]]: [[sorte]], [[fado]], [[fortuna]], [[sina]]. E indica também algo [[futuro]], que deverá [[acontecer]] a alguém. Transparece nessas noções a [[ideia]] de [[fatalidade]], em que o [[passado]] determina o [[futuro]], anulando a [[vontade]] do [[homem]], porque se [[dicotomiza]] [[estar]] e [[ser]]" (1).

Edição de 22h36min de 3 de Maio de 2024


1

"O substantivo destino deriva do verbo destinar e se forma do radical latino sto, com o sentido de apoio, suporte, o que ocupa posição e por isso mesmo está posto. Dentro desse âmbito, apresenta dois significados básicos: sucessão de fatos que constituem a vida do homem como resultante de processos independentes de sua vontade. Tem como sinônimos: sorte, fado, fortuna, sina. E indica também algo futuro, que deverá acontecer a alguém. Transparece nessas noções a ideia de fatalidade, em que o passado determina o futuro, anulando a vontade do homem, porque se dicotomiza estar e ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.

2

"Destino é o que no homem se destina, o que ele recebe sem ter decidido, assim como aquele a quem dirigimos uma carta é chamado de destinatário, quer tenha escolhido recebê-la ou não. O homem é o destinatário do destino. Destino é o que ele já recebeu para ser, suas origens, sem as quais ele não é. Não se pode pular a própria sombra: só se pode ser a partir das origens, que em nós se dão para que sejamos" (1).


Referência:
(1) FERRAZ, Antônio Máximo. "Liberdade". In: Convite ao pensar. Org. de Manuel Antônio de Castro e Outros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 134.

3

"O grande paradoxo em Édipo é que quanto mais foge mais cumpre o seu destino. Então o destino, ligado ao genos, à família, lhe traz o aprendizado de uma aprendizagem. Uma aprendizagem que o liberta para o que é pelo que não é nem pode por ele mesmo chegar a ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 27.

4

"Ser livre não é só fazer o que desejamos da vida, mas escutar o que a Vida, como dimensão que nos excede, quer de nós: Ela nos envia, como destino, um sentido de missão a se realizar. A Vida Incessante, que não cessa de nascer e perecer, é maior do que a vida de cada homem, pois outros seres viveram antes de mim e outros seres viverão quando não mais estiver aqui. Se o homem é o único entre todos os seres que recebeu o livre arbítrio, o arbítrio só é livre na medida em que é a escuta do interlúdio que constitui o seu destino" (1).


Referência:
(1) FERRAZ, Antônio Máximo. "O homem e a interpretação: da escuta do destino à liberdade". In: CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (Org.). O educar poético. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 104.

5

Sentido é a tarefa que nos cabe realizar como o motivo do existir, do que desde sempre já somos. É nosso destino. Este é o deixar manifestar-se, eclodir, o sentido do que já somos. Nenhuma doutrina, nenhum modelo, nenhum sistema o pode dar. E não o pode dar porque o destino é nosso dote, nossa moira, é nossas possibilidades, é nossa essência humana. Destino enquanto sentido é o humano de todo ser humano.


- Manuel Antônio de Castro.

6

"Destino são nossas possibilidades contínuas que nenhuma ação, nenhuma escolha, nenhuma realização chega a cumprir e dissolver, a eliminar. Toda realização é retomar no realizado o não-realizado. Eis a ventura e aventura de existir, sempre nova, sempre inaugural, sempre desafiante" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Ser e estarâ€. In:---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 30.

7

Há sempre em tudo três questões prévias para o aprender a pensar: o que é o ser humano? o que é a realidade? o que é o destino? E a palavra exata para se dimensionar o aprender a pensar é a questão do sentido. Por isso, o destino é a linha diretriz do horizonte das duas outras questões prévias. No destino está o sentido do que somos e não somos e, existindo, estamos a caminho de o realizar para chegar a sê-lo. Destino é o caminho a ser trilhado para manifestação do sentido que já nos foi dado. Se o destino é nosso próprio, o sentido é o caminho necessário do que somos. Desse modo, é impossível separar as três questões: o sentido da realidade é o humano se realizando em seu destino. Isso se torna para nós o real ou mundo.


- Manuel Antônio de Castro

8

"Durante um momento nossas vidas navegam a favor ou contra a corrente. Porém, é a corrente que decide nosso destino" (1).


Referência:
(1) Fala da personagem Sofie, no filme Sofie, de Liv Ullmann.

9

O que é Destino? É desvelar enquanto presença o que nos foi presenteado. Cada presença-destino, enquanto questão, é um desvelamento do que não cessa de se velar no destinar-se do sentido do Ser, do Nada. Toda presença participa do desvelamento ou verdade na medida em que este é Destino do Ser. Por isso, toda presença, enquanto desvelamento ou verdade, vigora no diálogo e enquanto diálogo, pois não há desvelamento sem velamento ou verdade sem não-verdade. A presença-destino é o Ser se Essencializando enquanto Linguagem e Verdade. Isso é poiesis enquanto sentido ético, ou seja, o sentido do Ser.


- Manuel Antônio de Castro

10

"Hermenêutica tem a ver com Hermes, o mensageiro do destino. Destino é para os homens de todos os tempos o envio do mistério de ser e realizar-se no tempo" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Apresentação". In: ---. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2010, p. 6.

11

"Não tem cada um o seu código genético e dentro deste a sua história, a sua travessia? A medida de nosso destino, de nosso próprio, de nossa identidade, é o princípio, ou seja, o vigorar da dobra de caos e cosmo" (1).


Referência:
CASTRO, Manuel Antônio de. "Aprender com a dança: fluxos e diálogos poéticos". In: TAVARES, Renata (org.). O que me move, de Pina Bausch – e outros textos sobre dança-teatro. São Paulo: LibersArs, 2017, p. 82.

12

"Quem diz que na vida tudo se escolhe? O que castiga, cumpre também" (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 13. e., 1979, p. 165.

13

"O mito é julgado e descartado a partir do logos, reduzido à razão. E o mito sempre falou do ser humano como pertencente a um genos (de onde se forma a palavra moderna genética). Indicava uma família, um gênero (formada também de genos), uma etnia. Como família tinha algo em comum, o genos, mas cada um dentro desse genos recebia um quinhão, a sua “cota†no genos da família. O nome para esse quinhão foi e é: Moira. A tradução mais tradicional não é quinhão, mas destino" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.

14

"O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser, mas nunca é a fatalidade de uma coação. Pois o homem só se torna livre num envio, fazendo-se ouvinte e não escravo do destino. A essência da liberdade não pertence originariamente à vontade e nem tampouco se reduz à causalidade do querer humano. A liberdade rege o aberto, no sentido do aclarado, isto é, des-encoberto. A liberdade tem seu parentesco mais próximo e mais íntimo com o dar-se do desencobrimento, ou seja, da verdade. Todo desencobrimento pertence a um abrigar e esconder. Ora, o que liberta é o mistério, um encoberto que sempre se encobre, mesmo quando se desencobre. Todo desencobrimento provém do que é livre, dirige-se ao que é livre e conduz ao que é livre. A liberdade do livre não está na licença do arbitrário nem na submissão a simples leis. A liberdade é o que aclarando encobre e cobre, em cuja clareira tremula o véu que vela o vigor de toda verdade e faz aparecer o véu como o véu que vela. A liberdade é o reino do destino que põe o desencobrimento em seu próprio caminho" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 27.

15

Lei é a vida enquanto destino. Quando dizemos "é" já estamos nos movendo na Essência. Mas o que é a Essência para que possamos dizer o que é a Lei, o que é a Vida, o que é o Destino? A Essência da Lei é a Lei da Essência. Nem sempre nos damos conta de que desde que nascemos já estamos vivendo sob o poder da Lei. Porém, ela, nesse domínio e poder, toma diferentes faces e dimensões, daí a impressão falsa da liberdade de nossa vontade e de que a lei é algo externo ao que há de mais profundo em nós.


- Manuel Antônio de Castro

16

Não se nota que, perante o destino, o tempo deixa de ser uma divisão tricotômica entre passado, presente e futuro. Em verdade, o destino se configura em três questões que são uma e a mesma: vida, morte, tempo. Falar da lei da vida, da morte ou do tempo é ainda se mover na questão radical da lei como destino.


- Manuel Antônio de Castro

17

"Jogar a questão e sua solução para a culpa é não querer se defrontar com outra dimensão em que se vive o viver: a vida da vida é um dote, um destino. Todo e qualquer destino já está inscrito no próprio destinar-se do ser como sentido. Receber a vida para morrer não é, repetimos sempre, algo negativo, mas é a lei do destino" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser felizâ€. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 211.

18

"Neste sentido, por nele agir para que possa agir, a ação do entre é destino. Este entendido não como o previamente escrito que tornasse o homem um títere, e, sim, como o envio do que nele se destina. O homem é o destinatário da liberdade que o destino lhe envia, aviando-o para a travessia da existência" (1).


Referência:
(1) FERRAZ, Antônio Máximo. "O homem e a interpretação: da escuta do destino à liberdade". In: CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (Org.). O educar poético. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 104.

19

"O destino jamais foi personificado e, em consequência, Moira e Aisa não foram antropomorfizadas: pairam soberanas acima dos deuses e dos homens, sem terem sido elevadas à categoria de divindades distintas. A Moira, o destino, em tese, é fixo, imutável, não podendo ser alterado nem pelos próprios deuses" (1).


Referência:
(1) BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. I. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986, p. 141.

20

"A pouco e pouco se desenvolveu a ideia de uma Moira universal, senhora inconteste do destino de todos os homens. Essa Moira, sobretudo após as epopeias homéricas, se projetou em três Moiras, que poderíamos chamar de Queres: Moira determina; as Queres, como sua projeção, fiam o tempo de vida que já foi prefixado e Tânatos (v.), a Morte, comparece, não como agente, mas como executora.
Essas três Queres, Cloto, Láquesis e Ãtropos, possuem funções específicas, de acordo com a etimologia de cada uma delas: CLOTO, em grego Klotho, do verbo klothein, fiar, é a fiandeira por excelência. Segura o fuso e vai puxando o fio da vida; LAQUESIS, em grego Lakhesis, do verbo lankhanein, em sentido lato, sortear, é a que enrola o fio da vida e sorteia o nome de quem vai perecer; ÃTROPOS, em grego Ãtropos, de a (a, alfa privativo), não, e do verbo trepein, voltar, é a que não volta atrás, a inflexível. Sua função é cortar o fio da vida" (1).


Referência:
(1) BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega, volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.

21

Para compreender e apreender o que é o olhar, o melhor caminho é pensar a diferença ontológica entre olhar e ver. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer pensar essa diferença: quando Édipo, o famoso personagem do mito de Édipo, pensado por Sófocles em sua famosa obra Rei Édipo, tinha olhos não penetrara e nem vira os caminhos de seu destino. É que o olho é funcional, faz parte do nosso organismo que diz respeito ao olhar, não necessariamente ao ver, pois foi quando arrancou os olhos que passou a ver na luz da verdade os caminhos e descaminhos do seu destino. O olho diz respeito aos sentidos, a visão diz respeito ao sentido. Não basta olhar, é necessário ver. E é nesta distinção fundamental que os gregos pensaram a essência da aletheia, desvelamento ou verdade. Por isso, este diz respeito à manifestação do sentido do destino. E é nesse horizonte que se diferencia radicalmente a verdade da obra de arte e a verdade funcional da lógica, que fundamenta a ciência fundada na razão.


- Manuel Antônio de Castro.

22

"E a grande questão do mito do Canto das Sereias é a questão do destino do homem em sua travessia, é a grande questão para Ulisses, que vive no limiar do sentido do agir dos deuses e no sentido do agir do homem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 162.

23

"Pensa-se que destino é o que a razão, fonte do livre agir do ser humano, não podia determinar nem controlar. Pela visão racionalista, o destino se opõe à liberdade humana. No existir o ser humano deve-se dar livremente a sua essência, o seu genos enquanto o seu quinhão. Nessa visão racionalista, a existência precede e determina a essência. O existir enquanto o como é deve determinar livremente o que é. O homem não tem um destino, dá-se um destino. Esta foi a utopia moderna, esquecida dos ensinamentos de mito de Édipo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.

24

"Fora da tradição metafísica, a questão do destino se coloca dentro da questão fundamental da Totalidade harmônica do Cosmos, do Ser. Mas o que é o Ser? Não pode ser um conceito nem fundamento, mas o que vigora como silêncio, sentido, linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.

25

"O Destino em seu sentido cósmico, mítico e poético está basicamente ligado a duas uniões de Zeus, o novo soberano do Cosmos, porém ultrapassa o próprio Zeus, na medida em que tem uma origem dupla, e remete também para algo que precede o próprio Zeus. Na cultura grega, o destino é representado pelas Môirai, traduzidas para o latim como Parcas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.

26

"Como as Hôrai, e não podia ser de outra maneira, as Môirai também são filhas de Zeus e Themis. Elas representam a Fatalidade sob o aspecto positivo de configuração e ordenação dos destinos dos mortais, segundo um peso e medida divinos. As Môirai “a quem mais deu honra o sábio Zeus†(Teogonia, T. v. 900) (2), fixaram aos homens mortais os seus lotes de bem e de mal. Sob o aspecto negativo, essas Môirai são filhas da Noite (T. vv. 217-9) e representam a sofrida experiência do restrito e inexorável lote de bem e de mal a que cada homem tem que se submeter como seu único destino (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.
(2) Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.

27

"O indivíduo vale e se define pelo seu génos, de tal maneira que “todas as ações, decisões, falhas e êxitos do indivíduo têm fonte não na individualidade dele, mas nessa natureza supra-individual que caracteriza o génosâ€(1). Entendido o agir de cada um nesse horizonte, pode-se compreender o que significa propriamente o destino no pensamento mítico. Cada génos dá origem a uma linhagem. Por exemplo, a linhagem de Zeus. Esta, por sua vez, se estrutura em grupos familiares menores, mas estes compartilham a natureza comum da linhagem, enquanto origem, génos (2).


Referências:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. Teogonia. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 78
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 166.

28

"O entre do diálogo é a possibilidade do diálogo como mundo, como o sentido do eu e do tu que dialogam, mas também do que no diálogo se dialoga. Esse “entre†aparece na terceira estrofe do poema Autopsicografia (de Fernando Pessoa) como entre-ter. Este, porém, surge da força que previamente nos estabelece o caminho, ao girarmos nas calhas de roda. Estas são uma imagem-questão do que chamamos de há muito e desde sempre: destino. Com ele advém o sentido profundo e ambíguo de “girar a entreterâ€. E aqui podemos “ler†o “entre-ter†num outro sentido mais profundo: no jogar do destino somos tidos e entre-tecidos no horizonte do “entreâ€: o logos abismal de todas as identidades. O que no diálogo se entretece é o que somos como mundo, não aquele em que já estamos lançados, mas o que no entretecer se tece como aprender e ensinar, ou seja, como o que devemos tecer na teia da vida, isto é, ser o que já desde sempre somos (destino)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 30.

29

"Seu eu incorporara-se na unidade. Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade do saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida: a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade" (1).


Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 113.

30

"O destino é a medida e fonte necessária de nossa liberdade. Só o poético realiza a essência do humano: libertação. Sem o poder do não-querer, o destino, não há a vontade de poder querer para o ser humano" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 270.

31

"Só na dobra vigorante em todo ato, o sentido do ser, como sentido da linguagem, torna-se tanto mais poético quanto mais ético. Sendo o poético-ético o vigorar do ser ao dar-se como linguagem.
Neste sentido, estamos poeticamente sempre a caminho da linguagem. E, portanto, tal caminho será tanto mais ético quanto mais poético. Caminho diz o agir a partir do sentido da linguagem como sentido do ser e nele existir. Sentido, em sua proveniência, diz o caminho originário de onde se parte e aonde já desde sempre se vai chegar. Já desde sempre se chega porque no começo está o fim, o consumar. O caminho enquanto sentido é o destino, nosso destino. Enquanto caminho de necessidade e liberdade, nosso destino, isto é, para o que já desde sempre estamos destinados, é o apropriar-nos do que nos é próprio: o que somos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 276.

32

"Ah, porque aquela outra é a lei, escondida e visível, mas não achável, do verdadeiro viver: que para cada pessoa, sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em teatro, para cada representador - sua parte, que antes já foi inventada, num papel..." (1).


Referência:
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 6. e. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968, p. 366.

33

"Por isso, Édipo, exilado e cego, acompanhado apenas por Antígona, sua filha, perde-se em Colona, no bosque sagrado das Eumênides. Lá poderá descansar na felicidade dos bons. Já atravessou os limites da "vida inconstante": perdeu o trono, a esposa, tudo. Os sofrimentos mostraram-lhe que a vontade consciente de nada vale contra os desígnios divinos, a ordem cósmica que regula o mundo dos mortais" (1).


Referência:
(1) ÉDIPO. In: Mitologia, volumes: 1, 2, 3. São Paulo: Abril Cultural, Editor Victor Civita, 1973, v. 3, p. 548.

34

"A nossa propriedade nos advém desde que somos o que já desde sempre somos. Nesse sentido, o que nos é próprio, o que já desde sempre somos, é o que se chama, em grego, Moira, nosso próprio, nosso quinhão do ser. A tradução tradicional para o português é destino. Este, portanto, não depende de uma ação causal, não é o resultado do agir do saber das intenções da consciência. Não é um eu da consciência e o resultado de ações causais, por isso, o que cada um é, o seu próprio, independe do meio e das influências de ordem social ou psíquica" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo. Ensaio não publicado.

35

"Desse modo o esquecimento do ser se dá num caminho duplo e ambíguo, na caminhada do Ocidente: esqueceu-se o vigorar do mítico e do pensamento. Nesse sentido, devemos ter sempre em mente que não devemos procurar Platão, mas o que ele procurava. Nenhum mito, nenhuma obra de pensamento dá conta do que já o pensador Heráclito, no fragmento 16, propôs como questão para o pensar:
“Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encobertoâ€.
Não há doutrina ou teoria ou conhecimento que dê conta do “que nunca declinaâ€. E jamais poderemos diante desse acontecer incessante e sempre inaugural manter-nos “encobertosâ€. Para nós não há outro destino senão procurar o que todos os grandes pensadores e poetas procuraram em tudo que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso destino, com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o mesmo, é a unidade das diferenças, pois, não podemos esquecer, só há uma Lei e um Saber, a unidade da memória que a todos reúne e dá sentido. Essa unidade é Zeus, a Luz irradiante que congrega luminosidade e obscuridade, noite e dia, Eros e Thánatos. Eis nossa moira" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.

37

"Ora, a palavra mythos forma-se do verbo grego mytheomai, que significa: abrir, manifestar pela palavra. Por isso, toda poiesis é radicalmente mítica. A questão fundamental do mito e da poíesis, da harmonia Cósmica e, nela, do humano do ser humano, é o destino enquanto Ser e Não-ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 171.

38

"Diante do perigo mortal, Ulisses, no relato aos seus companheiros, começa acentuando dois aspectos interligados e fundamentais: o saber, o tomar consciência, e o destino que implica esse saber. De novo, não é um saber como qualquer outro saber, é um saber que abre para o que o destino é. No destino dá-se a dobra de saber e ser. O vigorar desta dobra é a essência do agir. Nesta acontece o destino que nos foi destinado. É por isso que não é a vontade por meio da razão que age, mas o querer poder do destino. E aqui o destino é o próprio mito enquanto saber. Experienciar o destino é experienciar o mito, e experienciar o mito é experienciar o saber. Saber é tomar consciência do destino e realizá-lo em nossas escolhas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 172.

39

"O advento e a possibilidade da Escuta não é fruto de um desejo de Ulisses, isto é, nosso. Podemos ou não apenas acolhê-la. É um poder impotente, porque o acolher não é uma questão de vontade, mas de acolhimento do destino. Este é a via sinuosa de querer e não-querer, melhor de querer não-querer e de não-querer querer. No destino não está em jogo algo que nos é exterior, mas a realização do próprio. A via do impróprio nos faz sofrer porque nos lança no esquecimento do próprio e na aparência de ser o que não somos. Podemos mentir e nos enganar muito, mas não podemos fazer isso o tempo todo. Há sempre o kairós, instante de verdade que a cada um, no mais íntimo de seu íntimo, se revela e manifesta" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereiasâ€. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176.

40

"Édipo é o próprio ser humano como questão. Ele não tem ascendência divina, não é um deus. No entanto, nele comparecem todas as questões essenciais em que todo ser humano se vê envolvido. Mas não é um ser humano abstrato, uma essência que está não se sabe onde. Não. A concreticidade de sua realidade está no agir constante e ambíguo pelo qual busca o sentido do que ele é em meio ao enigma do real, do qual ele é participante indissolúvel. Quanto mais Édipo (todo ser humano) procura fugir do destino mais ele o realiza. Ele está sempre “entre†o agir da sua vontade e inteligência, e o agir da vontade e saber da Moira (destino). Todo agir essencial do ser humano é ambíguo. Ele é sempre um ser-do-entre" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arteâ€. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 22.

41

"Tentando afirmar sua vontade e razão como “subjetividade†livre, Édipo, como todo ser humano, tenta evitar o destino. Cada um vive dessa e nessa ambiguidade. É que queremos e não queremos o destino, sabemos e não sabemos o destino. Por isso, o destino é uma questão. É que somos e não-somos. Nisso, esse “e†misterioso se torna o “lugar†que faz do homem um ser-do-entre (Da-sein)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arteâ€. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 23.

42

" Durante um momento, nossas vidas navegam a favor ou contra a corrente. Porém, é a corrente a que decide nosso destino " (1).
Esta fala inicia o filme e é dita pela personagem principal que dá nome ao filme: Sofie. É um filme denso e muito rico de questões. Sobressai a questão do Genos, centralizado numa família judia e seus costumes. Mostra que essencialmente o mais importante é o ser humano. Porém, a ligação de cada um com a família é uma das linhas mestras tratada. Sofie é uma personagem densa que, no final, em relação ao filho, consegue se libertar e deixa o filho seguir a sua vontade e seu destino. Porém, isso não aconteceu com ela.


Referência:
(1) Filme Sofie. Direção e Roteiro de Liv Ullmann, 1992.

43

"Como podemos descobrir o que o destino nos reserva? Só consultando os druidas, profetas ou poetas. Os druidas impressionaram os visitantes romanos com sua capacidade de prever o futuro observando o voo dos pássaros, as fases da Lua ou o movimento das estrelas. As mulheres também eram videntes e muitas vezes eram capazes de prever o resultado das batalhas e o destino dos heróis. E todo rei celta também tinha um poeta versado na arte de compor versos proféticos" (1).


Referência:
(1) HOOD, Juliette. O livro celta da vida e da morte. "Destino e conhecimento do futuro". Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 83.

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"Existir tanto como humano e quanto essência do humano é interpretar-se como o que é, ou seja, no ter sido para chegar a ser. Consumação do seu sentido a pôr-se a caminho do pensar. Destino, próprio, apropriação" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Passado". In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 259.

45

Questionar é pensar. E pensar é o agir do ser. Somente somos agindo, porque somente temos nosso próprio na medida em que é uma doação do ser. A essa doação os gregos denominaram: moira, destino, próprio, identidade, singularidade, pessoa.


- Manuel Antônio de Castro.

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"Navegar pelo oceano desconhecido é lançar-se nas mãos do destino. O destino, contudo, nunca é meramente neutro - sempre existe uma dimensão moral. A própria vida é uma busca e o buscador dedicado e consciente da verdade e do bem é recompensado da maneira apropriada no devido tempo" (1).


Referência:
(1) HOOD, Juliette. "Como Viver e como Morrer". O livro celta da vida e da morte. Trad. Denise de C. Rocha Delela. São Paulo: Editora Pensamento, 2011, p. 69.
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