Corpo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Corpo é uma [[questão]]. E como questão não cabe numa [[definição]] que o configure enquanto [[essência]]. Qualquer [[resposta]] implica necessariamente um mergulho nas questões em que o corpo se tece e entretece: O que é o [[Ser]]? O que é o [[ser humano]]? O que é a [[verdade]]? Não são três questões sucessivas, porém, a [[referência]] de Ser e essência do ser humano acontece no desvelar-se enquanto verdade. A esse [[desvelamento]] denominaram todas as [[culturas]] e [[épocas]]: corpo.
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: [[Corpo]] é uma [[questão]]. E como [[questão]] não cabe numa [[definição]] que o configure enquanto [[essência]]. Qualquer [[resposta]] implica necessariamente um mergulho nas [[questões]] em que o [[corpo]] se tece e entretece: O que é o [[Ser]]? O que é o [[ser humano]]? O que é a [[verdade]]? Não são três [[questões]] sucessivas, porém, a [[referência]] de [[Ser]] e [[essência]] do [[ser humano]] acontece no [[desvelar-se]] enquanto [[verdade]], [[sentido]], [[linguagem]] e [[mundo]]. A esse [[desvelamento]] denominaram todas as [[culturas]] e [[épocas]]: [[corpo]]. Evidente que é um [[corpo]] [[social]] e [[poético]].
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:As recentes descobertas da genética podem esclarecer nossa compreensão do corpo e da alma. O que Fritjof Capra afirma no livro ''A teia da vida'' (1) é que cada célula é uma parte que, em si, contém o todo. O que ocorre em micro ocorre em macro. É o código genético que sempre comparece e desfaz a visão tradicional metafísica, acentuada pelo cartesianismo. Capra fala de reciclagem e resíduos no processo de a célula se [[produção|produzir]] e reproduzir, produzindo o próprio código genético. Guimarães Rosa no conto "Nada e a nossa condição" (2) mostra, no final, a "cremação" do corpo/[[casa]] e depois de um ascender acima da montanha numa transfiguração misteriosa, onde luz e trevas não se distinguem, descem à Terra as cinzas. Resíduos? Mas não são as cinzas que refertilizam a terra-mãe? Contudo, há algo mais complexo: a relação do código genético com a [[Moira]] / [[destino]], ou seja, a realização de cada um em seu [[sentido]]. A genética não fala da [[realização]] do [[corpo]] como [[sentido]] e [[experienciação]] de [[vida]]. A reunião da genética com o [[sentido]] da [[vida]] dá-se no mito de "Cura", de Higino. Trata-se de refletir aí sobre a [[ação]] em seu sentido [[originário]]. Temos ser, conhecer e dizer, inter-ligados. Aí o [[enigma]] se dá em torno do "[[inter]]", que é o solo comum onde cresce o ser, o conhecer/perceber e o dizer (em grego: on/einai, noein, leguein). É a ação e seu sentido que dão o alcance de cada um desses três núcleos. Mas uma tal ação provém do "inter". Ora, no ser humano, o "código genético", se comparado com o de um outro qualquer ''on''/ente, mostra uma diferença radical: se, por um lado, já lhe é doado, por outro, o "seu sentido" vem do agir que une ''einai''/ser, ''noein''/perceber, ''leguein''/dizer. Porém, um tal agir tende para a sua plenitude de sentido na medida em que há uma transfiguração, mas num nível e densidade que vão além do que ocorre na célula de uma planta. Na cadeia da vida, vida e morte são um processo em diferentes escalas de metabolismo, reciclagem e resíduos. Contudo, o que isso quer dizer em termos do ser humano, enquanto o humano do ser humano? Não seria o que Rosa nos diz? Mas então como distinguir corpo e alma? Não podemos considerar o corpo como algo apenas, mas o que nesse algo se realiza como mundo e sentido. E é neste horizonte que deve ser considerada nossa finitude frente ao não-finito.
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: As recentes descobertas da [[genética]] podem esclarecer nossa [[compreensão]] do [[corpo]] e da [[alma]]. O que Fritjof Capra afirma no livro '''A teia da vida''' (1) é que cada célula é uma [[parte]] que, em si, contém o [[todo]]. O que ocorre em micro ocorre em macro. É o [[código]] genético que sempre comparece e desfaz a [[visão]] tradicional metafísica, acentuada pelo cartesianismo. Capra fala de reciclagem e resíduos no processo de a célula se [[produção|produzir]] e reproduzir, produzindo o [[próprio]] [[código]] [[genético]]. Guimarães Rosa no conto "Nada e a nossa condição" (2) mostra, no final, a "cremação" do [[corpo]]/[[casa]] e depois de um ascender acima da montanha numa transfiguração misteriosa, onde [[luz]] e [[trevas]] não se distinguem, descem à [[Terra]] as cinzas. Resíduos? Mas não são as cinzas que refertilizam a terra-mãe? Contudo, há algo mais complexo: a [[relação]] do [[código]] [[genético]] com a [[Moira]] / [[destino]], ou seja, a [[realização]] de cada um em seu [[sentido]]. A [[genética]] não fala da [[realização]] do [[corpo]] como [[sentido]] e [[experienciação]] de [[vida]]. A reunião da [[genética]] com o [[sentido]] da [[vida]] dá-se no mito de "[[Cura]]", de Higino. Trata-se de refletir aí sobre a [[ação]] em seu sentido [[originário]]. Temos [[ser]], [[conhecer]] e [[dizer]], inter-ligados. Aí o [[enigma]] se dá em torno do "[[inter]]", que é o solo comum onde cresce o [[ser]], o [[conhecer]]/[[perceber]] e o [[dizer]] (em grego: [[on]]/[[einai]], [[noein]], [[legein]]). É a [[ação]] e seu [[sentido]] que dão o alcance de cada um desses três núcleos. Mas uma tal [[ação]] provém do "inter". Ora, no [[ser humano]], o "[[código]] [[genético]]", se comparado com o de um outro qualquer ''[[on]]''/[[ente]], mostra uma diferença radical: se, por um lado, já lhe é doado, por outro, o "seu sentido" vem do [[agir]] que une ''[[einai]]''/[[ser]], ''[[noein]]''/[[perceber]] e [[pensar]], ''[[legein]]''/[[dizer]]. Porém, um tal [[agir]] tende para a sua [[plenitude]] de [[sentido]] na medida em que há uma transfiguração, mas num nível e densidade que vão além do que ocorre na célula de uma planta. Na cadeia da [[vida]], [[vida]] e [[morte]] são um [[processo]] em diferentes escalas de metabolismo, reciclagem e resíduos. Contudo, o que isso quer dizer em termos do [[ser humano]], enquanto o [[humano]] do [[ser humano]]? Não seria o que Rosa nos diz? Mas então como distinguir [[corpo]] e [[alma]]? Não podemos considerar o [[corpo]] como algo apenas, mas o que nesse algo se realiza como [[mundo]] e [[sentido]]. E é neste [[horizonte]] que deve ser considerada nossa [[finitude]] frente ao não-finito.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referências:
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:Referências:
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: (1) CAPRA, Fritjof. '''A teia da vida'''. São Paulo: Cultrix, 2004.
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: (2) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ______. '''Primeiras estórias'''. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
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:(1) CAPRA, Fritjof. ''A teia da vida''. São Paulo: Cultrix, 2004.
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:(2) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ______. ''Primeiras estórias''. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
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:Descartes separa o ser-humano-corpo em duas [[realidade|realidades]]: ''res cogitans''/realidade pensante e ''res extensa''/realidade extensa. Essa divisão é a base da modernidade, daí a dificuldade de hoje pensar o corpo como um [[unidade|todo]]. Não só isso, experienciá-lo como um todo. A argumentação da [[consciência]], determinando não só o ser mas o próprio real/corpo só é aceitável se admitirmos a dicotomia cartesiana. Isso levou a entender a leitura apenas como um exercício racional-silencioso ou em voz alta, mas do qual se afastou o corpo. A tripla leitura de voz-razão, [[música]] e [[dança]] procura resgatar a [[leitura]]-corpo. Mas essas três só são possíveis a partir da [[escuta]] do que se é. No que se é, nunca há dicotomia cartesiana. As observações de Freud não seriam, no fundo, sobre a recusa do corpo como um todo?
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: [[Descartes]] separa o [[ser-humano]]-[[corpo]] em duas [[realidade|realidades]]: ''res cogitans''/[[realidade]] pensante e ''res extensa''/[[realidade]] extensa. Essa divisão é a base da [[modernidade]], daí a dificuldade de hoje [[pensar]] o [[corpo]] como um [[unidade|todo]]. Não só isso, experienciá-lo como um [[todo]]. A argumentação da [[consciência]], determinando não só o [[ser]] mas o próprio [[real]]/[[corpo]] só é aceitável se admitirmos a [[dicotomia]] cartesiana. Isso levou a entender a [[leitura]] apenas como um [[exercício]] racional-silencioso ou em [[voz]] alta, mas do qual se afastou o [[corpo]]. A tripla [[leitura]] de [[voz]]-[[razão]], [[música]] e [[dança]] procura resgatar a [[leitura]]-[[corpo]]. Mas essas três só são possíveis a partir da [[escuta]] do que se [[é]]. No que se [[é]], nunca há a [[dicotomia]] cartesiana. As observações de [[Freud]] não seriam, no fundo, sobre a recusa do [[corpo]] como um [[todo]]?
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Pode-se pensar o corpo como [[conceito]] ou como [[questão]]. E, então, tudo será diferente em relação ao corpo e em nossa relação com ele. No corpo, todas as filosofias, religiões e teorias científicas são aí contidas, incorporadas. Mas quando deixamos o corpo ser, ele se tornará corpo-[[poesia]] e corpo-[[pensamento]]. O corpo como corpo é sempre insólito, admirável, misterioso, mágico. Deixar o corpo ser corpo, pensar o corpo, eis a questão. Toda obra de arte é um corpo se é obra de arte. Não importa a Musa que a preside.  
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: Pode-se [[pensar]] o [[corpo]] como [[conceito]] ou como [[questão]]. E, então, tudo será diferente em relação ao [[corpo]] e em nossa relação com ele. No [[corpo]], todas as [[filosofias]], [[religiões]] e [[teorias]] [[científicas]] são aí contidas, incorporadas. Mas quando deixamos o [[corpo]] [[ser]], ele se tornará [[corpo]]-[[poesia]] e [[corpo]]-[[pensamento]]. O [[corpo]] como [[corpo]] é [[sempre]] [[insólito]], [[admirável]], [[misterioso]], mágico. Deixar o [[corpo]] [[ser]] [[corpo]], [[pensar]] o [[corpo]], eis a [[questão]]. Toda [[obra de arte]] é um [[corpo]] se é [[obra de arte]]. Não importa a [[Musa]] que a preside.  
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: A tensão entre ''[[poiesis]]'' e [[linguagem]] se dá concretamente na [[estrutura]]. Aí podemos entender estrutura de duas maneiras: como organização e como corpo. É nesta distinção que se decide essencialmente a di-ferença e re-ferência entre [[função]] e [[referência]]. Na relação, o corpo está em função da organização, do [[sistema]] enquanto faz estes funcionarem tendo em vista o próprio sistema, sem levar em conta o corpo. Corpo é a con-figuração do ser humano tendo em vista o que é enquanto [[identidade]] e [[existência]], e não mera organização, ou seja, não se reduz a ter uma função dentro da organização.
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: A tensão entre ''[[poiesis]]'' e [[linguagem]] se dá concretamente na [[estrutura]]. Aí podemos entender [[estrutura]] de duas maneiras: como [[organização]] e como [[corpo]]. É nesta distinção que se decide essencialmente a di-ferença e re-ferência entre [[função]] e [[referência]]. Na [[relação]], o [[corpo]] está em [[função]] da [[organização]], do [[sistema]], enquanto faz estes funcionarem tendo em vista o próprio [[sistema]], sem levar em conta o [[corpo]]. [[Corpo]] é a con-figuração do [[ser humano]] tendo em vista o que é enquanto [[identidade]] e [[existência]], e não mera [[organização]], ou seja, não se reduz a ter uma [[função]] dentro da [[organização]].
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:A ideia de corpo do ser [[humano]] é muito restrita como tal. Contudo, ele, como célula de um corpo maior, contém todo o código genético, toda [[memória]]. Que corpo maior seria este?
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: A [[ideia]] de [[corpo]] do [[ser humano]] é muito restrita como tal. Contudo, ele, como célula de um [[corpo]] maior, contém todo o [[código]] genético, toda [[memória]]. Que [[corpo]] maior seria este?
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:Em princípio, há três corpos, claro, perfazendo e sendo um e o mesmo no sentido de Heráclito: "[...] hèn pánta eînai" (1).
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: Em princípio, há três [[corpos]], claro, perfazendo e sendo um e o mesmo no sentido de Heráclito: "[...] hèn pánta eînai" (Tudo é um)"(1).
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:Na realidade, são três corpos misteriosamente unidos. O mais imediato é meu corpo, com tudo que sou e não sou. Mas este está integrado a um corpo maior que é a mãe Terra. Desta faz também parte a Lua e os demais planetas, indo até não se sabe onde. É no corpo terra-lua que estão integrados todos os corpos sociais, constituídos pelos diferentes povos e culturas. Todo social está integrado a uma terra-lua. A presença da Lua e dos planetas se dá misteriosamente. O exemplo mais pregnante é a referência: Mulher-Terra-Lua. A Lua como satélite da Terra é um conceito que não leva a nada. Já a Lua como corpo-terra se faz presente nas marés, nas estações, nas colheitas. Faz-se muito mais presente no ciclo lunar e no ciclo menstrual da mulher. Isso quer dizer que está profunda e misteriosamente ligada à [[fertilidade]], que dá a identidade do que é ser [[mulher]], e ao ciclo vida/morte. Mas há um terceiro corpo que a tudo engloba numa ciranda incessante e maravilhosa. É o grande Corpo Místico como [[Dzoé]]. Esta engloba todas as formas de vida e todos os ecossistemas. A ela está ligada a Memória, o [[Tempo]] e a [[Linguagem]]. Tanto o Corpo-ser-humano como o Corpo-Terra-Lua-Mulher têm seu vigor originário e inaugural no Corpo-Místico-Dzoé.
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: Na realidade, são três [[corpos]] misteriosamente unidos. O mais imediato é meu [[corpo]], com tudo que [[sou]] e [[não sou]]. Mas este está integrado a um [[corpo]] maior que é a mãe [[Terra]]. Desta faz também parte a Lua e os demais planetas, indo até não se sabe onde. É no [[corpo]] terra-lua que estão integrados todos os [[corpos]] sociais, constituídos pelos diferentes povos e [[culturas]]. Todo [[social]] está integrado a uma terra-lua. A presença da Lua e dos planetas se dá misteriosamente. O exemplo mais pregnante é a [[referência]]: Mulher-Terra-Lua. A Lua como satélite da [[Terra]] é um [[conceito]] que não leva a nada. Já a Lua como corpo-terra se faz presente nas marés, nas estações, nas colheitas. Faz-se muito mais presente no ciclo lunar e no ciclo menstrual da [[mulher]]. Isso quer dizer que está profunda e misteriosamente ligada à [[fertilidade]], que dá a [[identidade]] do que é [[ser]] [[mulher]], e ao ciclo [[vida]] / [[morte]]. Mas há um terceiro [[corpo]] que a tudo engloba numa ciranda incessante e maravilhosa. É o grande [[Corpo]] [[Místico]] como [[Dzoé]]. Esta engloba todas as [[formas]] de [[vida]] e todos os ecossistemas. A ela está ligada a [[Memória]], o [[Tempo]] e a [[Linguagem]]. Tanto o Corpo-ser-humano como o Corpo-Terra-Lua-Mulher têm seu [[vigor]] [[originário]] e inaugural no Corpo-Místico-Dzoé.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Referência:
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:(1) HERÁCLITO. ''Os pensadores originários''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.
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: (1) HERÁCLITO. ''Os pensadores originários''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.
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== 7 ==
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:O corpo é o mistério do limiar, a borda de todo trans-bordamento. Daí, o corpo é o vestir do "trans-", que ao se dar com "trans-", permite o aparecimento do corpo como [[limiar]] onde convive a borda, a margem e o trans-bordamento, imbricando-se mutuamente. De modo que, o que chamamos de alma é a borda se fazendo alegria, beleza, vida do trans-bordamento e do trans- da [[travessia]]. Nela, a diferença e diversidade são um e o mesmo como corpo de [[verdade]] e [[sentido]] e de [[fala]] e voz, [[escuta]] e [[silêncio]]. Corpo é a visibilidade ressoante do trans: transbordamento e trans-vessia, do diferir na identidade de vida/morte.
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: O [[corpo]] é o [[mistério]] do [[limiar]], a borda de todo trans-bordamento. Daí, o [[corpo]] [[é]] o vestir do "trans-", que ao se dar com "trans-", permite o aparecimento do [[corpo]] como [[limiar]] onde convive a borda, a margem e o trans-bordamento, imbricando-se mutuamente. De modo que, o que chamamos de [[alma]] é a borda se fazendo [[alegria]], [[beleza]], [[vida]] do trans-bordamento e do trans- da [[travessia]]. Nela, a [[diferença]] e [[diversidade]] são um e o [[mesmo]] como [[corpo]] de [[verdade]] e [[sentido]] e de [[fala]] e [[voz]], [[escuta]] e [[silêncio]]. [[Corpo]] é a visibilidade ressoante do trans: transbordamento e trans-vessia, do diferir na [[identidade]] de [[vida]]/[[morte]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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:'''Ver também:'''
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:*[[Catálise]]
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:"O corpo é [[sensação]], [[percepção]], captação do que nos atravessa os poros. Mas não só. É também o acúmulo do [[nada]], um vazio gestante sempre prestes a acontecer. Assim, é algo ainda não nascido em sua própria caminhada de mortal-avivamento. A possibilidade de ser [[outro]] em si mesmo assinala sua liminaridade. Às vezes não sabemos se é corpo ou homem, se é morte ou vida, [[vazio]] ou inteiro. Entretanto, embora não saibamos, podemos nos deixar possuir por este não-saber e trilhar a passagem do não-visível ao visível. Assim, sabemos não-sabendo o que seja corpo, mais ainda, o que seja homem" (1).
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: "O uso de um órgão/[[parte]] do [[corpo]] [[humano]] para descrever um aspecto [[metafísico]] é uma prática comum no [[mundo]] [[inteiro]]. Os [[textos]] e [[símbolos]] do Antigo Egito são vastamente permeados com este entendimento de que o [[homem]] (no [[todo]] e em [[partes]]) é a [[imagem]] do [[Universo]] (no [[todo]] e em [[partes]])" (1).
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:(1) PESSANHA, Fábio Santana. "Homem: corpo insólito". In: GARCÍA, Flavio; PINTO, Marcello de Oliveira; MICHELLI, Regina (orgs.). ''[http://www.dialogarts.uerj.br/arquivos/o_insolito_e_seu_duplo_comunicacoes_livres.pdf O insólito e seu duplo]'' – Anais do VI Painel Reflexões sobre o Insólito na narrativa ficcional/ I Encontro Regional Insólito como Questão na Narrativa Ficcional. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2010, p. 145.
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: Referência:
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: (1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. ''Cosmologia egípcia - o universo animado''. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 95.
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:"O corpo é entendido, hoje, como [[organismo]], funcionando como combinação estrutural entre partes; como produto de um [[código genético]], mapeável determinação que operacionaliza todo o nosso devir biológico; como entidade étnico-política, representando valores nos vetores do jogo de forças sociais; como força de trabalho a serviço de um projeto econômico e político que escraviza os corpos que promete libertar pelo consumo; como [[matéria]] e [[forma]] combinadas de diversas maneiras, conforme a [[estética]] que se imponha em cada [[conjuntura]] ou que se exponha em cada produto cultural. Por um lado, fica claro que não se entende o corpo em sua [[corporeidade]] – porque já não se pergunta pelo vigor que o corpo é. Por outro, o que é comum a todos estes encaminhamentos não-corporais de [[representação]] do corpo é o entendimento de que ele seja algo como uma ''unidade material do ente'' (1).
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: "O [[corpo]] é entendido, hoje, como [[organismo]], funcionando como combinação estrutural entre partes; como produto de um [[código genético]], mapeável determinação que operacionaliza todo o nosso devir biológico; como entidade étnico-política, representando valores nos vetores do jogo de forças sociais; como força de trabalho a serviço de um projeto econômico e político que escraviza os corpos que promete libertar pelo consumo; como [[matéria]] e [[forma]] combinadas de diversas maneiras, conforme a [[estética]] que se imponha em cada [[conjuntura]] ou que se exponha em cada produto cultural. Por um lado, fica claro que não se entende o corpo em sua [[corporeidade]] – porque já não se pergunta pelo vigor que o corpo é. Por outro, o que é comum a todos estes encaminhamentos não-corporais de [[representação]] do corpo é o entendimento de que ele seja algo como uma ''unidade material do ente'' " (1).
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:(1) BRAGA, Diego. A terceira margem do mito: hermenêutica da corporeidade. In: Revista ''Terceira margem''. Revista do Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ. Ano XIV, 22, jan.-jun, 2010, p. 53.
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: (1) BRAGA, Diego. "A terceira margem do mito: hermenêutica da corporeidade". In: Revista ''Terceira margem''. Revista do Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ. Ano XIV, 22, jan.-jun, 2010, p. 53.
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: "A cada [[cultura]] corresponde alguma [[concepção]] de corpo, pois só podemos falar de [[cultura]] e corpo já no [[horizonte]] de uma [[concepção]] do que seja o [[homem]] e a [[realidade]]. E, hoje, apelar para alguma [[disciplina]] e [[verdade]] científica como [[teoria]] certa, exata e única, é uma nescidade. Na [[globalização]], a "[[religião]] da [[ciência]] e seus [[dogmas]] e [[verdade]] única" ruiu" (1).
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: "A cada [[cultura]] corresponde alguma [[concepção]] de [[corpo]], pois só podemos falar de [[cultura]] e [[corpo]] já no [[horizonte]] de uma [[concepção]] do que seja o [[homem]] e a [[realidade]]. E, hoje, apelar para alguma [[disciplina]] e [[verdade]] [[científica]] como [[teoria]] certa, exata e única, é uma nescidade. Na [[globalização]], a "[[religião]] da [[ciência]] e seus [[dogmas]] e [[verdade]] única" ruiu" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A filosofia e o pensamento do corpo". In: MONTEIRO, Maria Conceição e GIUCCI, Guillermo (Org.). ''Desdobramentos do corpo no século XXI''. Rio de Janeiro: Editora Caetés / FAPERJ, 2016, p. 15.
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A filosofia e o pensamento do corpo". In: MONTEIRO, Maria Conceição e GIUCCI, Guillermo (Org.). ''Desdobramentos do corpo no século XXI''. Rio de Janeiro: Editora Caetés / FAPERJ, 2016, p. 15.
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:"O que vem à [[presença]] e aparece a partir de si mesmo são os corpos (''somata'', em grego) animados e inanimados. Aquilo que, de maneira bem indeterminada nós nomeamos [[espaço]] é representado na ótica do corpo vindo à presença" (1).
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: "O que vem à [[presença]] e aparece a partir de si mesmo são os [[corpos]] (''somata'', em grego) animados e inanimados. Aquilo que, de maneira bem indeterminada nós nomeamos [[espaço]] é representado na ótica do [[corpo]] vindo à [[presença]]" (1).
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Remarques sur art - sculpture - espace''. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Remarques sur art - sculpture - espace''. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
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:“O corpo é uma contínua [[dança]] de diferenças, elos que se fazem e desfazem mediante a [[tensão]] que é viver morrendo. Desse modo, o corpo se alarga e se desprende da organicidade para se dispor como enleio [[poético]] de existência. A necessidade de se delimitar uma corporeidade orgânica se detém na limitação da pele enquanto fronteira do sensível, no entanto, o que não podemos deixar de considerar é que esta é apenas uma possibilidade de manifestação corporal que se conjunta com o que seja inapreensível no sentir do corpo. Afinal, como se mede o [[amor]] que fere o corpo? Como se mede a [[dor]] de uma ausência ou a felicidade de uma presença?” (1)
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: "A acupuntura, que é considerada chinesa, na verdade, é egípcia. Os chineses referem-se a estes doze centros de [[poder]], como os doze meridianos do [[corpo]]" (1).
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:(1) PESSANHA, Fábio Santana. ''A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 50.
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: (1) GADALLA, Moustafa. ''Cosmologia egípcia - o universo animado''. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 95.
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:“O corpo é um repleto de [[diferença|diferenças]] que se articulam no [[uno]], é mar que se deriva em arrebentação” (1).
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: "Aristóteles nomeia aquilo que nós chamamos de [[espaço]] com dois [[nomes]] diferentes [em grego]: ''[[Topos]]'' e ''chora''. ''[[Topos]]'' é o [[espaço]] que um [[corpo]] ocupa imediatamente. Este [[espaço]] ocupado pelo [[corpo]] foi ''inicialmente'' configurado pelo [[corpo]] (''soma'', em grego). Este [[espaço]] tem os mesmos [[limites]] que o [[corpo]]. Uma observação a este propósito: o [[limite]] não é, para os gregos, aquilo pelo qual alguma [[coisa]] cessa e toma [[fim]], mas aquilo a partir de onde alguma [[coisa]] ''começa'', por onde ela tem seu acabamento. O [[espaço]] ocupado por um [[corpo]], ''[[topos]]'', é o seu [[lugar]]" (1).
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:Referência:
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: Referência:
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:(1) PESSANHA, Fábio Santana. ''A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 121.
+
: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Remarques sur art - sculpture - espace''. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
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== 16 ==
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: "Considerando que somos um [[corpo]], não um [[organismo]], não há distinção entre o [[material]], o [[intelectual]] e o [[afetivo]]-[[sentimental]]. Somos uma [[unidade]] corporal enquanto [[corpo]] -''[[eros]]''-[[mundo]]" (1).
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== 16 ==
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: Referência:
-
: "Considerando que somos um corpo, não um [[organismo]], não há distinção entre o material, o intelectual e o afetivo-sentimental. Somos uma [[unidade]] corporal enquanto corpo-''[[eros]]''-[[mundo]]" (1).
+
 
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.
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== 17 ==
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: A [[resposta]] à [[questão]] “o que é o [[corpo]]?” é muitas vezes confundida com [[organismo]], porque não se considera a questão que lhe é correlata da [[diferença ontológica]], isto é, a [[diferença]] que constitui a especificidade do [[ser humano]] e o distingue de todos os demais [[entes]], sejam eles animais, vegetais, minerais. Por tal diferença o [[ser humano]] se torna [[humano]] na medida em que [[ontologicamente]] já mora na [[clareira]] do [[ser]] e só pelo [[pensar]] do [[ser]] que nele se dá, ele desvela no seu [[agir]] o [[sentido]] de todos os demais [[entes]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 18 ==
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: Outro é o [[ritmo]] do [[tempo]] em sua densidade [[poética]], de onde surgem [[relações]] [[afetivas]] sob a efetiva [[vigência]] do [[tempo]] de [[eros]], na [[vigência]] do [[tempo]] da [[proximidade]] e da [[distância]]. Temos de [[compreender]] que o [[tempo]] acontece no compasso do [[ser]] corpo, do [[incorporar]] o que se [[é]] e está [[sendo]]. Não é o [[fazer]] que faz o corpo e suas [[experienciações]], mas o [[ser]], realizando-se, incorporando-se, acontecendo, [[sendo]]. Dessa maneira, a [[relação]] e [[referência]] [[entre]] [[corpos]] tem uma [[duração]] própria e não [[técnica]] nem [[mecânica]], inacessível às [[experiências]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 19 ==
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: "Para os [[antigos egípcios]], o [[homem]], como um [[Universo]] em miniatura, representa as [[imagens]] de toda a [[criação]]. Já que '''Ra''' - o impulso criativo cósmico - é chamado de ''Aquele que reuniu, surgiu a partir de seus membros'', então, o [[ser humano]] (a [[imagem]] da [[criação]]) é, similarmente, Um que reuniu. O [[corpo]] [[humano]] é uma [[unidade]] formada por diferentes [[partes]] colocadas juntas. Na ''Litania de Ra'', cada uma das [[partes]] do [[corpo]] do [[homem]] divino é identificado com um '''neter/netert''' "(1).
: Referência:
: Referência:
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ------------. ''Leitura: questões''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.
+
: (1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. ''Cosmologia egípcia - o universo animado''. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.
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== 20 ==
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: "Para os antigos egípcios, o [[homem]] era a personificação das [[leis]] da [[criação]] e, assim, as [[funções]] e processos fisiológicos das várias [[partes]] do [[corpo]] eram vistas como [[manifestações]] das [[funções]] [[cósmicas]]. Os membros e os órgãos tinham uma [[função]] [[metafísica]], além de seu [[objetivo]] físico. As [[partes]] do  [[corpo]] eram consagradas a um dos '''neteru''' ([[princípios]] [[divinos]]), que aparecem nos registros egípcios históricos recuperados" (1).
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== 17 ==
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: Referência:
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: A [[resposta]] à [[questão]] “o que é o corpo” é muitas vezes confundida com [[organismo]], porque não se considera a questão que lhe é correlata da [[diferença ontológica]], isto é, a [[diferença]] que constitui a especificidade do [[ser humano]] e o distingue de todos os demais [[entes]], sejam eles animais, vegetais, minerais. Por tal diferença o ser humano se torna [[humano]] na medida em que ontologicamente já mora na [[clareira]] do [[ser]] e só pelo [[pensar]] do ser que nele se dá, ele desvela no seu [[agir]] o [[sentido]] de todos os demais entes.
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 +
: (1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. ''Cosmologia egípcia - o universo animado''. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 21 ==
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: "O que é o [[corpo]]? O alcance do que seja o [[humano]], os [[humanismos]] e até o [[trans-humano]], já deriva fundamentalmente do que seja concebido como [[corpo]]. Mas o [[corpo]] é uma [[questão]] ou é redutível às correntes [[conceituações]] [[científicas]] ou [[religiosas]]? E como se concebe o [[corpo]], quando se trata de [[linguagem]] e [[poesia]]? A própria [[concepção]] do [[lugar]] do [[corpo]] do [[ser humano]] no [[universo]] já depende do que se compreenda, tanto pelo que seja o [[corpo]], quanto pelo que seja o [[universo]] (1).
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: Referência:
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== 18 ==
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. " ''Eros'', humano e os humanismos". In: MONTEIRO, Maria Conceição e outros (org.). ''Eros, Tecnologia, Transumanismo''. Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2015, p. 43.
-
: Outro é o [[ritmo]] do [[tempo]] em sua densidade [[poética]], de onde surgem [[relações]] [[afetivas]] sob a efetiva [[vigência]] do [[tempo]] de [[eros]], na [[vigência]] do [[tempo]] da [[proximidade]] e da [[distância]]. Temos de [[compreender]] que o [[tempo]] acontece no compasso do [[ser]] corpo, do [[incorporar]] o que se [[é]] e está [[sendo]]. Não é o [[fazer]] que faz o [[corpo]] e suas [[experienciações]], mas o [[ser]], realizando-se, incorporando-se, acontecendo, [[sendo]]. Dessa maneira, a [[relação]] e [[referência]] [[entre]] [[corpos]] tem uma [[duração]] própria e não [[técnica]] nem [[mecânica]], inacessível às [[experiências]].
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== 22 ==
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: "Seja para o [[pensamento]], seja para as [[artes]], [[Éros]] sempre foi a grande [[questão]], sendo a mais tematizada, interpretada e aprofundada. Por detrás do seu [[agir]], como aquilo que o move, está sempre o [[Amor]] do [[amar]]. Dessa maneira, há uma certa impropriedade em se falar de [[Éros]] como algo [[substantivo]], pois remete facilmente para a sua [[interpretação]] e [[compreensão]] como algo, como um [[ente]]. E não é isso [[Éros]]. Como [[essência]] do [[agir]] é total e completa [[energia]] de [[realização]], é [[luz]] irradiante em contínuo [[acontecer]]. E isso já nos obriga a [[compreender]] o que é o [[corpo]] do [[ser humano]], em toda a sua complexidade e densidade, muito além de um simples [[organismo]] e seu [[funcionamento]]. O [[ser humano]], sendo [[essencialmente]] o [[agir]] de [[Eros]], jamais pode ser reduzido a um [[corpo]] [[orgânico]] ou mecânico ou [[virtual]]. Sendo filhos, como somos de [[Pênia]], a [[Pobreza]], pro-curamos pelo que nos é [[necessário]]: o [[Bem]]) (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. " ''Eros'', humano e os humanismos". In: MONTEIRO, Maria Conceição e outros (org.). ''Eros, Tecnologia, Transumanismo''. Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2015, p. 45.
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== 23 ==
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: "Do [[mundo]] [[exterior]] não percebemos em cada momento senão um pequeno pedaço, uma reduzida [[paisagem]] ou [[aspecto]] que se nos apresenta destacado em [[relação]] à vaga [[totalidade]], difusa e latente, do [[universo]] [[material]]. Por que percebemos em cada [[momento]] esse pedaço e só ele, em tão determinada [[perspectiva]]? Sem dúvida porque nosso [[corpo]] - [[coisa]] [[entre]] [[coisas]] - ocupa um certo [[lugar]] e nele recebe certas influências físicas que o modificam. [[Entre]] o [[universo]] e nós se intercala nosso [[corpo]] como um crivo ou retícula que seleciona por meio de suas [[sensações]] o acúmulo imenso de [[objetos]] que integram o [[mundo]]" (1).
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: ''Obras Completas de José Ortega y Gasset'', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.
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== 24 ==
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: "É um [[fato]] notório que o [[corpo]] [[feminino]] está dotado de uma [[sensibilidade]] [[interna]] mais viva que a do [[homem]], isto é, que nossas [[sensações]] orgânicas intracorporais são vagas e como que surdas comparadas com as da [[mulher]]. Neste fato vejo eu uma das raízes de onde emerge, sugestivo, gentil e admirável, o esplêndido espetáculo da [[feminilidade]]" (1).
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: ''Obras Completas de José Ortega y Gasset'', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.
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== 25 ==
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: "A relativa hiperestesia das [[sensações]] orgânicas da [[mulher]] faz com que seu [[corpo]] exista para ela mais que para o [[homem]] o seu. Nós, [[homens]], normalmente, esquecemos nosso irmão [[corpo]]; não sentimos que o temos, a não ser com o muito frio ou com o muito calor da extrema [[dor]] ou do extremo [[prazer]]. [[Entre]] nosso [[eu]] puramente [[psíquico]] e o [[mundo]] exterior não parece se interpor [[nada]]. Na [[mulher]], pelo contrário, é solicitada constantemente a atenção pela vivacidade de suas [[sensações]] intracorporais: sente a toda hora seu [[corpo]] como interposto [[entre]] o [[mundo]] e seu [[eu]], leva-o sempre diante de si, ao mesmo tempo como um escudo que defende ou prenda vulnerável. As consequências disto são claras: toda a [[vida]] [[psíquica]] da [[mulher]] está mais fundida com seu [[corpo]] que a do [[homem]]; quer dizer, sua [[alma]] é mais corporal - porém, vice-versa, seu [[corpo]] convive mais constante  e estreitamente com seu [[espírito]]; quer dizer, seu [[corpo]] está mais tomado pela [[alma]]. Ocasiona, com efeito, na [[pessoa]] [[feminina]] um grau de penetração  [[entre]] [[corpo]] e [[espírito]] muito mais elevado que na do [[homem]]. No [[homem]], comparativamente, costumam ir cada um por seu lado; [[corpo]] e [[alma]] sabem pouco um do [[outro]] e não são solidários; pelo contrário atuam como irreconciliáveis inimigos" (1).
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: ''Obras Completas de José Ortega y Gasset'', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.
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== 26 ==
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: "Porém, a conexão, peculiarmente estreita, [[entre]] [[alma]] e [[corpo]], que caracteriza a [[mulher]], mostra seus mais claros efeitos no [[sagrado]] recinto do [[amor]]. Se compararmos [[homens]] e [[mulheres]] de tipo médio, normais, de igual [[educação]] e cercados do mesmo ambiente [[social]], logo salta à vista sua diferente [[atitude]] diante do [[erotismo]]. É normal que o [[homem]] sinta [[desejos]] de prazeroso arrebatamento carnal para com [[mulheres]] que não despertam  em sua [[alma]] o menor [[afeto]]. Por assim dizer-lo dispõe a seu [[corpo]] para que cumpra os [[ritos]] do [[amor]] carnal, com total ausência de seu [[espírito]]" (1).
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: ''Obras Completas de José Ortega y Gasset'', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 163.
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== 27 ==
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: "Na [[mulher]], o [[corpo]] influi na normalidade da [[vida]] mais do que o do [[homem]]; porém, ao contrário, esse comportamento frequente faz com que a [[mulher]], não doente, domine mais seu [[corpo]] do que o [[homem]]. Daí o estranho [[fenômeno]] de que a [[mulher]] resista à grande [[dor]] e à miséria física melhor que o [[homem]] e, em contrapartida, seja mais comedida em entregar-se aos prazeres excessivos, daí a surpreendente eurritmia e comedimento na postura [[feminina]], no compasso e contenção em seus gestos, um não sei quê de recolhido e contenção que tem o [[corpo]] da [[mulher]]" (1).
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: ''Obras Completas de José Ortega y Gasset'', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.
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== 28 ==
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: "Nesta observação creio que pode achar-se a [[causa]] desse [[fato]] [[eterno]] e [[enigmático]] que percorre a [[história]] [[humana]] de ponta a ponta, e de que não se deram senão [[explicações]] estúpidas ou superficiais: refiro-me à imortal propensão da [[mulher]] ao [[adorno]] e ao embelezamento do seu [[corpo]]. Visto à luz da [[ideia]] que exponho, nada mais natural e, ao mesmo tempo, inevitável. Sua nativa [[formação]] fisiológica impõe à [[mulher]] o hábito de fixar-se, de atender a seu [[corpo]], que vem a ser o [[objeto]] mais próximo dentro da [[perspectiva]] de seu [[mundo]]. E como a [[cultura]] não é senão a ocupação reflexiva sobre aquilo para o qual nossa atenção se volta preferencialmente, a [[mulher]] criou a egrégia [[cultura]] do [[corpo]], que, historicamente, começou pelo [[adorno]], prosseguiu pelo asseio e se concluiu pela cortesia, genial invento [[feminino]], que é, em conclusão, a fina [[cultura]] do gesto" (1).
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: ''Obras Completas de José Ortega y Gasset'', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.
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== 29 ==
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: "O que no [[diálogo]] se entretece é o que somos como [[mundo]]. Mas há o [[mundo]] do [[orgânico]] e o [[mundo]] do [[corpo]]. Ao [[organismo]] corresponde o [[mundo]] já dado e manifestado enquanto [[rede]] de [[relações]] e [[funções]]. É o [[mundo]] das [[disciplinas]], da [[língua]] como [[código]], da [[linguagem]] como [[meio]]. Ao [[corpo]] corresponde o [[mundo]] [[inaugural]], [[poético]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o ''entre''". Revista ''Tempo Brasileiro'': Rio de Janeiro: ''Interdisciplinaridade: dimensões poéticas'', 164, jan.-mar., 2006, p. 34.
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== 30 ==
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: "Os [[olhos]] são a [[luz]] do [[corpo]]. Se os [[olhos]] forem [[bons]], o [[corpo]] será luminoso. Mas, se forem [[maus]], o [[corpo]] estará em trevas" (1) (2).
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: Referências:
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: (1) MATEUS, VI, 22).
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: (2) Citado no início do filme de Wim Wenders: ''Tão perto...tão longe''. Prêmio do Grande Júri em Cannes, 1993.
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== 31 ==
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: "Na [[cultura]] [[chinesa]], sem partir de [[dicotomias]], a [[energia]] que flui em nosso [[corpo]] e o constitui como um todo na [[unidade]] de suas [[partes]], é proveniente de cinco [[fontes]] de [[energia]] interligadas [[essencialmente]] através dos cinco [[elementos]], na [[disputa]] (''[[polemos]]'', dizem os [[gregos]]) [[entre]] [[Yin]] e [[Yan]]. Os cinco [[elementos]] são: [[Fogo]], [[Terra]], Metal, [[Água]], Madeira ([[matéria]]). E as [[energias]] são: 1a. [[ancestral]]; 2a. dos alimentos; 3a. do [[ar]]; 4a. do [[cosmo]] / meio ambiente; 5a. das [[relações]] [[afetivas]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: ''Desdobramentos do corpo no século XXI''. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 23.
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== 32 ==
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: "[[Energia]] [[Cósmica]]. É difícil [[apreender]] toda [[importância]] desta [[energia]] pela [[densidade]] e [[amplitude]] de sua [[atuação]] e [[presença]]. Aí [[cósmica]] não diz uma noção [[científica]] e [[astronômica]], [[espacial]]. Não se trata de [[meio ambiente]] no [[sentido]] [[espacial]]. Propriamente diz [[habitação]], [[morada]], onde, além de entrar em [[harmonia]] com [[tudo]] e [[todos]], também vigora aí a [[energia]] [[cósmica]] como [[mundo]] e [[sentido]] de [[tudo]]. [[Habitar]] é o difícil [[exercício]] [[existencial]] de [[harmonizar]] essa [[tensão]] [[diferenciadora]] [[entre]] o que [[sou]] e o [[lugar]] do [[habitar]], pois este não determina, mas influi ou para ''[[Yin]]'' ou para ''[[Yan]]''. Isso [[é]] [[ser]] [[corpo]]" (1).
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:  Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: ''Desdobramentos do corpo no século XXI''. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 24.
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== 33 ==
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: "A frase de Chantal ecoava-lhe na cabeça e ele [[imaginava]] a [[história]] do seu [[corpo]]: ele estava perdido [[entre]] milhões de [[outros]] [[corpos]] até o dia em que um [[olhar]] de [[desejo]] pousou sobre ele e o tirou da [[multidão]] nebulosa; em seguida, os [[olhares]] se multiplicaram e incendiaram esse [[corpo]] que desde então [[atravessa]] o [[mundo]] como uma tocha; é o [[tempo]] de uma glória [[luminosa]], mas, logo depois, os [[olhares]] vão começar a escassear, a [[luz]] se apagará pouco a pouco até o [[dia]] em que esse [[corpo]], translúcido, depois transparente, depois  [[invisível]], irá passear pelas ruas como um pequeno [[nada]] ambulante" (1).
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: Referência:
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: (1) KUNDERA, Milan. ''A identidade'', trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 31.
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== 34 ==
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: "Aliás, se perguntou, o que é um [[segredo]] [[íntimo]]? Será que é nisso que reside o que há de mais [[individual]], de mais [[original]], de mais [[misterioso]] num [[ser humano]]? Será que esses [[segredos]] [[íntimos]] fazem de Chantal esse [[ser]] [[único]] que ele ama? Não. É [[secreto]] aquilo que é mais corriqueiro, mais banal, mais repetitivo e [[comum]] a [[todos]]: o [[corpo]] e suas [[necessidades]], suas doenças, suas manias, a prisão de ventre, por exemplo, ou a menstruação. Se escondemos pudicamente essas [[intimidades]], não é porque elas são tão [[pessoais]], mas, ao contrário, porque são lamentavelmente [[impessoais]]" (1).
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: Referência:
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: (1) KUNDERA, Milan. ''A identidade'', trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 74.
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== 35 ==
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: "... [[corpo]] é o [[acontecimento]] [[arcaico]] ou i-mediato da ou na [[vida]], o proto-fenômeno ou o [[fenômeno]] [[originário]] (“Urphänomen”, segundo uma expressão de Goethe, num outro [[contexto]] e, claro, com outra [[conotação]]), na verdade, o [[mesmo]] que [[vida]]" (1).
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: Referência:
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:  (1) FOGEL, Gilvan. "Notas sobre o corpo”. In: ''Arte: corpo, mundo e terra''. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 36.
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== 36 ==
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: "[[Tudo]] se torna [[con-creto]] na [[imagem-questão]] do [[corpo]], do [[incorporar]]. [[Incorporar]] é deixar-se [[conduzir]] pelo “in-”, de onde nos provém o “[[entre]]”. Toda [[viagem/leitura]] é uma [[caminhada]] do [[corpo]], com o [[corpo]] e no [[corpo]]. Nele, [[tudo]] isso que constitui o [[ser-humano]] se incorpora. O [[corpo]] (não confundir com [[organismo]]) não é uma [[extensão]], é o [[con-crescer]] [[poético]] do que é o [[ser-humano]] no que lhe é [[próprio]]: o [[humano]]" (1).
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: Referência:
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: (1) Cf. "A ação e a caminhada de vida". In: www.travessiapoetica.blogspot.com, 2006. Blog de Manuel Antônio de Castro.
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== 37 ==
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: "[[Caminho]] de [[passagens]] e [[paragens]] quer [[dizer]] aqui o [[processo]] [[poético]] de [[incorporação]] do que cada [[ser-humano]] já desde sempre [[é]] no que lhe é [[próprio]], em sua [[identidade]] de [[diferenças]]. Por isso, a [[incorporação]] pressupõe [[passagens]] e [[paragens]]. Estas indicam um [[movimento]] [[poético]] de [[ascensão]] e [[descensão]], de [[desvelamento]] e [[velamento]], de [[pôr]] e [[depor]], que vão dando [[corpo]] ao que somos. Este não deve ser confundido com [[organismo]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: caminho de paragens e passagens". In: ---------. ''Leitura: questões''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 200.
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== 38 ==
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: "Nosso [[corpo]] é feito de [[paragens]] ([[limites]]) e de [[passagens]] ([[não-limites]]). O [[corpo]]-[[acontecimento]] é o [[entre]]-[[ver]], [[entre]]-[[ter]], [[entre]]-[[compreender]] de [[paragens]] e [[passagens]], articulados no [[pensar]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: caminho de paragens e passagens". In: ---------. ''Leitura: questões''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 200.
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== 39 ==
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: " - ''Qual o [[aprendizado]] que se pode tirar do isolamento?'' ".
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:  '' - Aquilo que já sabíamos e havíamos esquecido: somos um só  [[corpo]], com todo o [[planeta]]. Não existe [[nada]] nem [[ninguém]] separado. Somos a [[vida]] da [[Terra]] em [[transformação]] e pertencemos à [[espécie]] [[humana]]. Não importa se seus [[olhos]] são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu, que [[língua]] [[fala]]" (1).
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: Referência:
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: (1) "O vírus faz lembrar que somos todos humanos". Entrevista dada  pela Monja Coen - Líder espiritual - à jornalista Maria Fortuna. In: '''O Globo''', ''Segundo Caderno'', 19-03-2020, p. 1.
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== 40 ==
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: "A [[diferença]] e [[referência]] [[entre]] [[consciente]] e [[inconsciente]] não se pode [[reduzir]] apenas a [[mecanismos]] e [[processadores]], mas inclui ambas as [[coisas]]. O que a [[fenomenologia]] do [[fenômeno]] nos faz [[perceber]] é que qualquer emergente na [[vida]] perfaz um [[movimento]] só na [[criação]] das [[pessoas]]. Sem o [[percurso]] desta [[identidade]], de [[igualdade]] e [[diferença]], não é [[possível]] [[sentir-se]] dentro nem encontrar-se com [[movimento]] de [[transformação]] da [[fenomenologia]] de todo [[fenômeno]]. Assim é indispensável passar dos [[mecanismos]] para o [[sentido]] que revelam e a que visam  os [[mecanismos]]" (1).
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: Quando examinamos o [[ser humano]] e dizemos que ele é constituído por um [[organismo]], reduzimos seu [[corpo]] apenas aos [[mecanismos]] e seus [[processos]] de [[funcionamento]]. E esquecemos que um [[corpo]] não pode ser [[reduzido]] a isso, não pode ser reduzido a [[funções]]. Seu [[corpo]] é mais complexo e [[rico]]. E a grande [[diferença]] é que o [[corpo]] em sua [[realização]] como [[pessoa]] portadora de uma [[identidade]] e [[diferença]], sempre se dá na dinâmica da [[caminhada]] ([[existência]]) da [[realização]] de um [[sentido]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: -----. '''Filosofia contemporânea'''. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 70.
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== 41 ==
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: "''[[Poesia]]'' é conceder [[silêncio]] à [[palavra]] (que é [[corpo]]) e ceder [[palavra]]-[[corpo]] ao [[silêncio]], enquanto ''[[dança]]'' propriamente é a concessão de [[corpo]] (que é [[palavra]]) ao [[nada]] e imediatamente, cessão de [[nada]] à [[corporeidade]]. ''[[Dança]]'' é, portanto, ''conceber o [[corpo]] [[poeticamente]]''. Poetizar é ''[[consumar]] a [[palavra]] como [[dança]]'' " (1).
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: Referência:
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: FAGUNDES, Igor. '''Macumbança''' - '''Poesia''' - '''Música''' - '''Dança'''. São Paulo / Guaratinguetá: Editora Penalux, 2020, p. 110.
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== 42 ==
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 +
: mergulho na nascente do meu [[corpo]]
 +
: e chego a outro [[mundo]]
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: eu tenho [[tudo]]
 +
: de que preciso aqui [[dentro]]
 +
: não há [[motivo]] para [[procurar]]
 +
: em outro [[lugar]]
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 +
: ''- [[casa]]''      (1)
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 +
: Referência:
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 +
:  (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 160.
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== 43 ==
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: Então [[corpo]] é [[linguagem]], [[mundo]] e [[memória]]. Marcar [[presença]], fazer-se [[presente]], [[apresentar-se]], [[dar]] [[presença]], [[tudo]] isto diz o [[corpo]] em sua tensão manifestativa, [[sendo]]. O [[presentificar-se]] é, portanto, tanto a [[escuta]] como a [[visão]] que se dá a [[ver]]. O [[corpo]] então é o ''[[logos]]'' que a [[tudo]] põe, reúne e diz.
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
: - [[Manuel Antônio de Castro]].

Edição atual tal como 02h38min de 9 de Outubro de 2022

1

Corpo é uma questão. E como questão não cabe numa definição que o configure enquanto essência. Qualquer resposta implica necessariamente um mergulho nas questões em que o corpo se tece e entretece: O que é o Ser? O que é o ser humano? O que é a verdade? Não são três questões sucessivas, porém, a referência de Ser e essência do ser humano acontece no desvelar-se enquanto verdade, sentido, linguagem e mundo. A esse desvelamento denominaram todas as culturas e épocas: corpo. Evidente que é um corpo social e poético.


- Manuel Antônio de Castro

2

As recentes descobertas da genética podem esclarecer nossa compreensão do corpo e da alma. O que Fritjof Capra afirma no livro A teia da vida (1) é que cada célula é uma parte que, em si, contém o todo. O que ocorre em micro ocorre em macro. É o código genético que sempre comparece e desfaz a visão tradicional metafísica, acentuada pelo cartesianismo. Capra fala de reciclagem e resíduos no processo de a célula se produzir e reproduzir, produzindo o próprio código genético. Guimarães Rosa no conto "Nada e a nossa condição" (2) mostra, no final, a "cremação" do corpo/casa e depois de um ascender acima da montanha numa transfiguração misteriosa, onde luz e trevas não se distinguem, descem à Terra as cinzas. Resíduos? Mas não são as cinzas que refertilizam a terra-mãe? Contudo, há algo mais complexo: a relação do código genético com a Moira / destino, ou seja, a realização de cada um em seu sentido. A genética não fala da realização do corpo como sentido e experienciação de vida. A reunião da genética com o sentido da vida dá-se no mito de "Cura", de Higino. Trata-se de refletir aí sobre a ação em seu sentido originário. Temos ser, conhecer e dizer, inter-ligados. Aí o enigma se dá em torno do "inter", que é o solo comum onde cresce o ser, o conhecer/perceber e o dizer (em grego: on/einai, noein, legein). É a ação e seu sentido que dão o alcance de cada um desses três núcleos. Mas uma tal ação provém do "inter". Ora, no ser humano, o "código genético", se comparado com o de um outro qualquer on/ente, mostra uma diferença radical: se, por um lado, já lhe é doado, por outro, o "seu sentido" vem do agir que une einai/ser, noein/perceber e pensar, legein/dizer. Porém, um tal agir tende para a sua plenitude de sentido na medida em que há uma transfiguração, mas num nível e densidade que vão além do que ocorre na célula de uma planta. Na cadeia da vida, vida e morte são um processo em diferentes escalas de metabolismo, reciclagem e resíduos. Contudo, o que isso quer dizer em termos do ser humano, enquanto o humano do ser humano? Não seria o que Rosa nos diz? Mas então como distinguir corpo e alma? Não podemos considerar o corpo como algo apenas, mas o que nesse algo se realiza como mundo e sentido. E é neste horizonte que deve ser considerada nossa finitude frente ao não-finito.


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 2004.
(2) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ______. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.

3

Descartes separa o ser-humano-corpo em duas realidades: res cogitans/realidade pensante e res extensa/realidade extensa. Essa divisão é a base da modernidade, daí a dificuldade de hoje pensar o corpo como um todo. Não só isso, experienciá-lo como um todo. A argumentação da consciência, determinando não só o ser mas o próprio real/corpo só é aceitável se admitirmos a dicotomia cartesiana. Isso levou a entender a leitura apenas como um exercício racional-silencioso ou em voz alta, mas do qual se afastou o corpo. A tripla leitura de voz-razão, música e dança procura resgatar a leitura-corpo. Mas essas três só são possíveis a partir da escuta do que se é. No que se é, nunca há a dicotomia cartesiana. As observações de Freud não seriam, no fundo, sobre a recusa do corpo como um todo?


- Manuel Antônio de Castro

4

Pode-se pensar o corpo como conceito ou como questão. E, então, tudo será diferente em relação ao corpo e em nossa relação com ele. No corpo, todas as filosofias, religiões e teorias científicas são aí contidas, incorporadas. Mas quando deixamos o corpo ser, ele se tornará corpo-poesia e corpo-pensamento. O corpo como corpo é sempre insólito, admirável, misterioso, mágico. Deixar o corpo ser corpo, pensar o corpo, eis a questão. Toda obra de arte é um corpo se é obra de arte. Não importa a Musa que a preside.


- Manuel Antônio de Castro

5

A tensão entre poiesis e linguagem se dá concretamente na estrutura. Aí podemos entender estrutura de duas maneiras: como organização e como corpo. É nesta distinção que se decide essencialmente a di-ferença e re-ferência entre função e referência. Na relação, o corpo está em função da organização, do sistema, enquanto faz estes funcionarem tendo em vista o próprio sistema, sem levar em conta o corpo. Corpo é a con-figuração do ser humano tendo em vista o que é enquanto identidade e existência, e não mera organização, ou seja, não se reduz a ter uma função dentro da organização.


- Manuel Antônio de Castro

6

A ideia de corpo do ser humano é muito restrita como tal. Contudo, ele, como célula de um corpo maior, contém todo o código genético, toda memória. Que corpo maior seria este?
Em princípio, há três corpos, claro, perfazendo e sendo um e o mesmo no sentido de Heráclito: "[...] hèn pánta eînai" (Tudo é um)"(1).
Na realidade, são três corpos misteriosamente unidos. O mais imediato é meu corpo, com tudo que sou e não sou. Mas este está integrado a um corpo maior que é a mãe Terra. Desta faz também parte a Lua e os demais planetas, indo até não se sabe onde. É no corpo terra-lua que estão integrados todos os corpos sociais, constituídos pelos diferentes povos e culturas. Todo social está integrado a uma terra-lua. A presença da Lua e dos planetas se dá misteriosamente. O exemplo mais pregnante é a referência: Mulher-Terra-Lua. A Lua como satélite da Terra é um conceito que não leva a nada. Já a Lua como corpo-terra se faz presente nas marés, nas estações, nas colheitas. Faz-se muito mais presente no ciclo lunar e no ciclo menstrual da mulher. Isso quer dizer que está profunda e misteriosamente ligada à fertilidade, que dá a identidade do que é ser mulher, e ao ciclo vida / morte. Mas há um terceiro corpo que a tudo engloba numa ciranda incessante e maravilhosa. É o grande Corpo Místico como Dzoé. Esta engloba todas as formas de vida e todos os ecossistemas. A ela está ligada a Memória, o Tempo e a Linguagem. Tanto o Corpo-ser-humano como o Corpo-Terra-Lua-Mulher têm seu vigor originário e inaugural no Corpo-Místico-Dzoé.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HERÁCLITO. Os pensadores originários. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.

7

O corpo é o mistério do limiar, a borda de todo trans-bordamento. Daí, o corpo é o vestir do "trans-", que ao se dar com "trans-", permite o aparecimento do corpo como limiar onde convive a borda, a margem e o trans-bordamento, imbricando-se mutuamente. De modo que, o que chamamos de alma é a borda se fazendo alegria, beleza, vida do trans-bordamento e do trans- da travessia. Nela, a diferença e diversidade são um e o mesmo como corpo de verdade e sentido e de fala e voz, escuta e silêncio. Corpo é a visibilidade ressoante do trans: transbordamento e trans-vessia, do diferir na identidade de vida/morte.


- Manuel Antônio de Castro

8

A exigência moderna de se partir do ser humano, impõe que se pense e compreenda o entre-ser como corpo. Esse "corpo" se constitui e se figura no poder-ser como questão, em que ela é poético-onto-fenomenologicamente o pro-jeto das possibilidades do poder-ser como disposição e compreensão. Como entre-ser o corpo é a Cura e as pro-curas, e reúne em-si e no para-si, como abertura dada pela Cura, mundo e verdade. A nossa condição "corporal" é ser-no-mundo, ser-em e ser-com. Realizar o projeto do entre-ser e o entre-ser do projeto é realizar o poder-ser inerente ao entre, à Cura. E isso é realizar o corpo. Realizar o corpo é realizar o ser-humano como Entre-ser. Tal realização se dá na medida em que o corpo se torna obra de arte, ou seja, o sentido do entre-ser.


- Manuel Antônio de Castro
Ver também:

9

"O uso de um órgão/parte do corpo humano para descrever um aspecto metafísico é uma prática comum no mundo inteiro. Os textos e símbolos do Antigo Egito são vastamente permeados com este entendimento de que o homem (no todo e em partes) é a imagem do Universo (no todo e em partes)" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 95.

10

"O corpo é entendido, hoje, como organismo, funcionando como combinação estrutural entre partes; como produto de um código genético, mapeável determinação que operacionaliza todo o nosso devir biológico; como entidade étnico-política, representando valores nos vetores do jogo de forças sociais; como força de trabalho a serviço de um projeto econômico e político que escraviza os corpos que promete libertar pelo consumo; como matéria e forma combinadas de diversas maneiras, conforme a estética que se imponha em cada conjuntura ou que se exponha em cada produto cultural. Por um lado, fica claro que não se entende o corpo em sua corporeidade – porque já não se pergunta pelo vigor que o corpo é. Por outro, o que é comum a todos estes encaminhamentos não-corporais de representação do corpo é o entendimento de que ele seja algo como uma unidade material do ente " (1).


Referência:
(1) BRAGA, Diego. "A terceira margem do mito: hermenêutica da corporeidade". In: Revista Terceira margem. Revista do Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ. Ano XIV, 22, jan.-jun, 2010, p. 53.

11

"A cada cultura corresponde alguma concepção de corpo, pois só podemos falar de cultura e corpo já no horizonte de uma concepção do que seja o homem e a realidade. E, hoje, apelar para alguma disciplina e verdade científica como teoria certa, exata e única, é uma nescidade. Na globalização, a "religião da ciência e seus dogmas e verdade única" ruiu" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A filosofia e o pensamento do corpo". In: MONTEIRO, Maria Conceição e GIUCCI, Guillermo (Org.). Desdobramentos do corpo no século XXI. Rio de Janeiro: Editora Caetés / FAPERJ, 2016, p. 15.

12

"O que vem à presença e aparece a partir de si mesmo são os corpos (somata, em grego) animados e inanimados. Aquilo que, de maneira bem indeterminada nós nomeamos espaço é representado na ótica do corpo vindo à presença" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

13

"A acupuntura, que é considerada chinesa, na verdade, é egípcia. Os chineses referem-se a estes doze centros de poder, como os doze meridianos do corpo" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 95.

14

"Em meio às muitas procuras de cura, é a própria Cura a nossa cura de nossas procuras. Ela é tanto o equilíbrio externo quanto o interno, cujo centro vital é nosso ser, nosso próprio. Como? Na harmonia de estar e ser, porque como seres do entre sempre estamos sendo. Ora tendemos mais para o estar, ora para o ser, quando o essencial é procurar e achar a justa medida de ser e estar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 232.

15

"Aristóteles nomeia aquilo que nós chamamos de espaço com dois nomes diferentes [em grego]: Topos e chora. Topos é o espaço que um corpo ocupa imediatamente. Este espaço ocupado pelo corpo foi inicialmente configurado pelo corpo (soma, em grego). Este espaço tem os mesmos limites que o corpo. Uma observação a este propósito: o limite não é, para os gregos, aquilo pelo qual alguma coisa cessa e toma fim, mas aquilo a partir de onde alguma coisa começa, por onde ela tem seu acabamento. O espaço ocupado por um corpo, topos, é o seu lugar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

16

"Considerando que somos um corpo, não um organismo, não há distinção entre o material, o intelectual e o afetivo-sentimental. Somos uma unidade corporal enquanto corpo -eros-mundo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.

17

A resposta à questão “o que é o corpo?” é muitas vezes confundida com organismo, porque não se considera a questão que lhe é correlata da diferença ontológica, isto é, a diferença que constitui a especificidade do ser humano e o distingue de todos os demais entes, sejam eles animais, vegetais, minerais. Por tal diferença o ser humano se torna humano na medida em que ontologicamente já mora na clareira do ser e só pelo pensar do ser que nele se dá, ele desvela no seu agir o sentido de todos os demais entes.


- Manuel Antônio de Castro

18

Outro é o ritmo do tempo em sua densidade poética, de onde surgem relações afetivas sob a efetiva vigência do tempo de eros, na vigência do tempo da proximidade e da distância. Temos de compreender que o tempo acontece no compasso do ser corpo, do incorporar o que se é e está sendo. Não é o fazer que faz o corpo e suas experienciações, mas o ser, realizando-se, incorporando-se, acontecendo, sendo. Dessa maneira, a relação e referência entre corpos tem uma duração própria e não técnica nem mecânica, inacessível às experiências.


- Manuel Antônio de Castro.

19

"Para os antigos egípcios, o homem, como um Universo em miniatura, representa as imagens de toda a criação. Já que Ra - o impulso criativo cósmico - é chamado de Aquele que reuniu, surgiu a partir de seus membros, então, o ser humano (a imagem da criação) é, similarmente, Um que reuniu. O corpo humano é uma unidade formada por diferentes partes colocadas juntas. Na Litania de Ra, cada uma das partes do corpo do homem divino é identificado com um neter/netert "(1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.

20

"Para os antigos egípcios, o homem era a personificação das leis da criação e, assim, as funções e processos fisiológicos das várias partes do corpo eram vistas como manifestações das funções cósmicas. Os membros e os órgãos tinham uma função metafísica, além de seu objetivo físico. As partes do corpo eram consagradas a um dos neteru (princípios divinos), que aparecem nos registros egípcios históricos recuperados" (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "O Ser Humano". In: ------. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 91.

21

"O que é o corpo? O alcance do que seja o humano, os humanismos e até o trans-humano, já deriva fundamentalmente do que seja concebido como corpo. Mas o corpo é uma questão ou é redutível às correntes conceituações científicas ou religiosas? E como se concebe o corpo, quando se trata de linguagem e poesia? A própria concepção do lugar do corpo do ser humano no universo já depende do que se compreenda, tanto pelo que seja o corpo, quanto pelo que seja o universo (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. " Eros, humano e os humanismos". In: MONTEIRO, Maria Conceição e outros (org.). Eros, Tecnologia, Transumanismo. Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2015, p. 43.

22

"Seja para o pensamento, seja para as artes, Éros sempre foi a grande questão, sendo a mais tematizada, interpretada e aprofundada. Por detrás do seu agir, como aquilo que o move, está sempre o Amor do amar. Dessa maneira, há uma certa impropriedade em se falar de Éros como algo substantivo, pois remete facilmente para a sua interpretação e compreensão como algo, como um ente. E não é isso Éros. Como essência do agir é total e completa energia de realização, é luz irradiante em contínuo acontecer. E isso já nos obriga a compreender o que é o corpo do ser humano, em toda a sua complexidade e densidade, muito além de um simples organismo e seu funcionamento. O ser humano, sendo essencialmente o agir de Eros, jamais pode ser reduzido a um corpo orgânico ou mecânico ou virtual. Sendo filhos, como somos de Pênia, a Pobreza, pro-curamos pelo que nos é necessário: o Bem) (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. " Eros, humano e os humanismos". In: MONTEIRO, Maria Conceição e outros (org.). Eros, Tecnologia, Transumanismo. Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2015, p. 45.

23

"Do mundo exterior não percebemos em cada momento senão um pequeno pedaço, uma reduzida paisagem ou aspecto que se nos apresenta destacado em relação à vaga totalidade, difusa e latente, do universo material. Por que percebemos em cada momento esse pedaço e só ele, em tão determinada perspectiva? Sem dúvida porque nosso corpo - coisa entre coisas - ocupa um certo lugar e nele recebe certas influências físicas que o modificam. Entre o universo e nós se intercala nosso corpo como um crivo ou retícula que seleciona por meio de suas sensações o acúmulo imenso de objetos que integram o mundo" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.

24

"É um fato notório que o corpo feminino está dotado de uma sensibilidade interna mais viva que a do homem, isto é, que nossas sensações orgânicas intracorporais são vagas e como que surdas comparadas com as da mulher. Neste fato vejo eu uma das raízes de onde emerge, sugestivo, gentil e admirável, o esplêndido espetáculo da feminilidade" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.

25

"A relativa hiperestesia das sensações orgânicas da mulher faz com que seu corpo exista para ela mais que para o homem o seu. Nós, homens, normalmente, esquecemos nosso irmão corpo; não sentimos que o temos, a não ser com o muito frio ou com o muito calor da extrema dor ou do extremo prazer. Entre nosso eu puramente psíquico e o mundo exterior não parece se interpor nada. Na mulher, pelo contrário, é solicitada constantemente a atenção pela vivacidade de suas sensações intracorporais: sente a toda hora seu corpo como interposto entre o mundo e seu eu, leva-o sempre diante de si, ao mesmo tempo como um escudo que defende ou prenda vulnerável. As consequências disto são claras: toda a vida psíquica da mulher está mais fundida com seu corpo que a do homem; quer dizer, sua alma é mais corporal - porém, vice-versa, seu corpo convive mais constante e estreitamente com seu espírito; quer dizer, seu corpo está mais tomado pela alma. Ocasiona, com efeito, na pessoa feminina um grau de penetração entre corpo e espírito muito mais elevado que na do homem. No homem, comparativamente, costumam ir cada um por seu lado; corpo e alma sabem pouco um do outro e não são solidários; pelo contrário atuam como irreconciliáveis inimigos" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.

26

"Porém, a conexão, peculiarmente estreita, entre alma e corpo, que caracteriza a mulher, mostra seus mais claros efeitos no sagrado recinto do amor. Se compararmos homens e mulheres de tipo médio, normais, de igual educação e cercados do mesmo ambiente social, logo salta à vista sua diferente atitude diante do erotismo. É normal que o homem sinta desejos de prazeroso arrebatamento carnal para com mulheres que não despertam em sua alma o menor afeto. Por assim dizer-lo dispõe a seu corpo para que cumpra os ritos do amor carnal, com total ausência de seu espírito" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 163.

27

"Na mulher, o corpo influi na normalidade da vida mais do que o do homem; porém, ao contrário, esse comportamento frequente faz com que a mulher, não doente, domine mais seu corpo do que o homem. Daí o estranho fenômeno de que a mulher resista à grande dor e à miséria física melhor que o homem e, em contrapartida, seja mais comedida em entregar-se aos prazeres excessivos, daí a surpreendente eurritmia e comedimento na postura feminina, no compasso e contenção em seus gestos, um não sei quê de recolhido e contenção que tem o corpo da mulher" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.

28

"Nesta observação creio que pode achar-se a causa desse fato eterno e enigmático que percorre a história humana de ponta a ponta, e de que não se deram senão explicações estúpidas ou superficiais: refiro-me à imortal propensão da mulher ao adorno e ao embelezamento do seu corpo. Visto à luz da ideia que exponho, nada mais natural e, ao mesmo tempo, inevitável. Sua nativa formação fisiológica impõe à mulher o hábito de fixar-se, de atender a seu corpo, que vem a ser o objeto mais próximo dentro da perspectiva de seu mundo. E como a cultura não é senão a ocupação reflexiva sobre aquilo para o qual nossa atenção se volta preferencialmente, a mulher criou a egrégia cultura do corpo, que, historicamente, começou pelo adorno, prosseguiu pelo asseio e se concluiu pela cortesia, genial invento feminino, que é, em conclusão, a fina cultura do gesto" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.

29

"O que no diálogo se entretece é o que somos como mundo. Mas há o mundo do orgânico e o mundo do corpo. Ao organismo corresponde o mundo já dado e manifestado enquanto rede de relações e funções. É o mundo das disciplinas, da língua como código, da linguagem como meio. Ao corpo corresponde o mundo inaugural, poético" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 34.

30

"Os olhos são a luz do corpo. Se os olhos forem bons, o corpo será luminoso. Mas, se forem maus, o corpo estará em trevas" (1) (2).


Referências:
(1) MATEUS, VI, 22).
(2) Citado no início do filme de Wim Wenders: Tão perto...tão longe. Prêmio do Grande Júri em Cannes, 1993.

31

"Na cultura chinesa, sem partir de dicotomias, a energia que flui em nosso corpo e o constitui como um todo na unidade de suas partes, é proveniente de cinco fontes de energia interligadas essencialmente através dos cinco elementos, na disputa (polemos, dizem os gregos) entre Yin e Yan. Os cinco elementos são: Fogo, Terra, Metal, Água, Madeira (matéria). E as energias são: 1a. ancestral; 2a. dos alimentos; 3a. do ar; 4a. do cosmo / meio ambiente; 5a. das relações afetivas" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 23.

32

"Energia Cósmica. É difícil apreender toda importância desta energia pela densidade e amplitude de sua atuação e presença. Aí cósmica não diz uma noção científica e astronômica, espacial. Não se trata de meio ambiente no sentido espacial. Propriamente diz habitação, morada, onde, além de entrar em harmonia com tudo e todos, também vigora aí a energia cósmica como mundo e sentido de tudo. Habitar é o difícil exercício existencial de harmonizar essa tensão diferenciadora entre o que sou e o lugar do habitar, pois este não determina, mas influi ou para Yin ou para Yan. Isso é ser corpo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Filosofia e o pensamento do corpo". In: Desdobramentos do corpo no século XXI. MONTEIRO, Maria Conceição & GIUCCI, Guilhermo (orgs.). Rio de Janeiro: FAPERJ, Editora Caetés, 2016, p. 24.

33

"A frase de Chantal ecoava-lhe na cabeça e ele imaginava a história do seu corpo: ele estava perdido entre milhões de outros corpos até o dia em que um olhar de desejo pousou sobre ele e o tirou da multidão nebulosa; em seguida, os olhares se multiplicaram e incendiaram esse corpo que desde então atravessa o mundo como uma tocha; é o tempo de uma glória luminosa, mas, logo depois, os olhares vão começar a escassear, a luz se apagará pouco a pouco até o dia em que esse corpo, translúcido, depois transparente, depois invisível, irá passear pelas ruas como um pequeno nada ambulante" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade, trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 31.

34

"Aliás, se perguntou, o que é um segredo íntimo? Será que é nisso que reside o que há de mais individual, de mais original, de mais misterioso num ser humano? Será que esses segredos íntimos fazem de Chantal esse ser único que ele ama? Não. É secreto aquilo que é mais corriqueiro, mais banal, mais repetitivo e comum a todos: o corpo e suas necessidades, suas doenças, suas manias, a prisão de ventre, por exemplo, ou a menstruação. Se escondemos pudicamente essas intimidades, não é porque elas são tão pessoais, mas, ao contrário, porque são lamentavelmente impessoais" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade, trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 74.

35

"... corpo é o acontecimento arcaico ou i-mediato da ou na vida, o proto-fenômeno ou o fenômeno originário (“Urphänomen”, segundo uma expressão de Goethe, num outro contexto e, claro, com outra conotação), na verdade, o mesmo que vida" (1).


Referência:
(1) FOGEL, Gilvan. "Notas sobre o corpo”. In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 36.

36

"Tudo se torna con-creto na imagem-questão do corpo, do incorporar. Incorporar é deixar-se conduzir pelo “in-”, de onde nos provém o “entre”. Toda viagem/leitura é uma caminhada do corpo, com o corpo e no corpo. Nele, tudo isso que constitui o ser-humano se incorpora. O corpo (não confundir com organismo) não é uma extensão, é o con-crescer poético do que é o ser-humano no que lhe é próprio: o humano" (1).


Referência:
(1) Cf. "A ação e a caminhada de vida". In: www.travessiapoetica.blogspot.com, 2006. Blog de Manuel Antônio de Castro.

37

"Caminho de passagens e paragens quer dizer aqui o processo poético de incorporação do que cada ser-humano já desde sempre é no que lhe é próprio, em sua identidade de diferenças. Por isso, a incorporação pressupõe passagens e paragens. Estas indicam um movimento poético de ascensão e descensão, de desvelamento e velamento, de pôr e depor, que vão dando corpo ao que somos. Este não deve ser confundido com organismo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: caminho de paragens e passagens". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 200.

38

"Nosso corpo é feito de paragens (limites) e de passagens (não-limites). O corpo-acontecimento é o entre-ver, entre-ter, entre-compreender de paragens e passagens, articulados no pensar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura: caminho de paragens e passagens". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 200.

39

" - Qual o aprendizado que se pode tirar do isolamento? ".
- Aquilo que já sabíamos e havíamos esquecido: somos um só corpo, com todo o planeta. Não existe nada nem ninguém separado. Somos a vida da Terra em transformação e pertencemos à espécie humana. Não importa se seus olhos são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu, que língua fala" (1).


Referência:
(1) "O vírus faz lembrar que somos todos humanos". Entrevista dada pela Monja Coen - Líder espiritual - à jornalista Maria Fortuna. In: O Globo, Segundo Caderno, 19-03-2020, p. 1.

40

"A diferença e referência entre consciente e inconsciente não se pode reduzir apenas a mecanismos e processadores, mas inclui ambas as coisas. O que a fenomenologia do fenômeno nos faz perceber é que qualquer emergente na vida perfaz um movimento só na criação das pessoas. Sem o percurso desta identidade, de igualdade e diferença, não é possível sentir-se dentro nem encontrar-se com movimento de transformação da fenomenologia de todo fenômeno. Assim é indispensável passar dos mecanismos para o sentido que revelam e a que visam os mecanismos" (1).
Quando examinamos o ser humano e dizemos que ele é constituído por um organismo, reduzimos seu corpo apenas aos mecanismos e seus processos de funcionamento. E esquecemos que um corpo não pode ser reduzido a isso, não pode ser reduzido a funções. Seu corpo é mais complexo e rico. E a grande diferença é que o corpo em sua realização como pessoa portadora de uma identidade e diferença, sempre se dá na dinâmica da caminhada (existência) da realização de um sentido.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: -----. Filosofia contemporânea. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 70.

41

"Poesia é conceder silêncio à palavra (que é corpo) e ceder palavra-corpo ao silêncio, enquanto dança propriamente é a concessão de corpo (que é palavra) ao nada e imediatamente, cessão de nada à corporeidade. Dança é, portanto, conceber o corpo poeticamente. Poetizar é consumar a palavra como dança " (1).


Referência:
FAGUNDES, Igor. Macumbança - Poesia - Música - Dança. São Paulo / Guaratinguetá: Editora Penalux, 2020, p. 110.

42

mergulho na nascente do meu corpo
e chego a outro mundo
eu tenho tudo
de que preciso aqui dentro
não há motivo para procurar
em outro lugar
- casa (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 160.

43

Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa, sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o logos que a tudo põe, reúne e diz.


- Manuel Antônio de Castro.
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