Memória

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: Hoje começamos a [[saber]] que o [[ser humano]] co-participa com os demais [[seres]] de [[ecossistemas]]. Mas estes não dizem respeito apenas à cadeia [[vital]]. [[Tudo]] é mais complexo. Por isso, o [[ser humano]] tem sido estudado em relação a três grandes [[sistema|sistemas]]: o [[orgânico-vital]], o [[social]], o [[psíquico]]. Contudo, algo mais [[fundamental]] articula estes três [[sistemas]]: a [[memória]]. Mas como ela perfaz e percorre os três, não se deixando esgotar, ela vai estar ligada ao [[ser]]. E por quê? Porque inclui o [[Ética|ético]], o [[uno]], o [[bom]] e o [[belo]], que estão para além do [[conhecimento]], [[princípio]] que estrutura os três [[sistemas]]. Conferir os [[transcendentais]]. Por isso o [[código]] [[genética|genético]] não pode ficar adstrito ao [[conhecimento]], ou seja, o que é um [[sistema]] de [[signos]] para [[comunicar]] e manifestar [[conhecimentos]]. Ele tem um encontro marcado com a [[memória]] enquanto [[ser]]. É que o [[ser]] é mais [[radical]] enquanto [[memória]], pois nesta se faz presente e dá [[unidade]]: o [[ético]], o [[sentido]] de realização da [[vida]]. Como o [[conhecimento]] do [[ético]] não pode ser ensinado, só o [[conhecimento]] configurado numa [[moral]], aquilo que dá [[sentido]] a todo [[agir]] é a [[memória]] enquanto [[sentido do ser]]. A [[moral]] é objeto de ensino e aprendizado. O [[ético]] é um [[processo]] de [[aprendizagem]], [[fundado]] no [[sentido do ser]]. A [[memória]] do [[ser]] é o [[bom]], o [[ético]] e o [[belo]], ou seja, o [[poético]], na [[unidade]] do que se [[é]] e recebeu para [[ser]].
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: Hoje começamos a [[saber]] que o [[ser humano]] co-participa com os demais [[seres]] de [[ecossistemas]]. Mas estes não dizem respeito apenas à cadeia [[vital]]. [[Tudo]] é mais complexo. Por isso, o [[ser humano]] tem sido estudado em relação a três grandes [[sistema|sistemas]]: o [[orgânico-vital]], o [[social]], o [[psíquico]]. Contudo, algo mais [[fundamental]] articula estes três [[sistemas]]: a [[memória]]. Mas como ela perfaz e percorre os três, não se deixando esgotar, ela vai estar ligada ao [[ser]]. E por quê? Porque inclui o [[Ética|ético]], o [[uno]], o [[bom]] e o [[belo]], que estão para além do [[conhecimento]], [[princípio]] que estrutura os três [[sistemas]]. Conferir os [[transcendentais]]. Por isso o [[código]] [[genética|genético]] não pode ficar adstrito ao [[conhecimento]], ou seja, o que é um [[sistema]] de [[signos]] para [[comunicar]] e manifestar [[conhecimentos]]. Ele tem um encontro marcado com a [[memória]] enquanto [[ser]]. É que o [[ser]] é mais [[radical]] enquanto [[memória]], pois nesta se faz presente e dá [[unidade]]: o [[ético]], o [[sentido]] de [[realização]] da [[vida]]. Como o [[conhecimento]] do [[ético]] não pode ser ensinado, só o [[conhecimento]] configurado numa [[moral]], aquilo que dá [[sentido]] a todo [[agir]] é a [[memória]] enquanto [[sentido do ser]]. A [[moral]] é objeto de ensino e aprendizado. O [[ético]] é um [[processo]] de [[aprendizagem]], [[fundado]] no [[sentido do ser]]. A [[memória]] do [[ser]] é o [[bom]], o [[ético]] e o [[belo]], ou seja, o [[poético]], na [[unidade]] do que se [[é]] e recebeu para [[ser]].
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: (1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 124.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 124.
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: (1) BOUTONNET, François. ''Mnémosyne''. Paris: Éditions Dis Voir, 2013, p. 7. (Tradução Manuel Antônio de Castro).
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: (1) BOUTONNET, François. '''Mnémosyne'''. Paris: Éditions Dis Voir, 2013, p. 7. (Tradução Manuel Antônio de Castro).
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: "É nessa medida que a memória é por excelência um constituidor de [[mundo]]. Ela é capaz de mundanizar e mundaniza, precisamente, na medida em que é possibilidade de [[transcendência]] de uma imersão completa no âmbito da [[natureza]]. É pela memória que se configura a possibilidade do estabelecimento da [[cultura]]. É colhendo e recolhendo que se estabelece a possibilidade da vigência do [[habitar]]" (1).
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: "É nessa medida que a [[memória]] é por excelência um constituidor de [[mundo]]. Ela é capaz de mundanizar e mundaniza, precisamente, na medida em que é [[possibilidade]] de [[transcendência]] de uma imersão completa no âmbito da [[natureza]]. É pela [[memória]] que se configura a [[possibilidade]] do estabelecimento da [[cultura]]. É colhendo e recolhendo que se estabelece a [[possibilidade]] da [[vigência]] do [[habitar]]" (1).
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: (1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 128.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 128.
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: " Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar de ''memória poética'', que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá [[beleza]] à nossa [[vida]]" (1).
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: " Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar de ''[[memória]] [[poética]]'', que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá [[beleza]] à nossa [[vida]]" (1).
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: (1) KUNDERA, Milan. ''A insustentável leveza do ser''. São Paulo: Círculo do livro, s/d., p. 174.
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: (1) KUNDERA, Milan. '''A insustentável leveza do ser'''. São Paulo: Círculo do livro, s/d., p. 174.
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:"Na memória, tal como na [[música]], se instala sempre a dinâmica de [[som]] e [[silêncio]]. Memória é fazer vibrar a [[presença]] do que está aparentemente ausente, é fazer aparecer o que é o que tem vigência como ser, tem sentido como ser. Desse modo, se poderia entender memória como [[pensar]], tanto no sentido de propiciar, dar ensejo à [[reflexão]], quanto no sentido de colocar um penso, pôr um curativo, curar" (1).
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: "Na [[memória]], tal como na [[música]], se instala [[sempre]] a [[dinâmica]] de [[som]] e [[silêncio]]. Memória é fazer vibrar a [[presença]] do que está aparentemente [[ausente]], é [[fazer]] [[aparecer]] o que é o que tem [[vigência]] como [[ser]], tem [[sentido]] como [[ser]]. Desse modo, se poderia entender [[memória]] como [[pensar]], tanto no [[sentido]] de propiciar, dar ensejo à [[reflexão]], quanto no [[sentido]] de colocar um penso, pôr um curativo, [[curar]]" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 157.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 157.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "O que quer dizer pensar?" In: -----------. ''Ensaios e conferências''. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 111.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "O que quer dizer pensar?" In: ---. '''Ensaios e conferências'''. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 111.
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:Vida é unidade, que é tempo, que é o que normalmente denominamos memória. Seria impossível perguntar pela [[vida]] depois da [[morte]] se já não fôssemos memória.  Sabemos que nossa vida, no presente, remete para um passado e para um futuro. Se não houvesse memória seria impossível haver lembrança do passado e a possibilidade de futuro. Só há lembrança do passado porque a memória não é só o passado, mas a unidade que nos faz experienciar o tempo como unidade acontecendo, como o ser estando sendo. Será muito limitado restringir a memória a um processo de [[consciência]], seja consciente, seja inconsciente. A memória radica em tudo, porque a [[realidade]] é memória. Em cada [[ente]] real lá está a memória do [[universo]]. Em cada [[vivente]] lá está a memória que é a vida. Morte e vida não têm [[medida]] de grandeza nem [[valor]] quantitativo.
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: [[Vida]] é [[unidade]], que é [[tempo]], que é o que normalmente denominamos [[memória]]. Seria [[impossível]] [[perguntar]] pela [[vida]] depois da [[morte]] se já não fôssemos [[memória]].  Sabemos que nossa [[vida]], no [[presente]], remete para um [[passado]] e para um [[futuro]]. Se não houvesse [[memória]] seria impossível haver [[lembrança]] do [[passado]] e a [[possibilidade]] de [[futuro]]. Só há [[lembrança]] do [[passado]] porque a [[memória]] não é só o [[passado]], mas a [[unidade]] que nos faz [[experienciar]] o [[tempo]] como [[unidade]] acontecendo, como o [[ser]] [[estando]] [[sendo]]. Será muito limitado restringir a [[memória]] a um [[processo]] de [[consciência]], seja consciente, seja inconsciente. A [[memória]] radica em [[tudo]], porque a [[realidade]] é [[memória]]. Em cada [[ente]] [[real]] lá está a [[memória]] do [[universo]]. Em cada [[vivente]] lá está a [[memória]] que é a [[vida]]. [[Morte]] e [[vida]] não têm [[medida]] de grandeza nem [[valor]] quantitativo.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Sabemos que nossa vida, no presente, remete para um [[passado]] e para um [[futuro]]. Se não houvesse memória seria impossível haver [[lembrança]] do passado e a [[possibilidade]] de futuro. Só há lembrança do passado porque a memória não é o passado, mas a [[unidade]] que nos faz experienciar o [[tempo]] como unidade acontecendo, como o ser estando sendo. Será muito limitado restringir a memória a um processo de [[consciência]], seja consciente, seja [[inconsciente]]. A memória radica em tudo, porque a [[realidade]] é memória.
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: [[Memória]] é o [[nome]] que se dá para o [[sagrado]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: [[Ser]] é memória. O [[sentido]] é a memória do ser. Sentido é o caminhar de todas as caminhadas enquanto [[unidade]], memória. E memória é a unidade do que foi, é e será.  Porém, a unidade do [[tempo]] tripartido é a quarta [[dimensão]] do tempo: a [[linguagem]] ou [[mundo]]. É a unidade do “tudo um” (hen panta) da sentença 50 de Heráclito (1). A memória, enquanto sentido do Ser, é a unidade da pro-posta como “o a ser pensado” na sentença 84 de Heráclito: “Transformando-se, repousa” (2).
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: [[Ser]] é [[memória]]. O [[sentido]] é a [[memória]] do [[ser]]. [[Sentido]] é o [[caminhar]] de todas as [[caminhadas]] enquanto [[unidade]], [[memória]]. E [[memória]] é a [[unidade]] do que foi, é e será.  Porém, a [[unidade]] do [[tempo]] tripartido é a quarta [[dimensão]] do [[tempo]]: a [[linguagem]] ou [[mundo]]. É a [[unidade]] do “tudo um” (hen panta) da sentença 50 de Heráclito (1). A [[memória]], enquanto [[sentido do Ser]], é a [[unidade]] da pro-posta como “o a ser pensado” na sentença 84 de Heráclito: “Transformando-se, repousa” (2).
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: "De certa forma, a memória constitui a [[possibilidade]] enquanto possibilidade. E esta assim instituída se apresenta tanto como possibilidade retrospectiva quanto como possibilidade prospectiva. As [[tempo|temporalidades]] que habitamos são, dessa maneira, diretamente tributárias da memória, pois é com ela e a partir dela que se revelam, velam e se desvelam" (1).
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: "De certa [[forma]], a [[memória]] constitui a [[possibilidade]] enquanto [[possibilidade]]. E esta assim instituída se apresenta tanto como [[possibilidade]] retrospectiva quanto como [[possibilidade]] prospectiva. As [[tempo|temporalidades]] que habitamos são, dessa maneira, diretamente tributárias da [[memória]], pois é com ela e a partir dela que se revelam, velam e se desvelam" (1).
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: (1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 124.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 124.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Passado". In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 255.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Passado". In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 255.
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: "No [[filme]] ''[[Todas as cores do amor]]'', centralizado no comportamento dos [[jovens]] de hoje, aparece uma [[imagem-questão]] extremamente preocupante, mas que diz muito: Cada [[relacionamento]] [[afetivo]] – e [[afeto]] não diz mera [[sensação]] [[estética]], mas [[ético]]-[[humana]] ou [[erótica]] - tinha aproximadamente a [[duração]] da [[memória]] de um peixe, em torno de um minuto. Para o peixe, a [[realidade]] a cada minuto aparece como uma [[realidade]] sempre [[nova]], como se a visse pela primeira vez. Com um pouco de exagero é isso o que está acontecendo com a [[memória]] das [[relações]] na [[época]] da [[globalização]] da [[internet]]: não há [[permanência]], tudo muda muito rapidamente e se esquece. Podemos [[experimentar]] isso com as [[informações]]. Elas se sucedem tão rapidamente que nada perdura, vivem a frescura da [[novidade]] e a sorte da sua rápida substituição pelas mais recentes. E a [[sensação]] é de que [[nada]] fica, [[tudo]] se esvai com o correr e [[fluir]] do [[tempo]]. É o [[tempo]] da [[globalização]] e das [[redes]], das fáceis [[relações]] e rápidas [[mudanças]] e [[substituições]]. E não são apenas as [[relações]] [[afetivas]] [[pessoais]] que são [[afetadas]], mas, sim, toda [[possibilidade]] de [[viver]] em [[comunidade]], pois não há laços que sustentem o que [[é]] [[comum]] e [[essencial]] para [[todos]]. [[Comunidade]] só é [[possível]] enquanto [[vigorar]] do [[universal concreto]]" (1).
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: "No [[filme]] '''[[Todas as cores do amor]]''', centralizado no comportamento dos [[jovens]] de hoje, aparece uma [[imagem-questão]] extremamente preocupante, mas que diz muito: Cada [[relacionamento]] [[afetivo]] – e [[afeto]] não diz mera [[sensação]] [[estética]], mas [[ético]]-[[humana]] ou [[erótica]] - tinha aproximadamente a [[duração]] da [[memória]] de um peixe, em torno de um minuto. Para o peixe, a [[realidade]] a cada minuto aparece como uma [[realidade]] sempre [[nova]], como se a visse pela primeira vez. Com um pouco de exagero é isso o que está acontecendo com a [[memória]] das [[relações]] na [[época]] da [[globalização]] da [[internet]]: não há [[permanência]], tudo muda muito rapidamente e se esquece. Podemos [[experimentar]] isso com as [[informações]]. Elas se sucedem tão rapidamente que nada perdura, vivem a frescura da [[novidade]] e a sorte da sua rápida substituição pelas mais recentes. E a [[sensação]] é de que [[nada]] fica, [[tudo]] se esvai com o correr e [[fluir]] do [[tempo]]. É o [[tempo]] da [[globalização]] e das [[redes]], das fáceis [[relações]] e rápidas [[mudanças]] e [[substituições]]. E não são apenas as [[relações]] [[afetivas]] [[pessoais]] que são [[afetadas]], mas, sim, toda [[possibilidade]] de [[viver]] em [[comunidade]], pois não há laços que sustentem o que [[é]] [[comum]] e [[essencial]] para [[todos]]. [[Comunidade]] só é [[possível]] enquanto [[vigorar]] do [[universal concreto]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', 201/202 - ''Globalização, pensamento e arte''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 25.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: '''Revista Tempo Brasileiro''', 201/202 - '''Globalização, pensamento e arte'''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 25.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', 201/202 - ''Globalização, pensamento e arte''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 26.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: '''Revista Tempo Brasileiro''', 201/202 - '''Globalização, pensamento e arte'''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 26.
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: (1) SANTO AGOSTINHO. "Livro X - O encontro de Deus; II - Da análise da ''memória'' a Deus (8-17)". In: ----. ''Confissões''. Col. ''Os Pensadores''. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 177.
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: (1) SANTO AGOSTINHO. "Livro X - O encontro de Deus; II - Da análise da ''memória'' a Deus (8-17)". In: ----. '''Confissões'''. Col. '''Os Pensadores'''. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 177.
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 248.
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 248.
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 249.
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 249.
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: (1) SANTO AGOSTINHO. "O palácio da memória". In: ..... ''Confissões'', Livro X, p. 177. Coleção ''Os Pensadores'', Abril Cultural, São Paulo, 1980, Trad. J. Oliveira Santos, S. J. e A. Ambrósio de Pina, S. J.
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: (1) SANTO AGOSTINHO. "O palácio da memória". In: ..... '''Confissões''', Livro X, p. 177. Coleção '''Os Pensadores''', Abril Cultural, São Paulo, 1980, Trad. J. Oliveira Santos, S. J. e A. Ambrósio de Pina, S. J.
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O esquecimento da memória". In: ---------. ''Filosofia contemporânea''. Teresópolis (RJ): Daimon editora, 2013, p. 76.
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O esquecimento da memória". In: ---------. '''Filosofia contemporânea'''. Teresópolis (RJ): Daimon editora, 2013, p. 76.
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: (1) PLATÃO. ''Fedro''. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, ''Les Belles Lettres'', 1966.  Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 121, 274e.
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: (1) PLATÃO. '''Fedro'''. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, ''Les Belles Lettres'', 1966.  Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 121, 274e.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 177.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 177.
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: Referência bibliográfica:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 201.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 201.
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: Referência:  
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. ''Linguagem: nosso maior bem''. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. '''Série Aulas Inaugurais'''. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.
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: Mas uma [[coisa]] é certa: a [[vida]] originariamente é [[memória]]. Vigoramos na [[memória]]. A [[memória]] do [[passado]] que não passa, caso contrário deixaria de [[ser]] [[memória]], a [[memória]] no [[presente]] que é [[presente]] na [[medida]] em que dá [[unidade]] ao que fomos sendo e sendo seremos como [[futuro]]. De algum modo, [[memória]] mais do que [[conteúdos]] é [[unidade]] e [[sentido]].
: Mas uma [[coisa]] é certa: a [[vida]] originariamente é [[memória]]. Vigoramos na [[memória]]. A [[memória]] do [[passado]] que não passa, caso contrário deixaria de [[ser]] [[memória]], a [[memória]] no [[presente]] que é [[presente]] na [[medida]] em que dá [[unidade]] ao que fomos sendo e sendo seremos como [[futuro]]. De algum modo, [[memória]] mais do que [[conteúdos]] é [[unidade]] e [[sentido]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: A [[memória]] é o [[vigorar]] do [[tempo]], [[fonte]] do que fomos, somos e seremos.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: À tripartição do [[tempo]] falta a consistência do [[mudar]], do atualizar, não como um [[presente]] que só é [[presente]] no [[acontecer]] enquanto [[velar-se]] ([[futuro]]) no [[desvelar-se]] ([[passado]]), mas onde ambos acontecem como [[presente]] permanentemente. Quando este [[presente]] finda, advém a [[morte]] e o mergulho [[misterioso]] no des-viver para se [[experienciar]] a [[vigência]] da [[memória]] como [[memória]], o [[rio]] da [[morte]] como sendo, no [[mito]], o [[rio]] ''[[Lethes]]''. Este não é, como pseudamente se traduz, o [[rio]] do [[esquecimento]], mas o [[Rio]] da [[Memória]] como [[Memória]], ou seja, como acontece nas [[obras de arte]], um [[presente]], um [[atuar]] sem [[futuro]] nem [[passado]]. Então a [[morte]] deixa de [[ser]] [[morte]] porque não mais se pode [[falar]] de [[morte]], pois não mais há [[vida]]. Não há mais [[Amor]], só [[amar]]. Advém o [[silêncio]] como repouso amoroso.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: [[Memória]] não é mera [[lembrança]], mas a [[unidade]] e [[possibilidade]] de [[futuro]] no [[presente]] como [[passado]]. [[Memória]] é o [[círculo]] do [[tempo]], o [[ser]] se dando no [[tempo]] e como [[tempo]]. O [[tempo]] como [[memória]] é o [[tempo]] sendo, dando-se. [[Memória]] é o [[círculo]] do [[tempo]], o [[ser]] se dando no [[tempo]] e como [[tempo]]. O [[tempo]] como [[memória]] é o [[tempo]] [[sendo]], dando-se.
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
: - [[Manuel Antônio de Castro]].

Edição atual tal como 19h29min de 5 de fevereiro de 2024

1

Hoje começamos a saber que o ser humano co-participa com os demais seres de ecossistemas. Mas estes não dizem respeito apenas à cadeia vital. Tudo é mais complexo. Por isso, o ser humano tem sido estudado em relação a três grandes sistemas: o orgânico-vital, o social, o psíquico. Contudo, algo mais fundamental articula estes três sistemas: a memória. Mas como ela perfaz e percorre os três, não se deixando esgotar, ela vai estar ligada ao ser. E por quê? Porque inclui o ético, o uno, o bom e o belo, que estão para além do conhecimento, princípio que estrutura os três sistemas. Conferir os transcendentais. Por isso o código genético não pode ficar adstrito ao conhecimento, ou seja, o que é um sistema de signos para comunicar e manifestar conhecimentos. Ele tem um encontro marcado com a memória enquanto ser. É que o ser é mais radical enquanto memória, pois nesta se faz presente e dá unidade: o ético, o sentido de realização da vida. Como o conhecimento do ético não pode ser ensinado, só o conhecimento configurado numa moral, aquilo que dá sentido a todo agir é a memória enquanto sentido do ser. A moral é objeto de ensino e aprendizado. O ético é um processo de aprendizagem, fundado no sentido do ser. A memória do ser é o bom, o ético e o belo, ou seja, o poético, na unidade do que se é e recebeu para ser.


- Manuel Antônio de Castro

2

"Na vida humana e no curso da sua história operam muitas memórias: (a) uma memória individual, [aquilo que constitui o próprio, o que foi doado a cada sendo] engramatica, que grava conteúdos de percepções; (b) uma memória coletiva que aciona possibilidades comunitárias e convoca experiências de participação; (c) uma memória histórica, monumental, que celebra a continuidade das transformações e as consagra para o futuro" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O esquecimento da memória". In: Revista Tempo Brasileiro, 153, p. 143-147, abr.-jun.,2002, p. 143.
Comentário: É um pequeno ensaio de quatro páginas e meia, mas que se torna uma matriz de muitos desdobramentos no que diz respeito ao ser humano e sua essência. Além dessas três memórias, há aquela que se torna o originário de todas elas: a memória ontológica. Diz de uma maneira perfeita a questão em que se manifesta todo ser humano enquanto entre-ser: há o esquecimento positivo e o esquecimento negativo. As duas facetas dizem respeito à memória como mecanismo de reprodução do lembrado e ao irromper do novo pela deposição do passado passado. É neste esquecimento que se abre a possibilidade da memória inaugural, a memória ontológica. Que o leitor adentre este pequeno e denso ensaio é o desafio para repensar muita coisa. Nas três memórias dadas e em que nos sentimos seguros, comparece a conjuntura como horizonte em que todos nós nos surpreendemos vivendo em múltiplas facetas. Mas a dinâmica da conjuntura só de fato se faz presente quando ela se vê projetada e renovada em novas dimensões pelo vigorar da memória ontológica. É a memória poética (Manuel Antônio de Castro).

3

"Esta Deusa, cujo ser (=nascimento-natureza) explicita o Ser-fundamento da Terra-Mãe e do Céu luminoso e fecundador, não é uma Memória individual que deva conservar (e servir a) vicissitudes e singularidades factuais restritas à história de um indivíduo, - e, sim, uma Memória Cosmogônica, é uma divindade cujo ser é dado por esse mesmo mo(vi)mento que dá ordem ao Mundo (o momentum cosmogônico)" (1).


Referência:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 81.

4

Segundo os dicionários correntes, memória é:
1º. Conservação de sensações;
2º. Reminiscência;
3º. Faculdade de conservar e lembrar estados de consciência passados, de reter ideias.
O dicionário lexical-semântico se baseia na lógica dos conceitos e não deixa o vigor das palavras serem o que são: manifestação da realidade. Só manifestando, a palavra é verdade e não mera representação conceitual, significantes e significados não da realidade, mas sobre a realidade. Memória em seu vigor de palavra remonta à Mitologia. Nesta, Memória é a mãe de todas as artes. É pelo vigor da Memória (mãe) que podemos articular e manifestar o memorável. Memorável é o que permanece no fluxo das mudanças fugidias e passageiras. Por isso, memória e tempo unitário são um só, ou seja, o tempo tridimensional (passado, presente e futuro) é ontologicamente unitário como memória. Nessa unidade não há uniformidade conceitual, mas há identidade enquanto diferença, ou seja, permanência e mudança. Isto é a memória.
- Manuel Antônio de Castro

5

"É, em última instância, pela memória, que o ser humano se configura como um ser passível de constituir mundo, ou melhor, mundos, na medida em que é pela memória que se estabelece a possibilidade da vigência da unidade. A memória é um modo privilegiado de constituição da unidade e por isso, um modo privilegiado de consolidação de toda a possibilidade de relacionamento entre o que foi o que é e o que será. Desse modo, é pela memória que o caos pode se converter em cosmos" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 124.

6

"Mnemosine preside desde a noite dos tempos às frágeis disputas entre memória e criação, conhecimento e poesia, ciências e artes" (1).


Referência:
(1) BOUTONNET, François. Mnémosyne. Paris: Éditions Dis Voir, 2013, p. 7. (Tradução Manuel Antônio de Castro).

7

"A palavra memória provém do grego mnéme que diz, mais imediatamente, ação de se lembrar, o lembrar ele mesmo, aquilo que permanece no espírito, documentos, arquivos, preceito, prescrição. Se se decompusesse mnéme em mne-, que diz, em última instância, unidade, e -me, que pode dizer, se derivado do indo-europeu *med, governar, pensar, sonhar ou medir, teríamos que memória diria governar, pensar ou medir a unidade. Na sua forma alongada, já no grego, men diz meditar, refletir, inventar, mas também, velar. A partir daí pode-se entender memória como a instância de inventar, meditar, refletir e velar, no sentido de cuidar, a unidade" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 126.

8

"É nessa medida que a memória é por excelência um constituidor de mundo. Ela é capaz de mundanizar e mundaniza, precisamente, na medida em que é possibilidade de transcendência de uma imersão completa no âmbito da natureza. É pela memória que se configura a possibilidade do estabelecimento da cultura. É colhendo e recolhendo que se estabelece a possibilidade da vigência do habitar" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 128.

9

" Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar de memória poética, que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza à nossa vida" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. São Paulo: Círculo do livro, s/d., p. 174.

10

"Na memória, tal como na música, se instala sempre a dinâmica de som e silêncio. Memória é fazer vibrar a presença do que está aparentemente ausente, é fazer aparecer o que é o que tem vigência como ser, tem sentido como ser. Desse modo, se poderia entender memória como pensar, tanto no sentido de propiciar, dar ensejo à reflexão, quanto no sentido de colocar um penso, pôr um curativo, curar" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 157.

11

A questão da relação tempo-memória se percebe bem na tensão presente/ausente: como pode alguém estar ausente e presente ao mesmo tempo e igualmente presente e ausente? Ora, este vigor reunir ausência/presença e presença/ausência é o logos. Aí se faz presente o ser como presença e ausência. É o entre-ser em que o ser humano se apropria do que lhe é próprio. O entre-ser é a vigência da memória no homem, pois o que lhe dá a dimensão própria, o que lhe é próprio, é o logos e, portanto, a memória ontológica.


- Manuel Antônio de Castro

12

"A memória é a concentração do pensamento" (1).
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "O que quer dizer pensar?" In: ---. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 111.

13

Na memória comparecem os ancestrais, não como algo que se reporta ao passado ou às origens. Deixar-se envolver pela memória é deixar eclodir dentro de cada um as questões originárias, as questões da memória, porque a memória não foi nem jamais será a mera lembrança do que passou e de que alguém se lembra. A língua e linguagem gregas sempre experienciaram a memória como o cuidado da unidade. É isso o que diz o radical da palavra grega para memória: mnemosine. Ela é, por isso, a arché, isto é, o princípio imemorial, no qual e pelo qual se dá o que foi, é e será.


- Manuel Antônio de Castro

14

Vida é unidade, que é tempo, que é o que normalmente denominamos memória. Seria impossível perguntar pela vida depois da morte se já não fôssemos memória. Sabemos que nossa vida, no presente, remete para um passado e para um futuro. Se não houvesse memória seria impossível haver lembrança do passado e a possibilidade de futuro. Só há lembrança do passado porque a memória não é só o passado, mas a unidade que nos faz experienciar o tempo como unidade acontecendo, como o ser estando sendo. Será muito limitado restringir a memória a um processo de consciência, seja consciente, seja inconsciente. A memória radica em tudo, porque a realidade é memória. Em cada ente real lá está a memória do universo. Em cada vivente lá está a memória que é a vida. Morte e vida não têm medida de grandeza nem valor quantitativo.


- Manuel Antônio de Castro

15

Memória é o nome que se dá para o sagrado.


- Manuel Antônio de Castro.

16

Ser é memória. O sentido é a memória do ser. Sentido é o caminhar de todas as caminhadas enquanto unidade, memória. E memória é a unidade do que foi, é e será. Porém, a unidade do tempo tripartido é a quarta dimensão do tempo: a linguagem ou mundo. É a unidade do “tudo um” (hen panta) da sentença 50 de Heráclito (1). A memória, enquanto sentido do Ser, é a unidade da pro-posta como “o a ser pensado” na sentença 84 de Heráclito: “Transformando-se, repousa” (2).


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) PENSADORES ORIGINÁRIOS. Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 71.
(2) PENSADORES ORIGINÁRIOS. Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 81.

17

A memória é o ponto de ligação entre o singular que cada um é e o sentido histórico-social. Mais do que ponto de ligação, é a fonte e a origem, pois a Memória é o que foi, é e será. Do ponto de vista atual, podemos dizer, para encaminhar a problemática do que somos, que existe uma memória natural e uma memória cultural. Mas entre as duas não há oposição. Hoje se lê a memória natural como código genético, o que é uma denominação imprópria, pois só pode haver memória natural porque já há linguagem. O conceito de código não dá conta do que é linguagem. Em vista disso a memória cultural é a memória natural manifestada como linguagem, não como linguagem cultural, mas como linguagem simplesmente, sem atributos, ou seja, a manifestação da phýsis como lógos. A melhor compreensão de memória natural e memória cultural, uma real distinção, mas uma falsa dicotomia, está na concepção mítica de génos. Génos, destino, linguagem, tempo e história estão intimamente ligados e o entendimento de uma dessas questões pressupõe o entendimento das outras. Mas quando se trata de questão, ela já se move sempre no sentido do ser. Tendo em vista isso, falar da memória é falar da memória do ser.


- Manuel Antônio de Castro

18

"Só podemos perguntar porque já vigoramos no ser, na memória do sentido do ser. É que o ser, a memória ou sentido do ser, é questão. É que a questão não é apenas saber e não-saber, ser e não-ser, ela é também a unidade de saber e ser, de não-saber e não-ser. E só por ser unidade é que a questão pode advir à pergunta. Advir à pergunta é advir à linguagem, a partir da memória. Memória é unidade e sendo unidade é linguagem. Linguagem, enquanto unidade, não é, em primeira instância, fala ou elocução. Só se fala na e a partir da linguagem. Então podemos dizer que a quarta dimensão do tempo é a memória, e esta é a unidade do tempo enquanto o tempo se faz linguagem. É. O tempo édiz, originariamente, linguagem, unidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio ainda não publicado.

19

"De certa forma, a memória constitui a possibilidade enquanto possibilidade. E esta assim instituída se apresenta tanto como possibilidade retrospectiva quanto como possibilidade prospectiva. As temporalidades que habitamos são, dessa maneira, diretamente tributárias da memória, pois é com ela e a partir dela que se revelam, velam e se desvelam" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 124.

20

"Como memória ontológica, pensar e pensamento são o poder de reunião e recolhimento de todo sendo na dinâmica de ser, aparecer e vir-a-ser, uma dinâmica que se dá enquanto se retrai. É por isso constitutiva de toda memória em todos os seus níveis e desempenhos, em todas as suas omissões e comissões, a presença inaugural do esquecimento" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O esquecimento da memória". In: ---------. Filosofia contemporânea. Teresópolis (RJ): Daimon editora, 2013, p. 76.

21

"Memória é a condição de possibilidade do estabelecimento de todo e qualquer complexo temporal-espacial como unidade. A memória, tal como a música, é a unidade dos invisíveis. Quer dizer: é pela memória que se pode estabelecer o nexo do que é, mas que ainda, ou já, não existe. A memória vela, medita, cuida, a despeito da 'muita névoa', da unidade. A memória é o cuidado, o pensar da unidade" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 156.

22

"Ao esquecimento da lei da memória corresponde a lei da memória e da vida, Eros vigorando. Memória é o genos, proveniência como vigência de tudo que é, foi e será" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Passado". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 255.

23

O tempo da arte. Que tempo é esse? Confunde-se o tempo da arte com a arte dos tempos, onde a conjuntura e a época determinariam o sentido das obras de arte. Diga-se logo que não são as épocas e suas conjunturas que determinam a memória e a história, pois sem memóriaunidade e sentido das diferenças – não há nem época nem conjunturas enquanto sentido do acontecer do tempo, memória e história, enfim, obra de arte.


- Manuel Antônio de Castro

24

"Todas as memórias de fatos supõem, pois, uma outra memória, a memória originária, aquela fonte de criação que doa na medida que retira potencialidades. Temos, assim, operando na presença de toda realização humana dois mecanismos e duas memórias: a memória do passado que não passa, com o mecanismo de reprodução do já produzido, cuja falha é esquecer fatos, dados e conteúdos, e a memória do futuro com o mecanismo de produção, em cuja falta reina a compulsão de repetição" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O esquecimento da memória". In: Revista Tempo Brasileiro, 153: 143/147, abr.-jun.,2002, p. 143.

25

"O surgimento do questionar está no cerne da própria memória que origina todos os mitos, todas as filosofias, todas as ciências, todas as religiões, enfim, todas as culturas e eclosão do humano. A memória é o universal de todos os universais, porque é a memória do sentido e vigorar do ser. E é ela que traz para cena o ser humano como lugar do questionar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e o questionar". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 40.

26

"A vigília do Homem que, refletindo, vem a ser poeta e artista, o leva a defrontar-se com sua trilogia: Esquecimento, Sono e Morte, por intermédio do dom da Poesia, a ele outorgado pelas Musas, filhas da Memória. A deusa Memória, ordenadora do Caos, preservando a Verdade do eixo sagrado, surgirá como a medida ontológica do Cosmos, posto que seu atributo é reter o desvelado do qual o Homem participa, dirigindo-o rumo à recordação do essencial, continuamente à espera de ser repensado" (1).


Referência:
(1) BEAINI, Thais Curi. A Memória, Medida Ontológica do Cosmos. São Paulo: Palas Athena, 1989, p. 15.

27

"No filme Todas as cores do amor, centralizado no comportamento dos jovens de hoje, aparece uma imagem-questão extremamente preocupante, mas que diz muito: Cada relacionamento afetivo – e afeto não diz mera sensação estética, mas ético-humana ou erótica - tinha aproximadamente a duração da memória de um peixe, em torno de um minuto. Para o peixe, a realidade a cada minuto aparece como uma realidade sempre nova, como se a visse pela primeira vez. Com um pouco de exagero é isso o que está acontecendo com a memória das relações na época da globalização da internet: não há permanência, tudo muda muito rapidamente e se esquece. Podemos experimentar isso com as informações. Elas se sucedem tão rapidamente que nada perdura, vivem a frescura da novidade e a sorte da sua rápida substituição pelas mais recentes. E a sensação é de que nada fica, tudo se esvai com o correr e fluir do tempo. É o tempo da globalização e das redes, das fáceis relações e rápidas mudanças e substituições. E não são apenas as relações afetivas pessoais que são afetadas, mas, sim, toda possibilidade de viver em comunidade, pois não há laços que sustentem o que é comum e essencial para todos. Comunidade só é possível enquanto vigorar do universal concreto" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 25.

28

"Sem dúvida nenhuma, memória é ser. Somos na dimensão da memória vigorando em nós. Por isso, não somos nós que temos a memória, ela é que nos tem, pois é ela que nos doa o que somos. De nossa parte temos recordações e lembranças e só estas podem ser comparadas à memória do peixe (conferir o filme Todas as cores do amor, a que se faz referência no verbete Afetivo, entrada 2). É esse o âmbito do sujeito e de sua vontade. É claro que não se pode, de jeito nenhum, criar uma dicotomia entre memória e lembrança, como não se pode também determinar o que é a partir do sujeito e sua vontade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 26.

29

"A fala, cada fala, pressupõe a rede e nela toda a rede se faz presente/ausente. Porém, essa presença e ausência se sustenta e vigora a partir do vazio ou silêncio. Este é o tempo originário, o tempo que continuamente se triparte e não triparte, se o pensamos como memória, se pensamos que essa tripartição vive de um entre-tempo, que é o presente, que nada mais é do que o presentificado em tensão (“entre”) com o presentificável (Os gregos denominaram esse tempo presente eterno: aion, onde o eterno é o entre, a memória)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.

30

"Naquele momento, compreendi o único sentido que a amizade pode ter hoje. A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento de sua memória. Lembrar-se do passado, carregá-lo sempre consigo, é, talvez, a condição necessária para conservar, como se diz, a integridade do seu eu. Para que o eu não se encolha, para que guarde seu volume, é preciso regar as lembranças como flores num vaso e essa rega exige um contato regular com as testemunhas do passado, quer dizer, com os amigos. Eles são nosso espelho; nossa memória; não exigimos nada deles, a não ser que de vez em quando lustrem esse espelho para que possamos nos olhar nele" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade. Trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 36.

31

"O presente vigorando entre passado e futuro é a memória. Enquanto memória ela é o que foi, o que é, o que será. A memória é o ser vigorando. E como se constitui em unidade a memória ou o ser vigorando? Quando assim perguntamos só podemos perguntar porque a memória do ser já se nos ofereceu como pergunta. Só podemos perguntar porque já vigoramos no ser, na memória do sentido do ser. É que o ser, a memória ou sentido do ser, é questão" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio ainda não publicado.

32

"É grande esta força da memória, imensamente grande, ó meu Deus. É um santuário infinitamente amplo. Quem o pode sondar até ao profundo? Ora, esta potência é própria do meu espírito, e pertence à minha natureza. Não chego, porém, a apreender todo o meu ser" (1).


Referência:
(1) SANTO AGOSTINHO. "Livro X - O encontro de Deus; II - Da análise da memória a Deus (8-17)". In: ----. Confissões. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 177.

33

"Vida é unidade, que é tempo, que é o que normalmente denominamos memória. Seria impossível perguntar pela vida depois da morte se já não fôssemos memória. Sabemos que nossa vida, no presente, remete para um passado e para um futuro. Se não houvesse memória seria impossível haver lembrança do passado e a possibilidade de futuro. Só há lembrança do passado porque a memória não é só o passado, mas a unidade que nos faz experienciar o tempo como unidade acontecendo, como o ser estando sendo. Será muito limitado restringir a memória a um processo de consciência, seja consciente, seja inconsciente" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 248.

34

"Misteriosamente, a memória é a morte se dando em vida, manifestando-se nos viventes. Ela é muito mais do que a cronologia e a causalidade. Ela é o acontecer poético, que é sem por quê. Este não é o acaso. Na verdade, só se fala em acaso porque a causalidade, isto é, a racionalidade, não pode explicar tudo. O acaso é a negatividade inerente à razão e não indica jamais as possibilidades da realidade, da morte" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 249.

35

"Para Platão e a metafísica, a letra (e o fonema) é a abstração do som. Porém, o som é sempre concreto, no sentido de que é sempre fala do silêncio. Por isso, nenhum som é sem o ser. O som e a letra são som e letra do ser / physis mostrando-se e desvelando-se no velar-se. Daí que nenhum som é sem a linguagem, como nenhuma linguagem é sem a memória, porque a memória não é o que se lembra, mas o que foi, é e será, ou seja, o tempo não-finito: ser / physis" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais, 2o. s. de 2004. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras - UFRJ. Serviço de Publicações, outubro de 2004, p. 13.

36

"Para Platão e a metafísica, a letra (e o fonema) é a abstração do som. Porém, o som é sempre concreto, no sentido de que é sempre fala do silêncio. Por isso, nenhum som é sem o ser. O som e a letra são som e letra do ser / physis mostrando-se e desvelando-se no velar-se. Daí que nenhum som é sem a linguagem, como nenhuma linguagem é sem a memória, porque a memória não é o que se lembra, mas o que foi, é e será, ou seja, o tempo não-finito: ser / physis" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais, 2o. s. de 2004. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras - UFRJ. Serviço de Publicações, outubro de 2004, p. 13.

37

"É grande esta força da memória, imensamente grande, ó meu Deus. É um santuário infinitamente amplo. Quem o pode sondar até ao profundo? Ora, esta potência é própria do meu espírito e pertence à minha natureza. Não chego, porém, a apreender todo o meu ser" (1).


Referência:
(1) SANTO AGOSTINHO. "O palácio da memória". In: ..... Confissões, Livro X, p. 177. Coleção Os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1980, Trad. J. Oliveira Santos, S. J. e A. Ambrósio de Pina, S. J.

38

"Um grego vive e experimenta no mito da memória uma densidade inaugural em que a realidade lhe chega nas realizações históricas de sua convivência, nos cultos, no poder, na ciência, na técnica, na arte, na produção etc..." (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O esquecimento da memória". In: ---------. Filosofia contemporânea. Teresópolis (RJ): Daimon editora, 2013, p. 76.

39

"Mas, quando chegou a vez da invenção da escrita, exclamou Thoth: Eis, oh Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para a memória. - Oh, Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar uma arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão para os outros! Tu, neste momento e como inventor da escrita, esperas dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer! Ela tornará os homens mais esquecidos, pois que, sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras, e só se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio de sinais, e não dos assuntos em si mesmos. Por isso, não inventaste um remédio para a memória, mas, sim, para a rememoração. Quanto à transmissão do ensino, transmites aos teus alunos não a sabedoria em si mesma, mas apenas uma aparência de sabedoria, pois passarão a receber uma grande soma de informações sem a respectiva educação! Hão-de parecer homens de saber, embora não passem de ignorantes em muitas matérias e tornar-se-ão, por consequência, sábios imaginários, em vez de sábios verdadeiros " (1).


Referência:
(1) PLATÃO. Fedro. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 121, 274e.

40

"O mito é o convite não para a representação de algo, mas para a Escuta da própria e verdadeira manifestação da realidade, que é a essência da palavra cantada acontecendo. Esta manifestação se na palavra cantada como saber e sabor, por isso inefável. Quando as Sereias cantam: “Todas as coisas sabemos”, elas são a própria memória, em grego, mnemósine. No mito das Sereias, Mnēmosýnē se como palavra cantada. Esta não é portadora deste ou daquele saber, é o próprio saber, todo saber" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 177.

41

"... o mito criou a figura de Mnēmosýnē: a memória. Ora, esta não é só o que se lembra, mas também o que se vela e como tal vige no esquecimento, no vigor do silêncio do esquecer, sem o qual não pode nem haver lembrança. Contudo, a presença da lembrança é tão pregnante, tão evidente, tão forte e abrangente que nos esquecemos da memória como velamento-silêncio-esquecimento. Esquecer não significa deixar de ser, mas ser a memória só no âmbito do lembrar, isto é, do ente, do desvelado, da luz da clareira do desvelado. Ficamos tão empolgados pela luz da razão que esquecemos a clareira e o que nela se ausenta: o velado, o ser" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 201.

42

"O que normalmente chamamos de memória ou lembrança é identificado com o passado. Mas se é memória não é passado. Pelo contrário, vige como memória e a qualquer momento se pode tornar presente. "Momento" e "presente" mostram a vigência do ser do ente e não algo passado. A denominação aí de passado é um equívoco gramatical que não leva em conta o aparente passado como ente-ser ontológico. Por outro lado, quando se olha o passado do ponto de vista do infinitivo - a memória do ser - pode-se perceber perfeitamente que o passado integra o presente e o futuro. Por isso, o ser / infinitivo como memória ontológica é o que foi, o que é e o que será. Daí podermos dizer que a linguagem - e eis aí o equívoco gramatical ao ler linguagem do ponto de vista da gramática e não do ser - é a memória como logos " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 22.

43

"A linguagem é a “arte culinária” do ser de cada um. Ela é nosso ser, nossa memória. Somos sempre memória. Esta é o que há de mais enigmático em nossa vida. Só podemos saber que há memória genética e conhecer em parte o código genético porque somos linguagem e memória. A memória nos chega como linguagem, mas nós não sabemos o que ela é, nem carece, basta ser. O ser não é, se dá: linguagem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 86.

44

"O ser é memória e por isso esta é o que há de mais misterioso em nós" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 86.

45

dentro de mim existem anos
que não dormiram (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 87.

46

"O mesmo acontecimento, visto por pessoas diferentes e ao mesmo tempo, tem leituras-versões diferentes. E mais. Esse mesmo acontecimento age dentro de nós e sofre uma estranha ação da memória, de tal maneira que, tempos depois, esquecemos alguns aspectos e, por outro lado, os reinventamos de maneira diferente. Ou fica de vez jogado para o sótão do inconsciente da memória. É que a memória não é só o consciente, mas também o inconsciente. E do inconsciente quem fala não somos nós, mas a memória enquanto linguagem, projetando-se em nossa consciência como imagens-questões, que muitas vezes advêm como sonhos, imaginações, ficções" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte e imagem-questão". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 232.

47

Mas uma coisa é certa: a vida originariamente é memória. Vigoramos na memória. A memória do passado que não passa, caso contrário deixaria de ser memória, a memória no presente que é presente na medida em que dá unidade ao que fomos sendo e sendo seremos como futuro. De algum modo, memória mais do que conteúdos é unidade e sentido.


- Manuel Antônio de Castro.

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A memória é o vigorar do tempo, fonte do que fomos, somos e seremos.


- Manuel Antônio de Castro.

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À tripartição do tempo falta a consistência do mudar, do atualizar, não como um presente que só é presente no acontecer enquanto velar-se (futuro) no desvelar-se (passado), mas onde ambos acontecem como presente permanentemente. Quando este presente finda, advém a morte e o mergulho misterioso no des-viver para se experienciar a vigência da memória como memória, o rio da morte como sendo, no mito, o rio Lethes. Este não é, como pseudamente se traduz, o rio do esquecimento, mas o Rio da Memória como Memória, ou seja, como acontece nas obras de arte, um presente, um atuar sem futuro nem passado. Então a morte deixa de ser morte porque não mais se pode falar de morte, pois não mais há vida. Não há mais Amor, só amar. Advém o silêncio como repouso amoroso.


- Manuel Antônio de Castro.

50

Memória não é mera lembrança, mas a unidade e possibilidade de futuro no presente como passado. Memória é o círculo do tempo, o ser se dando no tempo e como tempo. O tempo como memória é o tempo sendo, dando-se. Memória é o círculo do tempo, o ser se dando no tempo e como tempo. O tempo como memória é o tempo sendo, dando-se.


- Manuel Antônio de Castro.
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