Modernidade

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:"Na [[funcionalidade]] do [[ser]] e na operatividade da [[verdade]] se concentra toda a modernidade" (1).   
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: "Na [[funcionalidade]] do [[ser]] e na operatividade da [[verdade]] se concentra toda a [[modernidade]]" (1).   
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:Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. “Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto”. In: ---.  '''Aprendendo a pensar, II'''. Petrópolis / RJ: Vozes,  1992, p. 161.
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Aprendendo a pensar II''. Petrópolis: Vozes, 1992, pp. 161-162.
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:A modernidade como etapa da [[metafísica]] humanista está fundada em três verdades:
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: A [[modernidade]] como etapa da [[metafísica]] [[humanista]] está fundada em três [[verdades]]:
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:No [[cristianismo]] está a verdade do crer;
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: No [[cristianismo]] está a [[verdade]] do [[crer]];
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:Na [[ciência]] está a verdade do saber;
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: Na [[ciência]] está a [[verdade]] do [[saber]];
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:Na [[técnica]] está a verdade do fazer.
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: Na [[técnica]] está a [[verdade]] do [[fazer]].
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:É claro que aqui falta a arte, que é cooptada pelo saber e pelo [[fazer]], agenciados pelos gêneros e pelos estilos de época, pelo saber das ideologias e pelo fazer retórico-[[sofistas|sofístico]] das formas. A verdade sem [[atributo|atributos]], que é a da arte, concentra-se nas grandes obras de arte. Contudo quem a experiencia no silêncio da sua existência e na opressão das três verdades atributivas? Para aprofundar a questão, conferir o ensaio "O pensamento a serviço do silêncio" (1).
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: É claro que aqui falta a [[arte]], que é cooptada pelo [[saber]] e pelo [[fazer]], agenciados pelos [[gêneros]] e pelos [[estilos de época]], pelo [[saber]] das [[ideologias]] e pelo [[fazer]] retórico-[[sofistas|sofístico]] das [[formas]] ou [[estilos]]. A [[verdade]] sem [[atributo|atributos]], que é a da [[arte]], concentra-se nas grandes [[obras de arte]]. Contudo quem a experiencia no [[silêncio]] da sua [[existência]] e na opressão das três [[verdades]] atributivas?  
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: Para aprofundar a [[questão]], conferir o [[ensaio]] "O [[pensamento]] a serviço do [[silêncio]]" (1).
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O pensamento a serviço do silêncio". In: SCHUBACK, Marcia S. C. (org.). ''Ensaios de filosofia''. Petrópolis: Vozes, 1999.
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:'''Ver também:'''
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O pensamento a serviço do silêncio". In: SCHUBACK, Marcia S. C. (org.). '''Ensaios de filosofia'''. Petrópolis: Vozes, 1999.
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:*[[Duvidar]]
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: '''Ver também:'''
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: *[[Duvidar]]
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:"Segundo Habermas, a modernidade se caracteriza por ter criado uma [[disjunção]], um hiato, entre o [[mundo]] vivido e o [[sistema]] (''Entkopplung'')" (1).
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: "Segundo Habermas, a [[modernidade]] se caracteriza por ter criado uma disjunção, um [[hiato]], [[entre]] o [[mundo]] vivido e o [[sistema]] (''Entkopplung'')" (1).
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:(1) FREITAG, Bárbara. ''A teoria crítica: ontem e hoje''. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 62.
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:(1) FREITAG, Bárbara. '''A teoria crítica: ontem e hoje'''. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 62.
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:"Para a constituição deste real, sob a égide da chamada Idade Moderna, Martin Heidegger nos aponta cinco características fundamentais, a saber: em primeiro [[lugar]], a ciência; em segundo lugar, esta, de algum modo, convertida em técnica mecanizada; em terceiro lugar, o processo que introduz a arte no [[horizonte]] da estética; em quarto, o fato de que o obrar humano se interpreta e realiza como cultura; e, por último, em quinto lugar, a desdivinização, a [[dessacralização]] ou a perda dos deuses" (1).
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: "Para a constituição deste [[real]], sob a égide da chamada [[Idade Moderna]], Martin [[Heidegger]] nos aponta cinco características fundamentais, a saber: em primeiro [[lugar]], a [[ciência]]; em segundo [[lugar]], esta, de algum modo, convertida em [[técnica]] mecanizada; em terceiro [[lugar]], o [[processo]] que introduz a [[arte]] no [[horizonte]] da [[estética]]; em quarto, o [[fato]] de que o obrar [[humano]] se interpreta e realiza como [[cultura]]; e, por último, em quinto [[lugar]], a desdivinização, a [[dessacralização]] ou a perda dos [[deuses]]" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 23.
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:'''Ver também:'''
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 23.
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:*[[Romantismo]]
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: *[[Romantismo]]
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:"Toda a dinâmica da modernidade, movida como é pelo impulso de dominação da [[natureza]], pela compulsão de destruir o [[mistério]], de desfazer todas as zonas de [[paradoxo]], se propõe como um ato de liberdade. A humanidade do homem é pensada na razão direta de sua capacidade de afirmar seu poderio sobre tudo que existe" (1).
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: "Toda a dinâmica da [[modernidade]], movida como é pelo impulso de dominação da [[natureza]], pela compulsão de destruir o [[mistério]], de desfazer todas as zonas de [[paradoxo]], se propõe como um [[ato]] de [[liberdade]]. A [[humanidade]] do [[homem]] é pensada na [[razão]] direta de sua capacidade de afirmar seu poderio sobre tudo que existe" (1).
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:(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.181.
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: (1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: '''Revista Tempo Brasileiro''', nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.181.
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:"À [[voz]] oracular do deus que não diz nem dissimula, mas assinala o retraimento, se opõe o barulho ensurdecedor da [[verdade|Verdade]], da programação, da definição definitiva, a voz da instituição que tudo fala e tudo esconde; que não emite sinais e sim ordens, que não indica mas codifica" (1).
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: "À [[voz]] oracular do [[deus]] que não diz nem dissimula, mas assinala o [[retraimento]], se opõe o barulho ensurdecedor da [[verdade|Verdade]], da programação, da [[definição]] definitiva, a [[voz]] da [[instituição]] que [[tudo]] fala e tudo esconde; que não emite sinais e sim ordens, que não indica mas codifica" (1).
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:(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.
 
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: (1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: '''Revista Tempo Brasileiro''', nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.
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:"O que queremos dizer com esta palavra: modernidade? Quando começou? Alguns pensam que se iniciou com o [[Renascimento]], a [[Reforma]] e o descobrimento da América; outros imaginam que começou com o nascimento dos Estados nacinais, a instituição bancária, o nascimento do capitalismo mercantil e o surgimento da burguesia; uns poucos insistem em que o fator decisivo foi a revolução científica e filosófica do século XVIII, sem a qual não teríamos nem [[técnica]] nem indústria. Todas estas opiniões são admissíveis" (1).
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:"O que queremos dizer com esta palavra: modernidade? Quando começou? Alguns pensam que se iniciou com o [[Renascimento]], a [[Reforma]] e o descobrimento da América; outros imaginam que começou com o nascimento dos Estados nacionais, a instituição bancária, o nascimento do capitalismo mercantil e o surgimento da burguesia; uns poucos insistem em que o fator decisivo foi a revolução científica e filosófica do século XVIII, sem a qual não teríamos nem [[técnica]] nem indústria. Todas estas opiniões são admissíveis" (1).
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:"A Modernidade começa com o descobrimento do duplo [[infinito]]: o cósmico e o psíquico. O homem sentiu logo que lhe faltava, literalmente, chão. A nova ciência abrira o [[espaço]] e por essa fenda o olho humano descobriu alguma coisa rebelde ao [[pensamento]]: o infinito" (1).
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: "A Modernidade começa com o descobrimento do duplo [[infinito]]: o cósmico e o psíquico. O homem sentiu logo que lhe faltava, literalmente, chão. A nova ciência abrira o [[espaço]] e por essa fenda o olho humano descobriu alguma coisa rebelde ao [[pensamento]]: o infinito" (1).
:A Modernidade acaba quando o ser humano descobre um outro infinito: o do microcosmo ou da Física Quântica. E desde então o ser humano se vê às voltas com o infinito sentido dos infinitos côsmico, psíquico, quântico: o do sagrado, sentido e verdade do ser, não acessível ao exercício da [[razão]], mas que só se oferta ao [[pensar]]. Por isso o pensador-poeta Martin Heidegger disse: "O Pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado" (2).
:A Modernidade acaba quando o ser humano descobre um outro infinito: o do microcosmo ou da Física Quântica. E desde então o ser humano se vê às voltas com o infinito sentido dos infinitos côsmico, psíquico, quântico: o do sagrado, sentido e verdade do ser, não acessível ao exercício da [[razão]], mas que só se oferta ao [[pensar]]. Por isso o pensador-poeta Martin Heidegger disse: "O Pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado" (2).
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:(1) PAZ, Octavio. ''A outra voz''. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 21.
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: (1) PAZ, Octavio. ''A outra voz''. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 21.
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: (2) HEIDEGGER, Martin.''Que é metafísica?'' Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1969, p. 37.
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: "Gerou-se ao longo da [[Modernidade]] uma nomenclatura [[formal]] que em vez de promover a [[escuta]] das e o [[diálogo]] com as [[obras poéticas]], em seu âmbito, elas foram reduzidas a [[objetos]] de que se fazem [[análises]] supostamente [[objetivas]] e que, por isso, as calam" (1).
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte: corpo, mundo e terra'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.
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== 13 ==
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: "Um novo [[caminho]] tinha que ser pensado e proposto, um [[caminho]] que reconduzisse o [[leitor]] para o [[questionamento]], a [[escuta]], a [[diversidade]] e o [[diálogo]] com as [[obras poéticas]]. Isso exige um [[leitor]] novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu [[sentido]], [[verdade]] e [[mundo]]. Exige um [[leitor]] num [[diálogo]] ''com'' e não mais um falar ou escrever ''sobre'' as [[obras]]. É um [[diálogo]] exigente, pois só [[escuta]] e dialoga quem ''se'' [[escuta]]. Mas a [[fala]] é da [[obra]] e não do [[autor]], uma vez que nela quem age é a ''[[poiesis]]'' e quem fala é o ''[[Logos]]'' [[originário]] e não o ''[[logos]]'' [[racional]] da [[Modernidade]]" (1).
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:  Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte: corpo, mundo e terra'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.
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== 14 ==
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: "O [[caminhar]] [[moderno]] não é um [[caminhar]] [[essencial]], é um [[caminhar]] [[funcional]]. Esquecido da [[essência]] do [[caminho]] pretende [[caminhar]] sempre para um [[fim]] na escravidão de um [[objetivo]]" (1).
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:  (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. “Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto”. In: ------------.  ''Aprendendo a pensar, II''. Petrópolis / RJ: Vozes,  1992, p. 183.
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== 15 ==
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: "A [[modernidade]], de antemão, negando o [[destino]], combatendo o [[destino]], já se coloca de fora da [[questão]] [[poética]] e [[ética]] de [[Ulisses]] diante do [[Canto das Sereias]]. A negação do [[destino]] implica a negação do [[sentido do Ser]]. Por isso a [[modernidade]] é antropológica e científica" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 162.
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== 16 ==
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: "A [[questão]] do [[destino]] não é uma [[questão]] [[moderna]]. Muito pelo contrário. A [[modernidade]] avança tanto mais quanto nega a [[presença]] do [[mito]], dos [[deuses]] e do [[destino]], como se esta [[questão]] ficasse restrita a [[mitos]] e [[deuses]], uma vez que o [[moderno]] parte do [[princípio]] de que faz [[tudo]], inclusive o que somos" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 159.
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== 17 ==
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: "Mais proximamente a [[globalização]] provém da [[modernidade]] e nos remete a um conjunto de [[fenômenos]] de [[transformação]] [[radical]] que, avassaladoramente, vão cobrindo todos os [[espaços]] da [[existência]] atual e futura dos [[homens]] em [[sociedade]]. Os [[progressos]] da [[técnica]], as [[descobertas]] das [[ciências]], o ocaso das [[ideologias]], desencadearam uma avalanche tal que levou de roldão e destruiu, pela base, os [[princípios]] de [[ordem]] e as forças de [[ordenamento]] que definiam o perfil e desenhavam a [[fisionomia]] do [[mundo]] [[moderno]].  Desta avalanche brotaram os [[fenômenos]] da [[atual]] [[globalização]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista ''Tempo Brasileiro'', 201/202 - ''Globalização, pensamento e arte''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 20.
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== 18 ==
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: A [[modernidade]] cunhou o lema: ''Sapere aude'' (Ousa [[saber]]). Dentro de uma [[razão]] [[crítica]] e excludente fechou os ouvidos para toda [[diferença]]. A [[crise]] do [[sistema]] abre amplas [[possibilidades]] e talvez se coloque como a mais [[radical]] a [[mudança]] desse lema num novo, não excludente, mas includente pela ''[[escuta]]'':
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: Ousa [[saber]] o [[não-saber]]
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: Ousa [[ver]] o [[não-ver]]
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: Ousa [[sentir]] o [[não-sentir]]
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: Ousa [[fazer]] o [[não-fazer]]
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: Ousa [[crer]] o [[não-crer]]
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: Ousa querer o não-querer
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: Ousa [[pensar]] o [[não-pensar]]
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: Ousa [[conhecer]] o [[não-conhecer]]
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: Ousa [[amar]] o [[não-amar]]
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: Ousa [[ser]] o [[não-ser]].
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: Ousa [[fazer]] da [[vida]] a [[travessia]] da fala à [[voz]] do [[silêncio]] pela [[escuta]] do que somos e não-somos.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: Grande [[equívoco]] é [[viver]] na [[ilusão]] de que somente a [[Modernidade]] é [[crítica]]. Pelo contrário, a [[realidade]] é contínua e desde sempre [[crítica]], caso contrário não haveria [[fenômenos]], [[diferenciações]]. E é [[crítica]] continuamente em [[virtude]] da [[questão]] dos [[limites]]. Sem [[limite]] não há [[diferenciação]], isto é, [[fenômeno]], e, portanto, [[possibilidade]] de [[conhecimento]]. [[Criticar]] é deixar-se tomar pelo [[vigorar]] do de-limitar.  [[Crise]], [[crítica]] e [[critério]] têm [[origem]] no [[verbo]] [[criticar]]. Mas este se diz em [[grego]]: ''[[krinein]]''. Em [[latim]] temos o [[verbo]] ''[[cerno]]'', cujo [[particípio]] é ''cretum''. Daí se formou o [[verbo]] em [[português]] [[criticar]]. E o que diz ''[[cerno]], crevi, cretum, cernere''? [[Discernir]], [[distinguir]], [[diferenciar]]. Em última e primeira [[instância]]: [[dialogar]]. O significado negativo de [[crítica]] se origina do [[fato]] de que todo [[limite]], em princípio, implica [[negação]], [[diferenciação]], embora a [[negação]] seja relativa em [[relação]] à [[posição]] que se ocupa, seja [[ontológica]], seja [[epistemológica]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 20 ==
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: "... até os [[tempos]] [[modernos]] o [[homem]] não ocupava, na [[filosofia]], um [[lugar]] que o destacasse [[radicalmente]] dos demais [[entes]] mundanos. O mesmo esquema [[metafísico]] [[fundamental]] servia para a explicação de todos os [[entes]] da [[realidade]]. Todos eram considerados igualmente como [[entes]] e como tais obedeciam às mesmas [[leis]] da “''[[essência]]''”.  Cada qual tinha a sua ''[[essência]]'', que indicava o que ele era e como se diferenciava dos demais. Esta ''[[essência]]'' era definitiva e rígida desde o início, de tal forma que o [[ente]] podia [[agir]] somente segundo esta ''[[essência]]'' dentro dos [[limites]] de sua ''[[essência]]''.  Assim cada [[ente]] tinha a sua [[lei]] interna: o [[ser]] necessariamente era fiel à sua ''[[essência]]''.  O [[homem]] não escapava a isto" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. ''Metafísica''. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.
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== 21 ==
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: " A [[modernidade]] está no centro de todas essas [[transformações]]. Ela se instaura quando o [[ideal]] de [[conhecimento]] praticado pela [[Idade Média]], o [[conhecimento]] [[metafísico]] [[universal]] e o [[sistema]] de [[valores]] [[absolutos]],  perdeu o seu [[vigor]] e entrou em processo de [[metamorfose]].  A [[metamorfose]] indica uma [[mudança]] [[profunda]], [[estrutural]]. A [[crise]] é a face visível dessa [[metamorfose]]. Esta se dá por atuação de diferentes linhas de força. Entendemos por linhas de força modos de articular e [[discursar]] o [[real]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Metamorfose da narrativa". In: ..... ''Tempos de metamorfose''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 63.
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== 22 ==
 +
: "Mas quem se debruçou filosófica e metodicamente sobre a [[dúvida]] foi [[Descartes]]. E são dele as famosas [[palavras]] que sintetizam o [[problema]] e o passo seguinte. ''Dubito, ergo cogito; cogito, ergo sum'' (''Duvido, logo penso''; ''penso, logo sou''). Quando [[Descartes]] faz o [[percurso]] da [[dúvida]], constata que pode [[duvidar]] de [[tudo]], exceto da própria [[dúvida]]. Pois no [[duvidar]] reinstala [[sempre]] a [[dúvida]]. [[Duvidar]] é [[pensar]]. O [[pensamento]] como [[realidade]] de que não posso [[duvidar]] coloca a [[subjetividade]] no cerne da [[modernidade]]. [[Descartes]] busca um ponto de [[referência]] indubitável a partir do qual possa erguer um novo [[paradigma]] de organização do [[real]], de [[conhecimento]] do [[real]]. Tudo o que é [[externo]] pode [[parecer]] uma grande [[ilusão]], uma grande [[fantasia]]. Só o [[pensamento]] resiste indestrutível à [[dúvida]]. O [[pensamento]] é algo que diz estritamente respeito ao [[homem]], por isso a [[modernidade]] é [[antropocêntrica]] e [[subjetiva]]. É a partir de dentro do [[homem]] que se redesenha o [[real]] e o [[próprio]] novo [[homem]] na nova paisagem desse novo [[real]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Metamorfose da narrativa". In: ..... ''Tempos de metamorfose''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 65.
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== 23 ==
 +
: "[[Ulisses]] é a [[astúcia]] do [[saber ser]]. Esse [[saber ser]] é que o [[cotidiano]] da [[vida]] [[moderna]] nos encobre pelo [[esquecimento]] dos [[mitos]], substituídos pelas [[falas]] da [[comunicação]] e pela afluência dos [[produtos]] consumíveis, pelas fáceis [[emoções]] [[estéticas]] e pelo ocultamento do [[perigo]] da [[morte]]. Mas ainda se faz [[presente]] o [[poder]] e [[vigor]] da [[palavra cantada]], como convite [[radical]] ao [[saber ser]], nosso [[destino]]. Mas quem está [[aberto]] para a sua [[escuta]] e para enfrentar o [[perigo]] da [[morte]]?" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 175.
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 +
== 24 ==
 +
: "A [[Modernidade]], com Kant, elegeu como lema: Ousa [[saber]] [''Sapere aude'']. Este lema, tornado base do [[sistema]], precisa da sua contrapartida e auto-superação, para [[afirmação]] das [[diferenças]]: Ousa [[saber]] e [[não-saber]]. É o que já nos lembrava há dois mil e seiscentos anos Chuang Tzu: “Você sabe que podemos voar com asas: ainda não aprendeu a voar sem elas. Já se familiarizou com a [[sabedoria]] dos que sabem, mas ainda não se familiarizou com a [[sabedoria]] dos que não sabem” " (1) (2).
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: Referências:
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 +
: (1) TZU, Chuang. ''A via de Chuang Tzu''. Adaptação de Thomas Merton, 8. e. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 72.
 +
 +
: (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 182.
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== 25 ==
 +
: "A [[Idade Média]] também era já regida por um [[sistema]] [[funcional]] altamente centralizador e [[autoritário]]: o [[teológico]]. [[Tudo]] e todos eram submetidos ao [[poder]] [[teológico]], seja o [[povo]], seja a [[hierarquia]] [[religiosa]], seja o [[poder]] dos [[reis]]. O que a [[modernidade]] acrescenta a esse cerne [[medieval]]? Algo novo para continuar a mesma [[coisa]], isto e, o mesmo [[fundamento]]: Ao [[poder]] autoritário da [[teologia]] sucede o [[poder]] autoritário da [[razão]]. E o [[poder]] desta provém de um atributo explicitamente [[novo]], pois, desde os [[sofistas]], já imperava a [[medida]] da [[razão]], ou seja, o [[homem]] como [[medida]]. E qual é esse [[atributo]]? A [[razão]] passa a [[ser]] [[crítica]]. Na [[modernidade]] [[tudo]] é regido pela [[Crítica]]. Só a [[crítica]] estabelece a [[verdade]], daí a [[leitura]] passar a [[ser]] regida pela [[explicação]], isto é, pelo que a [[crítica]] realiza através da [[análise]]" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura e Crítica". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 127.
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== 26 ==
 +
: "A [[modernidade]] começa como uma [[crítica]] da [[religião]], da [[filosofia]], da [[moral]], do [[direito]], da [[história]], da [[economia]] e da [[política]]. A [[crítica]] é seu traço diferencial, seu sinal de [[nascimento]]. [[Tudo]] o que foi a [[Idade Moderna]] tem sido [[obra]] da [[crítica]], entendida esta como um [[método]] de pesquisa, [[criação]] e [[ação]]. Os [[conceitos]] e [[ideias]] cardeais da [[Idade Moderna]] – [[progresso]], [[evolução]], [[liberdade]], [[democracia]], [[ciência]], [[técnica]] – nasceram da [[crítica]]. No século XVIII a [[razão]] fez a [[crítica]] do [[mundo]] e de si [[própria]]; assim transformou pela raiz o [[antigo]] [[racionalismo]] e as suas geometrias intemporais. [[Crítica]] de si mesma: a [[razão]] renunciou às construções grandiosas que a identificavam com o [[Ser]], o [[Bem]] e a [[Verdade]]; deixou de [[ser]] a [[Casa]] da [[Ideia]] e se converteu em [[caminho]]: foi um [[método]] de exploração" (1).
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: Referência:
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 +
: (1) PAZ, Octávio. '''A outra voz'''. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 34.
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== 27 ==
 +
: "A [[modernidade]], com sua [[lógica]] implacável de [[produção]] e [[consumo]], nos encarcerou em um modo de [[vida]] extremamente [[alienado]], condicionado por uma [[visão]] utilitária e mecânica da [[existência]]" (1):
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: "A [[natureza]] (as cachoeiras, árvores, montanhas) já não é vista como algo capaz de ''despertar e encantar'' - capaz de abrir novos [[horizontes]] para a [[existência]] -, mas apenas como obstáculo a superar ou recursos a usufruir e com os quais lucrar" (2).
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: "A [[arte]] já não é algo para fruir e nos conectar com as [[dimensões]] mais [[profundas]] do [[viver]] e [[sentir]], mas algo para investir ou simplesmente exibir e ostentar. A [[beleza]] tornou-se [[inútil]], e a [[experiência]] [[contemplativa]], um desperdício de [[tempo]]" (3).
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: Referências:
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: (1) GALLIAN, Dante. "É próprio do humano ser contemplativo". In: "---. '''É próprio do humano'''. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022, 1a. e., p. 107.
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: (2) GALLIAN, Dante. "É próprio do humano ser contemplativo". In: "---. '''É próprio do humano'''. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022, 1a. e., p. 108.
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:(2) HEIDEGGER, Martin.''Que é metafísica?'' Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1969, p. 37.
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: (3) GALLIAN, Dante. "É próprio do humano ser contemplativo". In: "---. '''É próprio do humano'''. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022, 1a. e., p. 108.

Edição atual tal como 22h12min de 12 de Outubro de 2022

1

"Na funcionalidade do ser e na operatividade da verdade se concentra toda a modernidade" (1).


(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. “Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto”. In: ---. Aprendendo a pensar, II. Petrópolis / RJ: Vozes, 1992, p. 161.
Ver também:
*Inútil

2

A modernidade como etapa da metafísica humanista está fundada em três verdades:
No cristianismo está a verdade do crer;
Na ciência está a verdade do saber;
Na técnica está a verdade do fazer.
É claro que aqui falta a arte, que é cooptada pelo saber e pelo fazer, agenciados pelos gêneros e pelos estilos de época, pelo saber das ideologias e pelo fazer retórico-sofístico das formas ou estilos. A verdade sem atributos, que é a da arte, concentra-se nas grandes obras de arte. Contudo quem a experiencia no silêncio da sua existência e na opressão das três verdades atributivas?
Para aprofundar a questão, conferir o ensaio "O pensamento a serviço do silêncio" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O pensamento a serviço do silêncio". In: SCHUBACK, Marcia S. C. (org.). Ensaios de filosofia. Petrópolis: Vozes, 1999.
Ver também:
*Duvidar

3

"Segundo Habermas, a modernidade se caracteriza por ter criado uma disjunção, um hiato, entre o mundo vivido e o sistema (Entkopplung)" (1).


Referência:
(1) FREITAG, Bárbara. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 62.

4

"Para a constituição deste real, sob a égide da chamada Idade Moderna, Martin Heidegger nos aponta cinco características fundamentais, a saber: em primeiro lugar, a ciência; em segundo lugar, esta, de algum modo, convertida em técnica mecanizada; em terceiro lugar, o processo que introduz a arte no horizonte da estética; em quarto, o fato de que o obrar humano se interpreta e realiza como cultura; e, por último, em quinto lugar, a desdivinização, a dessacralização ou a perda dos deuses" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 23.
Ver também:
*Romantismo

5

"Toda a dinâmica da modernidade, movida como é pelo impulso de dominação da natureza, pela compulsão de destruir o mistério, de desfazer todas as zonas de paradoxo, se propõe como um ato de liberdade. A humanidade do homem é pensada na razão direta de sua capacidade de afirmar seu poderio sobre tudo que existe" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.181.

6

voz oracular do deus que não diz nem dissimula, mas assinala o retraimento, se opõe o barulho ensurdecedor da Verdade, da programação, da definição definitiva, a voz da instituição que tudo fala e tudo esconde; que não emite sinais e sim ordens, que não indica mas codifica" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.

7

"O que queremos dizer com esta palavra: modernidade? Quando começou? Alguns pensam que se iniciou com o Renascimento, a Reforma e o descobrimento da América; outros imaginam que começou com o nascimento dos Estados nacionais, a instituição bancária, o nascimento do capitalismo mercantil e o surgimento da burguesia; uns poucos insistem em que o fator decisivo foi a revolução científica e filosófica do século XVIII, sem a qual não teríamos nem técnica nem indústria. Todas estas opiniões são admissíveis" (1).


Referência:
(1) PAZ, Octavio. A outra voz. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 34.


Ver também:

8

"A modernidade começa com uma crítica da religião, da filosofia, da moral, do direito, da história, da economia e da política. A crítica é seu traço diferencial, seu sinal de nascimento. Tudo o que foi a Idade Moderna tem sido obra da crítica, entendida esta como um método de pesquisa, criação e ação" (1).


Referência:
(1) PAZ, Octavio. A outra voz. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 34.


9

"A Idande Moderna começa com a crítica à Eternidade cristã e com a aparição de outro tempo. De um lado, o tempo finito do cristianismo, com um começo e um fim, se converte no tempo quase infinito da evolução natural e da história, aberto em direção ao futuro. De outro lado, a modernidade desvaloriza a Eternidade: a perfeição se traslada para o futuro, não no outro mundo, mas neste. Basta lembrar a imagem célebre de Hegel: a rosa da razão está crucificada no presente. A história, disse, é um Calvário: transposição do mistério cristão em ação histórica. O caminho em direção ao absoluto passou pelo tempo, foi tempo. Por usa vez, entre os diversos modos do tempo, a sempre diferida perfeição residiu no futuro. As mudanças e as revoluções foram encarnações do movimento dos homens em direção ao futuro e seus paraísos" (1).


Referência:
(1) PAZ, Octavio. A outra voz. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 36.


10

A modernidade é um edifício datado para ser desconstruído, não pela consciência, mas pela dinâmica epocal da vida, da realidade. Toda crítica moderna é fundada na certeza da medida da razão, que não pode medir o sem-chão, o sem-fundamento, o sem por quê. Por isso, o elogio do humano se dá em cima da e na perspectiva da negação da morte e do sagrado. A modernidade é a luta sistemática e diuturna da dessacralização, partindo da certeza de que o homem, um dia, vencerá o destino, a morte. A dúvida que gerou a certeza moderna é a certeza que se gera da dúvida, não da realidade, que é sem dúvida, pois da morte não dá para duvidar.


- Manuel Antônio de Castro


11

"A Modernidade começa com o descobrimento do duplo infinito: o cósmico e o psíquico. O homem sentiu logo que lhe faltava, literalmente, chão. A nova ciência abrira o espaço e por essa fenda o olho humano descobriu alguma coisa rebelde ao pensamento: o infinito" (1).
A Modernidade acaba quando o ser humano descobre um outro infinito: o do microcosmo ou da Física Quântica. E desde então o ser humano se vê às voltas com o infinito sentido dos infinitos côsmico, psíquico, quântico: o do sagrado, sentido e verdade do ser, não acessível ao exercício da razão, mas que só se oferta ao pensar. Por isso o pensador-poeta Martin Heidegger disse: "O Pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) PAZ, Octavio. A outra voz. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 21.
(2) HEIDEGGER, Martin.Que é metafísica? Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1969, p. 37.


12

"Gerou-se ao longo da Modernidade uma nomenclatura formal que em vez de promover a escuta das e o diálogo com as obras poéticas, em seu âmbito, elas foram reduzidas a objetos de que se fazem análises supostamente objetivas e que, por isso, as calam" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.

13

"Um novo caminho tinha que ser pensado e proposto, um caminho que reconduzisse o leitor para o questionamento, a escuta, a diversidade e o diálogo com as obras poéticas. Isso exige um leitor novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu sentido, verdade e mundo. Exige um leitor num diálogo com e não mais um falar ou escrever sobre as obras. É um diálogo exigente, pois só escuta e dialoga quem se escuta. Mas a fala é da obra e não do autor, uma vez que nela quem age é a poiesis e quem fala é o Logos originário e não o logos racional da Modernidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.

14

"O caminhar moderno não é um caminhar essencial, é um caminhar funcional. Esquecido da essência do caminho pretende caminhar sempre para um fim na escravidão de um objetivo" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. “Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto”. In: ------------. Aprendendo a pensar, II. Petrópolis / RJ: Vozes, 1992, p. 183.


15

"A modernidade, de antemão, negando o destino, combatendo o destino, já se coloca de fora da questão poética e ética de Ulisses diante do Canto das Sereias. A negação do destino implica a negação do sentido do Ser. Por isso a modernidade é antropológica e científica" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 162.


16

"A questão do destino não é uma questão moderna. Muito pelo contrário. A modernidade avança tanto mais quanto nega a presença do mito, dos deuses e do destino, como se esta questão ficasse restrita a mitos e deuses, uma vez que o moderno parte do princípio de que faz tudo, inclusive o que somos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 159.


17

"Mais proximamente a globalização provém da modernidade e nos remete a um conjunto de fenômenos de transformação radical que, avassaladoramente, vão cobrindo todos os espaços da existência atual e futura dos homens em sociedade. Os progressos da técnica, as descobertas das ciências, o ocaso das ideologias, desencadearam uma avalanche tal que levou de roldão e destruiu, pela base, os princípios de ordem e as forças de ordenamento que definiam o perfil e desenhavam a fisionomia do mundo moderno. Desta avalanche brotaram os fenômenos da atual globalização" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. 20.


18

A modernidade cunhou o lema: Sapere aude (Ousa saber). Dentro de uma razão crítica e excludente fechou os ouvidos para toda diferença. A crise do sistema abre amplas possibilidades e talvez se coloque como a mais radical a mudança desse lema num novo, não excludente, mas includente pela escuta:
Ousa saber o não-saber
Ousa ver o não-ver
Ousa sentir o não-sentir
Ousa fazer o não-fazer
Ousa crer o não-crer
Ousa querer o não-querer
Ousa pensar o não-pensar
Ousa conhecer o não-conhecer
Ousa amar o não-amar
Ousa ser o não-ser.
Ousa fazer da vida a travessia da fala à voz do silêncio pela escuta do que somos e não-somos.


- Manuel Antônio de Castro.


19

Grande equívoco é viver na ilusão de que somente a Modernidade é crítica. Pelo contrário, a realidade é contínua e desde sempre crítica, caso contrário não haveria fenômenos, diferenciações. E é crítica continuamente em virtude da questão dos limites. Sem limite não há diferenciação, isto é, fenômeno, e, portanto, possibilidade de conhecimento. Criticar é deixar-se tomar pelo vigorar do de-limitar. Crise, crítica e critério têm origem no verbo criticar. Mas este se diz em grego: krinein. Em latim temos o verbo cerno, cujo particípio é cretum. Daí se formou o verbo em português criticar. E o que diz cerno, crevi, cretum, cernere? Discernir, distinguir, diferenciar. Em última e primeira instância: dialogar. O significado negativo de crítica se origina do fato de que todo limite, em princípio, implica negação, diferenciação, embora a negação seja relativa em relação à posição que se ocupa, seja ontológica, seja epistemológica.


- Manuel Antônio de Castro.

20

"... até os tempos modernos o homem não ocupava, na filosofia, um lugar que o destacasse radicalmente dos demais entes mundanos. O mesmo esquema metafísico fundamental servia para a explicação de todos os entes da realidade. Todos eram considerados igualmente como entes e como tais obedeciam às mesmas leis da “essência”. Cada qual tinha a sua essência, que indicava o que ele era e como se diferenciava dos demais. Esta essência era definitiva e rígida desde o início, de tal forma que o ente podia agir somente segundo esta essência dentro dos limites de sua essência. Assim cada ente tinha a sua lei interna: o ser necessariamente era fiel à sua essência. O homem não escapava a isto" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

21

" A modernidade está no centro de todas essas transformações. Ela se instaura quando o ideal de conhecimento praticado pela Idade Média, o conhecimento metafísico universal e o sistema de valores absolutos, perdeu o seu vigor e entrou em processo de metamorfose. A metamorfose indica uma mudança profunda, estrutural. A crise é a face visível dessa metamorfose. Esta se dá por atuação de diferentes linhas de força. Entendemos por linhas de força modos de articular e discursar o real" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Metamorfose da narrativa". In: ..... Tempos de metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 63.

22

"Mas quem se debruçou filosófica e metodicamente sobre a dúvida foi Descartes. E são dele as famosas palavras que sintetizam o problema e o passo seguinte. Dubito, ergo cogito; cogito, ergo sum (Duvido, logo penso; penso, logo sou). Quando Descartes faz o percurso da dúvida, constata que pode duvidar de tudo, exceto da própria dúvida. Pois no duvidar reinstala sempre a dúvida. Duvidar é pensar. O pensamento como realidade de que não posso duvidar coloca a subjetividade no cerne da modernidade. Descartes busca um ponto de referência indubitável a partir do qual possa erguer um novo paradigma de organização do real, de conhecimento do real. Tudo o que é externo pode parecer uma grande ilusão, uma grande fantasia. Só o pensamento resiste indestrutível à dúvida. O pensamento é algo que diz estritamente respeito ao homem, por isso a modernidade é antropocêntrica e subjetiva. É a partir de dentro do homem que se redesenha o real e o próprio novo homem na nova paisagem desse novo real" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Metamorfose da narrativa". In: ..... Tempos de metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 65.

23

"Ulisses é a astúcia do saber ser. Esse saber ser é que o cotidiano da vida moderna nos encobre pelo esquecimento dos mitos, substituídos pelas falas da comunicação e pela afluência dos produtos consumíveis, pelas fáceis emoções estéticas e pelo ocultamento do perigo da morte. Mas ainda se faz presente o poder e vigor da palavra cantada, como convite radical ao saber ser, nosso destino. Mas quem está aberto para a sua escuta e para enfrentar o perigo da morte?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 175.

24

"A Modernidade, com Kant, elegeu como lema: Ousa saber [Sapere aude]. Este lema, tornado base do sistema, precisa da sua contrapartida e auto-superação, para afirmação das diferenças: Ousa saber e não-saber. É o que já nos lembrava há dois mil e seiscentos anos Chuang Tzu: “Você sabe que podemos voar com asas: ainda não aprendeu a voar sem elas. Já se familiarizou com a sabedoria dos que sabem, mas ainda não se familiarizou com a sabedoria dos que não sabem” " (1) (2).


Referências:
(1) TZU, Chuang. A via de Chuang Tzu. Adaptação de Thomas Merton, 8. e. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 72.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 182.

25

"A Idade Média também era já regida por um sistema funcional altamente centralizador e autoritário: o teológico. Tudo e todos eram submetidos ao poder teológico, seja o povo, seja a hierarquia religiosa, seja o poder dos reis. O que a modernidade acrescenta a esse cerne medieval? Algo novo para continuar a mesma coisa, isto e, o mesmo fundamento: Ao poder autoritário da teologia sucede o poder autoritário da razão. E o poder desta provém de um atributo explicitamente novo, pois, desde os sofistas, já imperava a medida da razão, ou seja, o homem como medida. E qual é esse atributo? A razão passa a ser crítica. Na modernidade tudo é regido pela Crítica. Só a crítica estabelece a verdade, daí a leitura passar a ser regida pela explicação, isto é, pelo que a crítica realiza através da análise" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura e Crítica". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 127.

26

"A modernidade começa como uma crítica da religião, da filosofia, da moral, do direito, da história, da economia e da política. A crítica é seu traço diferencial, seu sinal de nascimento. Tudo o que foi a Idade Moderna tem sido obra da crítica, entendida esta como um método de pesquisa, criação e ação. Os conceitos e ideias cardeais da Idade Modernaprogresso, evolução, liberdade, democracia, ciência, técnica – nasceram da crítica. No século XVIII a razão fez a crítica do mundo e de si própria; assim transformou pela raiz o antigo racionalismo e as suas geometrias intemporais. Crítica de si mesma: a razão renunciou às construções grandiosas que a identificavam com o Ser, o Bem e a Verdade; deixou de ser a Casa da Ideia e se converteu em caminho: foi um método de exploração" (1).


Referência:
(1) PAZ, Octávio. A outra voz. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 34.

27

"A modernidade, com sua lógica implacável de produção e consumo, nos encarcerou em um modo de vida extremamente alienado, condicionado por uma visão utilitária e mecânica da existência" (1):
"A natureza (as cachoeiras, árvores, montanhas) já não é vista como algo capaz de despertar e encantar - capaz de abrir novos horizontes para a existência -, mas apenas como obstáculo a superar ou recursos a usufruir e com os quais lucrar" (2).
"A arte já não é algo para fruir e nos conectar com as dimensões mais profundas do viver e sentir, mas algo para investir ou simplesmente exibir e ostentar. A beleza tornou-se inútil, e a experiência contemplativa, um desperdício de tempo" (3).


Referências:
(1) GALLIAN, Dante. "É próprio do humano ser contemplativo". In: "---. É próprio do humano. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022, 1a. e., p. 107.
(2) GALLIAN, Dante. "É próprio do humano ser contemplativo". In: "---. É próprio do humano. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022, 1a. e., p. 108.
(3) GALLIAN, Dante. "É próprio do humano ser contemplativo". In: "---. É próprio do humano. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022, 1a. e., p. 108.
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