Palavra

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: Guimarães Rosa diz: "Era um [[nome]], ver o que. Que é que [[é]] um [[nome]]? [[Nome]] não dá, recebe" (1). E noutra passagem complementa: "O que é pra [[ser]] - são as [[palavras]]" (2). E como! Recebe todas as nossas [[aventura|aventuras]] e desventuras, [[via|vias]] e desvios, [[falas]] e [[silêncio]]. A [[palavra]] recebe as nossas [[experienciações]] do [[real]], havendo aí uma tensão de [[contrários]], porque, ao mesmo tempo que as recebe, ela, como [[palavra]] e [[reunião]], nos oferta a [[realidade]] como [[linguagem]]. Eis um exemplo de Platão, citado por Heidegger: "Nós, os epigonais, já não possuímos condição de avaliar o [[significado]] do fato de Platão aventurar-se a empregar a [[palavra]] ''[[eídos]]'', para [[dizer]] a [[essência]] de tudo e de cada [[coisa]]. Pois, na [[linguagem]] de todo dia, ''[[eidos]]'' diz da [[visão]] que uma [[coisa]] visível nos apresenta à [[percepção]] sensível. Ora, Platão pretende da [[palavra]] algo inteiramente [[extraordinário]]. Pretende designar o que jamais se poderá [[perceber]] com os olhos" (3).  
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: Guimarães [[Rosa]] diz:
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: "Era um [[nome]], ver o que. Que é que [[é]] um [[nome]]? [[Nome]] não dá, recebe" (1).
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: E noutra passagem complementa:
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: "O que é pra [[ser]] - são as [[palavras]]" (2).
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: E como! Recebe todas as nossas aventuras e desventuras, [[via|vias]] e desvios, [[falas]] e [[silêncio]]. A [[palavra]] recebe as nossas [[experienciações]] do [[real]], havendo aí uma tensão de [[contrários]], porque, ao mesmo tempo que as recebe, ela, como [[palavra]] e [[reunião]], nos oferta a [[realidade]] como [[linguagem]]. Eis um exemplo de [[Platão]], citado por [[Heidegger]]:
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:Referências:
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: "Nós, os epigonais, já não possuímos condição de avaliar o [[significado]] do fato de [[Platão]] aventurar-se a empregar a [[palavra]] ''[[eidos]]'', para [[dizer]] a [[essência]] de tudo e de cada [[coisa]]. Pois, na [[linguagem]] de todo dia, ''[[eidos]]'' diz da [[visão]] que uma [[coisa]] visível nos apresenta à [[percepção]] sensível. Ora, [[Platão]] pretende da [[palavra]] algo inteiramente [[extraordinário]]. Pretende designar o que jamais se poderá [[perceber]] com os olhos" (3).
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: (1) ROSA, João Guimarães. ''Grande sertão: veredas'', 6. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 121.
 
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: (2) ROSA, João Guimarães. ''Grande sertão: veredas'', 6. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 39.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referências:
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: (1) ROSA, João Guimarães. '''Grande sertão: veredas''', 6. e, Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 121.
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: (2) ROSA, João Guimarães. '''Grande sertão: veredas''', 6. e, Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 39.
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: (3) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: ''Ensaios e conferências''. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 23.
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: (3) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: '''Ensaios e conferências'''. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 23.
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: [[Palavra]] provém do grego. Sua formação é a seguinte: ''para-ballein'', verbo grego que significa: projetar e jogar no [[entre]]. Deste [[verbo]] derivou-se inicialmente o [[substantivo]] [[parábola]]. Se bem observarmos, toda [[palavra]] já contém dentro de si uma [[narrativa]], enfim, uma [[parábola]]. Mas não qualquer [[narrativa]], pois toda [[narrativa]]/[[parábola]] se constrói no [[vigorar]] de [[questões]] que decidem o [[destino]] do [[ser humano]] em meio ao [[acontecer]] da [[realidade]]. Isso é a [[arte]], isso é o [[poético]].
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: [[Palavra]] provém do [[grego]]. Sua formação é a seguinte: ''para-ballein'', [[verbo]] [[grego]] que significa: projetar e [[jogar]] no [[entre]]. Deste [[verbo]] derivou-se inicialmente o [[substantivo]] [[parábola]]. Se bem observarmos, toda [[palavra]] já contém dentro de si uma [[narrativa]], enfim, uma [[parábola]]. Mas não qualquer [[narrativa]], pois toda [[narrativa]]/[[parábola]] se constrói no [[vigorar]] de [[questões]] que decidem o [[destino]] do [[ser humano]] em meio ao [[acontecer]] da [[realidade]]. Isso é a [[arte]], isso é o [[poético]].
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: A [[palavra]] poética se estrutura em torno da [[imagem]] – sonora, gestual ou visual. Mas esta pode se tornar [[retórica]] e vazia, mero [[jogo]] formal. É a armadilha para muitos pseudo-poetas. Sem densidade inaugural, a palavra-imagem pode se tornar uma casca vazia, mera [[aparência]]. O [[enigma]] da palavra poética é de tal grandeza que ela, em sua concentração e riqueza ambígua, pode ser misteriosamente deusa. É o caso das palavras do pensamento originário, como Heráclito, Parmênides, Platão e outros. A imagem é poética e não retórica apenas quando nela se dá o vigor da [[questão]]. O uso automático das palavras na comunicação e no raciocínio [[instrumento|instrumental]] tende a esvaziar o que há de poético nas palavras. Elas se tornam portadoras de ideias gerais e vazias pela repetição do uso cotidiano. Uma [[palavra]] é [[poética]] quando provoca em quem a emprega uma [[ação]] [[ética]].
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: A [[palavra]] [[poética]] se estrutura em torno da [[imagem]] – sonora, [[gestual]] ou [[visual]]. Mas esta pode se tornar [[retórica]] e vazia, mero [[jogo]] [[formal]]. É a armadilha para muitos pseudo-poetas. Sem [[densidade]] [[inaugural]], a [[palavra]]-[[imagem]] pode se tornar uma casca [[vazia]], mera [[aparência]]. O [[enigma]] da [[palavra]] [[poética]] é de tal [[grandeza]] que ela, em sua [[concentração]] e [[riqueza]] [[ambígua]], pode [[ser]] [[misteriosamente]] [[densa]]. É o caso das [[palavras]] dos [[pensadores]] [[originários]], como Heráclito, Parmênides, Platão e outros. A [[imagem]] [[é]] [[poética]] e não [[retórica]] apenas quando nela se dá o [[vigor]] da [[questão]]. O [[uso]] automático das [[palavras]] na [[comunicação]] e no [[raciocínio]] [[instrumento|instrumental]] tende a [[esvaziar]] o que há de [[poético]] nas [[palavras]]. Elas se tornam portadoras de [[ideias]] gerais e [[vazias]] pela repetição do uso [[cotidiano]]. Uma [[palavra]] é [[poética]] quando provoca em quem a emprega uma [[ação]] [[ética]].
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: A [[sintaxe]] [[gramática|gramatical]] dilui o [[vigor]] da [[palavra]], em geral, na [[proposição]]. A sintaxe poética concentra seu [[vigor]] na [[palavra]]. Na [[palavra]] [[poética]] e de [[pensamento]], estão concentradas as forças centrífugas e centrípetas. No centro dessa tensão, há o [[mistério]] do "[[entre]]". É no "entre" que a [[sintaxe]] tem sua [[origem]]. Mas para a [[gramática]] a ordem vem das [[relações]] entre as [[palavras]] na [[proposição]], determinando o [[sentido]] e o [[valor]] estrutural das [[palavras]]. Há, portanto, uma inversão. O operar da [[obra poética]] se concentra na [[sintaxe]] [[poética]], pois esta institui e constitui o [[sentido]] [[ético]]-[[poético]] da [[verdade]] da realidade.
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: A [[sintaxe]] [[gramática|gramatical]] dilui o [[vigor]] da [[palavra]], em geral, na [[proposição]]. A [[sintaxe]] [[poética]] concentra seu [[vigor]] na [[palavra]]. Na [[palavra]] [[poética]] e de [[pensamento]], estão concentradas as forças centrífugas e centrípetas. No centro dessa [[tensão]], há o [[mistério]] do "[[entre]]". É no "[[entre]]" que a [[sintaxe]] tem sua [[origem]]. Mas para a [[gramática]] a ordem vem das [[relações]] entre as [[palavras]] na [[proposição]], determinando o [[sentido]] e o [[valor]] [[estrutural]] das [[palavras]]. Há, portanto, uma inversão. O [[operar]] da [[obra poética]] se concentra na [[sintaxe]] [[poética]], pois esta institui e constitui o [[sentido]] [[ético]]-[[poético]] da [[verdade]] da [[realidade]].
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: Já a gramática se origina da [[verdade]] [[metafísica]], ou seja, aquela [[verdade]] que se fundamenta na [[adequação]]. Ao passo que a [[verdade poética]] se funda no [[desvelar]] e [[velar]] incessante da [[realidade]]. Diziam os [[poetas] e [[pensadores]] [[gregos]]: ''[[aletheia]]''.
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: Já a [[gramática]] se origina da [[verdade]] [[metafísica]], ou seja, aquela [[verdade]] que se fundamenta na [[adequação]]. Ao passo que a [[verdade poética]] se funda no [[desvelar]] e [[velar]] incessante da [[realidade]]. Diziam os [[poetas]] e [[pensadores]] [[gregos]]: ''[[aletheia]]''.
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:"É a palavra do poeta que presenteia aos [[mortal|mortais]] o que lhe foi revelado, indicando a [[presença]] do extraordinário no ordinário, favorecendo o aparecimento das coisas no brilho que lhes é próprio, mostrando o jogo da eclosão e retraimento de todo ser, ligando o enraizamento no sensível à altitude do espírito, fazendo o extraordinário do mundo aparecer na linguagem para que nele o homem possa [[habitar]]" (1).
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: "É a [[palavra]] do [[poeta]] que presenteia aos [[mortal|mortais]] o que lhe foi revelado, indicando a [[presença]] do [[extraordinário]] no [[ordinário]], favorecendo o aparecimento das coisas no brilho que lhes é próprio, mostrando o jogo da eclosão e retraimento de todo ser, ligando o enraizamento no sensível à altitude do [[espírito]], fazendo o [[extraordinário]] do [[mundo]] [[aparecer]] na [[linguagem]] para que nele o [[homem]] possa [[habitar]]" (1).
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:(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do [[inesperado]]". In: ''Revista Tempo Brasileiro''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, nº 164, 2006, p. 183.
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: (1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do [[inesperado]]". In: ''Revista Tempo Brasileiro''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, nº 164, 2006, p. 183.
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:"O tesouro que a terra do poeta jamais consegue encontrar é a palavra para a [[essência]] da [[linguagem]]. O poder e a morada da palavra, subitamente contemplados, seu [[vigor]], isso pode nos chegar em algumas palavras. Mas com isso não se garante a palavra para a essência da linguagem" (1).
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: "O tesouro que a [[terra]] do [[poeta]] jamais consegue encontrar é a [[palavra]] para a [[essência]] da [[linguagem]]. O [[poder]] e a [[morada]] da [[palavra]], subitamente contemplados, seu [[vigor]], isso pode nos chegar em algumas [[palavras]]. Mas com isso não se garante a [[palavra]] para a [[essência]] da [[linguagem]]" (1).
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ''A caminho da linguagem''. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 187.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ''A caminho da linguagem''. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 187.
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: (1) ''Os ditados do sábio Cadoc''(VI século). Textos apresentados por Jean Markale. Paris: Albin Michel, Cadernos de Sabedoria, 2004, p. 17. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
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: (1) ''Os ditados do sábio Cadoc'' (VI século). Textos apresentados por Jean Markale. Paris: Albin Michel, Cadernos de Sabedoria, 2004, p. 17. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
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:"A palavra é o oxigênio das [[possibilidades]] que a vida nos oferece a cada dia, aquelas possibilidades que já recebemos quando nascemos. E quem pode viver sem oxigênio? Podemos ser levados a uma [[vida]] vegetativa, sem a vitalidade do sentido das palavras. Neste caso, [[sentido]] é a vida se fazendo [[pensamento]] poético, isto é, [[linguagem]], [[verdade]], [[mundo]]. A palavra enquanto pensamento é a [[luz]] que nos ilumina, iluminando a direção e sentido das escolhas de nossa vida, pois em todo viver e agir há sempre um empenho por algum [[bem]]. E há maior bem do que a palavra iluminadora? O oxigênio da palavra é a linguagem e a verdade que dão a vida iluminada do existir do ser humano. [[Existir]] é viver na, com e para a iluminação, o deixar [[vigorar]] a [[energia]] irradiadora da luz, [[princípio]] de toda [[realidade]]" (1).
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: "A [[palavra]] é o oxigênio das [[possibilidades]] que a [[vida]] nos oferece a cada dia, aquelas [[possibilidades]] que já recebemos quando nascemos. E quem pode [[viver]] sem oxigênio? Podemos ser levados a uma [[vida]] vegetativa, sem a vitalidade do [[sentido]] das [[palavras]]. Neste caso, [[sentido]] é a [[vida]] se fazendo [[pensamento]] [[poético]], isto é, [[linguagem]], [[verdade]], [[mundo]]. A [[palavra]] enquanto [[pensamento]] é a [[luz]] que nos ilumina, iluminando a direção e [[sentido]] das [[escolhas]] de nossa [[vida]], pois em todo [[viver]] e [[agir]] [[sempre]] um [[empenho]] por algum [[bem]]. E há maior [[bem]] do que a [[palavra]] iluminadora? O oxigênio da [[palavra]] é a [[linguagem]] e a [[verdade]] que dão a [[vida]] iluminada do [[existir]] do [[ser humano]]. [[Existir]] é [[viver]] na, com e para a [[iluminação]], o deixar [[vigorar]] a [[energia]] irradiadora da [[luz]], [[princípio]] de toda [[realidade]]" (1).
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:CASTRO, Manuel Antônio. Apresentação. In: TAVARES, Renata. ''Do silêncio à liberdade'': Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p.
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: CASTRO, Manuel Antônio. "Apresentação". In: TAVARES, Renata. ''Do silêncio à liberdade - Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 13.
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:"A fala só fala para e por [[calar]]. A palavra essencial, sendo a [[essência]] da palavra no tempo das [[realizações]], é apenas [[silêncio]]. Por isso, não há nada, nem além, nem aquém da palavra: só se dá mesmo o [[nada]]. E não se trata de um nada negativo, nem nada que se esvai e contenta em negar tudo sem negar a si mesmo em sua negação. Trata-se de um nada criativo, um nada que deixa tudo originar-se: a [[terra]], o [[mundo]], a [[história]], os [[homens]], com todas as negações e afirmações. É um nada que constitui a [[estrutura]] [[ser-no-mundo]]" (1).
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: "A fala só fala para e por [[calar]]. A palavra essencial, sendo a [[essência]] da palavra no tempo das [[realizações]], é apenas [[silêncio]]. Por isso, não há nada, nem além, nem aquém da palavra: só se dá mesmo o [[nada]]. E não se trata de um nada negativo, nem nada que se esvai e contenta em negar tudo sem negar a si mesmo em sua negação. Trata-se de um nada criativo, um nada que deixa tudo originar-se: a [[terra]], o [[mundo]], a [[história]], os [[homens]], com todas as negações e afirmações. É um nada que constitui a [[estrutura]] [[ser-no-mundo]]" (1).
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Posfácio. In: HEIDEGGER, Martin. ''Ser e tempo''. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 554.
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Posfácio. In: HEIDEGGER, Martin. ''Ser e tempo''. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 554.
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: LISPECTOR, Clarice. ''Água viva''. Rio de Janeiro: Artenova, p. 25.
: LISPECTOR, Clarice. ''Água viva''. Rio de Janeiro: Artenova, p. 25.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 123.
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 123.
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: "A [[renúncia]] consente o [[poder]] mais elevado da [[palavra]], somente onde a [[palavra]] deixa [[coisa]] [[ser]] [[coisa]]. A [[palavra]] con-diciona a [[coisa]] como [[coisa]]. Chamaremos  esse [[poder]] da [[palavra]] de ''con-dicção''...[[Condição]] significa o [[fundamento]] para [[algo]] que existe. A [[condição]] [[funda]] o [[fundamento]]. Ela serve ao [[princípio]] de [[razão]]. Mas a [[palavra]] não dá [[fundamento]] às [[coisas]]. A [[palavra]] deixa a [[coisa]] [[vigorar]] como [[coisa]]. Esse deixar é o que significa ''con-dicção''" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.
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== 32 ==
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: "Se agora olhamos para as [[palavras]], a [[justaposição]] aleatória delas ainda não faz traz [[sentido]], [[mundo]]. Do ponto de vista das [[palavras]], de onde lhe advém o [[sentido]] e [[mundo]]? Da [[linguagem]]. [[Linguagem]], [[sentido]] e [[mundo]] já constituem a [[possibilidade]] de cada [[ser]] se [[manifestar]] como [[ser]], e de cada [[ser]] se relacionar com outros seres no plano da [[palavra]], do [[discurso]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:------. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.
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== 33 ==
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: "... a [[palavra]] não é uma cópia ou decalque das [[coisas]], mas justamente a [[elaboração]] que contém e retém em si a [[abertura]] [[recolhida]] e [[tudo]] que nela se oferece e patenteia" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Ser e verdade''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.
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== 34 ==
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: "A [[palavra]] quebra o [[silêncio]], mas somente de maneira a tornar-se e manter-se [[testemunha]] do [[silêncio]], enquanto for [[verdadeira]] [[palavra]]. A [[palavra]] pode virar mero [[vocábulo]], e a [[fala]], mero [[falatório]]; ''a antiessência da [[linguagem]]'', cuja tentação é tão grande quanto o [[milagre]] da [[linguagem]]" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Ser e verdade''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.
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== 35 ==
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: "Na [[palavra]], na [[fala]] o [[sendo]] [[mesmo]] se apresenta em sua [[abertura]]. Nem somente o [[sendo]], e junto com ele a [[palavra]], nem a [[palavra]] como um [[sinal]] sem ele. Nenhum dos dois está separado, nem a nenhum dos dois o [[outro]] é dado isoladamente, mas ''[[sendo]] na [[palavra]]''" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Ser e verdade''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 126.
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== 36 ==
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: "[[Tristeza]] pertence à [[renúncia]], desde que tomemos a [[renúncia]] em seu peso mais [[próprio]]. Esse é o não recusar-se ao [[mistério]] da [[palavra]], [[mistério]] que é a [[condição]] das [[coisas]].
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: Sendo [[mistério]], é distante. Sendo [[experiência]] de [[mistério]], a [[distância]] é próxima. O [[suporte]] que sustenta [[distância]] e [[proximidade]] é o não recusar-se ao [[mistério]] da [[palavra]]. Para esse [[mistério]] não há [[palavras]], ou seja, não há um [[dizer]] capaz de trazer à [[linguagem]] a [[essência]] [[vigorosa]] da [[linguagem]]" (1).
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: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 187.
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: "Os grandes [[poetas]] só trabalham com [[questões]], com as grandes [[questões]]. Mas suas [[veredas]] são densificadas pela sedução e sabor da [[linguagem]] de toda ''[[poiesis]]''. Seus [[caminhos]] e [[descaminhos]] são o canto encantatório da [[memória]]: o que foi, é e será. Sua [[Linguagem]] é a [[Palavra]], como [[Imagem poética]]. Cada [[Palavra]]-[[imagem]] traz em si o [[sentido]] e a [[verdade]] [[manifestativa]]. Por isso não precisa das [[proposições]] como [[lugar]] da [[verdade lógica]] e [[científica]]. Cada [[Palavra]], por [[ser]] [[poética]], é núcleo de múltiplos [[sentidos]] e [[possibilidades]] de [[revelação]]. Diante da riqueza ofuscante e da ressonância sem [[limites]] da [[linguagem]] do [[silêncio]], eles movem-se na [[fonte]] [[inaugural]] das [[imagens-poéticas]]. Uma [[imagem]] é [[sempre]] um [[dizer]] sonoro do [[silêncio]]. É a [[imagem-poética]]" (1).
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: Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte em questão: as questões da arte'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 18.
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:  "P - Porque a [[palavra]] não, e nunca, representa algo, mas significa (''be-deutet'') algo, isto é, mostrando-o, fá-lo demorar-se na extensão do seu disível" (1).
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: Referência:
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: (1)  HEIDEGGER, Martin. '''Serenidade'''. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d., p. 44.

Edição atual tal como 20h59min de 4 de janeiro de 2024

1

Guimarães Rosa diz:
"Era um nome, ver o que. Que é que é um nome? Nome não dá, recebe" (1).
E noutra passagem complementa:
"O que é pra ser - são as palavras" (2).
E como! Recebe todas as nossas aventuras e desventuras, vias e desvios, falas e silêncio. A palavra recebe as nossas experienciações do real, havendo aí uma tensão de contrários, porque, ao mesmo tempo que as recebe, ela, como palavra e reunião, nos oferta a realidade como linguagem. Eis um exemplo de Platão, citado por Heidegger:
"Nós, os epigonais, já não possuímos condição de avaliar o significado do fato de Platão aventurar-se a empregar a palavra eidos, para dizer a essência de tudo e de cada coisa. Pois, na linguagem de todo dia, eidos diz da visão que uma coisa visível nos apresenta à percepção sensível. Ora, Platão pretende da palavra algo inteiramente extraordinário. Pretende designar o que jamais se poderá perceber com os olhos" (3).


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas, 6. e, Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 121.
(2) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas, 6. e, Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 39.
(3) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 23.

2

Palavra provém do grego. Sua formação é a seguinte: para-ballein, verbo grego que significa: projetar e jogar no entre. Deste verbo derivou-se inicialmente o substantivo parábola. Se bem observarmos, toda palavra já contém dentro de si uma narrativa, enfim, uma parábola. Mas não qualquer narrativa, pois toda narrativa/parábola se constrói no vigorar de questões que decidem o destino do ser humano em meio ao acontecer da realidade. Isso é a arte, isso é o poético.


- Manuel Antônio de Castro

3

A palavra poética se estrutura em torno da imagem – sonora, gestual ou visual. Mas esta pode se tornar retórica e vazia, mero jogo formal. É a armadilha para muitos pseudo-poetas. Sem densidade inaugural, a palavra-imagem pode se tornar uma casca vazia, mera aparência. O enigma da palavra poética é de tal grandeza que ela, em sua concentração e riqueza ambígua, pode ser misteriosamente densa. É o caso das palavras dos pensadores originários, como Heráclito, Parmênides, Platão e outros. A imagem é poética e não retórica apenas quando nela se dá o vigor da questão. O uso automático das palavras na comunicação e no raciocínio instrumental tende a esvaziar o que há de poético nas palavras. Elas se tornam portadoras de ideias gerais e vazias pela repetição do uso cotidiano. Uma palavra é poética quando provoca em quem a emprega uma ação ética.
A sintaxe gramatical dilui o vigor da palavra, em geral, na proposição. A sintaxe poética concentra seu vigor na palavra. Na palavra poética e de pensamento, estão concentradas as forças centrífugas e centrípetas. No centro dessa tensão, há o mistério do "entre". É no "entre" que a sintaxe tem sua origem. Mas para a gramática a ordem vem das relações entre as palavras na proposição, determinando o sentido e o valor estrutural das palavras. Há, portanto, uma inversão. O operar da obra poética se concentra na sintaxe poética, pois esta institui e constitui o sentido ético-poético da verdade da realidade.
Já a gramática se origina da verdade metafísica, ou seja, aquela verdade que se fundamenta na adequação. Ao passo que a verdade poética se funda no desvelar e velar incessante da realidade. Diziam os poetas e pensadores gregos: aletheia.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Jogar

4

"Primeiro, há o meu método de que eu utilizo cada palavra como se ela acabasse de nascer; através do qual eu libero a palavra das impurezas da linguagem falada e a reduzo ao seu sentido original [...]. A língua é a única porta para a eternidade, mas infelizmente ela está oculta debaixo de montanhas de cinza. Daí, eu tenho de tirá-la" (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Literatura deve ser vida. In: LORENZ, Günter W. EXPOSIÇÃO do novo livro alemão no Brasil - 1971. Frankfurt am Main, Ausstellungs und Messe - Gmbh des Borsenvereins des Deutschen Buchandels, 1971, p. 291.

5

"É a palavra do poeta que presenteia aos mortais o que lhe foi revelado, indicando a presença do extraordinário no ordinário, favorecendo o aparecimento das coisas no brilho que lhes é próprio, mostrando o jogo da eclosão e retraimento de todo ser, ligando o enraizamento no sensível à altitude do espírito, fazendo o extraordinário do mundo aparecer na linguagem para que nele o homem possa habitar" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, nº 164, 2006, p. 183.

6

"O tesouro que a terra do poeta jamais consegue encontrar é a palavra para a essência da linguagem. O poder e a morada da palavra, subitamente contemplados, seu vigor, isso pode nos chegar em algumas palavras. Mas com isso não se garante a palavra para a essência da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 187.

7

"O reino vigoroso da palavra consiste em dizer, isto é, em mostrar, em trazer para um aparecer a coisa como coisa" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 187.

8

"Antes de falar considera: em primeiro lugar, o que tu dizes; em segundo lugar, o porquê tu dizes; em terceiro lugar, a quem tu o dizes; em quarto lugar, de quem tu o conseguiste; em quinto lugar, aquilo que resultará de tuas palavras; em sexto lugar, que proveito disso decorrerá; em sétimo lugar, quem escutará aquilo que tu dizes. Coloca então tuas palavras na cabeça do teu dedo e as pensa sucessivamente nestas sete maneiras antes de as expressar: nenhum mal jamais resultará de tuas palavras" (1).


Referência:
(1) Os ditados do sábio Cadoc (VI século). Textos apresentados por Jean Markale. Paris: Albin Michel, Cadernos de Sabedoria, 2004, p. 17. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

9

"Palavras não são meros corpos idealizados de que fazemos uso em nosso cotidiano para expressar o senso comum. As palavras, na verdade, têm força e presença. É por isso que se deve primar pela 'utilização de cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la ao seu sentido original' " (1). Deve-se, árdua e disciplinadamente, aprender a repensar a língua com a qual se tece vida humana.


Referências:
(1) ROSA, João Guimarães. In: LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. IN: COUTINHO, Eduardo (org.). Fortuna crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 46 e p. 47.

10

"A palavra é o oxigênio das possibilidades que a vida nos oferece a cada dia, aquelas possibilidades que já recebemos quando nascemos. E quem pode viver sem oxigênio? Podemos ser levados a uma vida vegetativa, sem a vitalidade do sentido das palavras. Neste caso, sentido é a vida se fazendo pensamento poético, isto é, linguagem, verdade, mundo. A palavra enquanto pensamento é a luz que nos ilumina, iluminando a direção e sentido das escolhas de nossa vida, pois em todo viver e agirsempre um empenho por algum bem. E há maior bem do que a palavra iluminadora? O oxigênio da palavra é a linguagem e a verdade que dão a vida iluminada do existir do ser humano. Existir é viver na, com e para a iluminação, o deixar vigorar a energia irradiadora da luz, princípio de toda realidade" (1).


Referência:
CASTRO, Manuel Antônio. "Apresentação". In: TAVARES, Renata. Do silêncio à liberdade - Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 13.

11

A palavra portuguesa palavra provém do grego e forma-se do verbo para-ballein, de onde se formou o substantivo para-bola. Para- significa junto a, entre. E ballein quer dizer: lançar, jogar, projetar. Portanto, ela diz a essência do ser humano: o que está jogado no entre. Ontológica e socialmente, o ser humano é um ente junto a e com os outros entes. Ou como os gregos diziam, ontologicamente, uma sin-ousia (sin- significa com- e ousia significa essência, próprio). Daí todos os seres, inclusive os humanos, viverem em comum-união, comunidade, integração de cada vivente com a vida. É a identidade. Mas ousia diz próprio, ou seja: diferença na identidade de todos, doação do ser. Porém, algo distingue o ser humano: o logos, a palavra ou verbo. Verbo origina-se da palavra latina verbum, tradução latina de logos. E por isso pode acontecer o educar: o ser conduzido para a manifestação de suas possibilidades de diferença e próprio, num processo de apropriação. Ou seja, ele é um sendo entre o limite e o não-limite: entre-ser. Enfim, é um sendo que vigora no sentido da palavra (logos) e no sentido do pensamento (dianoia). E isso o diferencia dos demais entes.


- Manuel Antônio de Castro

12

"Com a linguagem, dá-se algo muito estranho: ela faz lembrar o começo precisamente quando apresenta uma diferença, um desdobramento do começo. A palavra só pode ser referência a uma coisa porque traz para a proximidade as coisas, lembrando, ao mesmo tempo, que elas continuam sendo distantes. Como o dia não consegue apagar a noite, a palavra e todo o seu mundo de aproximações não consegue apagar as distâncias, os limites a partir dos quais ela se pronuncia. E é até por isso que toda palavra pede explicações, de que nenhuma palavra consegue ser final. Uma palavra só poderia ser final se conseguisse apagar todo vestígio de distanciamento, de limite, de infinição. Uma palavra só poderia ser final se o dia fosse eterno e apagasse para sempre a noite" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. "Para que língua se traduz o Ocidente?". In: O que nos faz pensar. Homenagem a Martin Heidegger. Rio de Janeiro: Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-RIO, nº 10, out. 1996, v. I, p. 62.


13

É importante compreender que uma língua é um corpo vivo e que, nele, as palavras têm memória e ao mesmo tempo ampliam seus significados, harmonizam-se, dependendo das situações, com outras. Mas estas interferências são enigmáticas, pois agem nas falas de uma língua de maneira autônoma. Por isso, apelar para a etimologia é sempre um recurso válido, uma vez que na raiz está a potencialidade de expansão e harmonia. A morte do vigor verbal da palavra acontece no uso banalizado do cotidiano pela repetição do senso comum, gerando estereótipos, ideias feitas, valores morais impostos pela sua repetição exaustiva e inquestionável, dependentes de sistemas prévios, negação de todo seu poder poético. É a perda da sua memória. Resgatam-na os poetas e os pensadores.


- Manuel Antônio de Castro

14

"O ser humano é uma doação da linguagem. Sempre se movendo na linguagem em sua ânsia essencial de ser o não-ser, procura incessantemente o horizonte de seu mistério e presença como escuta de sua fala. A escuta exige de nós uma entrega e caminhada. Esta nos leva à fala da sua escuta para melhor escutá-la. É quando a palavra se torna o vigor de seu desvelamento e velamento como língua. Porque a palavra é o vigor desse “entre” que identifica e diferencia fala e silêncio, desvelamento e velamento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ser e Aparência". In: -----. www.travessiapoetica.blogspot.com.

15

"A fala só fala para e por calar. A palavra essencial, sendo a essência da palavra no tempo das realizações, é apenas silêncio. Por isso, não há nada, nem além, nem aquém da palavra: só se dá mesmo o nada. E não se trata de um nada negativo, nem nada que se esvai e contenta em negar tudo sem negar a si mesmo em sua negação. Trata-se de um nada criativo, um nada que deixa tudo originar-se: a terra, o mundo, a história, os homens, com todas as negações e afirmações. É um nada que constitui a estrutura ser-no-mundo" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Posfácio. In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 554.

16

"A palavra, no modo em que já foi palavra, perdeu-se do antigo lugar em que deuses apareciam. Como já foi a palavra? A proximidade de um deus acontecia na própria saga de um dizer. O dizer era em si mesmo o deixar aparecer do que havia sido contemplado por aqueles que dizem, porque isso já os havia contemplado. Esse olhar trouxe os que dizem e os que escutam para a intimidade infinita da luta entre homens e deuses" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 173.

17

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entre-linha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorpora-a. O que salva então é escrever distraidamente” (1).


Referência bibliográfica:
LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Artenova, p. 25.

18

"Com a linguagem, dá-se algo muito estranho: ela faz lembrar o começo precisamente quando apresenta uma diferença, um desdobramento do começo. A palavra só pode ser referência a uma coisa porque traz para a proximidade as coisas, lembrando, ao mesmo tempo, que elas continuam sendo distantes. Como o dia não consegue apagar a noite, a palavra e todo o seu mundo de aproximações não consegue apagar as distâncias, os limites a partir dos quais ela se pronuncia. E é até por isso que toda palavra pede explicações, de que nenhuma palavra consegue ser final. Uma palavra só poderia ser final se conseguisse apagar todo vestígio de distanciamento, de limite, de infinição. Uma palavra só poderia ser final se o dia fosse eterno e apagasse para sempre a noite" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. "Para que língua se traduz o Ocidente?". In: O que nos faz pensar. Homenagem a Martin Heidegger. Rio de Janeiro: Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-RIO, nº 10, out. 1996, v. I, p. 62.

19

Chuang Tzu desenvolve uma verdadeira teoria do agir poético, ou, no fundo, da poíesis. Eis o que diz sobre a palavra/ideia: "O objetivo das palavras é transmitir as ideias. Quando estas são apreendidas, as palavras são esquecidas. Onde poderei encontrar um homem que se esqueceu das palavras? Com ele é que gostaria de conversar" (1). Todos se lembram só das palavras? Separam palavras e ideias? Como conversar sem palavras?
O que o pensador nos quer fazer pensar é muito simples: a palavra no cotidiano se torna veículo comunicativo, onde as palavras transitam vazias, como meras cascas de ovos que, se chocados, nada nascerá. A palavra poética é como o ovo cheio de vida pronto para ser chocado. Poeticamente, chocar é pensar. E só se conversa verdadeiramente quando se pensa e não simplesmente em trocar palavras comunicativas.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 196.


20

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entre-linha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorpora-a. O que salva então é escrever distraidamente” (1). (In:
Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Artenova, 1973, p. 25.


21

"Para o poeta, a palavra se diz como aquilo a que uma coisa se atém e contém em seu ser. O poeta faz a experiência de um poder, de uma dignidade da palavra que não consegue ser pensada de maneira mais vasta e elevada. A palavra é, ao mesmo tempo, aquele bem a que o poeta se confia e entrega, como poeta, de modo extraordinário. O poeta faz a experiência do ofício de poeta como uma vocação para a palavra, assumida como fonte e borda do ser. A renúncia que o poeta aprende é do tipo de uma abnegação plena, na qual somente se prenuncia o que de há muito se vela e propriamente já sempre se consente" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 129.


22

"Pois justamente a relação entre coisa e palavra, e isso na configuração de ser e dizer, foi uma das primeiras coisas que o pensamento ocidental colocou em palavras. Essa relação avassalou o pensamento de tal modo que se pronunciou numa única palavra. Essa palavra diz: logos. Essa palavra é, ao mesmo tempo, nome para o ser e para o dizer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 144.


23

"Todo mundo vê e escuta palavras, tanto na escrita como na língua falada. As palavras são. As palavras podem ser como as coisas são, a saber, perceptíveis para os sentidos. Para dar um exemplo grosseiro, basta folhearmos um dicionário. Ele está cheio de coisas impressas. Sem dúvida. Cheio de palavras e, ao mesmo tempo, sem nenhuma palavra. É que o dicionário não é capaz de apreender e abrigar a palavra pela qual as palavras vêm à palavra. Aonde pertence a palavra, aonde pertence o dizer?" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 150.


24

"Por que Ulisses vence Circe? Ele se abre para a fala e escuta de Hermes, o mensageiro dos deuses, a palavra originária, sagrada e poética. O radical de Hermes, wre ou wer, é indo-europeu e significa palavra. Esta se origina do verbo grego pará-ballein: o lançar no entre, daí toda palavra ser portadora e a própria mensagem. Ulisses só vence porque é portador do saber de Hermes, a própria Linguagem, o mito dos mitos e ritos, o sagrado primordial e originário" (1). De wre ou wer se originou a palavra latina verbum, em português, verbo. O caráter sagrado de Hermes, Verbum, em latim, fica evidente nos Evangelhos, onde Cristo é chamado de Verbum. No princípio era o Verbo, diz São João no início de seu Evangelho.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 156.


25

"O esquecimento do poder verbal da palavra é tão forte e dominante que, gramaticalmente, o verbo ser, o verbo de todos os verbos, não passa de um verbo de ligação ou auxiliar de outros. Um parasita. Nessa tradição, o esquecimento do destinar-se do sentido do ser nos projeta em interpretações substantivo-subjetivas e não em interpretações verbais, como é o próprio acontecer da realidade, ao qual devemos estar atentos e abertos para sua escuta" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética e diálogo: A verdade do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 192, Dialética em questão I. Rio de Janeiro, jan.- mar., 2013, p. 10.


26

"Há através da palavra uma revelação da verdade? A palavra revelação articula ao mesmo tempo um sim e um não. Seu prefixo é ambíguo. “Re-“ significa: tirar para trás e, portanto, desvelar, mostrar. E também: tornar a. Logo, tornar a velar, esconder" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em Vidas Secas". In: -----. Travessia Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 76.


27

"[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
[...]
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?" (1)


(1) ANDRADE, Carlos Drummond d. Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 4. e., 1966, p. 156.


28

"O nome palavra se forma de: pará-: entre; e ballein: jogar, lançar, ou seja, o entre-lançar. Dentro do mesmo movimento se construiu o nome discurso, pois indica o que flui, o que corre (formado do verbo latino: currere: fluir, correr) no entre (dis-). Este, se por um lado, indica algo vivo, que ocorre no tempo e como tempo, por outro, cria ao lado da ideia de per-curso, em que predomina a cronologia e a linearidade, uma certa simultaneidade na medida em que toda a rede se faz presente e ao mesmo tempo ausente (silêncio ou vazio)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.


29

"...os textos egípcios da criação enfatizam repetidamente a crença sobre a criação por meio da Palavra. Descobrimos no Livro da Vaca Divina (encontrado no túmulo de Tut-Ankh-Amen), que Ra cria os céus e seus anfitriões simplesmente ao pronunciar algumas palavras cujo som evoca os nomes das coisas - que surgem respondendo ao seu chamado. Quando seu nome é pronunciado, a coisa se torna um ser, pois o nome é uma realidade, a própria coisa. Em outras palavras, cada som particular tem/é sua forma correspondente..." (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. "Tehuti, a Língua Divina". In: -----. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 72.


30

"Mas onde a linguagem como linguagem vem à palavra? Raramente, lá onde não encontramos a palavra certa para dizer o que nos concerne, o que nos provoca, oprime ou entusiasma. Nesse momento, ficamos sem dizer o que queríamos dizer e assim, sem nos darmos bem conta, a própria linguagem nos toca, muito de longe, por instantes e fugidiamente, com o seu vigor.
Quando se trata de trazer à linguagem algo que nunca foi dito, tudo fica na dependência de a linguagem conceder ou recusar a palavra apropriada. Um desses casos é o do poeta" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes; Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 123.


31

"A renúncia consente o poder mais elevado da palavra, somente onde a palavra deixa coisa ser coisa. A palavra con-diciona a coisa como coisa. Chamaremos esse poder da palavra de con-dicção...Condição significa o fundamento para algo que existe. A condição funda o fundamento. Ela serve ao princípio de razão. Mas a palavra não dá fundamento às coisas. A palavra deixa a coisa vigorar como coisa. Esse deixar é o que significa con-dicção" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.

32

"Se agora olhamos para as palavras, a justaposição aleatória delas ainda não faz traz sentido, mundo. Do ponto de vista das palavras, de onde lhe advém o sentido e mundo? Da linguagem. Linguagem, sentido e mundo já constituem a possibilidade de cada ser se manifestar como ser, e de cada ser se relacionar com outros seres no plano da palavra, do discurso" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 130.

33

"... a palavra não é uma cópia ou decalque das coisas, mas justamente a elaboração que contém e retém em si a abertura recolhida e tudo que nela se oferece e patenteia" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.

34

"A palavra quebra o silêncio, mas somente de maneira a tornar-se e manter-se testemunha do silêncio, enquanto for verdadeira palavra. A palavra pode virar mero vocábulo, e a fala, mero falatório; a antiessência da linguagem, cuja tentação é tão grande quanto o milagre da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.

35

"Na palavra, na fala o sendo mesmo se apresenta em sua abertura. Nem somente o sendo, e junto com ele a palavra, nem a palavra como um sinal sem ele. Nenhum dos dois está separado, nem a nenhum dos dois o outro é dado isoladamente, mas sendo na palavra" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 126.

36

"Tristeza pertence à renúncia, desde que tomemos a renúncia em seu peso mais próprio. Esse é o não recusar-se ao mistério da palavra, mistério que é a condição das coisas.
Sendo mistério, é distante. Sendo experiência de mistério, a distância é próxima. O suporte que sustenta distância e proximidade é o não recusar-se ao mistério da palavra. Para esse mistério não há palavras, ou seja, não há um dizer capaz de trazer à linguagem a essência vigorosa da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 187.

37

"Os grandes poetas só trabalham com questões, com as grandes questões. Mas suas veredas são densificadas pela sedução e sabor da linguagem de toda poiesis. Seus caminhos e descaminhos são o canto encantatório da memória: o que foi, é e será. Sua Linguagem é a Palavra, como Imagem poética. Cada Palavra-imagem traz em si o sentido e a verdade manifestativa. Por isso não precisa das proposições como lugar da verdade lógica e científica. Cada Palavra, por ser poética, é núcleo de múltiplos sentidos e possibilidades de revelação. Diante da riqueza ofuscante e da ressonância sem limites da linguagem do silêncio, eles movem-se na fonte inaugural das imagens-poéticas. Uma imagem é sempre um dizer sonoro do silêncio. É a imagem-poética" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 18.

38

"P - Porque a palavra não, e nunca, representa algo, mas significa (be-deutet) algo, isto é, mostrando-o, fá-lo demorar-se na extensão do seu disível" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d., p. 44.
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