Silêncio

De Dicionrio de Potica e Pensamento

1

O silêncio não é a falta de fala nem o excesso. O silêncio é a plenitude da fala e como plenitude não é. Deste não-é lhe advém a excessividade, que é fala. O silêncio dá-se fala. Fala silenciando. Quem procura o silêncio encontra a fala como escuta. Quem só fala e não escuta, não encontra o silêncio, que sempre se retrai e vela. O falatório só repete o falaz-tório e não procura nem trilha as veredas do silêncio. O falatório e palavrório repetem formas vazias de informação. A fala do silêncio pro-duz Cura, Sabedoria e sentido. A gramática é falatório de formas vazias que não se abrem para o essencial da vida: o sentido. O correto da gramática toma como norma não o verdadeiro, mas o funcional. A fala do silêncio é poesia. A gramática que se queira mais do que algo formal deve-se abrir para a escuta do silêncio. Questão: ainda será gramática ou se abriu para o poético?


- Manuel Antônio de Castro

2

"Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. O silêncio é a profunda noite secreta do mundo. E não se pode falar do silêncio como se fala da neve: sentiu o silêncio dessas noites? Quem ouviu não diz. Há uma maçonaria do silêncio que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, 4. e., p. 34.

3

O silêncio é a excessividade ontopoética do nada. A pausa não é silêncio, mas disposição para ou atitude de escuta. A mudez não é silêncio porque é a falta do que ainda não se tem e se pode vir a ter. A mudez como mudez tem em si uma opacidade de anulação da fertilidade do silêncio. A mudez é estéril até que a insemine a poíesis do silêncio, porque só sabemos que alguém é mudo quando não fala, mas não pode haver fala se não houver escuta. E para haver escuta é necessário abrir-se para a fala do silêncio. O silêncio é mudo não por falta de fala, mas por excesso. Cabe a nós escutá-lo nessa excessividade criativa para que, escutando-o, possamos falar. A mudez pode então ser a decisão pela escuta atenta da fala do silêncio. Emudecemos quando nada temos para dizer, mas emudecemos muito mais quando somos possuídos pela excessividade da realidade, que é o silêncio enquanto logos. Podemos emudecer quando somos tomados pelo páthos e dele podemos simplesmente dar testemunho num grito primal de dor ou paixão, então elas podem nos jogar no abismo silencioso da morte. Emudecemos, tomados pela excessividade da realidade ou pelo nada excessivo da morte, quando somos possuídos pelo eros mortal.


- Manuel Antônio de Castro

4

“O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais” (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas, 6 e. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1968, p. 319.

5

"[...] nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H., 3. e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1972, p. 117.

6

"O silêncio é condição de possibilidade da memória, do pensar, enquanto concentrar-se no âmago, para atingir o concreto, isto é, o que desencadeia realidade. A ruidosidade é, ao contrário, uma mera simulação deletéria da sonoridade. O pensar se dá desde um concentrar-se e não desde um dispersar-se" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 182.

7

O silêncio não é a falta de fala nem o excesso. O silêncio é a plenitude da fala. E como plenitude não é. Deste não-é lhe advém a excessividade, que é fala. O silêncio não é, fala, dá-se fala. Fala silenciando. Quem procura o silêncio encontra a fala como escuta. Quem só fala e não escuta não encontra o silêncio, que sempre se retrai e vela. Ele é a fonte originária e in-augural de toda fala. Falamos para nos encontrar e realizar no e a partir do silêncio. Quem não cultiva o silêncio não pode falar a fala do que é.


- Manuel Antônio de Castro.

8

O silêncio é a não-verdade de toda verdade. O silêncio está para além de falso e certo. O silêncio é a graça nutriente e gratificante da , da do silêncio, do mistério do silêncio, para quem qualquer palavra é já inútil e desnecessária e aprisionante.


- Manuel Antônio de Castro.

9

"O homem fala por pretender indicar e comunicar alguma coisa ou o homem fala por ser aquele que pode calar-se e ficar em silêncio, no silêncio morar no vazio? O que isso significa? Será, então, que em última análise, a origem da essência da linguagem está em poder calar-se e guardar silêncio? O silêncio será apenas algo negativo, não falar, e meramente um dado externo, a ausência de som, a calada? Ou será que o silêncio é algo positivo e mais profundo, e toda fala não é senão o não-silêncio, o já não e ainda não calar-se?" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 119.

10

"Às vezes passo dias sem falar com ninguém. Penso: Deveria ligar para alguém, mas deixo para lá, porque há algo prazeroso em ficar quieto. Mas gosto de falar. Então não é isso. Porém, às vezes pode ser satisfatório... Não é como se eu ficasse aqui filosofando, porque não sou bom nisso. É apenas - o silêncio - isso é tão maravilhoso, tão fantástico" (1).


Referência:
(1) BERGMAN, Ingmar. Fala dele no filme: A ilha de Bergman. Direção de Marie Nyreröd, 2004.

11

A luz é a energia do silêncio e seu manto é a claridade. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio.


- Manuel Antônio de Castro

12

O vazio, o silêncio, são a identidade das diferenças porque é a diferença de todas as identidades. Silêncio não é falta, mas plenitude de possibilidades de sons, palavras, vozes, música, porque o silêncio configura a fonte de toda a musicalidade. Musicalidade é a realidade se manifestando em mundo, em sentido, em saber do que se é, do ser. Por isso, o universo é essencialmente musical. O humano enquanto mundo é o vigorar do sentido do silêncio. Quando este silêncio procriador vigora acontece o humano de todo ser humano. Tal acontecer é o acontecer do destinar-se do sentido da verdade do ser.


- Manuel Antônio de Castro

13

O silêncio proposital dá a maior possibilidade de música.
Se viemos do nada é claro que vamos para o tudo" (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Tutameia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 12.

14

"As proposições da língua fundamentam os significados. O sentido é o silêncio de todo significado, de toda semântica. Com significados se faz muito barulho e discussão, se tomam posições e oposições, se afirmam verdades e falsidades. Mas só o silêncio acolhe o sentido e conduz toda fala para o agir essencial, aquele onde o ser humano encontra a sua medida, o seu sentido, o seu motivo de viver a vida como vivente, na certeza de que tem como finalidade o pleno sentido e realização de sua vida" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 250.

15

"Não podemos limitar a linguagem à fala, pois ficar em silêncio é já radicar na máxima potencialidade da linguagem de todo sentido e fala. Ficar em silêncio é recolher-se ao ser, ao silêncio enquanto nada criativo, de onde surge a compreensão, radicada, portanto, em uma abertura de pré-compreensão, advinda no silêncio vigoroso do sentido do ser. Ser é deixar-se tomar pelo vigorar do silêncio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas”. In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 271.

16

"Ser é deixar-se tomar pelo vigorar do silêncio. É tomar a posição do acontecer do silêncio, isto é, a não-posição, como fonte de toda e qualquer possível posição" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 272.

17

Emmanuel Carneiro Leão num pequeno ensaio intitulado “O pensamento a serviço do silêncio” diz: “... o pensamento se desenvolveu, inicialmente, a serviço do ser. A partir da Antiguidade, ele se vai transformando e se pondo a serviço do crer. Com o final da Idade Média e o novo Renascimento, ele se coloca a serviço do conhecer. Talvez agora, na passagem do segundo para o terceiro milênio, o pensamento tenha de se colocar a serviço do silêncio, do calar-se” (1).


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O pensamento a serviço do silêncio". In: SCHUBACK, Marcia S. C. (org.). Ensaios de filosofia. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999, p. 241.

18

"Tanto os nós como as ligações precisam do “entre” enquanto identidade das diferenças. Uma tal faceta do “entre” aparece bem claramente na imagem-questão: rede. Uma tal faceta é o vazio, o silêncio. A rede sem o vazio/silêncio não se pode constituir como rede, ou seja, como “fios” e “nós”. A rede é uma doação do vazio e do silêncio. O vazio é o não-limite do silêncio e seu sentido. A língua enquanto código é a rede enquanto fios e nós. Mas assim como a rede precisa do vazio/silêncio, a língua precisa da linguagem. Por isso, a linguagem é a mãe de todas as línguas, assim como o vazio é a origem de todas as redes, de todos os códigos. E o silêncio é a origem de todas as falas e escutas, enquanto energia de sentido, verdade e mundo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.

19

"A fala, cada fala, pressupõe a rede e nela toda a rede se faz presente/ausente. Porém, essa presença e ausência se sustenta e vigora a partir do vazio ou silêncio. Este é o tempo originário, o tempo que continuamente se triparte e não triparte, se o pensamos como memória, se pensamos que essa tripartição vive de um entre-tempo, que é o presente, que nada mais é do que o presentificado em tensão (“entre”) com o presentificável (Os gregos denominaram esse tempo presente eterno: aion, onde o eterno é o entre, a memória)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 33.

20

Mistério vem do verbo grego myestai e significa: o que se retrai no e como silêncio. Por isso, o sagrado é a voz do silêncio.


- Manuel Antônio de Castro.

21

"Você sabe quando está em casa quando alguém conta uma piada e todos riem juntos. Não há pátria mais sólida do que o riso partilhado, nem lugar mais estrangeiro do que o silêncio incômodo dos outros depois que você conta uma piada" (1).


Referência:
(1) AGUALUSA, José Eduardo. "Minha Casa". In: .... O Globo, Segundo Caderno, 14-03-2020, p. 6.

22

"Silêncio é concentração e recolhimento de todo o comportamento, de maneira que este se atenha a si mesmo e, com isso, fique ligado em si e, sobretudo, exposto ao sendo, com que se relaciona e comporta. Silêncio é a abertura concentrada para a pressão e afluência do sendo em sua totalidade " (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.

23

"Nestes termos, o silêncio se torna o acontecimento daquele calar-se originário da presença humana, a partir da qual o silêncio, isto é, a totalidade do sendo, em cujo seio está a presença humana, vem à linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.

24

"A palavra quebra o silêncio, mas somente de maneira a tornar-se e manter-se testemunha do silêncio, enquanto for verdadeira palavra. A palavra pode virar mero vocábulo, e a fala, mero falatório; a antiessência da linguagem, cuja tentação é tão grande quanto o milagre da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, p. 123.

25

"O nada é fonte de tudo que é, assim como o silêncio é a fonte de toda fala. Por isso mesmo o nada nos aparece como a morte. Porém, sem esta não há posição para o vivente. Nada é vida. Vida é morte. Todo mal e dor é da nossa condição de humanos finitos. Desse modo o maior mal e a maior dor é a distância do Nada. E o maior bem e plenitude é sua proximidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 169.

26

"Circe adverte Ulisses do perigo da morte e ensina como fugir dele. O mesmo repete Ulisses aos companheiros. As Sereias não falam da morte, não poderiam falar de morte, só do saber pleno, divino e inefável, porque a tensão entre saber e morte só existe para nós mortais. Só por sermos mortais é que podemos saber. Plantas e animais não morrem, não sabem que morrem, perecem. O saber das Sereias é um saber que nos faz ultrapassar os umbrais da morte. Um tal saber só se experiencia como fala do silêncio, tão plena que é a não-fala. Se queremos a palavra cantada e, como saber pleno é a morte, então, no fundo, queremos o não-querer, o destino que nos advém das Môirai, filhas da Noite" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 178.

27

"Entre o limite da fala e o ilimitado da voz do silêncio se dá a Escuta. Nela nos advém o ilimitado de nossos limites, da nossa finitude, nela e por ela sabemos o não-saber, somos o não-ser, daí o perigo iminente da morte, daí a necessidade de assumirmos a nossa finitude, mas com os ouvidos bem abertos para o canto divino e encantador das Sereias, para o vigorar poético da palavra cantada" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 180.

28

"Da Escuta e da Não-escuta do canto das Sereias se faz a nossa travessia poética. Ulisses não é apenas astucioso, é sábio. Mas onde a sabedoria em meio à sociedade da comunicação e do consumo? O apelo originário para ser, ontem, hoje e sempre, como muito bem diz o mito, nos advém no Canto das Sereias. Cada um tem que assumir a sua travessia poética pela Escuta da fala da voz do silêncio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 181.

29

"O silêncio não é a falta de fala nem o excesso. O silêncio é a plenitude da fala. E como plenitude não é. Deste não-é lhe advém a excessividade, que é fala. O silêncio não é, fala, dá-se fala. Fala silenciando" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 19.

30

"Quem não cultiva o silêncio não pode falar a fala do que é. E que desafio maior existe para cada um senão ser? Não qualquer coisa ou um outro qualquer, e até um outro que amamos. Ser só se é própria e apropriadamente quando marcamos um encontro sempre inadiável com o que nos é próprio. E o que nos é próprio ninguém pode dizê-lo nem ensinar. Silêncio não é falta de voz ou som, não é pausa de música ou fala. O silêncio é ruidoso, oprime e liberta, é dor e alegria, dissolve a subjetividade e plenifica o ser de cada um. O silêncio é o máximo de fala, quando falar só se consegue calando. O silêncio é o mergulho no mais profundo do entre/interior de todo horizonte em que já estamos sempre lançados e projetados e aliciados. O silêncio é o silêncio do culpado e do inocente. O silêncio é a concentração máxima da poiesis como essência de todo agir. A verdadeira e fundante poesia é sempre poesia do silêncio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 19.

31

"No grito de dor de Édipo dá-se o salto mortal no abismo sem fundo do silêncio pleno" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Arte: corpo, mundo e terra. CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 33.
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