Moira
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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| - | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "Eduardo Portella, o [[professor]]". In: Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.''' |
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| - | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Poético]]-[[ecologia]]". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). [[Arte]]: [[corpo]], [[mundo]] e [[terra]]. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.''' |
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| - | : "A [[palavra]] grega ''[[moira]]'' provém do [[verbo]] ''meiresethai'', obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde ''[[Moira]]'' é [[parte]], lote, [[quinhão]], aquilo que a cada um coube por [[sorte]], o ''[[destino]]''. Associada a ''[[Moira]]'' tem-se, como seu | + | : "A [[palavra]] grega ''[[moira]]'' provém do [[verbo]] ''meiresethai'', obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde ''[[Moira]]'' é [[parte]], lote, [[quinhão]], aquilo que a cada um coube por [[sorte]], o ''[[destino]]''. Associada a ''[[Moira]]'' tem-se, como seu sinônimo, nos [[poemas]] homéricos, a [[voz]] árcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo [[poeta]], ''Aisa''. Note-se logo o [[gênero]] [[feminino]] de ambos os termos, o que remete à [[ideia]] de ''fiar'', ocupação própria da [[mulher]]: o [[destino]], simbolicamente, é "fiado" para cada um" (1). |
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| - | : (1) BRANDÃO, Junito de Souza. '''Mitologia Grega | + | : (1) BRANDÃO, Junito de Souza. '''[[Mitologia]] [[Grega]], vol. I. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986, p. 140.''' |
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| - | : "As ''[[Moiras]]'' são a personificação do [[destino]] [[individual]], da "parcela" que toca a cada um. Originariamente, cada [[ser humano]] tinha a sua ''[[moira]]'', "sua [[parte]], seu [[quinhão]]", de [[vida]], de [[felicidade]], de | + | : "As ''[[Moiras]]'' são a personificação do [[destino]] [[individual]], da "parcela" que toca a cada um. Originariamente, cada [[ser humano]] tinha a sua ''[[moira]]'', "sua [[parte]], seu [[quinhão]]", de [[vida]], de [[felicidade]], de desventura. Personificada, ''[[Moira]]'' se tornou uma [[divindade]] muito semelhante às ''[[Queres]]'' (v.)...Impessoal e inflexível, a ''[[Moira]]'' é a projeção de uma ''[[lei]]'' que nem mesmo [[Zeus]] pode transgredir, sem colocar em [[perigo]] a [[ordem]] do [[cosmo]]" (1). |
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| - | : (1) BRANDÃO, Junito de Souza. '''Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega | + | : (1) BRANDÃO, Junito de Souza. '''[[Dicionário]] [[mítico]]-[[etimológico]] da [[Mitologia]] [[Grega]], volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.''' |
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: "[...] elas afirmam [[tudo]] o que um [[ser]] [[é]] e pode [[ser]], e negam tudo o que ele [[não é]] e não pode [[ser]] [...] a dupla filiação das ''[[Moîrai]]'' indica, nos termos próprios do [[pensamento]] [[mítico]], que toda [[afirmação]] implica a [[negação]]” (Torrano: 1992, 80)" (2). | : "[...] elas afirmam [[tudo]] o que um [[ser]] [[é]] e pode [[ser]], e negam tudo o que ele [[não é]] e não pode [[ser]] [...] a dupla filiação das ''[[Moîrai]]'' indica, nos termos próprios do [[pensamento]] [[mítico]], que toda [[afirmação]] implica a [[negação]]” (Torrano: 1992, 80)" (2). | ||
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| - | : (2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: -----. | + | : (2) TORRANO, Jaa.''' "O [[mundo]] como função das Musas". In: -----. [[Teogonia]]. São Paulo: Iluminuras, 1992.''' |
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| - | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ulisses]] e a [[Escuta]] do [[Canto]] das [[Sereias]]”. In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.''' |
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| - | : "Enfim, o [[poder]] que impõe a reconciliação, a identificação [[metafísica]] destes dois [[mundos]]: a [[Moira]], que impera como a [[eterna]], acima dos [[deuses]] e dos [[homens]]. Segundo Jean-Marie Domenach, | + | : "Enfim, o [[poder]] que impõe a reconciliação, a identificação [[metafísica]] destes dois [[mundos]]: a [[Moira]], que impera como a [[eterna]], acima dos [[deuses]] e dos [[homens]]. Segundo Jean-Marie Domenach, Nietzsche procura resolver o grande [[problema]]: “[...] comment transformer le ‘fatum’ en liberté, et comment transformer la liberté en ‘fatum’?” "...como [[transformar]] a [[fatalidade]] em [[liberdade]], e como [[transformar]] a [[liberdade]] em [[fatalidade]]?" (1) (2). (Tradução: Manuel Antônio de Castro). |
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| - | : (1) DOMENACH, Jean-Marie. ''Le retour de tragique''. Paris: Seuil, 1967, p. 152. '''O Retorno do trágico | + | : (1) DOMENACH, Jean-Marie. ''Le retour de tragique''. Paris: Seuil, 1967, p. 152. '''O Retorno do trágico. Trad. Manuel Antônio de Castro.''' |
| - | : (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em | + | : (2) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "As faces do [[trágico]] em Vidas Secas". In: -----. [[Travessia]] [[Poética]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 79.''' |
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| - | : "A nossa [[propriedade]] nos advém desde que somos o que já desde [[sempre]] somos. Nesse [[sentido]], o que nos é [[próprio]], o que já desde [[sempre]] somos, é o que se chama, em [[grego]], ''[[Moira]]'', nosso [[próprio]], nosso [[quinhão]] do [[ser]]. A [[tradução]] [[tradicional]] para o [[português]] é [[destino]]. Este, portanto, não depende de uma [[ação]] [[causal]], não é o resultado do [[agir]] do [[saber]] das | + | : "A nossa [[propriedade]] nos advém desde que somos o que já desde [[sempre]] somos. Nesse [[sentido]], o que nos é [[próprio]], o que já desde [[sempre]] somos, é o que se chama, em [[grego]], ''[[Moira]]'', nosso [[próprio]], nosso [[quinhão]] do [[ser]]. A [[tradução]] [[tradicional]] para o [[português]] é [[destino]]. Este, portanto, não depende de uma [[ação]] [[causal]], não é o resultado do [[agir]] do [[saber]] das intenções da [[consciência]]. Não é um [[eu]] da [[consciência]] e o resultado de [[ações]] [[causais]], por isso, o que cada um [[é]], o seu [[próprio]], independe do [[meio]] e das influências de ordem [[social]] ou psíquica" (1). |
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| - | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. ''Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo''. Ensaio não publicado. | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''[[Espelho]]: o penoso [[caminho]] do auto-[[diálogo]]'''. '''Ensaio não publicado.''' |
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: “''Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto''”. | : “''Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto''”. | ||
| - | : Não há [[doutrina]] ou [[teoria]] ou [[conhecimento]] que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse [[acontecer]] incessante e [[sempre]] [[inaugural]] manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro [[destino]] senão [[procurar]] o que todos os grandes [[pensadores]] e [[poetas]] procuraram em [[tudo]] que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso [[destino]], com o que em nós, em cada um, acontece | + | : Não há [[doutrina]] ou [[teoria]] ou [[conhecimento]] que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse [[acontecer]] incessante e [[sempre]] [[inaugural]] manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro [[destino]] senão [[procurar]] o que todos os grandes [[pensadores]] e [[poetas]] procuraram em [[tudo]] que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso [[destino]], com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o [[mesmo]], é a [[unidade]] das [[diferenças]], pois, não podemos [[esquecer]], só há uma [[Lei]] e um [[Saber]], a [[unidade]] da [[memória]] que a todos reúne e dá [[sentido]]. Essa [[unidade]] é [[Zeus]], a [[Luz]] irradiante que congrega [[luminosidade]] e obscuridade, [[noite]] e [[dia]], ''[[Eros]]'' e ''[[Thánatos]]''. Eis nossa ''[[moira]]''" (1). |
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| - | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ulisses]] e a [[Escuta]] do [[Canto]] das [[Sereias]]”. In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.''' |
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| - | : "[[Moira]] nunca é uma [[questão]] de [[escolha]] da [[vontade]], mas uma [[questão]] de [[ser]] tomado pelo [[extraordinário]] e é neste ser possuído que se dá o [[acontecer poético]]" (1). | + | : "[[Moira]] nunca é uma [[questão]] de [[escolha]] da [[vontade]], mas uma [[questão]] de [[ser]] tomado pelo [[extraordinário]] e é neste [[ser]] possuído que se dá o [[acontecer poético]]" (1). |
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| - | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''[[Ensaio]] | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''[[Ensaio]] não publicado: "A [[Moira]] como [[destino]]".''' |
Edição atual tal como 21h00min de 2 de Julho de 2025
Tabela de conteúdo |
1
- Moira nunca é uma questão de escolha da vontade, mas uma questão de ser possuído pelo extraordinário e é neste "ser possuído" que se dá o acontecer poético. Não é o ser tomado pelo extraordinário uma questão de êxtase ou de êntase repentino, mas é o próprio acontecer poético longa e essencialmente amadurecendo e tomando corpo. É aion desdobrado na tensão poética de kronos e kairós ao longo do suceder das estações e suas horas.
2
- "O ser humano, desde Édipo - o mito imemorial que pensa o humano e seu sentido no que lhe é próprio, em sua essência sócio-político-histórica - sempre teve a pretensão de ser o sujeito das suas escolhas e realizações. A Moira sorri, em silêncio, diante de tais pretensões, deixando-o iludir-se, em seu pseudo-poder racional de dar-se a existência, segundo a liberdade fundada na sua vontade. É uma ilusão que custa caro e gera o sofrimento de muitos fracassos inúteis" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.
3
- "Como é possível o agir em nós? Não estamos, já desde o início, constituídos na perfeição do nosso ser pelos princípios do ser e da essência? Ou como diz o mito: ao nascer já recebemos desde sempre nossa moira. Mal traduzida como destino, no sentido de fatalidade. De fato, diz: possibilidades próprias de realização" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 33.
4
- "O mito é julgado e descartado a partir do logos, reduzido este à razão. E o mito sempre falou do ser humano como pertencente a um genos (de onde se forma a palavra moderna genética). Indicava uma família, um gênero (formada também de genos), uma etnia. Como família tinha algo em comum, o genos, mas cada um dentro desse genos recebia um quinhão, a sua “cota” no genos da família. O nome para esse quinhão foi e é: Moira. A tradução mais tradicional não é quinhão, mas destino" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.
5
- "A palavra grega moira provém do verbo meiresethai, obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde Moira é parte, lote, quinhão, aquilo que a cada um coube por sorte, o destino. Associada a Moira tem-se, como seu sinônimo, nos poemas homéricos, a voz árcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo poeta, Aisa. Note-se logo o gênero feminino de ambos os termos, o que remete à ideia de fiar, ocupação própria da mulher: o destino, simbolicamente, é "fiado" para cada um" (1).
- Referência:
6
- "As Moiras são a personificação do destino individual, da "parcela" que toca a cada um. Originariamente, cada ser humano tinha a sua moira, "sua parte, seu quinhão", de vida, de felicidade, de desventura. Personificada, Moira se tornou uma divindade muito semelhante às Queres (v.)...Impessoal e inflexível, a Moira é a projeção de uma lei que nem mesmo Zeus pode transgredir, sem colocar em perigo a ordem do cosmo" (1).
- Referência:
- (1) BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega, volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.
7
- "Zeus, na sua união com Thêmis (Lei Ancestral, Ordem) gera a Ordenação interior de seu reinado, a Ordem em todos os seus aspectos, pois dessa união nascem suas filhas Hôrai e Môirai, que dosam e regram a distribuição de bem e de mal. Isto é possível porque de uma outra união, com Mêtis (sapiência, saber e sabedoria), ele incorpora toda a sabedoria, que lhe assegura um poder sobre o imprevisível, pois com Mêtis ele conhece o bem e o mal, cambiante e instável como a natureza do mar, onde todos, como eternos Ulisses, fazemos a caminhada de travessia" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.
8
- "As Moîrai são filhas da Noite cissiparidas (do latim scissus, fendido, e parére, parir, ou seja, nascidas por auto-divisão) e filhas da união de Zeus e Thêmis. A dobra constitutiva, enquanto destino, centrada nas Moîrai, estabelece o limite positivo e configurativo de cada ser divino e humano, e, ao mesmo tempo, o limite negativo, coercitivo e cancelante:
- "[...] elas afirmam tudo o que um ser é e pode ser, e negam tudo o que ele não é e não pode ser [...] a dupla filiação das Moîrai indica, nos termos próprios do pensamento mítico, que toda afirmação implica a negação” (Torrano: 1992, 80)" (2).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 168.
- (2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: -----. Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.
9
- "Como as Hôrai, e não podia ser de outra maneira, as Môirai também são filhas de Zeus e Themis. Elas representam a Fatalidade sob o aspecto positivo de configuração e ordenação dos destinos dos mortais, segundo um peso e medida divinos. As Môirai, “a quem mais deu honra o sábio Zeus” (Teogonia, T. v. 900) (2), fixaram aos homens mortais os seus lotes de bem e de mal. Sob o aspecto negativo, essas Môirai são filhas da Noite (T. vv. 217-9) e representam a sofrida experiência do restrito e inexorável lote de bem e de mal a que cada homem tem que se submeter como seu único destino (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.
- (2) Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.
10
- "Enfim, o poder que impõe a reconciliação, a identificação metafísica destes dois mundos: a Moira, que impera como a eterna, acima dos deuses e dos homens. Segundo Jean-Marie Domenach, Nietzsche procura resolver o grande problema: “[...] comment transformer le ‘fatum’ en liberté, et comment transformer la liberté en ‘fatum’?” "...como transformar a fatalidade em liberdade, e como transformar a liberdade em fatalidade?" (1) (2). (Tradução: Manuel Antônio de Castro).
- Referências:
- (1) DOMENACH, Jean-Marie. Le retour de tragique. Paris: Seuil, 1967, p. 152. O Retorno do trágico. Trad. Manuel Antônio de Castro.
- (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em Vidas Secas". In: -----. Travessia Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 79.
11
- "A nossa propriedade nos advém desde que somos o que já desde sempre somos. Nesse sentido, o que nos é próprio, o que já desde sempre somos, é o que se chama, em grego, Moira, nosso próprio, nosso quinhão do ser. A tradução tradicional para o português é destino. Este, portanto, não depende de uma ação causal, não é o resultado do agir do saber das intenções da consciência. Não é um eu da consciência e o resultado de ações causais, por isso, o que cada um é, o seu próprio, independe do meio e das influências de ordem social ou psíquica" (1).
- Referência:
12
- "Desse modo o esquecimento do ser se dá num caminho duplo e ambíguo, na caminhada do Ocidente: esqueceu-se o vigorar do mítico e do pensamento. Nesse sentido, devemos ter sempre em mente que não devemos procurar Platão, mas o que ele procurava. Nenhum mito, nenhuma obra de pensamento dá conta do que já o pensador Heráclito, no fragmento 16, propôs como questão para o pensar:
- “Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto”.
- Não há doutrina ou teoria ou conhecimento que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse acontecer incessante e sempre inaugural manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro destino senão procurar o que todos os grandes pensadores e poetas procuraram em tudo que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso destino, com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o mesmo, é a unidade das diferenças, pois, não podemos esquecer, só há uma Lei e um Saber, a unidade da memória que a todos reúne e dá sentido. Essa unidade é Zeus, a Luz irradiante que congrega luminosidade e obscuridade, noite e dia, Eros e Thánatos. Eis nossa moira" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.
13
- "Ulisses está diante dos companheiros e decidiu-se pela Escuta. Mas sabe que as ações suas e de seus companheiros não auferem o seu vigor de sua decisão e poder pessoal, mas só na medida em que elas respondem e correspondem ao destino. Nesse horizonte, a decisão pela Escuta do Canto das Sereias se inscreve no horizonte da tomada de posse do seu quinhão, da realização da sua Moîra, enquanto con-sumação do que é. Nessa con-sumação, como travessia, ele realiza o seu destino" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 172.
14
- Questionar é pensar. E pensar é o agir do ser. Somente somos agindo, porque somente temos nosso próprio na medida em que é uma doação do ser. A essa doação os gregos denominaram: moira, destino, próprio, identidade, singularidade, pessoa.
15
- "Moira é o mistério maior em que o ser humano se move desde sempre. Ela é nossa medida, mas como tomar conhecimento dela senão a experienciando? E então se coloca a Moira como a essência do agir, ou seja, como sua medida. Uma medida que nos mede, mas da qual não temos domínio, isto é, não a temos, somos possuídos por ela. E só nela e por ela podemos chegar a ser livres, uma liberdade conquistada a cada dia que a Moira se torna nosso destino, livremente vivido e experienciado. Então ser possuído pela Moira é ser possuído por Eros. Eros é a plena liberdade" (1).
- Referência:
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- "Moira nunca é uma questão de escolha da vontade, mas uma questão de ser tomado pelo extraordinário e é neste ser possuído que se dá o acontecer poético" (1).
- Referência:
