Luz

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:"Na Grécica, luz (''phos'') é o [[princípio]] de tudo (''arché panton''): da [[vida]] e do [[pensamento]] (''[[zoé]]'' e ''nous''), da [[arte]] e da Cidade (''téchne'' e Pólis), do [[conhecimento]] e da produção (''episteme'' e ''poíesis''), do agir e do prestar (''pracsein'' e ''chresthai'')" (1).
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: "Na Grécia, [[luz]] (''[[phos]]'') é o [[princípio]] de [[tudo]] (''[[arché]] panton''): da [[vida]] e do [[pensamento]] (''[[zoé]]'' e ''[[nous]]''), da [[arte]] e da [[Cidade]] (''[[techne]]'' e ''[[Pólis]]''), do [[conhecimento]] e da [[produção]] (''[[episteme]]'' e ''[[poíesis]]''), do [[agir]] e do prestar (''pracsein'' e ''chresthai'')" (1).
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Filosofia grega'' - uma introdução. Teresópolis: Daimon, 2010, p. 89.
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro.''' "A [[luz]] na [[arte]] [[grega]]". In: ------. [[Filosofia]] [[grega]] - Uma Introdução. Teresópolis: Editora Daimon, 2010, p. 89.'''
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: E a verdade grega ou ''[[a-letheia]]'' se funda na luz, pois significa o vir à luz, o [[desvelamento]]. E este é que se chamou sempre a [[verdade]], uma verdade que permite e possibilita todo [[ver]] e [[compreender]], na medida em que a [[verdade]] é uma [[doação]] da [[clareira]], na qual convivem [[claridade]] e [[escuridão]], pois como diz Rosa no conto “Nada e a nossa condição”, a luz enquanto [[claridade]] constitui-se num [[paradoxo]]: “O que era a luzência, a clara, incongruência [[claridade]], seu tétrico radiar, o qual traspassava a [[noite]]” (1). Em verdade, não sabemos o que seja a luz. E, no entanto, toda [[imagem]] se funda na luz. E note-se como ela muda de [[aparência]] segundo a incidência e a intensidade ou [[ausência]] de luz e das cores. Em [[essência]], a complexidade e [[mistério]] da luz é o mesmo mistério da [[imagem]].
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: E a [[verdade]] para o [[grego]]: ''[[a-letheia]]'', se funda na [[luz]], pois significa o vir à [[luz]], o [[desvelamento]]. E este é como se chamou [[sempre]] a [[verdade]], uma [[verdade]] que permite e possibilita todo [[ver]] e [[compreender]], na medida em que a [[verdade]] é uma [[doação]] da [[clareira]], na qual convivem [[claridade]] e [[escuridão]], pois como diz [[Rosa]] no conto “Nada e a nossa condição”, a [[luz]] enquanto [[claridade]] constitui-se num [[paradoxo]]:  
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: “O que era a luzência, a clara, incongruência [[claridade]], seu tétrico radiar, o qual traspassava a [[noite]]” (1).  
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: Em [[verdade]], não sabemos o que seja a [[luz]]. E, no entanto, toda [[imagem]] e seu [[sentido]] se [[funda]] na [[luz]]. E note-se como a [[imagem]] muda de [[aparência]] segundo a incidência e a intensidade ou [[ausência]] de [[luz]], dando [[origem]] às [[diferentes]] [[cores]]. Em [[essência]], a [[complexidade]] e [[mistério]] da [[luz]] é o mesmo [[mistério]] da [[imagem]] e da [[cor]] de cada uma. [[Luz]], [[essencialmente]], é [[sentido]], [[verdade]], [[mundo]] e [[vida]]. Por isso, quando nasce uma [[criança]], dizemos que a [[mulher]] dá à [[luz]], um [[homem]] não dá à [[luz]]. No que há de [[essencial]], a [[teoria]] de [[gênero]] [[nada]] [[pode]]. Outra [[expressão]] neste [[horizonte]] é o dizermos para nos referirmos à [[verdade]]: vir à [[luz]] ou à [[luz]] da [[razão]].
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: (1) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ------. ''Primeiras estórias''. 3. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 89.
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: (1) [[ROSA]], João Guimarães.''' "[[Nada]] e a nossa [[condição]]". In: ---. Primeiras estórias, 3. e. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1967, p. 89.'''
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:"Quando, de manhã cedo, um físico sai de casa para ir pesquisar no laboratório o efeito de Compton e sente brilhar nos olhos os raios de sol, a luz não lhe fala, em primeiro lugar, como [[fenômeno]] de uma mecância quântica ondulatória. Fala como fenômeno de um [[mundo]] carregado de [[sentido]] para o [[homem]], como integrante de um [[cosmos]], na acepção grega da [[palavra]], isto é, de um [[universo]] cheio de coisas a [[perceber]], de [[caminhos]] a percorrer, de [[trabalhos]] a cumprir, de [[obras]] a [[realizar]]. A luz fala, sobretudo, de um [[mundo]] em que ele nasce e cresce, ama e odeia, vive e morre a todo [[instante]]. Sem este mundo [[originário]], o físico não poderia empreender suas pesquisas, pois não lhe seria possível nem mesmo [[existir]]. E, ao atingir-lhe os olhos, a luz não somente fala, a luz é tudo isto" (1).
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: "Quando, de manhã cedo, um físico sai de casa para ir pesquisar no laboratório o efeito de Compton e sente brilhar nos [[olhos]] os raios de [[sol]], a [[luz]] não lhe [[fala]], em primeiro [[lugar]], como [[fenômeno]] de uma mecânica quântica ondulatória. [[Fala]] como [[fenômeno]] de um [[mundo]] carregado de [[sentido]] para o [[homem]], como [[integrante]] de um [[cosmos]], na acepção [[grega]] da [[palavra]], isto é, de um [[universo]] cheio de [[coisas]] a [[perceber]], de [[caminhos]] a percorrer, de [[trabalhos]] a cumprir, de [[obras]] a [[realizar]]. A [[luz]] [[fala]], sobretudo, de um [[mundo]] em que ele nasce e cresce, ama e odeia, vive e morre a todo [[instante]]. Sem este [[mundo]] [[originário]], o físico não poderia empreender suas [[pesquisas]], pois não lhe seria [[possível]] nem mesmo [[existir]]. E, ao atingir-lhe os [[olhos]], a [[luz]] não somente [[fala]], a [[luz]] [[é]] [[tudo]] isto" (1).
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Posfácio". In: HEIDEGGER, Martin. ''Ser e tempo''. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 557.
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro.''' "Posfácio". In: [[HEIDEGGER]], Martin. [[Ser]] e [[tempo]]. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback, 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 557.'''
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: "... para um [[grego]] [[luz]] é [[sempre]] [[energia irradiante]] em todo [[ser]] e [[não ser]] de [[tudo]] que [[é]] e está [[sendo]], de [[tudo]] que não é nem está sendo. [[Energia]] de pura irradiação, [[luz]] concentra em si a força [[poética]] do raio de [[Zeus]], que rege e acata [[todas]] as [[coisas]]: ''panta oikidzei kéranous'' (Diels, 66)" (1).
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:"... para um grego luz é sempre [[energia]] irradiante em todo [[ser]] e [[não ser]] de tudo que é e está [[sendo]], de tudo que não é nem está sendo. [[Energia]] de pura irradiação, luz concentra em si a força poética do raio de Zeus, que rege e acata todas as [[coisas]]: ''panta oikidzei kéranous'' (Diels, 66)" (1).
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro.''' "A [[luz]] na [[arte]] [[grega]]". In: ---. [[Filosofia]] [[grega]] - Uma Introdução. Teresópolis: Editora Daimon, 2010, p. 90.'''
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: A [[luz]] é a [[energia]] do [[sentido]] e do [[silêncio]] e seu manto é a [[claridade]]. Sem [[luz]] não há [[claridade]] nem [[escuridão]]. A [[claridade]] da [[luz]] é o [[sentido]] e [[verdade]] do [[agir]], o [[vigorar]] do [[silêncio]] da [[luz]]. Portanto, a [[luz]] é o [[princípio]] de [[tudo]], pois dela provêm tanto a [[claridade]] quanto a [[escuridão]]. E o [[silêncio]] é essa [[energia]] de [[plenitude]] e [[origem]] de [[sentido]] e [[verdade]] em que se constitui originariamente a [[luz]]. Como [[origem]] de [[tudo]], a [[luz]] pode-se mostrar como [[desvelamento]] e [[velamento]], como [[claridade]] e [[escuridão]]. É neste e somente neste [[horizonte]] que podemos diferenciar [[olhar]] e [[ver]]. Podemos [[olhar]] [[tudo]] e não [[ver]] [[nada]]. Nesta [[diferença]] está a [[essência]] do [[ver]] porque ele remete para a [[essência]] da [[luz]]. E é neste [[sentido]] que para o [[grego]] a [[luz]] é o [[princípio]] de [[tudo]]. Portanto, [[ver]] nos diz já originariamente o estar experienciando o [[princípio]] de [[tudo]] em [[tudo]] que se olha. Noutras [[palavras]], o [[sentido]] de [[tudo]]. Só assim podemos não apenas [[olhar]], mas, ao mesmo tempo, ''[[ver]]''. Para tal [[dimensão]] remete a citação do conto do [[Rosa]] ["[[Nada]] e a nossa [[condição]]", no livro '''Primeiras estórias''', acima citado no item 2 deste Verbete deste Dicionário].
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Filosofia grega'' - uma introdução. Teresópolis: Daimon, 2010, p. 90.
 
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: '''- [[Manuel Antônio de Castro]]'''
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== 6 ==
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: Ao [[homem]] só é possível [[ver]] a partir da [[visibilidade]] do [[visível]] e a [[visibilidade]] do [[visível]] aparece e se manifesta como retraimento do [[não-visível]], do [[sem-limite]], o [[abismo]] de [[horizontalidade]] e verticalidade. A [[visibilidade]] está para a [[luz]] assim como o [[não-visível]] está para a [[escuridão]]. Tanto [[luz]] como [[escuridão]] dependem do [[visível]] como do [[não-visível]] e não o inverso.
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== 5 ==
 
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: A luz é a [[energia]] do [[silêncio]] e seu manto é a [[claridade]]. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o [[sentido]] e [[verdade]] do [[agir]], o vigorar do [[silêncio]] da luz. Portanto, a luz é o [[princípio]] de tudo, pois dela provêm tanto a [[claridade]] quanto a [[escuridão]]. E o [[silêncio]] é essa [[energia]] de plenitude e origem de [[sentido]] e [[verdade]] em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como [[desvelamento]] e [[velamento]], como [[claridade]] e [[escuridão]]. É neste e somente neste [[horizonte]] que podemos diferenciar [[olhar]] e [[ver]]. Podemos [[olhar]] tudo e não ver [[nada]]. Nesta [[diferença]] está a [[essência]] do [[ver]] porque ele remete para a [[essência]] da [[luz]]. E é neste [[sentido]] que para o grego a [[luz]] é o [[princípio]] de [[tudo]]. Portanto, [[ver]] nos diz já originariamente o estar experienciando o [[princípio]] de [[tudo]] em [[tudo]] que se olha. Só assim podemos não apenas [[olhar]], mas, ao mesmo tempo, ''[[ver]]''. Para tal [[dimensão]] remete a citação do conto do Rosa ["Nada e a nossa condição", no livro ''Primeiras estórias'', acima citado no item 2 deste Verbete deste Dicionário].
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: "O [[sendo]] de toda [[realidade]] é a [[luz]] de [[desvelamento]] em que [[todo]] [[velamento]] entre-acontece. [[Luz]] é [[energia irradiante]] de [[presença]], [[realização]] e [[sentido]], e não apenas a [[luminosidade]]. O [[entre]]-[[acontecer]] de [[desvelamento]] e [[velamento]] é a [[própria]] [[verdade]] [[poética]] da [[realidade]] doando-se em [[Mundo]] e retraindo-se na [[Terra]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' “A menina e a bicicleta: [[arte]] e confiabilidade”. In: ------. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.'''
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: "É [[realmente]] inacessível a [[luz]] em que habitas, ó [[Senhor]], e não há ninguém, exceto tu, que possa penetrá-la bastante para [[contemplar]]-te com clareza. [[Eu]] não a vejo, sem dúvida, por [[causa]] do seu [[brilho]], demasiado para os meus [[olhos]], e, todavia, o que consigo [[ver]], vejo-o através dela, da mesma maneira que o [[olho]] fraco do nosso [[corpo]] [[vê]] [[tudo]] aquilo que [[vê]] pela [[luz]] do [[sol]], que, no entanto, não se pode [[contemplar]] diretamente" (1).
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: (1) ANSELMO, Santo.''' "Cap. XVI - Que a [[luz]] em que ele [[habita]] [[é]] inacessível". In: Proslógio. Coleção: Os [[Pensadores]]. Santo Anselmo - Abelardo. São Paulo: Abril Cultural, 2. e., 1979, p. 113.'''
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: "Os [[olhos]] são a [[luz]] do [[corpo]]. Se os [[olhos]] forem [[bons]], o [[corpo]] será [[luminoso]]. Mas, se forem [[maus]], o [[corpo]] estará em trevas" (1) (2).
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: '''(1) MATEUS, VI, 22).'''
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: '''(2) Citado no início do [[filme]] de Wim Wenders: ''Tão perto...tão longe''. Prêmio do Grande Júri em Cannes, 1993.'''
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== 10 ==
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: "Não se deve reduzir a [[luz]] à [[claridade]]. A [[escuridão]] também pertence à [[luz]] e por isso mesmo nunca deixa de [[ser]] [[luminosa]]. A [[luz]] é [[tensão]] [[ontológica]], a [[tensão]] da [[unidade]] de [[claridade]] e [[escuridão]] no [[próprio]] [[ser]] dos [[seres]]. É desta [[unidade]] que [[Heráclito]] de Éfeso diz que [[tudo]] [[é]] [[Um]]: (''én panta einai'') (Diels, 50)" (1).
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro.''' "A [[luz]] na [[arte]] [[grega]]". In: ---. [[Filosofia]] [[grega]] - Uma Introdução. Teresópolis: Daimon, 2010, p. 89.'''
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== 11 ==
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: "Desse modo o [[esquecimento]] do [[ser]] se dá num [[caminho]] duplo e ambíguo, na [[caminhada]] do [[Ocidente]]: esqueceu-se o [[vigorar]] do [[mítico]] e do [[pensamento]]. Nesse [[sentido]], devemos ter [[sempre]] em [[mente]] que não devemos [[procurar]] [[Platão]], mas o que ele procurava. Nenhum [[mito]], nenhuma [[obra]] de [[pensamento]] dá conta do que já o [[pensador]] [[Heráclito]], no [[fragmento]] 16, propôs como [[questão]] para o [[pensar]]:
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: “''Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto''”.
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: Não há [[doutrina]] ou [[teoria]] ou [[conhecimento]] que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse [[acontecer]] incessante e [[sempre]] [[inaugural]] manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro [[destino]] senão [[procurar]] o que todos os grandes [[pensadores]] e [[poetas]] procuraram em [[tudo]] que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso [[destino]], com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o [[mesmo]], é a [[unidade]] das [[diferenças]], pois, não podemos [[esquecer]], só há uma [[Lei]] e um [[Saber]], a [[unidade]] da [[memória]] que a todos reúne e dá [[sentido]]. Essa [[unidade]] é [[Zeus]], a [[Luz]] irradiante que congrega [[luminosidade]] e obscuridade, [[noite]] e [[dia]], ''[[Eros]]'' e ''[[Thánatos]]''. Eis nossa ''[[moira]]''" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ulisses]] e a [[Escuta]] do [[Canto]] das [[Sereias]]”. In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.'''
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: "A [[luz]] como [[tudo]] [[é]] a [[escuridão]] como [[nada]]. Por isso, quando vemos a [[luz]] nos julgamos na [[escuridão]]. Se a [[escuridão]] já não fosse também [[luz]] nunca poderíamos [[ver]] a [[luz]], quando nos julgamos na [[escuridão]]" (1).
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: Referência bibliográfica:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "O [[mito]] de [[Midas]] da [[morte]] ou do [[ser]] [[feliz]]". In: -------. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 194.'''
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: "[[Ser feliz]] [[é]] [[viver]] na [[luz]] da [[verdade]]. O que [[é]], no entanto, a [[luz]] para que possamos [[experienciar]] a [[verdade]]? Não será a [[luz]] a [[não-verdade]] da [[verdade]]? Não é a [[questão]] da [[morte]] que nos pode [[iluminar]], dando-nos o [[sentido]] da [[vida]] em todas as [[vivências]]? Nunca podemos nos [[esquecer]] de que o [[vivente]] não é a [[vida]], assim como o [[ente]] não é o [[ser]]" (1).
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: Referência bibliográfica:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "O [[mito]] de [[Midas]] da [[morte]] ou do [[ser]] [[feliz]]". In: ---. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 195.'''
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== 14 ==
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: "O segundo exemplo nos vem de [[Platão]] no "[[epos]]" da caverna. O [[homem]] acorrentado às sombras da caverna se desprende. E por que se desprende? Porque [[pro-cura]] o que já [[é]]. Caminha o [[caminho]] do [[ser]], nosso maior [[bem]]. Ultrapassa o [[mundo]] das sombras e adentra a [[clareira]] e começa a [[ver]] o que cada um [[é]] na e pela [[luz]] do [[sol]]. Nessa [[luz]] pode até [[ver]] a [[noite]] estrelada. E aí vem a [[experienciação]] do [[extraordinário]]: ele só não pode olhar o que não pode [[ser]] olhado, a [[fonte]] de todo [[ver]] e [[luz]]: o [[sol]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''[[Linguagem]]: nosso maior [[bem]]. Série Aulas [[Inaugurais]]. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 25.'''
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: "Normalmente só se fala desse [[enigma]] (sobre o [[Homem]]), mas há um [[outro]]. E diz:
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: “ ''A [[esfinge]], aflita com aquela [[inteligência]] clara e rápida (aparentemente) recobra o fôlego e propõe novo [[enigma]]: São duas irmãs. Uma gera a outra. E a segunda, por seu turno, é gerada pela primeira. Quem são elas? A [[luz]] e a [[escuridão]], responde [[Édipo]]. A [[luz]] do [[dia]], [[clareira]] aberta no [[Céu]], gera a [[escuridão]] da [[noite]], que, por seu turno, precede a [[luz]] do [[dia]]'' ”.
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: O que este [[enigma]] nos quer [[propor]]? Qual a sua ligação com o anterior? As duas irmãs são, evidentemente, [[imagens-questões]]. Do quê? [[É]] clara a [[ligação]] entre os dois [[enigmas]]. A [[resposta]] ao primeiro [[enigma]] parece [[ser]] a certa e [[verdadeira]], desfazendo então o [[enigma]]. Ao [[propor]] o segundo [[enigma]], este mostra a [[ambiguidade]] da primeira [[resposta]]" (1).
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: Este [[enigma]] nos remete para o que o [[grego]] [[compreende]] por [[verdade]], ou seja, ''[[aletheia]]''. Ela é a tensão de [[desvelamento]] ([[luz]]) e [[velamento]] ([[escuridão]]). Nesse [[sentido]] é uma [[concepção]] da [[verdade]] muito [[diferente]] da [[concepção]] [[lógica]] da [[verdade]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: Referência:
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 +
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' “[[Heidegger]] e as [[questões]] da [[arte]]”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). [[Arte]] em [[questão]]: as [[questões]] da [[arte]]. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.'''
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: tem dias
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: em que a [[luz]] tremula
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: e então [[eu]] lembro
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: que [[eu]] [[sou]] a [[luz]]
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: [[eu]] entro
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: e a acendo de novo
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: '' - [[potência]]''  (1)
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: Referência:
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:  (1) KAUR, rupi. '''meu [[corpo]] / minha [[casa]]. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 188.'''

Edição atual tal como 22h14min de 30 de Maio de 2025

Tabela de conteúdo

1

"Na Grécia, luz (phos) é o princípio de tudo (arché panton): da vida e do pensamento (zoé e nous), da arte e da Cidade (techne e Pólis), do conhecimento e da produção (episteme e poíesis), do agir e do prestar (pracsein e chresthai)" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A luz na arte grega". In: ------. Filosofia grega - Uma Introdução. Teresópolis: Editora Daimon, 2010, p. 89.

2

E a verdade para o grego: a-letheia, se funda na luz, pois significa o vir à luz, o desvelamento. E este é como se chamou sempre a verdade, uma verdade que permite e possibilita todo ver e compreender, na medida em que a verdade é uma doação da clareira, na qual convivem claridade e escuridão, pois como diz Rosa no conto “Nada e a nossa condição”, a luz enquanto claridade constitui-se num paradoxo:
“O que era a luzência, a clara, incongruência claridade, seu tétrico radiar, o qual traspassava a noite” (1).
Em verdade, não sabemos o que seja a luz. E, no entanto, toda imagem e seu sentido se funda na luz. E note-se como a imagem muda de aparência segundo a incidência e a intensidade ou ausência de luz, dando origem às diferentes cores. Em essência, a complexidade e mistério da luz é o mesmo mistério da imagem e da cor de cada uma. Luz, essencialmente, é sentido, verdade, mundo e vida. Por isso, quando nasce uma criança, dizemos que a mulher dá à luz, um homem não dá à luz. No que há de essencial, a teoria de gênero nada pode. Outra expressão neste horizonte é o dizermos para nos referirmos à verdade: vir à luz ou à luz da razão.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ---. Primeiras estórias, 3. e. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1967, p. 89.

3

"Quando, de manhã cedo, um físico sai de casa para ir pesquisar no laboratório o efeito de Compton e sente brilhar nos olhos os raios de sol, a luz não lhe fala, em primeiro lugar, como fenômeno de uma mecânica quântica ondulatória. Fala como fenômeno de um mundo carregado de sentido para o homem, como integrante de um cosmos, na acepção grega da palavra, isto é, de um universo cheio de coisas a perceber, de caminhos a percorrer, de trabalhos a cumprir, de obras a realizar. A luz fala, sobretudo, de um mundo em que ele nasce e cresce, ama e odeia, vive e morre a todo instante. Sem este mundo originário, o físico não poderia empreender suas pesquisas, pois não lhe seria possível nem mesmo existir. E, ao atingir-lhe os olhos, a luz não somente fala, a luz é tudo isto" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Posfácio". In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback, 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 557.

4

"... para um grego luz é sempre energia irradiante em todo ser e não ser de tudo que é e está sendo, de tudo que não é nem está sendo. Energia de pura irradiação, luz concentra em si a força poética do raio de Zeus, que rege e acata todas as coisas: panta oikidzei kéranous (Diels, 66)" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A luz na arte grega". In: ---. Filosofia grega - Uma Introdução. Teresópolis: Editora Daimon, 2010, p. 90.

5

A luz é a energia do sentido e do silêncio e seu manto é a claridade. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio da luz. Portanto, a luz é o princípio de tudo, pois dela provêm tanto a claridade quanto a escuridão. E o silêncio é essa energia de plenitude e origem de sentido e verdade em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e velamento, como claridade e escuridão. É neste e somente neste horizonte que podemos diferenciar olhar e ver. Podemos olhar tudo e não ver nada. Nesta diferença está a essência do ver porque ele remete para a essência da luz. E é neste sentido que para o grego a luz é o princípio de tudo. Portanto, ver nos diz já originariamente o estar experienciando o princípio de tudo em tudo que se olha. Noutras palavras, o sentido de tudo. Só assim podemos não apenas olhar, mas, ao mesmo tempo, ver. Para tal dimensão remete a citação do conto do Rosa ["Nada e a nossa condição", no livro Primeiras estórias, acima citado no item 2 deste Verbete deste Dicionário].


- Manuel Antônio de Castro

6

Ao homem só é possível ver a partir da visibilidade do visível e a visibilidade do visível aparece e se manifesta como retraimento do não-visível, do sem-limite, o abismo de horizontalidade e verticalidade. A visibilidade está para a luz assim como o não-visível está para a escuridão. Tanto luz como escuridão dependem do visível como do não-visível e não o inverso.


- Manuel Antônio de Castro.

7

"O sendo de toda realidade é a luz de desvelamento em que todo velamento entre-acontece. Luz é energia irradiante de presença, realização e sentido, e não apenas a luminosidade. O entre-acontecer de desvelamento e velamento é a própria verdade poética da realidade doando-se em Mundo e retraindo-se na Terra" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.

8

realmente inacessível a luz em que habitas, ó Senhor, e não há ninguém, exceto tu, que possa penetrá-la bastante para contemplar-te com clareza. Eu não a vejo, sem dúvida, por causa do seu brilho, demasiado para os meus olhos, e, todavia, o que consigo ver, vejo-o através dela, da mesma maneira que o olho fraco do nosso corpo tudo aquilo que pela luz do sol, que, no entanto, não se pode contemplar diretamente" (1).


Referência:
(1) ANSELMO, Santo. "Cap. XVI - Que a luz em que ele habita é inacessível". In: Proslógio. Coleção: Os Pensadores. Santo Anselmo - Abelardo. São Paulo: Abril Cultural, 2. e., 1979, p. 113.

9

"Os olhos são a luz do corpo. Se os olhos forem bons, o corpo será luminoso. Mas, se forem maus, o corpo estará em trevas" (1) (2).


Referências:
(1) MATEUS, VI, 22).
(2) Citado no início do filme de Wim Wenders: Tão perto...tão longe. Prêmio do Grande Júri em Cannes, 1993.

10

"Não se deve reduzir a luz à claridade. A escuridão também pertence à luz e por isso mesmo nunca deixa de ser luminosa. A luz é tensão ontológica, a tensão da unidade de claridade e escuridão no próprio ser dos seres. É desta unidade que Heráclito de Éfeso diz que tudo é Um: (én panta einai) (Diels, 50)" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A luz na arte grega". In: ---. Filosofia grega - Uma Introdução. Teresópolis: Daimon, 2010, p. 89.

11

"Desse modo o esquecimento do ser se dá num caminho duplo e ambíguo, na caminhada do Ocidente: esqueceu-se o vigorar do mítico e do pensamento. Nesse sentido, devemos ter sempre em mente que não devemos procurar Platão, mas o que ele procurava. Nenhum mito, nenhuma obra de pensamento dá conta do que já o pensador Heráclito, no fragmento 16, propôs como questão para o pensar:
Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto”.
Não há doutrina ou teoria ou conhecimento que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse acontecer incessante e sempre inaugural manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro destino senão procurar o que todos os grandes pensadores e poetas procuraram em tudo que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso destino, com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o mesmo, é a unidade das diferenças, pois, não podemos esquecer, só há uma Lei e um Saber, a unidade da memória que a todos reúne e dá sentido. Essa unidade é Zeus, a Luz irradiante que congrega luminosidade e obscuridade, noite e dia, Eros e Thánatos. Eis nossa moira" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.

12

"A luz como tudo é a escuridão como nada. Por isso, quando vemos a luz nos julgamos na escuridão. Se a escuridão já não fosse também luz nunca poderíamos ver a luz, quando nos julgamos na escuridão" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 194.

13

"Ser feliz é viver na luz da verdade. O que é, no entanto, a luz para que possamos experienciar a verdade? Não será a luz a não-verdade da verdade? Não é a questão da morte que nos pode iluminar, dando-nos o sentido da vida em todas as vivências? Nunca podemos nos esquecer de que o vivente não é a vida, assim como o ente não é o ser" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 195.

14

"O segundo exemplo nos vem de Platão no "epos" da caverna. O homem acorrentado às sombras da caverna se desprende. E por que se desprende? Porque pro-cura o que já é. Caminha o caminho do ser, nosso maior bem. Ultrapassa o mundo das sombras e adentra a clareira e começa a ver o que cada um é na e pela luz do sol. Nessa luz pode até ver a noite estrelada. E aí vem a experienciação do extraordinário: ele só não pode olhar o que não pode ser olhado, a fonte de todo ver e luz: o sol" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 25.

15

"Normalmente só se fala desse enigma (sobre o Homem), mas há um outro. E diz:
A esfinge, aflita com aquela inteligência clara e rápida (aparentemente) recobra o fôlego e propõe novo enigma: São duas irmãs. Uma gera a outra. E a segunda, por seu turno, é gerada pela primeira. Quem são elas? A luz e a escuridão, responde Édipo. A luz do dia, clareira aberta no Céu, gera a escuridão da noite, que, por seu turno, precede a luz do dia ”.
O que este enigma nos quer propor? Qual a sua ligação com o anterior? As duas irmãs são, evidentemente, imagens-questões. Do quê? É clara a ligação entre os dois enigmas. A resposta ao primeiro enigma parece ser a certa e verdadeira, desfazendo então o enigma. Ao propor o segundo enigma, este mostra a ambiguidade da primeira resposta" (1).
Este enigma nos remete para o que o grego compreende por verdade, ou seja, aletheia. Ela é a tensão de desvelamento (luz) e velamento (escuridão). Nesse sentido é uma concepção da verdade muito diferente da concepção lógica da verdade.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de.Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.

16

tem dias
em que a luz tremula
e então eu lembro
que eu sou a luz
eu entro
e a acendo de novo
- potência (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 188.
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