Forma
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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- | : | + | : (3) TORRANO, Jaa. '''O [[sentido]] de [[Zeus]]. São Paulo: Iluminuras, 1996, p.17.''' |
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- | : | + | : "Assim compreendida, a [[profundidade]] é mais propriamente a [[experiência]] da reversibilidade das [[dimensões]], de uma 'localidade' [[global]] onde [[tudo]] está a um só [[tempo]], cuja altura, cuja largura e cuja distância são abstratas, de uma voluminosidade que se exprime com uma [[palavra]] dizendo que uma [[coisa]] está lá. Quando Cézanne procura a [[profundidade]], é essa deflagração do [[Ser]] que ele procura" (1). |
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+ | : "A [[forma]] é uma linha instável porque a [[realidade]], em seu [[vigorar]] incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um [[conceito]] e/ou a uma [[essência]] abstrata, generalizante. A [[forma]] se baseia na concepção da [[obra]] como um [[organismo]], um [[objeto]], cuja [[ação]] se determina pelo funcionar do [[sistema]] ou pela [[teoria]] em que se estabelece o que [[é]] [[organismo]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O [[mito]] de '''[[Cura]] e o [[ser humano]]". In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.''' | ||
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+ | : "Para e no [[sagrado]] é estranha e inadmissível a distinção de superior e inferior. E é então que ele se distancia cada vez mais, um distanciamento que consiste, em verdade, no seu [[esquecimento]] e perda de [[sentido]]. O [[esquecimento]] do [[ser]], do [[sentido]] do que somos, é o [[esquecimento]] do [[sagrado]]. Que é a [[arte]] hoje senão o testemunho pungente desse [[esquecimento]]? Assim se pensa. Mas não seria a [[verdadeira]] [[arte]] o testemunho vigoroso da [[presença]] constante do [[sagrado]], pois não é a [[essência]] da [[arte]] o [[sagrado]]? Quanta [[obra de arte]] vazia, tentando, inutilmente, preencher esse [[esquecimento]] pelo [[jogo]] fútil e mirabolante das [[formas]] técnicas. Mas ainda serão essas [[obras]] [[obras de arte]]? Não serão meros [[jogos]] formais que fazem a alegria e fortuna dos donos de galerias?" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O [[mito]] de [[Cura]] e o [[ser humano]]". In: .... .'''[[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.''' | ||
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+ | : "Pensando o [[sentido do Ser]] a partir do [[nada]], projeta em novos [[horizontes]] o [[entendimento]] [[tradicional]] da [[arte]], baseado nas [[formas]] ou na sensibilidade (''[[aisthesis]]''); Seu [[vocabulário]] vai-se depurando da carga [[técnico]]-[[conceitual]], passando a elaborar seu [[pensamento]] numa [[linguagem]] mais [[simples]], [[profunda]] e imantizada pelo [[pensamento]] [[poético]] (A título de exemplo, leia-se “O [[caminho]] do [[campo]]” e "A [[coisa]]") (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “[[Heidegger]] e as [[questões]] da [[arte]]”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''[[Arte]] em [[questão]]: as [[questões]] da [[arte]]. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 32.''' |
Edição atual tal como 16h10min de 22 de março de 2025
0
1
- Forma é um dos conceitos mais complexos, pois pode ser tomado em muitos sentidos: eîdos, morphé, corpo, ente, objeto, utensílio, obra, unidade, organismo. Martin Heidegger, em A Origem da Obra de Arte(1) trata da forma como Gestalt. A melhor tradução desta palavra alemã é, certamente, figura, mas ligada ao verbo latino fingere. Nesse ensaio, ele critica o conceito de forma, ligado à interpretação da realidade tendo em vista o ente utensílio (a forma é uma das quatro causas). Por isso, a concepção da arte baseada nas formas pode gerar grandes problemas mais do que indicar uma reflexão sobre mistério que é a obra de arte. A figura como tal é a obra, mas esta é pensada como a tensão de mundo e terra. No ensaio "A coisa" (2), Heidegger pensa a figura em tensão com o vazio.
- Jaa Torrano, por sua vez, se aproxima desse conceito ao definir assim forma: "É lícito recorrer à palavra 'forma' para explicitar-se a noção de Deus(es), desde que se entenda por 'forma' o princípio que possibilita toda manifestação. O que se manifesta na manifestação é o que por sua forma mesma ingressa no âmbito de ilatência. Eis o modo mais decisivo de os gregos antigos pensarem a verdade: ilatência, alétheia" (3).
- Referências:
- (1) HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
- Ver também:
- * Belo
2
- "Antecipando, podemos dizer que: a morphé é "dar-a-ver"; mais precisamente manter-se nisto que dá a ver, e compor-se nisso; numa palavra: a composição que se instala no aspecto. Em consequência, quando em seguida se trata simplesmente de 'aspecto', tratar-se-á sempre do aspecto que se dá a si-mesmo, e na medida em que se dá e se entrega nisto que cada vez é por um certo tempo (o 'aspecto' de 'mesa' nesta mesa aqui). Isto que cada vez é por algum tempo, chama-se assim porque é enquanto particular que se demora no aspecto do qual guarda o modo de permanência (a entrada na presença), e que é a partir de uma tal salvaguarda do aspecto que nele se mantém e nele sobressai - em grego: que ele é" (1). (Trad. Manuel Antônio de Castro).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "Comment se détermine la physis". In: Questions II. Paris: Gallimard, 1968, p. 234.
3
- "O que se põe em seus limites, integrando-os em sua perfeição e assim se mantém, possui forma, morphé. A forma, entendida como os gregos a entendiam, retira sua essencialização de um pôr-se-a-si-mesma-dentro-dos-limites (Sich-in-die-Grenze-stellen)" (1). A forma, entendida dentro do pensamento grego, está diretamente ligada à questão do télos e do limite. Télos se traduz geralmente como fim: "Mas 'fim' não é entendido aqui no sentido negativo, como se alguma coisa já não continuasse e sim findasse e cessasse de todo. Fim é conclusão no sentido do grau supremo de plenitude. No sentido de perfeição. Pois bem, limite e fim constituem aquilo em que o ente principia a ser. São os princípios do ser de um ente" (2).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
- (2) Idem, p. 88.
4
- Heidegger critica muito a definição do ente entendido como forma e matéria para apreender a essência da obra de arte. Mas o conceito principal é forma. No entanto, o abismo já constitui uma crítica muito profunda da forma. Uma consulta a Merleau-Ponty fornece dados que ajudam a perceber a complexidade da coisa através da reflexão sobre conceitos que são copertinentes (e o problema da proximidade e distância também entram junto a essa complexidade de conceitos). Não podemos pensar a forma separada do espaço e do tempo. Mas junto com estes vêm os outros conceitos: profundidade, volume, luminosidade, visibilidade, ponto, horizonte, lugar, linguagem, coisa, perspectiva, observador. Diz o texto:
- "Assim compreendida, a profundidade é mais propriamente a experiência da reversibilidade das dimensões, de uma 'localidade' global onde tudo está a um só tempo, cuja altura, cuja largura e cuja distância são abstratas, de uma voluminosidade que se exprime com uma palavra dizendo que uma coisa está lá. Quando Cézanne procura a profundidade, é essa deflagração do Ser que ele procura" (1).
- Experiência e ente talvez reúnam todos os conceitos em torno da forma. A questão da forma abordada por Merleau-Ponty parte já dos conceitos elaborados pela modernidade. Já Heidegger mostra que esses conceitos se afastam do que os gregos entendiam por morphé.
- Referência:
- Ver também:
5
- O conceito de forma é difícil e complexo, a partir sobretudo de Aristóteles. A compreensão dela como algo objetivo e definido é um equívoco. Platão, ao pensar a obra como um corpo vivo, já mostra uma instabilidade da forma (embora não pense, talvez aparentemente, o código). Daí Emmanuel Carneiro Leão encaminhar a compreensão da forma destacando o vigor, que, certamente, está na tensão limite/não-limite, verdade/não-verdade. Diz: "ambas impregnam toda forma. Forma aqui não se opõe nem se exclui, mas se compõe e inclui o conteúdo. A forma é o vigor da unidade do candelabro articulada nos primeiros versos. Nesse vigor a poesia faz brilhar a beleza do candelabro. Embora não acenda o candelabro, ela permite que apareça a luz de sua beleza" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Existencialismo e Literatura". In: Aprendendo a Pensar. Petrópolis, Vozes, 1977, p. 167.
6
- Todo vivente é uma forma da Vida, todo sendo é uma forma do Ser e de ser, todo real é uma forma da realidade. Porém, só há forma poética quando nos viventes, nos sendos, nos reais, se fizer presente concretamente a linguagem e sentido do Ser, horizonte de referência e sentido das formas. A tal referência os gregos denominaram morphé.
7
- "A forma é uma linha instável porque a realidade, em seu vigorar incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um conceito e/ou a uma essência abstrata, generalizante. A forma se baseia na concepção da obra como um organismo, um objeto, cuja ação se determina pelo funcionar do sistema ou pela teoria em que se estabelece o que é organismo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.
8
- "Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma , nada me existe. E - se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece, mas só acontece o que eu compreendo - que sei do resto? o resto não existiu. Quem sabe nada existiu" (1).
- Referência:
- LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo GH, 3. e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1964, p. 11.
9
- "Para e no sagrado é estranha e inadmissível a distinção de superior e inferior. E é então que ele se distancia cada vez mais, um distanciamento que consiste, em verdade, no seu esquecimento e perda de sentido. O esquecimento do ser, do sentido do que somos, é o esquecimento do sagrado. Que é a arte hoje senão o testemunho pungente desse esquecimento? Assim se pensa. Mas não seria a verdadeira arte o testemunho vigoroso da presença constante do sagrado, pois não é a essência da arte o sagrado? Quanta obra de arte vazia, tentando, inutilmente, preencher esse esquecimento pelo jogo fútil e mirabolante das formas técnicas. Mas ainda serão essas obras obras de arte? Não serão meros jogos formais que fazem a alegria e fortuna dos donos de galerias?" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.
10
- "A questão narrativa deve ser referenciada às questões e não e jamais às formas, porque estas não passam do que no vigorar da presença implica a instável linha do limite. A forma é uma linha instável porque a realidade, em seu vigorar incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um conceito e / ou a uma essência abstrata, generalizante. A forma se baseia na concepção da obra como organismo, um objeto, cuja ação se determina pelo funcionar do sistema ou pela teoria em que se estabelece o que é organismo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: .... .Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.
11
- "Toda presença, operar da palavra cantada, enquanto ritmo, se faz presente como vigorar poético manifestativo, como doação (presente). Por isso, toda forma, enquanto poética, é musical. A palavra cantada não é algo que acontece ou não em nossa vida, somos radicalmente musicais" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 180.
12
- "Pensando o sentido do Ser a partir do nada, projeta em novos horizontes o entendimento tradicional da arte, baseado nas formas ou na sensibilidade (aisthesis); Seu vocabulário vai-se depurando da carga técnico-conceitual, passando a elaborar seu pensamento numa linguagem mais simples, profunda e imantizada pelo pensamento poético (A título de exemplo, leia-se “O caminho do campo” e "A coisa") (1).
- Referência: