Moira

De Dicionrio de Potica e Pensamento

(Diferença entre revisões)
(2)
(11)
 
(25 edições intermediárias não estão sendo exibidas.)
Linha 1: Linha 1:
== 1 ==
== 1 ==
-
: [[Moira]] nunca é uma [[questão]] de escolha da [[vontade]], mas uma [[questão]] de ser possuído pelo [[extraordinário]] e é neste "ser possuído" que se dá o [[acontecer poético]]. Não é o ser tomado pelo [[extraordinário]] uma [[questão]] de [[êxtase]] ou de êntase repentino, mas é o próprio [[acontecer poético]] longa e essencialmente amadurecendo e tomando [[corpo]]. É ''[[aion]]'' desdobrado na tensão poética de ''[[kronos]]'' e ''[[kairós]]'' ao longo do suceder das estações e suas horas.
+
: [[Moira]] nunca é uma [[questão]] de escolha da [[vontade]], mas uma [[questão]] de ser possuído pelo [[extraordinário]] e é neste "ser possuído" que se dá o [[acontecer poético]]. Não é o ser tomado pelo [[extraordinário]] uma [[questão]] de [[êxtase]] ou de êntase repentino, mas é o próprio [[acontecer poético]] longa e essencialmente amadurecendo e tomando [[corpo]]. É ''[[aion]]'' desdobrado na [[tensão]] [[poética]] de ''[[kronos]]'' e ''[[kairós]]'' ao longo do suceder das [[estações]] e suas [[horas]].
Linha 6: Linha 6:
== 2 ==
== 2 ==
-
: "O [[ser humano]], desde Édipo - o [[mito]] imemorial que pensa o [[humano]] e seu sentido no que lhe é [[próprio]], em sua [[essência]] sócio-político-histórica - sempre teve a pretensão de [[ser]] o [[sujeito]] das suas escolhas e [[realizações]]. A [[Moira]] sorri, em [[silêncio]], diante de tais pretensões, deixando-o iludir-se, em seu pseudo-poder racional de dar-se a [[existência]], segundo a [[liberdade]] fundada na sua [[vontade]]. É uma [[ilusão]] que custa caro e gera o [[sofrimento]] de muitos fracassos inúteis" (1).
+
: "O [[ser humano]], desde [[Édipo]] - o [[mito]] imemorial que [[pensa]] o [[humano]] e seu [[sentido]] no que lhe é [[próprio]], em sua [[essência]] sócio-político-histórica - [[sempre]] teve a [[pretensão]] de [[ser]] o [[sujeito]] das suas escolhas e [[realizações]]. A [[Moira]] sorri, em [[silêncio]], diante de tais pretensões, deixando-o iludir-se, em seu pseudo-poder [[racional]] de dar-se a [[existência]], segundo a [[liberdade]] fundada na sua [[vontade]]. É uma [[ilusão]] que custa caro e gera o [[sofrimento]] de muitos fracassos inúteis" (1).
: Referência:
: Referência:
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: ''Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos''. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: '''Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos'''. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.
== 3 ==
== 3 ==
-
: "Como é [[possível]] o [[agir]] em nós? Não estamos, já desde o [[início]], constituídos na [[perfeição]] do nosso [[ser]] pelos [[princípios]] do [[ser]] e da [[essência]]? Ou como diz o [[mito]]: ao [[nascer]] já recebemos desde sempre nossa ''[[moira]]''. Mal traduzida como [[destino]], no [[sentido]] de [[fatalidade]], de fato, diz: [[possibilidades]] [[próprias]] de [[realização]]"(1).
+
: "Como é [[possível]] o [[agir]] em nós? Não estamos, já desde o [[início]], constituídos na [[perfeição]] do nosso [[ser]] pelos [[princípios]] do [[ser]] e da [[essência]]? Ou como diz o [[mito]]: ao [[nascer]] já recebemos desde [[sempre]] nossa ''[[moira]]''. Mal traduzida como [[destino]], no [[sentido]] de [[fatalidade]]. De [[fato]], diz: [[possibilidades]] [[próprias]] de [[realização]]" (1).
: Referência:
: Referência:
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. ''Leitura: questões''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 33.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 33.
== 4 ==
== 4 ==
-
: "O [[mito]] é julgado e descartado a partir do ''[[logos]]'', reduzido à [[razão]]. E o [[mito]] sempre falou do [[ser humano]] como pertencente a um ''[[genos]]'' (de onde se forma a [[palavra]] moderna [[genética]]). Indicava uma [[família]], um [[gênero]] (formada também de ''[[genos]]''), uma etnia. Como [[família]] tinha algo em [[comum]], o ''[[genos]]'', mas cada um dentro desse ''[[genos]]'' recebia um [[quinhão]], a sua “cota” no ''[[genos]]'' da [[família]]. O [[nome]] para esse [[quinhão]] foi e é: ''[[Moira]]''. A [[tradução]] mais tradicional não é [[quinhão]], mas [[destino]]" (1).
+
: "O [[mito]] é julgado e descartado a partir do ''[[logos]]'', reduzido este à [[razão]]. E o [[mito]] [[sempre]] falou do [[ser humano]] como pertencente a um ''[[genos]]'' (de onde se forma a [[palavra]] moderna [[genética]]). Indicava uma [[família]], um [[gênero]] (formada também de ''[[genos]]''), uma etnia. Como [[família]] tinha algo em [[comum]], o ''[[genos]]'', mas cada um dentro desse ''[[genos]]'' recebia um [[quinhão]], a sua “cota” no ''[[genos]]'' da [[família]]. O [[nome]] para esse [[quinhão]] foi e é: ''[[Moira]]''. A [[tradução]] mais [[tradicional]] não é [[quinhão]], mas [[destino]]" (1).
:  Referência:
:  Referência:
-
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). ''Arte: corpo, mundo e terra''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.
+
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte: corpo, mundo e terra'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.
== 5 ==
== 5 ==
-
: "A [[palavra]] grega ''[[moira]]'' provém do [[verbo]] ''meiresethai'', obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde ''[[Moira]]'' é [[parte]], lote, [[quinhão]], aquilo que a cada um coube por [[sorte]], o ''[[destino]]''. Associada a ''[[Moira]]'' tem-se, como seu seu [[sinônimo]], nos [[poemas]] homéricos, a [[voz]] árcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo [[poeta]], ''Aisa''. Note-se logo o [[gênero]] [[feminino]] de ambos os termos, o que remete à [[ideia]] de ''fiar'', ocupação própria da [[mulher]]: o [[destino]], simbolicamente, é "fiado" para cada um" (1).
+
: "A [[palavra]] grega ''[[moira]]'' provém do [[verbo]] ''meiresethai'', obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde ''[[Moira]]'' é [[parte]], lote, [[quinhão]], aquilo que a cada um coube por [[sorte]], o ''[[destino]]''. Associada a ''[[Moira]]'' tem-se, como seu [[sinônimo]], nos [[poemas]] homéricos, a [[voz]] árcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo [[poeta]], ''Aisa''. Note-se logo o [[gênero]] [[feminino]] de ambos os termos, o que remete à [[ideia]] de ''fiar'', ocupação própria da [[mulher]]: o [[destino]], simbolicamente, é "fiado" para cada um" (1).
: Referência:
: Referência:
-
: (1) BRANDÃO, Junito de Souza. ''Mitologia Grega'', vol. I. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986, p. 140.
+
: (1) BRANDÃO, Junito de Souza. '''Mitologia Grega''', vol. I. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986, p. 140.
== 6 ==
== 6 ==
Linha 43: Linha 43:
: Referência:  
: Referência:  
-
: (1) BRANDÃO, Junito de Souza. ''Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega'', volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.
+
: (1) BRANDÃO, Junito de Souza. '''Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega''', volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.
== 7 ==
== 7 ==
Linha 51: Linha 51:
: Referência:
: Referência:
   
   
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.
== 8 ==
== 8 ==
: "As ''[[Moîrai]]'' são filhas da [[Noite]] [[cissiparidas]] (do [[latim]] ''scissus'', fendido, e ''parére'', parir, ou seja, nascidas por [[auto-divisão]]) e filhas da união de [[Zeus]] e [[Thêmis]]. A [[dobra]] constitutiva, enquanto [[destino]], centrada nas ''[[Moîrai]]'', estabelece o [[limite]] positivo e configurativo de cada [[ser]] [[divino]] e [[humano]], e, ao mesmo tempo, o [[limite]] negativo, coercitivo e cancelante:
: "As ''[[Moîrai]]'' são filhas da [[Noite]] [[cissiparidas]] (do [[latim]] ''scissus'', fendido, e ''parére'', parir, ou seja, nascidas por [[auto-divisão]]) e filhas da união de [[Zeus]] e [[Thêmis]]. A [[dobra]] constitutiva, enquanto [[destino]], centrada nas ''[[Moîrai]]'', estabelece o [[limite]] positivo e configurativo de cada [[ser]] [[divino]] e [[humano]], e, ao mesmo tempo, o [[limite]] negativo, coercitivo e cancelante:
   
   
-
: "[...] elas afirmam [[tudo]] o que um [[ser]] [[é]] e pode [[ser]], e negam tudo o que ele      [[não é]] e não pode [[ser]] [...] a dupla filiação das ''[[Moîrai]]'' indica, nos termos próprios do [[pensamento]] [[mítico]], que toda [[afirmação]] implica a [[negação]]”(Torrano: 1992, 80)" (2).
+
: "[...] elas afirmam [[tudo]] o que um [[ser]] [[é]] e pode [[ser]], e negam tudo o que ele      [[não é]] e não pode [[ser]] [...] a dupla filiação das ''[[Moîrai]]'' indica, nos termos próprios do [[pensamento]] [[mítico]], que toda [[afirmação]] implica a [[negação]]” (Torrano: 1992, 80)" (2).
   
   
: Porém, não há [[afirmação]] e [[negação]] sem a [[unidade]], ou seja, [[memória]]" (1).
: Porém, não há [[afirmação]] e [[negação]] sem a [[unidade]], ou seja, [[memória]]" (1).
Linha 63: Linha 63:
: Referência:
: Referência:
   
   
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 168.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 168.
-
: (2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: -----. ''Teogonia''. São Paulo: Iluminuras, 1992.
+
: (2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: -----. '''Teogonia'''. São Paulo: Iluminuras, 1992.
== 9 ==
== 9 ==
-
: "Como as [[Hôrai]], e não podia ser de outra maneira, as [[Môirai]] também são filhas de [[Zeus]] e [[Themis]]. Elas representam a [[Fatalidade]] sob o aspecto positivo de [[configuração]] e [[ordenação]] dos [[destinos]] dos [[mortais]], segundo um peso e [[medida]] [[divinos]]. As [[Môirai]] “a quem mais deu honra o [[sábio]] [[Zeus]]” (Teogonia, T. v. 900) (2), fixaram aos [[homens]] [[mortais]] os seus lotes de [[bem]] e de [[mal]]. Sob o [[aspecto]] [[negativo]], essas [[Môirai]] são filhas da [[Noite]] (T. vv. 217-9) e representam a sofrida [[experiência]] do restrito e inexorável lote de [[bem]] e de [[mal]] a que cada [[homem]] tem que se submeter como seu único [[destino]] (1).
+
: "Como as [[Hôrai]], e não podia ser de outra maneira, as [[Môirai]] também são filhas de [[Zeus]] e [[Themis]]. Elas representam a [[Fatalidade]] sob o aspecto positivo de [[configuração]] e [[ordenação]] dos [[destinos]] dos [[mortais]], segundo um peso e [[medida]] [[divinos]]. As [[Môirai]], “a quem mais deu honra o [[sábio]] [[Zeus]]” (Teogonia, T. v. 900) (2), fixaram aos [[homens]] [[mortais]] os seus lotes de [[bem]] e de [[mal]]. Sob o [[aspecto]] [[negativo]], essas [[Môirai]] são filhas da [[Noite]] (T. vv. 217-9) e representam a sofrida [[experiência]] do restrito e inexorável lote de [[bem]] e de [[mal]] a que cada [[homem]] tem que se submeter como seu único [[destino]] (1).
: Referência:
: Referência:
   
   
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.
-
: (2) ''Teogonia''. São Paulo: Iluminuras, 1992.
+
: (2) '''Teogonia'''. São Paulo: Iluminuras, 1992.
== 10 ==
== 10 ==
Linha 83: Linha 83:
:  Referências:
:  Referências:
-
: (1) DOMENACH, Jean-Marie. ''Le retour de tragique''. Paris: Seuil, 1967, p. 152. ''O Retorno do trágico''. Trad. Manuel Antônio de Castro.
+
: (1) DOMENACH, Jean-Marie. ''Le retour de tragique''. Paris: Seuil, 1967, p. 152. '''O Retorno do trágico'''. Trad. Manuel Antônio de Castro.
-
: (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em ''Vidas Secas''". In: -----. ''Travessia Poética''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 79.
+
: (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em '''Vidas Secas'''". In: -----. '''Travessia Poética'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 79.
== 11 ==
== 11 ==
-
: "A nossa [[propriedade]] nos advém desde que somos o que já desde sempre somos. Nesse [[sentido]], o que nos é [[próprio]], o que já desde sempre somos, é o que se chama, em [[grego]], ''[[Moira]]'', nosso [[próprio]], nosso [[quinhão]] do [[ser]]. A [[tradução]] [[tradicional]] para o [[português]] é [[destino]]. Este, portanto, não depende de uma [[ação]] [[causal]], não é o resultado do [[agir]] do [[saber]] das [[intenções]] da [[consciência]]. Não é um [[eu]] da [[consciência]] e o resultado de [[ações]] [[causais]], por isso, o que cada um [[é]], o seu [[próprio]], independe do [[meio]] e das [[influências]] de ordem [[social]] ou [[psíquica]]" (1).
+
: "A nossa [[propriedade]] nos advém desde que somos o que já desde [[sempre]] somos. Nesse [[sentido]], o que nos é [[próprio]], o que já desde [[sempre]] somos, é o que se chama, em [[grego]], ''[[Moira]]'', nosso [[próprio]], nosso [[quinhão]] do [[ser]]. A [[tradução]] [[tradicional]] para o [[português]] é [[destino]]. Este, portanto, não depende de uma [[ação]] [[causal]], não é o resultado do [[agir]] do [[saber]] das [[intenções]] da [[consciência]]. Não é um [[eu]] da [[consciência]] e o resultado de [[ações]] [[causais]], por isso, o que cada um [[é]], o seu [[próprio]], independe do [[meio]] e das [[influências]] de ordem [[social]] ou [[psíquica]]" (1).
Linha 94: Linha 94:
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. ''Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo''. Ensaio não publicado.
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. ''Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo''. Ensaio não publicado.
 +
 +
== 12 ==
 +
: "Desse modo o [[esquecimento]] do [[ser]] se dá num [[caminho]] duplo e ambíguo, na [[caminhada]] do [[Ocidente]]: esqueceu-se o [[vigorar]] do [[mítico]] e do [[pensamento]]. Nesse sentido, devemos ter sempre em [[mente]] que não devemos [[procurar]] [[Platão]], mas o que ele procurava. Nenhum [[mito]], nenhuma [[obra]] de [[pensamento]] dá conta do que já o [[pensador]] [[Heráclito]], no [[fragmento]] 16, propôs como [[questão]] para o [[pensar]]:
 +
 +
: “''Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto''”.
 +
 +
: Não há [[doutrina]] ou [[teoria]] ou [[conhecimento]] que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse [[acontecer]] incessante e [[sempre]] [[inaugural]] manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro [[destino]] senão [[procurar]] o que todos os grandes [[pensadores]] e [[poetas]] procuraram em [[tudo]] que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso [[destino]], com o que em nós, em cada um, acontece [[inauguralmente]]. É o [[mesmo]], é a [[unidade]] das [[diferenças]], pois, não podemos [[esquecer]], só há uma [[Lei]] e um [[Saber]], a [[unidade]] da [[memória]] que a todos reúne e dá [[sentido]]. Essa [[unidade]] é [[Zeus]], a [[Luz]] irradiante que congrega [[luminosidade]] e [[obscuridade]], [[noite]] e [[dia]], ''[[Eros]]'' e ''[[Thánatos]]''. Eis nossa ''[[moira]]''" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.
 +
 +
== 13 ==
 +
: "[[Ulisses]] está diante dos companheiros e decidiu-se pela [[Escuta]]. Mas sabe que as [[ações]] suas e de seus companheiros não auferem o seu [[vigor]] de sua decisão e [[poder]] [[pessoal]], mas só na [[medida]] em que elas respondem e correspondem ao [[destino]]. Nesse [[horizonte]], a decisão pela [[Escuta]] do [[Canto das Sereias]] se inscreve no [[horizonte]] da tomada de posse do seu [[quinhão]], da [[realização]] da sua [[Moîra]], enquanto [[con-sumação]] do que [[é]]. Nessa [[con-sumação]], como [[travessia]], ele realiza o seu [[destino]]" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 172.
 +
 +
== 14 ==
 +
: [[Questionar]] é [[pensar]]. E [[pensar]] é o [[agir]] do [[ser]]. Somente somos agindo, porque somente temos nosso [[próprio]] na [[medida]] em que é uma [[doação]] do [[ser]]. A essa [[doação]] os [[gregos]] denominaram: [[moira]], [[destino]], [[próprio]], [[identidade]], singularidade, [[pessoa]].
 +
 +
 +
: - [[Manuel Antônio de Castro]].
 +
 +
== 15 ==
 +
: "[[Moira]] é o [[mistério]] maior em que o [[ser humano]] se move desde [[sempre]]. Ela é nossa [[medida]], mas como tomar [[conhecimento]] dela senão a experienciando? E então se coloca a [[Moira]] como a [[essência]] do [[agir]], ou seja, como sua [[medida]]. Uma [[medida]] que nos mede, mas da qual não temos domínio, isto é, não a temos, somos possuídos por ela. E só nela e por ela podemos chegar a [[ser]] [[livres]], uma [[liberdade]] conquistada a cada dia que a [[Moira]] se torna nosso [[destino]], livremente vivido e experienciado. Então [[ser]] possuído pela [[Moira]] é ser possuído por [[Eros]]. [[Eros]] é a [[plena]] [[liberdade]]" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''[[Ensaio]]''' não publicado: "A Moira como destino".
 +
 +
== 16 ==
 +
: "[[Moira]] nunca é uma [[questão]] de [[escolha]] da [[vontade]], mas uma [[questão]] de [[ser]] tomado pelo [[extraordinário]] e é neste ser possuído que se dá o [[acontecer poético]]" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''[[Ensaio]]''' não publicado: "A Moira como destino".

Edição atual tal como 20h32min de 16 de Abril de 2024

Tabela de conteúdo

1

Moira nunca é uma questão de escolha da vontade, mas uma questão de ser possuído pelo extraordinário e é neste "ser possuído" que se dá o acontecer poético. Não é o ser tomado pelo extraordinário uma questão de êxtase ou de êntase repentino, mas é o próprio acontecer poético longa e essencialmente amadurecendo e tomando corpo. É aion desdobrado na tensão poética de kronos e kairós ao longo do suceder das estações e suas horas.


- Manuel Antônio de Castro

2

"O ser humano, desde Édipo - o mito imemorial que pensa o humano e seu sentido no que lhe é próprio, em sua essência sócio-político-histórica - sempre teve a pretensão de ser o sujeito das suas escolhas e realizações. A Moira sorri, em silêncio, diante de tais pretensões, deixando-o iludir-se, em seu pseudo-poder racional de dar-se a existência, segundo a liberdade fundada na sua vontade. É uma ilusão que custa caro e gera o sofrimento de muitos fracassos inúteis" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.

3

"Como é possível o agir em nós? Não estamos, já desde o início, constituídos na perfeição do nosso ser pelos princípios do ser e da essência? Ou como diz o mito: ao nascer já recebemos desde sempre nossa moira. Mal traduzida como destino, no sentido de fatalidade. De fato, diz: possibilidades próprias de realização" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 33.

4

"O mito é julgado e descartado a partir do logos, reduzido este à razão. E o mito sempre falou do ser humano como pertencente a um genos (de onde se forma a palavra moderna genética). Indicava uma família, um gênero (formada também de genos), uma etnia. Como família tinha algo em comum, o genos, mas cada um dentro desse genos recebia um quinhão, a sua “cota” no genos da família. O nome para esse quinhão foi e é: Moira. A tradução mais tradicional não é quinhão, mas destino" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.

5

"A palavra grega moira provém do verbo meiresethai, obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde Moira é parte, lote, quinhão, aquilo que a cada um coube por sorte, o destino. Associada a Moira tem-se, como seu sinônimo, nos poemas homéricos, a voz árcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo poeta, Aisa. Note-se logo o gênero feminino de ambos os termos, o que remete à ideia de fiar, ocupação própria da mulher: o destino, simbolicamente, é "fiado" para cada um" (1).


Referência:
(1) BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. I. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986, p. 140.

6

"As Moiras são a personificação do destino individual, da "parcela" que toca a cada um. Originariamente, cada ser humano tinha a sua moira, "sua parte, seu quinhão", de vida, de felicidade, de desventura. Personificada, Moira se tornou uma divindade muito semelhante às Queres (v.)...Impessoal e inflexível, a Moira é a projeção de uma lei que nem mesmo Zeus pode transgredir, sem colocar em perigo a ordem do cosmo" (1).


Referência:
(1) BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega, volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.

7

"Zeus, na sua união com Thêmis (Lei Ancestral, Ordem) gera a Ordenação interior de seu reinado, a Ordem em todos os seus aspectos, pois dessa união nascem suas filhas Hôrai e Môirai, que dosam e regram a distribuição de bem e de mal. Isto é possível porque de uma outra união, com Mêtis (sapiência, saber e sabedoria), ele incorpora toda a sabedoria, que lhe assegura um poder sobre o imprevisível, pois com Mêtis ele conhece o bem e o mal, cambiante e instável como a natureza do mar, onde todos, como eternos Ulisses, fazemos a caminhada de travessia" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.

8

"As Moîrai são filhas da Noite cissiparidas (do latim scissus, fendido, e parére, parir, ou seja, nascidas por auto-divisão) e filhas da união de Zeus e Thêmis. A dobra constitutiva, enquanto destino, centrada nas Moîrai, estabelece o limite positivo e configurativo de cada ser divino e humano, e, ao mesmo tempo, o limite negativo, coercitivo e cancelante:
"[...] elas afirmam tudo o que um ser é e pode ser, e negam tudo o que ele não é e não pode ser [...] a dupla filiação das Moîrai indica, nos termos próprios do pensamento mítico, que toda afirmação implica a negação” (Torrano: 1992, 80)" (2).
Porém, não há afirmação e negação sem a unidade, ou seja, memória" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 168.
(2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: -----. Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.

9

"Como as Hôrai, e não podia ser de outra maneira, as Môirai também são filhas de Zeus e Themis. Elas representam a Fatalidade sob o aspecto positivo de configuração e ordenação dos destinos dos mortais, segundo um peso e medida divinos. As Môirai, “a quem mais deu honra o sábio Zeus” (Teogonia, T. v. 900) (2), fixaram aos homens mortais os seus lotes de bem e de mal. Sob o aspecto negativo, essas Môirai são filhas da Noite (T. vv. 217-9) e representam a sofrida experiência do restrito e inexorável lote de bem e de mal a que cada homem tem que se submeter como seu único destino (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.
(2) Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.

10

"Enfim, o poder que impõe a reconciliação, a identificação metafísica destes dois mundos: a Moira, que impera como a eterna, acima dos deuses e dos homens. Segundo Jean-Marie Domenach, Nietzsche procura resolver o grande problema: “[...] comment transformer le ‘fatum’ en liberté, et comment transformer la liberté en ‘fatum’?” "...como transformar a fatalidade em liberdade, e como transformar a liberdade em fatalidade?" (1) (2). (Tradução: Manuel Antônio de Castro).


Referências:
(1) DOMENACH, Jean-Marie. Le retour de tragique. Paris: Seuil, 1967, p. 152. O Retorno do trágico. Trad. Manuel Antônio de Castro.
(2) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em Vidas Secas". In: -----. Travessia Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 79.

11

"A nossa propriedade nos advém desde que somos o que já desde sempre somos. Nesse sentido, o que nos é próprio, o que já desde sempre somos, é o que se chama, em grego, Moira, nosso próprio, nosso quinhão do ser. A tradução tradicional para o português é destino. Este, portanto, não depende de uma ação causal, não é o resultado do agir do saber das intenções da consciência. Não é um eu da consciência e o resultado de ações causais, por isso, o que cada um é, o seu próprio, independe do meio e das influências de ordem social ou psíquica" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo. Ensaio não publicado.

12

"Desse modo o esquecimento do ser se dá num caminho duplo e ambíguo, na caminhada do Ocidente: esqueceu-se o vigorar do mítico e do pensamento. Nesse sentido, devemos ter sempre em mente que não devemos procurar Platão, mas o que ele procurava. Nenhum mito, nenhuma obra de pensamento dá conta do que já o pensador Heráclito, no fragmento 16, propôs como questão para o pensar:
Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto”.
Não há doutrina ou teoria ou conhecimento que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse acontecer incessante e sempre inaugural manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro destino senão procurar o que todos os grandes pensadores e poetas procuraram em tudo que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso destino, com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o mesmo, é a unidade das diferenças, pois, não podemos esquecer, só há uma Lei e um Saber, a unidade da memória que a todos reúne e dá sentido. Essa unidade é Zeus, a Luz irradiante que congrega luminosidade e obscuridade, noite e dia, Eros e Thánatos. Eis nossa moira" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.

13

"Ulisses está diante dos companheiros e decidiu-se pela Escuta. Mas sabe que as ações suas e de seus companheiros não auferem o seu vigor de sua decisão e poder pessoal, mas só na medida em que elas respondem e correspondem ao destino. Nesse horizonte, a decisão pela Escuta do Canto das Sereias se inscreve no horizonte da tomada de posse do seu quinhão, da realização da sua Moîra, enquanto con-sumação do que é. Nessa con-sumação, como travessia, ele realiza o seu destino" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 172.

14

Questionar é pensar. E pensar é o agir do ser. Somente somos agindo, porque somente temos nosso próprio na medida em que é uma doação do ser. A essa doação os gregos denominaram: moira, destino, próprio, identidade, singularidade, pessoa.


- Manuel Antônio de Castro.

15

"Moira é o mistério maior em que o ser humano se move desde sempre. Ela é nossa medida, mas como tomar conhecimento dela senão a experienciando? E então se coloca a Moira como a essência do agir, ou seja, como sua medida. Uma medida que nos mede, mas da qual não temos domínio, isto é, não a temos, somos possuídos por ela. E só nela e por ela podemos chegar a ser livres, uma liberdade conquistada a cada dia que a Moira se torna nosso destino, livremente vivido e experienciado. Então ser possuído pela Moira é ser possuído por Eros. Eros é a plena liberdade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Ensaio não publicado: "A Moira como destino".

16

"Moira nunca é uma questão de escolha da vontade, mas uma questão de ser tomado pelo extraordinário e é neste ser possuído que se dá o acontecer poético" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Ensaio não publicado: "A Moira como destino".
Ferramentas pessoais