Música

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Não podemos restringir a [[linguagem]] à [[fala]]/[[língua]], senão as demais [[Arte|artes]] além da [[poesia]] não seriam linguagem. E isso não é verdade. É importante perceber que: a) a música está ligada à fala que como tal é sempre musical. Daí a invenção da lira ligar essas duas facetas. Mas a [[musas|Musa]] precede a lira, até porque a lira é apenas uma [[imagem-questão]] para manifestar o verbo-Hermes como criador da lira/música, onde o próprio Hermes é a imagem-questão da própria linguagem enquanto verbo; b) por seu lado, a poesia está ligada à ação-verbo-Hermes, mas enquanto ''[[poíesis]]'', isto é, o vigor poético ou a ação enquanto sentido do [[ser]], o [[Ética|ético]]. Por isso, a música e a linguagem, o [[mesmo]], estão ligados à ''poíesis'' ou vigor poético como sintaxe: o ordenamento da realidade em [[mundo]]. Linguagem é sintaxe poética, é mundo, é ''éthos'' (morada). A música cria sintaxe poética, daí ser linguagem. O mesmo ocorre com a dança e outras artes.
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: Não podemos restringir a [[linguagem]] à [[fala]]/[[língua]], senão as demais [[Arte|artes]] além da [[poesia]] não seriam [[linguagem]]. E isso não é [[verdade]]. É importante [[perceber]] que: a) a [[música]] está ligada à [[fala]] e [[ao [[som]] que como tal é sempre musical. Daí a [[invenção]] da lira ligar essas duas facetas. Mas a [[musas|Musa]] precede a lira, até porque a lira é apenas uma [[imagem-questão]] para manifestar o [[verbo]]-[[Hermes]] como [[criador]] da [[lira]]/[[música]], onde o próprio [[Hermes]] é a [[imagem-questão]] da própria [[linguagem]] enquanto [[verbo]]; b) por seu lado, a [[poesia]] está ligada à [[ação]]-[[verbo]]-[[Hermes]], mas enquanto ''[[poíesis]]'', isto é, o [[vigor]] [[poético]] ou a [[ação]] enquanto [[sentido]] do [[ser]] e de [[ser]], o [[Ética|ético]]. Por isso, a [[música]] e a [[linguagem]], o [[mesmo]], estão ligados à ''[[poíesis]]'' ou [[vigor]] [[poético]] como [[sintaxe]]: o [[ordenamento]] da [[realidade]] em [[mundo]]. [[Linguagem]] é [[sintaxe]] [[poética]], é [[mundo]], [[é]] ''[[éthos]]'' (morada). A [[música]] cria [[sintaxe]] [[poética]], daí ser [[linguagem]]. O mesmo ocorre com a [[dança]] e outras [[artes]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:"A música na sua dinâmica conjuga [[músico]], [[obra]] e [[ouvinte]]. O músico por sua vez apresenta o encontro do compositor, intérprete e ouvinte. Nos três casos, temos apenas um, que é sempre o [[mesmo]], para que música venha a ser música e conjuntura: músico e música devem ser [[presença]] deste mesmo, onde música só é no [[tempo]] em que há músico e vice-versa. Onde há músico, portanto, há música. No fazer musical a música se faz fazendo [[realidade]]" (1). "[...] pois quando estamos desatentos ao querer ouvir música não nos damos conta de que ouvir música é [[aprender]] a ouvir e de que pensar um [[pensamento]] é aprender a pensar" (2).
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: "A [[música]] na sua [[dinâmica]] conjuga [[músico]], [[obra]] e [[ouvinte]]. O músico por sua vez apresenta o encontro do compositor, intérprete e ouvinte. Nos três casos, temos apenas um, que é [[sempre]] o [[mesmo]], para que [[música]] venha a [[ser]] [[música]] e [[conjuntura]]: músico e [[música]] devem ser [[presença]] deste mesmo, onde [[música]] só é no [[tempo]] em que há músico e vice-versa. Onde há músico, portanto, há [[música]]. No fazer musical a [[música]] se faz fazendo [[realidade]]" (1).  
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: "[...] pois quando estamos desatentos ao [[querer]] [[ouvir]] [[música]] não nos damos conta de que [[ouvir]] [[música]] é [[aprender]] a [[ouvir]] e de que [[pensar]] um [[pensamento]] é [[aprender]] a [[pensar]]" (2).
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:Referência:
 
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:(1) RAMALHO, Celso Garcia de Araújo. ''A escuta do tempo''. 2004. Dissertação (Mestrado em Poética) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.  
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: Referência:
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:(2) Idem.
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: (1) RAMALHO, Celso Garcia de Araújo. '''A escuta do tempo''', 2004. Dissertação (Mestrado em Poética) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.  
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: (2) Idem.
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:"A música, como uma [[linguagem]] do [[mistério]], isto é, do con-centrar-se, foi abordada de modo a que não se incidisse nos chavões técnicos tão a gosto dos entendidos. A [[crítica]] inicial à [[técnica]] foi o modo encontrado para que definitivamente se afastasse deste trabalho a tentação de cairmos na comodidade, tão característica dos músicos, de produzir os habituais simulacros do [[pensar]], excluindo os não-iniciados nas artimanhas das descodificações de notações ou [[análise|análises]] especificamente 'musicais'. Pretendemos falar de música desde um outro encaminhamento, em que a musicalidade se estabeleça menos pelo desencadear de uma verbosidade de costume, verbosidade esta constituidora de um simulacro de que a música efetivamente esteja sendo tematizada, do que por uma modalidade de entendimento que faça com que a [[memória]] tenha um papel decisivo, seja perspectivamente, seja prospectivamente, enquanto estabelecimento do sentido entre o que se tematiza, o modo como se tematiza e a própria música constituída enquanto pôr-em-ação do que, nela música, foi, é e será [[memorável]]" (1).
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: "A [[música]], como uma [[linguagem]] do [[mistério]], isto é, do con-centrar-se, foi abordada de modo a que não se incidisse nos chavões técnicos tão a gosto dos entendidos. A [[crítica]] inicial à [[técnica]] foi o modo encontrado para que definitivamente se afastasse deste trabalho a tentação de cairmos na comodidade, tão característica dos músicos, de produzir os habituais simulacros do [[pensar]], excluindo os não-iniciados nas artimanhas das descodificações de notações ou [[análise|análises]] especificamente 'musicais'. Pretendemos falar de música desde um outro encaminhamento, em que a musicalidade se estabeleça menos pelo desencadear de uma verbosidade de costume, verbosidade esta constituidora de um simulacro de que a música efetivamente esteja sendo tematizada, do que por uma modalidade de entendimento que faça com que a [[memória]] tenha um papel decisivo, seja perspectivamente, seja prospectivamente, enquanto estabelecimento do sentido entre o que se tematiza, o modo como se tematiza e a própria música constituída enquanto pôr-em-ação do que, nela música, foi, é e será [[memorável]]" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 33-34.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 33-4.
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== 4 ==
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:"O [[sentido]] musical é estabelecido pela [[memória]]. É esta que, instituindo o memorável como acontecimento, permite disposição para o estabelecimento do sentido. A memória, por sua disposição à [[unidade]], interliga os elementos musicais fazendo com que o sentido, isto é, o vigor da vigência do que a música é, seja estabelecido. Poderíamos mesmo dizer, inicialmente, ser a música uma arte da memória, quer dizer: uma arte em que a memória tenha sua vigência como sendo o maior grau de sua (da memória) própria realização" (1).
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: "O [[sentido]] musical é estabelecido pela [[memória]]. É esta que, instituindo o memorável como acontecimento, permite disposição para o estabelecimento do sentido. A memória, por sua disposição à [[unidade]], interliga os elementos musicais fazendo com que o sentido, isto é, o vigor da vigência do que a [[música]] é, seja estabelecido. Poderíamos mesmo dizer, inicialmente, ser a música uma arte da memória, quer dizer: uma arte em que a memória tenha sua vigência como sendo o maior grau de sua (da memória) própria realização" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 125.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 125.
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== 5 ==
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:"A palavra música se diz em grego ''he mousiké'', e significa a [[arte]] das [[musas]]. A palavra é claramente aparentada com musa, não apenas com respeito à [[semântica]], mas também sob o ponto de vista fonético. A palavra musa aparece quase por inteiro na palavra música, e é incontestável que possuem o mesmo radical. [...] Entendemos as musas como a manifestação, possibilidade e substantivação da [[unidade]]. Assim, a música poderia ter alguns sentidos pouco comuns como: proclamar solenemente a unidade, ou ainda, ser útil à unidade, ou ainda ser capaz de realizar a unidade." (1)
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: "[[Música]] e respiração são a mesma coisa".
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: "Para mim, fôlego significa [[vida]]. Mas, muitas vezes, não nos damos conta de que respiramos o [[tempo]] todo. E eu consigo [[ouvir]] [[música]] o [[tempo]] todo, por onde quer que eu ande, porque estamos cercados por ela. Assim, [[música]] e respiração são a [[mesma]] [[coisa]], estão muito próximas do [[significado]] de [[vida]]" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 144.
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: (1) PARK, Jiha. Entrevista a Marvio do Anjos. In: ''O Globo'', p. 2, 20-11-2015
== 6 ==
== 6 ==
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:"Música diz fundamentalmente o estabelecimento de sentidos a partir da apresentação de si mesma. A música é, assim, em sua substantividade mesma e própria. Dela, a rigor, só se pode dizer que é. A música não admite qualquer formulação predicativa. Ela é a apresentação de si mesma e nesta apresentação se dá o [[sentido]]. Dessa forma, por não apresentar-se numa dimensão adjetiva, na verdade, a música se dá numa instância não-representativa. Ela é." (1)
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:"[[Música]] diz fundamentalmente o estabelecimento de sentidos a partir da apresentação de si mesma. A [[música]] é, assim, em sua substantividade mesma e própria. Dela, a rigor, só se pode dizer que é. A [[música]] não admite qualquer formulação predicativa. Ela é a apresentação de si mesma e nesta apresentação se dá o [[sentido]]. Dessa forma, por não apresentar-se numa dimensão adjetiva, na verdade, a [[música]] se dá numa instância não-representativa. Ela é" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 151.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 151.
== 7 ==
== 7 ==
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:"A música é a mágica que toca profundamente as vibrações do vir a ser de nossos descontentamentos e, mais do que qualquer outra coisa, mergulha nossos projetos de ser nas ondas do não ser e do vir a ser. Nas profundezas das vibrações se torna presente a compertinência de todas as diferenças. [...] Para a [[Filosofia]], a música não é uma [[arte]] entre outras artes. Não há uma [[musa]] da música. A música é que é a musa de todas as musas. Por isso as artes são todas musicais e são arte na medida de sua musicalidade. Pois na música se dá o mais alto grau de realização de qualquer real. Questionando em tudo a [[realidade]] de todos os empenhos e desempenhos, a Filosofia se torna assim a música das realizações." (1)
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: "A [[música]] é a [[mágica]] que toca profundamente as vibrações do vir a ser de nossos descontentamentos e, mais do que qualquer outra coisa, mergulha nossos [[projetos]] de [[ser]] nas ondas do não ser e do vir a ser. Nas profundezas das vibrações se torna [[presente]] a copertinência de todas as [[diferenças]]. [...] Para a [[Filosofia]], a música não é uma [[arte]] entre outras artes. Não há uma [[musa]] da música. A música é que é a musa de todas as musas. Por isso as artes são todas musicais e são [[arte]] na medida de sua [[musicalidade]]. Pois na [[música]] se dá o mais alto grau de [[realização]] de qualquer [[real]]. Questionando em tudo a [[realidade]] de todos os empenhos e desempenhos, a [[Filosofia]] se torna assim a [[música]] das [[realizações]]" (1).
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:(1) LEÂO, Emmanuel Carneiro, apud JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 152.
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: Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Filosofia como escultura, pintura e música". In: '''Aprendendo a pensar II'''. Petrópolis: Vozes, 1991 apud JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 152.
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:'''Ver também:'''
 
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:*[[Não-ser]]
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: '''Ver também:'''
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: *[[Não-ser]]
== 8 ==
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:"Música é des-esquecimento, é des-velamento constante. Na sua incapacidade de representar o que quer que seja se con-junta e se con-vence na sua [[abertura]] para a experiência da [[verdade]]. Essa incapacidade é, a um tempo, sua maior debilidade e sua maior força. É precisamente por essa incapacidade e nessa incapacidade que a música penetra pelos vãos de toda e qualquer forma artística, quer dizer: é por essa impossibilidade de se identificar com o que quer que pretenda ou se pretenda nela representar que, sorrateiramente, ela pode penetrar, invisível, como as musas, 'oculta por muita névoa', nos limites de qualquer outra [[arte]].
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: "[[Música]] é des-esquecimento, é des-velamento constante. Na sua incapacidade de [[representar]] o que quer que seja se con-junta e se con-vence na sua [[abertura]] para a experiência da [[verdade]]. Essa incapacidade é, a um tempo, sua maior debilidade e sua maior força. É precisamente por essa incapacidade e nessa incapacidade que a [[música]] penetra pelos vãos de toda e qualquer [[forma]] [[artística]], quer dizer: é por essa [[impossibilidade]] de se identificar com o que quer que pretenda ou se pretenda nela [[representar]] que, sorrateiramente, ela pode penetrar, invisível, como as [[musas]], 'oculta por muita névoa', nos limites de qualquer outra [[arte]]. [...] [[Música]] é, assim, a [[possibilidade]] de instauração do [[poético]]. [[Música]] é a [[essência]] mesma da [[criação]] de uma espácio-temporalidade poética. Espácio-temporalidade esta que converta em óbvio o que possa parecer [[absurdo]], e vice-versa" (1).
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:"[...] Música é, assim, a possibilidade de instauração do [[poético]]. Música é a essência mesma da criação de uma espácio-temporalidade poética. Espácio-temporalidade esta que converta em óbvio o que possa parecer [[absurdo]], e vice-versa." (1)
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 153.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 153.
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== 9 ==
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:"A música traz consigo sempre a virtualidade da [[unidade]]. É a unidade de uma determinada ordenação ou des-ordenação, de elementos sonoros e não-sonoros que música realiza ao se realizar. É precisamente a esta unidade, à substantivação desta unidade, que chamamos música" (1).
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: "A música traz consigo sempre a virtualidade da [[unidade]]. É a unidade de uma determinada ordenação ou des-ordenação, de elementos sonoros e não-sonoros que música realiza ao se realizar. É precisamente a esta unidade, à substantivação desta unidade, que chamamos música" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 155.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 155.
== 10 ==
== 10 ==
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:"Dentre os modos como a realidade ainda insiste em se configurar como [[mistério]] e [[movimento]], se encontra a música. Esta é a mais concentrada das linguagens, na medida em que o seu percurso é no sentido de, a partir de sua possibilidade, concentrar-se. Concentrando-se em seu próprio âmago e desse modo estabelecendo sentido, a música é linguagem, por assim dizer, indecifrável, que faz sentido justamente a partir de sua indecifrabilidade. A música é o mistério insondável de um modo de substantivamente apresentar-se e, dessa maneira, configura sentido e restabelece sempre a possibilidade do mistério não se deixar decifrar" (1).
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: ''O [[silêncio]] proposital dá a maior [[possibilidade]] de [[música]].
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: Se viemos do [[nada]] é claro que vamos para o [[tudo]]'' (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 171-2.
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: (1) ROSA, João Guimarães. '''Tutameia'''. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 12.
== 11 ==
== 11 ==
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:"A música não é o outro do real, ela é o real com todos as suas possibilidades de fazer viger sentidos e mistérios. Às tentativas positivas de erradicação dos mistérios, a música contrapõe a dinâmica de seu modo de ser substantivamente. Às tentativas de decifração de seus mistérios, a música contrapõe a sua própria possibilidade de se dis-por substantivamente ao [[sentido]]" (1).
+
: "A [[música]] não é o outro do [[real]], ela é o [[real]] com todos as suas [[possibilidades]] de fazer [[viger]] [[sentidos]] e [[mistérios]]. Às tentativas positivas de erradicação dos [[mistérios]], a [[música]] contrapõe a dinâmica de seu modo de [[ser]] substantivamente. Às tentativas de decifração de seus [[mistérios]], a [[música]] contrapõe a sua própria [[possibilidade]] de se dis-por substantivamente ao [[sentido]]" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 172.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 172.
== 12 ==
== 12 ==
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:"Falar de música não é realizá-la. Falar de música é uma possibilidade de [[Abstração|abstratamente]] fazê-la aparecer. Mas na fala a música enquanto música se ausenta. A música tem um comprometimento essencial com o concreto. Nela, os planos ôntico e ontológico se fundem. A música é uma linguagem substantiva e, assim, desprovida, enquanto linguagem, da possibilidade de representar, de [[medir]], de identificar, outra coisa que não seja ela própria ou por ela própria. Desse modo, ela é ontologicamente retrátil à analogia, à análise e à ideia" (1).
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: "[[Falar]] de [[música]] não é realizá-la. [[Falar]] de [[música]] é uma [[possibilidade]] de [[Abstração|abstratamente]] fazê-la [[aparecer]]. Mas na [[fala]] a [[música]] enquanto [[música]] se ausenta. A [[música]] tem um comprometimento [[essencial]] com o [[concreto]]. Nela, os planos ôntico e [[ontológico]] se fundem. A [[música]] é uma [[linguagem]] [[substantiva]] e, assim, desprovida, enquanto [[linguagem]], da [[possibilidade]] de [[representar]], de [[medir]], de identificar, outra coisa que não seja ela [[própria]] ou por ela [[própria]]. Desse modo, ela é [[ontologicamente]] retrátil à [[analogia]], à [[análise]] e à [[ideia]]" (1).
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 175.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 175.
== 13 ==
== 13 ==
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:"É na música que fica exposta a insuficiência e puerilidade dos conceitos genéricos na sua vã tentativa de erradicar as singularidades que, de um modo ou de outro, cada fenômeno, ao se apresentar, traz consigo" (1).
+
: "A [[fonte]] primordial de que emana o [[mundo]] é sempre uma [[fonte]] acústica". "É um [[monólogo]], cujo [[corpo]] [[sonoro]] constitui a primeira manifestação perceptível do ''[[Invisível]]'' " (1).
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:Referência:
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: Referência:
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 183.
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:'''Ver também:'''
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:*[[Conceito]]
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: (1) SCHNEIDER, Marius. "O papel da música na mitologia e nos ritos das civilizações não europeias. In: '''A Música; das origens à atualidade'''. Trad. José Blanc de Portugal. Portugal / Brasil, Arcádia, Enciclopédia Plêiade, 1965, vol. I, p. 146.
== 14 ==
== 14 ==
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:"Música é a [[dicção]] originária do mais originário dos seres e é justamente a partir dessa originariedade que deve ser pensada, tocada e com-posta. Música é uma modalidade do pensar-poético. Fora daí ficam os simulacros, os modismos, as representações" (1).
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: "[[Música]] é a [[dicção]] [[originária]] do mais [[originário]] dos [[seres]] e é justamente a partir dessa originariedade que deve [[ser]] pensada, tocada e com-posta. [[Música]] é uma modalidade do [[pensar]]-[[poético]]. Fora daí ficam os [[simulacro|simulacros]], os modismos, as [[representações]]" (1).
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: Referência:
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:Referência:
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 185.
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 185.
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:'''Ver também:'''
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: '''Ver também:'''
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:*[[Poética]]
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: *[[Poética]]
== 15 ==
== 15 ==
-
:A palavra culinária vem do verbo ''coquo'', que significa [[amadurecer]]. O alimento mais do que provocar um simples crescimento impulsiona-o num sentido e mundo. E o sentido e mundo se dão no crescer e no alimentar que amadurece. A arte culinária está sempre ligada a uma experienciação da realidade e é sempre diferente em todos os povos, constituindo-se num traço inaugural identitário. E isso é a arte. "Amadurecer é poder lidar com seus sonhos e esperanças, não com a ansiedade" (Ingmar Bergman. Filme: Sonata de outono). Como se dá a referência amadurecer e obra de [[arte]]? Isso, de alguma maneira, é tratado também no filme. O que a obra de arte faz para amadurecer alguém? Isso se manifesta na interpretação. Mas como diz a "mãe" (no filme) a propósito da música (e da obra de arte): cada um tem a sua interpretação. Só que isso é problemático, porque se cada um tem a sua interpretação, essa não é um se abrir para a fala da obra, mas buscar, às vezes, na obra o projetar do que, em seu fechamento em si, as pessoas são e projetam. Interpretar, no fundo, é dialogar. E o que faltou à mãe foi justamente o dialogar. Por isso, o que ela diz  ao interpretar Chopin (um prelúdio) é o que ela é em seu ser impróprio e na incompreensão do próprio. Daí a contradição dela como concertista e como mãe, como ser humano. Já a escuta do próprio, e aí a música se faz presente, vem da filha, porque ela busca a sua personalidade, o que é no como é. Mas esta busca o amadurecimento, em que a música também se faz presente. A mãe tocava "tecnicamente", ela vivia em função da música como profissão e não fazia da música, vida, um interpretar-se, onde este "se" indica a escuta do que nos é próprio. Este foi meu diálogo enquanto escuta do e com o filme. Cabe a cada um ouvir, ver e dialogar com essa obra de arte.
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: A [[palavra]] culinária vem do [[verbo]] ''coquo'', que significa [[amadurecer]]. O alimento mais do que provocar um simples crescimento impulsiona-o num [[sentido]] e [[mundo]]. E o [[sentido]] e [[mundo]] se dão no crescer e no alimentar que amadurece. A [[arte]] culinária está sempre ligada a uma experienciação da realidade e é sempre diferente em todos os povos, constituindo-se num traço inaugural identitário. E isso é a [[arte]]. "Amadurecer é poder lidar com seus sonhos e esperanças, não com a ansiedade" (Ingmar Bergman. Filme: '''Sonata de outono'''). Como se dá a referência amadurecer e obra de [[arte]]? Isso, de alguma maneira, é tratado também no filme. O que a obra de arte faz para amadurecer alguém? Isso se manifesta na interpretação. Mas como diz a "mãe" (no filme) a propósito da [[música]] (e da [[obra de arte]]): cada um tem a sua [[interpretação]]. Só que isso é problemático, porque se cada um tem a sua [[interpretação]], essa não é um se abrir para a fala da obra, mas buscar, às vezes, na obra o projetar do que, em seu fechamento em si, as pessoas são e projetam. Interpretar, no fundo, é [[diálogo|dialogar]]. E o que faltou à mãe foi justamente o dialogar. Por isso, o que ela diz  ao interpretar Chopin (um prelúdio) é o que ela é em seu ser impróprio e na incompreensão do [[próprio]]. Daí a contradição dela como concertista e como mãe, como ser humano. Já a [[escuta]] do [[próprio]], e aí a [[música]] se faz presente, vem da filha, porque ela busca a sua personalidade, logo, aquilo que é (essência) no como é (aparência). Mas esta [[procura]] o amadurecimento, em que a [[música]] também se faz presente. A mãe tocava "tecnicamente", ela vivia em função da [[música]] como [[profissão]] e não fazia da [[música]], [[vida]], um interpretar-se, onde este "se" indica a [[escuta]] do que nos é [[próprio]]. Este foi meu [[diálogo]] enquanto [[escuta]] do e com o [[filme]]. Cabe a cada um [[ouvir]], [[ver]] e [[dialogar]] com essa [[obra de arte]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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== 16 ==
== 16 ==
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:"A música não é originariamente [[mediação]]. A partir de sua possibilidade de fazer [[manifestação|manifestar]] o [[poética|poético]] desde uma in-stância, isto é, desde um estar interno, e da possibilidade de fazer eclodir a própria possibilidade da [[memória]] se efetuar memória, a música se configura, ela mesma, como uma dimensão, como a possibilidade do desconhecido enquanto [[medida]]" (1).
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: "A [[música]] não é originariamente [[mediação]]. A partir de sua [[possibilidade]] de fazer [[manifestação|manifestar]] o [[poética|poético]] desde uma in-stância, isto é, desde um [[estar]] interno, e da [[possibilidade]] de fazer eclodir a [[própria]] [[possibilidade]] da [[memória]] se efetuar [[memória]], a [[música]] se configura, ela mesma, como uma [[dimensão]], como a [[possibilidade]] do desconhecido enquanto [[medida]]" (1).
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:Referência:
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: Referência:
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 208.
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 208.
== 17 ==
== 17 ==
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:"A música in-corpora, como densidade, como compactação, inscrevendo. A música originariamente é in-scrição e faz vigorar [[memória]] precisamente nessa sua possibilidade de inscrever desde seus [[princípio|princípios]]. Analogamente, às pinturas e desenhos arcaicos que inscreviam memória nas cavernas ou em objetos, a música se inscreve na dinâmica dos próprios [[corpo|corpos]]. Por não poder inscrever-se nas paredes e nas coisas, a música, repetimos, se inscreve na própria dinâmica dos corpos" (1).
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: "A [[música]] in-corpora, como densidade, como compactação, inscrevendo. A [[música]] originariamente é in-scrição e faz vigorar [[memória]] precisamente nessa sua possibilidade de inscrever desde seus [[princípio|princípios]]. Analogamente, às pinturas e desenhos arcaicos que inscreviam memória nas cavernas ou em objetos, a [[música]] se inscreve na dinâmica dos próprios [[corpo|corpos]]. Por não poder inscrever-se nas paredes e nas coisas, a [[música]], repetimos, se inscreve na própria dinâmica dos [[corpos]]" (1).
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 211-12.
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: (1) BERGMAN, Ingmar. Filme '''Sonata de outono'''.
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: "Nós perguntamos: De onde vem a [[música]]? Eu perguntei isso a tantos músicos, músicos famosos e menos conhecidos, de onde ela vem. O estranho é que eles não têm uma [[resposta]] de verdade" (1).
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: (1) Ingmar Bergman. No filme '''A ilha de Bergman''', de Marie Nyreröd.
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: "A [[palavra]] [[música]] se diz em [[grego]] ''he mousiké'', e significa a [[arte]] das [[musas]]. A [[palavra]] é claramente aparentada com [[musa]], não apenas com respeito à [[semântica]], mas também sob o ponto de vista fonético. A [[palavra]] [[musa]] aparece quase por inteiro na [[palavra]] [[música]], e é incontestável que possuem o mesmo [[radical]]. [...] Entendemos as [[musas]] como a [[manifestação]], [[possibilidade]] e [[substantivação]] da [[unidade]]. Assim, a [[música]] poderia ter alguns [[sentidos]] pouco comuns como: proclamar solenemente a [[unidade]], ou ainda, ser útil à [[unidade]], ou ainda ser capaz de [[realizar]] a [[unidade]]" (1).
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: (1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 144.
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: "Dentre os modos como a [[realidade]] ainda insiste em se configurar como [[mistério]] e [[movimento]], se encontra a [[música]]. Esta é a mais concentrada das linguagens, na medida em que o seu percurso é no sentido de, a partir de sua [[possibilidade]], concentrar-se. Concentrando-se em seu [[próprio]] âmago e desse modo estabelecendo [[sentido]], a [[música]] é [[linguagem]], por assim dizer, indecifrável, que faz [[sentido]] justamente a partir de sua indecifrabilidade. A [[música]] é o [[mistério]] insondável de um modo de substantivamente apresentar-se e, dessa maneira, configura sentido e restabelece sempre a [[possibilidade]] do [[mistério]] não se deixar decifrar" (1).
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 171-2.
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: "Assim como a [[clareira]] é [[doação]] da floresta e a [[música]], que é nossa [[vida]], é [[doação]] e presentificação do [[silêncio]]. Nesse e sempre nesse [[horizonte]], a [[vida]] é [[doação]] da [[morte]]. Por isso, somos [[mortais]]. A [[morte]] não é o [[fim]], mas a [[plenitude]] da [[vida]] na qual [[agir]] e não-agir são um e o mesmo: [[ser]]-[[feliz]]" (1).
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser feliz”. In: ------. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 210.
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: "É na [[música]] que fica exposta a insuficiência e puerilidade dos [[conceitos]] genéricos na sua vã tentativa de erradicar as [[singularidades]] que, de um modo ou de outro, cada [[fenômeno]], ao se apresentar, traz consigo" (1).
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: (1) JARDIM, Antonio. '''Música: vigência do pensar poético'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 183.
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: '''Ver também:'''
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: * [[Conceito]]
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: "As [[Sereias]] não são [[mulheres]] que sabem e cantam o [[saber]]. Elas são simplesmente o [[saber]] e o [[canto]]. No [[saber]] das [[Sereias]] se dá o [[saber]] como [[sabor]]: [[divino]] e [[encantador]]: “Bem mais instruído prossegue depois de se haver deleitado”.  Na [[palavra cantada]] não se dá apenas a [[experiência]] [[estética]], mas enquanto [[poética]], ela é também [[ética]], ou seja, [[ontológica]]. O [[canto]] é o [[próprio]] e mais [[profundo]] [[saber]] se manifestando enquanto [[o que é]]. As [[Sereias]], propriamente, não cantam [[algo]], são a própria [[palavra cantada]], são a [[essência]] da [[música]] em seu [[sentido]] instaurador de [[realidade]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 177.
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: "A [[essência]] da [[música]] – [[unidade]] de todas as [[Musas]] – é o [[sentido]] do [[humano]] acontecendo enquanto [[sentido]] de [[saber]], [[querer]] e [[ser]]" (1).
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: Referência bibliográfica:
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:(1) JARDIM, Antonio. ''Música: vigência do pensar poético''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 211-212.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 195.

Edição atual tal como 22h07min de 10 de Dezembro de 2023

1

Não podemos restringir a linguagem à fala/língua, senão as demais artes além da poesia não seriam linguagem. E isso não é verdade. É importante perceber que: a) a música está ligada à fala e [[ao som que como tal é sempre musical. Daí a invenção da lira ligar essas duas facetas. Mas a Musa precede a lira, até porque a lira é apenas uma imagem-questão para manifestar o verbo-Hermes como criador da lira/música, onde o próprio Hermes é a imagem-questão da própria linguagem enquanto verbo; b) por seu lado, a poesia está ligada à ação-verbo-Hermes, mas enquanto poíesis, isto é, o vigor poético ou a ação enquanto sentido do ser e de ser, o ético. Por isso, a música e a linguagem, o mesmo, estão ligados à poíesis ou vigor poético como sintaxe: o ordenamento da realidade em mundo. Linguagem é sintaxe poética, é mundo, é éthos (morada). A música cria sintaxe poética, daí ser linguagem. O mesmo ocorre com a dança e outras artes.


- Manuel Antônio de Castro

2

"A música na sua dinâmica conjuga músico, obra e ouvinte. O músico por sua vez apresenta o encontro do compositor, intérprete e ouvinte. Nos três casos, temos apenas um, que é sempre o mesmo, para que música venha a ser música e conjuntura: músico e música devem ser presença deste mesmo, onde música só é no tempo em que há músico e vice-versa. Onde há músico, portanto, há música. No fazer musical a música se faz fazendo realidade" (1).
"[...] pois quando estamos desatentos ao querer ouvir música não nos damos conta de que ouvir música é aprender a ouvir e de que pensar um pensamento é aprender a pensar" (2).


Referência:
(1) RAMALHO, Celso Garcia de Araújo. A escuta do tempo, 2004. Dissertação (Mestrado em Poética) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
(2) Idem.

3

"A música, como uma linguagem do mistério, isto é, do con-centrar-se, foi abordada de modo a que não se incidisse nos chavões técnicos tão a gosto dos entendidos. A crítica inicial à técnica foi o modo encontrado para que definitivamente se afastasse deste trabalho a tentação de cairmos na comodidade, tão característica dos músicos, de produzir os habituais simulacros do pensar, excluindo os não-iniciados nas artimanhas das descodificações de notações ou análises especificamente 'musicais'. Pretendemos falar de música desde um outro encaminhamento, em que a musicalidade se estabeleça menos pelo desencadear de uma verbosidade de costume, verbosidade esta constituidora de um simulacro de que a música efetivamente esteja sendo tematizada, do que por uma modalidade de entendimento que faça com que a memória tenha um papel decisivo, seja perspectivamente, seja prospectivamente, enquanto estabelecimento do sentido entre o que se tematiza, o modo como se tematiza e a própria música constituída enquanto pôr-em-ação do que, nela música, foi, é e será memorável" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 33-4.

4

"O sentido musical é estabelecido pela memória. É esta que, instituindo o memorável como acontecimento, permite disposição para o estabelecimento do sentido. A memória, por sua disposição à unidade, interliga os elementos musicais fazendo com que o sentido, isto é, o vigor da vigência do que a música é, seja estabelecido. Poderíamos mesmo dizer, inicialmente, ser a música uma arte da memória, quer dizer: uma arte em que a memória tenha sua vigência como sendo o maior grau de sua (da memória) própria realização" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 125.

5

"Música e respiração são a mesma coisa".
"Para mim, fôlego significa vida. Mas, muitas vezes, não nos damos conta de que respiramos o tempo todo. E eu consigo ouvir música o tempo todo, por onde quer que eu ande, porque estamos cercados por ela. Assim, música e respiração são a mesma coisa, estão muito próximas do significado de vida" (1).


Referência:
(1) PARK, Jiha. Entrevista a Marvio do Anjos. In: O Globo, p. 2, 20-11-2015

6

"Música diz fundamentalmente o estabelecimento de sentidos a partir da apresentação de si mesma. A música é, assim, em sua substantividade mesma e própria. Dela, a rigor, só se pode dizer que é. A música não admite qualquer formulação predicativa. Ela é a apresentação de si mesma e nesta apresentação se dá o sentido. Dessa forma, por não apresentar-se numa dimensão adjetiva, na verdade, a música se dá numa instância não-representativa. Ela é" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 151.

7

"A música é a mágica que toca profundamente as vibrações do vir a ser de nossos descontentamentos e, mais do que qualquer outra coisa, mergulha nossos projetos de ser nas ondas do não ser e do vir a ser. Nas profundezas das vibrações se torna presente a copertinência de todas as diferenças. [...] Para a Filosofia, a música não é uma arte entre outras artes. Não há uma musa da música. A música é que é a musa de todas as musas. Por isso as artes são todas musicais e são arte na medida de sua musicalidade. Pois na música se dá o mais alto grau de realização de qualquer real. Questionando em tudo a realidade de todos os empenhos e desempenhos, a Filosofia se torna assim a música das realizações" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Filosofia como escultura, pintura e música". In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1991 apud JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 152.


Ver também:
*Não-ser

8

"Música é des-esquecimento, é des-velamento constante. Na sua incapacidade de representar o que quer que seja se con-junta e se con-vence na sua abertura para a experiência da verdade. Essa incapacidade é, a um tempo, sua maior debilidade e sua maior força. É precisamente por essa incapacidade e nessa incapacidade que a música penetra pelos vãos de toda e qualquer forma artística, quer dizer: é por essa impossibilidade de se identificar com o que quer que pretenda ou se pretenda nela representar que, sorrateiramente, ela pode penetrar, invisível, como as musas, 'oculta por muita névoa', nos limites de qualquer outra arte. [...] Música é, assim, a possibilidade de instauração do poético. Música é a essência mesma da criação de uma espácio-temporalidade poética. Espácio-temporalidade esta que converta em óbvio o que possa parecer absurdo, e vice-versa" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 153.

9

"A música traz consigo sempre a virtualidade da unidade. É a unidade de uma determinada ordenação ou des-ordenação, de elementos sonoros e não-sonoros que música realiza ao se realizar. É precisamente a esta unidade, à substantivação desta unidade, que chamamos música" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 155.

10

O silêncio proposital dá a maior possibilidade de música.
Se viemos do nada é claro que vamos para o tudo (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Tutameia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 12.

11

"A música não é o outro do real, ela é o real com todos as suas possibilidades de fazer viger sentidos e mistérios. Às tentativas positivas de erradicação dos mistérios, a música contrapõe a dinâmica de seu modo de ser substantivamente. Às tentativas de decifração de seus mistérios, a música contrapõe a sua própria possibilidade de se dis-por substantivamente ao sentido" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 172.

12

"Falar de música não é realizá-la. Falar de música é uma possibilidade de abstratamente fazê-la aparecer. Mas na fala a música enquanto música se ausenta. A música tem um comprometimento essencial com o concreto. Nela, os planos ôntico e ontológico se fundem. A música é uma linguagem substantiva e, assim, desprovida, enquanto linguagem, da possibilidade de representar, de medir, de identificar, outra coisa que não seja ela própria ou por ela própria. Desse modo, ela é ontologicamente retrátil à analogia, à análise e à ideia" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 175.

13

"A fonte primordial de que emana o mundo é sempre uma fonte acústica". "É um monólogo, cujo corpo sonoro constitui a primeira manifestação perceptível do Invisível " (1).


Referência:
(1) SCHNEIDER, Marius. "O papel da música na mitologia e nos ritos das civilizações não europeias. In: A Música; das origens à atualidade. Trad. José Blanc de Portugal. Portugal / Brasil, Arcádia, Enciclopédia Plêiade, 1965, vol. I, p. 146.

14

"Música é a dicção originária do mais originário dos seres e é justamente a partir dessa originariedade que deve ser pensada, tocada e com-posta. Música é uma modalidade do pensar-poético. Fora daí ficam os simulacros, os modismos, as representações" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 185.


Ver também:
*Poética

15

A palavra culinária vem do verbo coquo, que significa amadurecer. O alimento mais do que provocar um simples crescimento impulsiona-o num sentido e mundo. E o sentido e mundo se dão no crescer e no alimentar que amadurece. A arte culinária está sempre ligada a uma experienciação da realidade e é sempre diferente em todos os povos, constituindo-se num traço inaugural identitário. E isso é a arte. "Amadurecer é poder lidar com seus sonhos e esperanças, não com a ansiedade" (Ingmar Bergman. Filme: Sonata de outono). Como se dá a referência amadurecer e obra de arte? Isso, de alguma maneira, é tratado também no filme. O que a obra de arte faz para amadurecer alguém? Isso se manifesta na interpretação. Mas como diz a "mãe" (no filme) a propósito da música (e da obra de arte): cada um tem a sua interpretação. Só que isso é problemático, porque se cada um tem a sua interpretação, essa não é um se abrir para a fala da obra, mas buscar, às vezes, na obra o projetar do que, em seu fechamento em si, as pessoas são e projetam. Interpretar, no fundo, é dialogar. E o que faltou à mãe foi justamente o dialogar. Por isso, o que ela diz ao interpretar Chopin (um prelúdio) é o que ela é em seu ser impróprio e na incompreensão do próprio. Daí a contradição dela como concertista e como mãe, como ser humano. Já a escuta do próprio, e aí a música se faz presente, vem da filha, porque ela busca a sua personalidade, logo, aquilo que é (essência) no como é (aparência). Mas esta procura o amadurecimento, em que a música também se faz presente. A mãe tocava "tecnicamente", ela vivia em função da música como profissão e não fazia da música, vida, um interpretar-se, onde este "se" indica a escuta do que nos é próprio. Este foi meu diálogo enquanto escuta do e com o filme. Cabe a cada um ouvir, ver e dialogar com essa obra de arte.


- Manuel Antônio de Castro.

16

"A música não é originariamente mediação. A partir de sua possibilidade de fazer manifestar o poético desde uma in-stância, isto é, desde um estar interno, e da possibilidade de fazer eclodir a própria possibilidade da memória se efetuar memória, a música se configura, ela mesma, como uma dimensão, como a possibilidade do desconhecido enquanto medida" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 208.

17

"A música in-corpora, como densidade, como compactação, inscrevendo. A música originariamente é in-scrição e faz vigorar memória precisamente nessa sua possibilidade de inscrever desde seus princípios. Analogamente, às pinturas e desenhos arcaicos que inscreviam memória nas cavernas ou em objetos, a música se inscreve na dinâmica dos próprios corpos. Por não poder inscrever-se nas paredes e nas coisas, a música, repetimos, se inscreve na própria dinâmica dos corpos" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 211-12.

18

"...apenas através da música pude demonstrar meus sentimentos" (1)


Referência:
(1) BERGMAN, Ingmar. Filme Sonata de outono.

19

"Nós perguntamos: De onde vem a música? Eu perguntei isso a tantos músicos, músicos famosos e menos conhecidos, de onde ela vem. O estranho é que eles não têm uma resposta de verdade" (1).


Referência:
(1) Ingmar Bergman. No filme A ilha de Bergman, de Marie Nyreröd.

20

"A palavra música se diz em grego he mousiké, e significa a arte das musas. A palavra é claramente aparentada com musa, não apenas com respeito à semântica, mas também sob o ponto de vista fonético. A palavra musa aparece quase por inteiro na palavra música, e é incontestável que possuem o mesmo radical. [...] Entendemos as musas como a manifestação, possibilidade e substantivação da unidade. Assim, a música poderia ter alguns sentidos pouco comuns como: proclamar solenemente a unidade, ou ainda, ser útil à unidade, ou ainda ser capaz de realizar a unidade" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 144.

21

"Dentre os modos como a realidade ainda insiste em se configurar como mistério e movimento, se encontra a música. Esta é a mais concentrada das linguagens, na medida em que o seu percurso é no sentido de, a partir de sua possibilidade, concentrar-se. Concentrando-se em seu próprio âmago e desse modo estabelecendo sentido, a música é linguagem, por assim dizer, indecifrável, que faz sentido justamente a partir de sua indecifrabilidade. A música é o mistério insondável de um modo de substantivamente apresentar-se e, dessa maneira, configura sentido e restabelece sempre a possibilidade do mistério não se deixar decifrar" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 171-2.

22

"Assim como a clareira é doação da floresta e a música, que é nossa vida, é doação e presentificação do silêncio. Nesse e sempre nesse horizonte, a vida é doação da morte. Por isso, somos mortais. A morte não é o fim, mas a plenitude da vida na qual agir e não-agir são um e o mesmo: ser-feliz" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser feliz”. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 210.

23

"É na música que fica exposta a insuficiência e puerilidade dos conceitos genéricos na sua vã tentativa de erradicar as singularidades que, de um modo ou de outro, cada fenômeno, ao se apresentar, traz consigo" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 183.


Ver também:
* Conceito

24

"As Sereias não são mulheres que sabem e cantam o saber. Elas são simplesmente o saber e o canto. No saber das Sereias se dá o saber como sabor: divino e encantador: “Bem mais instruído prossegue depois de se haver deleitado”. Na palavra cantada não se dá apenas a experiência estética, mas enquanto poética, ela é também ética, ou seja, ontológica. O canto é o próprio e mais profundo saber se manifestando enquanto o que é. As Sereias, propriamente, não cantam algo, são a própria palavra cantada, são a essência da música em seu sentido instaurador de realidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 177.

25

"A essência da músicaunidade de todas as Musas – é o sentido do humano acontecendo enquanto sentido de saber, querer e ser" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 195.
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