Limite

De Dicionário de Poética e Pensamento

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:"O limite não é nada que de fora sobrevém ao [[sendo]]. Muito menos ainda uma deficiência no sentido de uma restrição privativa. O manter-se que se contém nos limites, o ter-se seguro a si mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o [[ser]] do sendo. Faz com que o sendo seja tal em distinção ao não-sendo. Vir à consistência significa portanto: conquistar limites para si, de-limitar-se" (1). O limite aparece, assim, como a [[manifestação]] consistente do que é, que ocupa uma [[posição]], está. Os gregos diziam originariamente este ocupar posição com o verbo ''legein'', de onde se originou dizer e depois, com o ''logos'', linguagem. A linguagem é o vigorar do ser numa posição, no estar. Há uma dobra entre [[ser]] e [[estar]] (2). O limite inclui e exige sempre um [[fim]]. Porém, este não é negativo como tal, mas é a plenitude do limite. Este fim denominavam os  gregos ''[[telos]]''.  
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: "O [[limite]] não é nada que de fora sobrevém ao [[sendo]]. Muito menos ainda uma deficiência no sentido de uma restrição privativa. O manter-se que se contém nos [[limites]], o ter-se seguro a si mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o [[ser]] do [[sendo]]. Faz com que o [[sendo]] seja tal em distinção ao não-sendo. Vir à consistência significa portanto: conquistar [[limites]] para si, de-limitar-se" (1). O [[limite]] aparece, assim, como a [[manifestação]] consistente do que [[é]], que ocupa uma [[posição]], está. Os gregos diziam originariamente este ocupar [[posição]] com o [[verbo]] ''[[legein]]'', de onde se originou [[dizer]] e depois, com o ''[[logos]]'', [[linguagem]]. A [[linguagem]] é o [[vigorar]] do [[ser]] numa [[posição]], no [[estar]]. Há uma [[dobra]] [[entre]] [[ser]] e [[estar]] (2). O [[limite]] inclui e exige sempre um [[fim]]. Porém, este não é negativo como tal, mas é a [[plenitude]] do [[limite]]. Este [[fim]] denominavam os  [[gregos]] ''[[telos]]''.  
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Introdução à metafísica''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Introdução à metafísica''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.

Edição de 01h33min de 19 de Abril de 2019

1

"O limite não é nada que de fora sobrevém ao sendo. Muito menos ainda uma deficiência no sentido de uma restrição privativa. O manter-se que se contém nos limites, o ter-se seguro a si mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o ser do sendo. Faz com que o sendo seja tal em distinção ao não-sendo. Vir à consistência significa portanto: conquistar limites para si, de-limitar-se" (1). O limite aparece, assim, como a manifestação consistente do que é, que ocupa uma posição, está. Os gregos diziam originariamente este ocupar posição com o verbo legein, de onde se originou dizer e depois, com o logos, linguagem. A linguagem é o vigorar do ser numa posição, no estar. Há uma dobra entre ser e estar (2). O limite inclui e exige sempre um fim. Porém, este não é negativo como tal, mas é a plenitude do limite. Este fim denominavam os gregos telos.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
(2) Cf. o ensaio "Ser e estar". In: CASTRO, Manuel Antônio de. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 19-57.

2

"Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites. Os limites de um humano eram divinos? Eram" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 40.

3

"Lembrou-se de como era antes destes momentos de agora. Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 168.

4

A questão do limite apresenta diversas dimensões: 1ª o limite externo; 2ª o limite interno; 3ª limite no horizonte do não-limite; 4ª o limite da liminaridade, ou seja, do entre; 5ª o limite do como; 6ª o limite de "o que é"; 7ª o limite da "compreensão"; 8ª o limite do diá-logo; 9ª o limite como disputa (polemós do grego, Streit de Heidegger); 9a. o limite de toda interpretação. Todas essas dimensões brotam no interior do Entre-ser e fazem aflorar as nossas limitações, a nossa finitude. A limitação faz eclodir a tensão "entre" questão e conceito, assim como se faz presente no horizonte da nossa compreensão. Mas mais profundamente acontece no entre ser E não-ser. É dentro desta dinâmica que precisa ser encarada a obra de arte.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Rio

5

"Espaço é algo espaçado, arrumado, liberado, num limite, em grego péras. O limite não é onde uma coisa termina mas, como os gregos reconheceram, de onde alguma coisa dá início à sua essência. Isso explica por que a palavra grega para dizer conceito é horismós, limite. Espaço é, essencialmente, o fruto de uma arrumação, de um espaçamento, o que foi deixado em seu limite" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 134.

6

"No sentido grego, o limite não tranca, mas traz como pro-duzido a própria presença para o aparecer. O limite liberta para o desvelado. Através de seu contorno, à luz da visão grega, a montanha põe-se em seu erguer-se e repousar. O limite que fixa é o que repousa – a saber, na plenitude da mobilidade – e tudo isto vale para a obra no sentido grego do ergon [obra], cujo “ser†é a energeia, que reúne infinitamente em si mais movimento do que as modernas 'energias' " (1).


Referência:
HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 213.

7

"... o limite não é, para os gregos, aquilo pelo qual alguma coisa cessa e toma fim, mas aquilo a partir de onde alguma coisa começa, por onde ela tem seu acabamento" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.


8

"Os limites não apenas nos retiram e recusam alguma coisa. Os limites, quando o fazem, só o fazem para nos conceder e pôr nas possibilidades que somos e por isso mesmo temos. Pretender eliminar obscuridades tão criadoras equivaleria à impotência de poder tudo, de saber tudo, de fazer tudo. Pretender esclarecer tudo é não ver nada. Para o homem finito, definido pela mortalidade, uma clareza sem sombras não esclarece, cega" (1).


(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Mito e filosofia grega". In: Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 48.

9

"Os gregos denominaram physis o uni-verso, de onde se originam todos os fenômenos. Ambas as palavras – physis e phainomenon - radicam na raiz indo-europeia ph (fi). E há uma terceira que, normalmente, não é pensada no fenômeno da physis: a phos, ou seja, a luz. Para os pensadores gregos sem luz não há physis, pois ela é o princípio de tudo que é e não-é. Sem luz não há limite e não-limite. A claridade bem como a escuridão são sem limite, porque ambas somente são porque vigoram na luz. No entanto, sem a claridade não podemos apreender o limite de tudo que é. Esse é o mistério da luz, da phos, já o disseram os gregos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 228.


10

"Não somos nós que temos as questões, elas é que nos têm. E nos têm na medida em que solicitam de nós a abertura para o pensar. Por isso o limite é uma questão de pensamento, porque neste se dá e acontece a referência entre Ser e Essência do ser humano" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 229.


11

O termo horizonte provém do verbo grego horidzo e significa limitar. Ele diz propriamente limite, mas toda experiência concreta de horizonte, ou seja, na nossa vida cotidiana e de acontecimentos, já nos diz mais do que o simples limite. Nos diz do homem em liminaridade, em estado de limiar, pois é impossível falar de limite sem ao mesmo tempo e tensionalmente sermos lançados no não-limite. Isso não nos diz imediatamente a palavra limite porque não nos damos conta de que só se pode traçar um limite enquanto possibilidade efetiva dada pelo não-limite, o limite é uma oferta do não-limite, na medida em que se dando e podendo ser posto e pro-posto como limite se retira e retrai como não-limite. Este retraimento é toda possibilidade do limite se afirmar como limite, de tal maneira que o que é próprio do limite é o não-limite, do qual e a partir do qual ele se pode mostrar como o que ele é.


- Manuel Antônio de Castro


12

Pode o êxtase levar a possuir o silêncio e o vazio, o nada criativo? Miticamente, é a mulher, em seu feminino como possibilidade, a mais completa fonte de prazer e realização do desejar, aquela que atinge e pode levar ao êxtase. Êxtase será então completude, plenitude de realização, eclosão na liberdade. Entendamos, a palavra êxtase se compõe do prefixo latino e grego ex/eks, que tanto pode significar para fora ou fora de, quando diz uma relação espácio-temporal, substantiva, quanto o lançar para fora dos limites, dizendo, então, uma possibilidade ontológica do existir humano. O que está fora dos limites é o livre aberto, a possibilidade enquanto possibilidade, ser. Já o radical -stase diz posição. Êxtase assinala, portanto, ontologicamente, o que está além e aquém da posição. Se posição diz o estar, o êxtase pode abrir-nos para o ser, o que está fora de, além do estado, da posição, ou seja, o nos projetar no livre aberto da libertação essencial. A possibilidade ontológica é a essência da liberdade. Daí advir no êxtase ontológico a completude da liberdade, do livre aberto em que nos podemos projetar e sair dos nossos limites posicionais, substantivos, da nossa finitude.


- Manuel Antônio de Castro


13

"O on traz em si a ambiguidade da referência do ser à essência do ser humano, do limite e do não-limite, pois todo ser humano enquanto este e aquele humano é limite, e enquanto ser é não-limite" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 129.

14

"A mente permanece instável no grande Vácuo.
Aqui, o saber mais elevado
É ilimitado. O que concede às coisas
Sua razão de ser, não pode limitar-se pelas coisas.
Assim, quando falamos em 'limites',
Ficamos presos às coisas delimitadas.
O limite do ilimitado chama-se 'plenitude' " (1).
(xxii, 6)


Referência:
(1) MERTON, Thomas. "Onde está o Tao?". In:A via de Chuang Tzu, 9.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999, p. 159.


15

"Contudo, não há ente sem Ser nem conhecimento sem pensamento e nem língua sem linguagem. Porém, toda e qualquer obra de arte é originariamente um perguntar. Por isso os gregos perguntavam sempre: tì tò ón? O entendimento, enquanto pensamento e linguagem, desta pergunta se torna decisivo para o encaminhamento da compreensão de nossa finitude, de nossos limites. Limites de ser e conhecer" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 234.

16

"Limitar não é excluir, mas incluir em outro nível. Por isso a dialética de Platão é sempre a dialética criativa" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Dialética: entre o fechado e o aberto". Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão II. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, jul.-set., 2013, 194, p. 10.


17

Na realidade, o limite só existe como conceito, (por exemplo, o do ponto, fisicamente impossível de determinar), a partir de uma teoria, de um eidenai (ver, em grego). E aqui está a genialidade de Platão ao criar o eidos (ideia): uniu eidenai (ver), logos (dizer, reunir), techne (conhecimento) e epistastai (considerar dos três pontos de vista anteriores). A teoria das ideias de Platão não consiste, portanto, na oposição (sensível/inteligível) nem na exclusão do sensível frente ao inteligível. Consiste na invenção do limite como questão: eidos=logos. Ou, inversamente, na determinação do eidos e do logos como limite e constante, dando origem à medida. Por isso a teoria das ideias não é uma quimera e pode-se, com ela operar a causalidade na "medida" em que é um limite constante. Achado o limite como constante, acha-se a causa e, portanto, o efeito e sua previsibilidade (e nisto consiste a lei), sendo causa e efeito o mesmo, porque não são quimeras, mas representações da "medida/lei". E surge, por isso, o problema da imitação, da mimesis. Ideia se torna uma medida da medida. Isso fica muito claro a respeito do tempo cronológico. Mas como medir o tempo de um carinho, de um afago? Toda ciência parte do orgânico, que é o limite enquanto medida e limite. Daqui igualmente a dificuldade de determinar o que é um corpo, porque ele não é só orgânico, isto é, ele é orgânico e não-orgânico. Na dança, por exemplo, isso fica bem claro porque nela o corpo é o instável limite do não-limite. Ocorre que este tempo-orgânico-não-orgânico deve ser apreendido e compreenido a partir da vida (inpirar-expirar/psique), da experienciação e da narração do ser/não-ser como ethos/linguagem. E isso é a poiesis, a aletheia do ser em seu sentido. A isso se dá o nome de kairos (tempo oportuno) com eros.


- Manuel Antônio de Castro
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