Moira
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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| + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170. | ||
Edição de 22h15min de 19 de Setembro de 2020
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1
- Moira nunca é uma questão de escolha da vontade, mas uma questão de ser possuído pelo extraordinário e é neste "ser possuído" que se dá o acontecer poético. Não é o ser tomado pelo extraordinário uma questão de êxtase ou de êntase repentino, mas é o próprio acontecer poético longa e essencialmente amadurecendo e tomando corpo. É aion desdobrado na tensão poética de kronos e kairós ao longo do suceder das estações e suas horas.
2
- "O ser humano, desde Édipo - o mito imemorial que pensa o humano e seu sentido no que lhe é próprio, em sua essência sócio-político-histórica - sempre teve a pretensão de ser o sujeito das suas escolhas e realizações. A Moira sorri, em silêncio, diante de tais pretensões, deixando-o iludir-se, em seu pseudo-poder racional de dar-se a existência, segundo a liberdade fundada na sua vontade. É uma ilusão que custa caro e gera o sofrimento de muitos fracassos inúteis" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Eduardo Portella, o professor". In: Quatro vezes vinte - Eduardo Portella - Depoimentos. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012, p. 40.
3
- "Como é possível o agir em nós? Não estamos, já desde o início, constituídos na perfeição do nosso ser pelos princípios do ser e da essência? Ou como diz o mito: ao nascer já recebemos desde sempre nossa moira. Mal traduzida como destino, no sentido de fatalidade, de fato, diz: possibilidades próprias de realização"(1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 33.
4
- "O mito é julgado e descartado a partir do logos, reduzido este à razão. E o mito sempre falou do ser humano como pertencente a um genos (de onde se forma a palavra moderna genética). Indicava uma família, um gênero (formada também de genos), uma etnia. Como família tinha algo em comum, o genos, mas cada um dentro desse genos recebia um quinhão, a sua “cota” no genos da família. O nome para esse quinhão foi e é: Moira. A tradução mais tradicional não é quinhão, mas destino" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 26.
5
- "A palavra grega moira provém do verbo meiresethai, obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde Moira é parte, lote, quinhão, aquilo que a cada um coube por sorte, o destino. Associada a Moira tem-se, como seu sinônimo, nos poemas homéricos, a voz árcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo poeta, Aisa. Note-se logo o gênero feminino de ambos os termos, o que remete à ideia de fiar, ocupação própria da mulher: o destino, simbolicamente, é "fiado" para cada um" (1).
- Referência:
- (1) BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. I. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986, p. 140.
6
- "As Moiras são a personificação do destino individual, da "parcela" que toca a cada um. Originariamente, cada ser humano tinha a sua moira, "sua parte, seu quinhão", de vida, de felicidade, de desventura. Personificada, Moira se tornou uma divindade muito semelhante às Queres (v.)...Impessoal e inflexível, a Moira é a projeção de uma lei que nem mesmo Zeus pode transgredir, sem colocar em perigo a ordem do cosmo" (1).
- Referência:
- (1) BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da Mitologia Grega, volume II, J-Z, 3.e. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p. 141.
7
- "Zeus, na sua união com Thêmis (Lei Ancestral, Ordem) gera a Ordenação interior de seu reinado, a Ordem em todos os seus aspectos, pois dessa união nascem suas filhas Hôrai e Môirai, que dosam e regram a distribuição de bem e de mal. Isto é possível porque de uma outra união, com Mêtis (sapiência, saber e sabedoria), ele incorpora toda a sabedoria, que lhe assegura um poder sobre o imprevisível, pois com Mêtis ele conhece o bem e o mal, cambiante e instável como a natureza do mar, onde todos, como eternos Ulisses, fazemos a caminhada de travessia" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.
8
- "As Moîrai são filhas da Noite cissiparidas (do latim scissus, fendido, e parére, parir, ou seja, nascidas por auto-divisão) e filhas da união de Zeus e Thêmis. A dobra constitutiva, enquanto destino, centrada nas Moîrai, estabelece o limite positivo e configurativo de cada ser divino e humano, e, ao mesmo tempo, o limite negativo, coercitivo e cancelante:
- "[...] elas afirmam tudo o que um ser é e pode ser, e negam tudo o que ele não é e não pode ser [...] a dupla filiação das Moîrai indica, nos termos próprios do pensamento mítico, que toda afirmação implica a negação” (Torrano: 1992, 80)" (2).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 168.
- (2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: -----. Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.
9
- "Como as Hôrai, e não podia ser de outra maneira, as Môirai também são filhas de Zeus e Themis. Elas representam a Fatalidade sob o aspecto positivo de configuração e ordenação dos destinos dos mortais, segundo um peso e medida divinos. As Môirai, “a quem mais deu honra o sábio Zeus” (Teogonia, T. v. 900) (2), fixaram aos homens mortais os seus lotes de bem e de mal. Sob o aspecto negativo, essas Môirai são filhas da Noite (T. vv. 217-9) e representam a sofrida experiência do restrito e inexorável lote de bem e de mal a que cada homem tem que se submeter como seu único destino (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.
- (2) Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992.
10
- "Enfim, o poder que impõe a reconciliação, a identificação metafísica destes dois mundos: a Moira, que impera como a eterna, acima dos deuses e dos homens. Segundo Jean-Marie Domenach, Nietzsche procura resolver o grande problema: “[...] comment transformer le ‘fatum’ en liberté, et comment transformer la liberté en ‘fatum’?” "...como transformar a fatalidade em liberdade, e como transformar a liberdade em fatalidade?" (1) (2). (Tradução: Manuel Antônio de Castro).
- Referências:
- (1) DOMENACH, Jean-Marie. Le retour de tragique. Paris: Seuil, 1967, p. 152. O Retorno do trágico. Trad. Manuel Antônio de Castro.
- (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "As faces do trágico em Vidas Secas". In: -----. Travessia Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, p. 79.
11
- "A nossa propriedade nos advém desde que somos o que já desde sempre somos. Nesse sentido, o que nos é próprio, o que já desde sempre somos, é o que se chama, em grego, Moira, nosso próprio, nosso quinhão do ser. A tradução tradicional para o português é destino. Este, portanto, não depende de uma ação causal, não é o resultado do agir do saber das intenções da consciência. Não é um eu da consciência e o resultado de ações causais, por isso, o que cada um é, o seu próprio, independe do meio e das influências de ordem social ou psíquica" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Espelho: o penoso caminho do auto-diálogo. Ensaio não publicado.
12
- "Desse modo o esquecimento do ser se dá num caminho duplo e ambíguo, na caminhada do Ocidente: esqueceu-se o vigorar do mítico e do pensamento. Nesse sentido, devemos ter sempre em mente que não devemos procurar Platão, mas o que ele procurava. Nenhum mito, nenhuma obra de pensamento dá conta do que já o pensador Heráclito, no fragmento 16, propôs como questão para o pensar:
- “Face ao que nunca declina ninguém pode manter-se encoberto”.
- Não há doutrina ou teoria ou conhecimento que dê conta do “que nunca declina”. E jamais poderemos diante desse acontecer incessante e sempre inaugural manter-nos “encobertos”. Para nós não há outro destino senão procurar o que todos os grandes pensadores e poetas procuraram em tudo que pensaram e poetaram. Isso exige de nós o termos de nos defrontar com nosso destino, com o que em nós, em cada um, acontece inauguralmente. É o mesmo, é a unidade das diferenças, pois, não podemos esquecer, só há uma Lei e um Saber, a unidade da memória que a todos reúne e dá sentido. Essa unidade é Zeus, a Luz irradiante que congrega luminosidade e obscuridade, noite e dia, Eros e Thánatos. Eis nossa moira" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 170.
