Realidade

De Dicionrio de Potica e Pensamento

(Diferença entre revisões)
(15)
(20)
Linha 171: Linha 171:
: Strindberg. Peça teatral "Sonhos". Passagem citada no filme de Ingmar Bergman ''Fanny e Alexander'', 1982.
: Strindberg. Peça teatral "Sonhos". Passagem citada no filme de Ingmar Bergman ''Fanny e Alexander'', 1982.
 +
 +
 +
 +
== 21 ==
 +
: "Seu [[método]] de [[reflexão]] [[filosófica]] é exclusivamente o [[método]] [[dialético]] triádico: [[tese]], [[antítese]] e [[síntese]], ou melhor, segundo a [[terminologia]] [[hegeliana]]: [[afirmação]], [[negação]] e [[negação da [[negação]]. Por este [[método]] [[Hegel]] pretende mostrar como se classificam [[racionalmente]] e como se encadeiam [[racionalmente]], e com [[necessidade]], todos os [[aspectos]] mais importantes da [[realidade]], a partir dos mais [[abstratos]] como: o ser em geral, o [[vir-a-ser]], a qualidade, a quantidade etc., até os mais [[concretos]] como os diversos tipos de [[civilizações]] e de [[filosofias]]. Estes vários aspectos da [[realidade]] são as tais “[[essências]]” que, segundo [[Hegel]], estão [[logicamente]] e [[realmente]] tão encadeadas que a [[existência]] de uma implica necessariamente a [[existência]] de todas as demais. Todo o “[[sistema]]” da [[realidade]] é [[absolutamente]] [[necessário]] e [[absolutamente]] [[lógico]]" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. ''História da Filosofia''. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS. Anotações distribuídas em sala de aula.

Edição de 22h07min de 11 de Julho de 2019

1

Há duas formas correntes e contraditórias de con-ceber a realidade. Pela primeira, ela é o resultado do que nossos sentidos per-cebem. Pela segunda, ela depende de alguma teoria, racional ou criacionista. Tenta-se unir num terceiro módulo estas duas, seja dialeticamente, seja cientificamente. No entanto, a verdade é muito simples: Realidade é o que não cessa de vigorar e se dá a nós como acontecer poético. A realidade nunca depende, como se crê normalmente, de uma concepção. Ela simplesmente vigora acontecendo, sendo, portanto, um incessante poietizar ou popularmente poetar dela e por ela mesma. Além dessas duas, podemos falar numa terceira que é bem mais completa e complexa: como a realidade se dá na obra de arte. É que esta se revela para o ser humano e com o ser humano como mundo, sentido e verdade.


- Manuel Antônio de Castro

2

A realidade é unidade de real e ideal, de real e irreal no vir-a-ser das realizações. Como unidade a realidade é um mistério que, portanto, exclui qualquer atributo. E dessa maneira não diz respeito a limites, ou seja, a entes. Não sendo ente nenhum e nem a totalidade dos entes, que podemos denominar apropriadamente real, a realidade é nada de ente, enfim, a realidade é o nada criativo. A realidade funda o real, mas o real não é a realidade, pois a realidade é a possibilidade também de todo vir a ser, seja do que já se realizou em realizações, seja do que ainda não se realizou e é possível, portanto, ideal. Enfim, a realidade, embora origine os entes, não é nada de ente nem a soma de todos os entes. Caso contrário não comportaria também o ideal e até mesmo o irreal, pois este pode perfeitamente conter o que vigora, mas não é ente determinado e já realizado. Para esta questão de irreal é necessário levar em consideração, assim como para todas as distinções aqui feitas, a questão da verdade. Então, irreal pode se referir a algo que não é verdadeiro. Mas jamais podemos esquecer que verdadeiro implica o que se manifesta e o que se oculta, como bem o diz a palavra grega para verdade a-letheia.


Manuel Antônio de Castro

3

Numa visão do senso-comum ou do positivismo endêmico, a realidade é o que está aí e nos cerca. Porém, essa questão é bem mais complexa. Essa complexidade pode ser pensada a partir do fragmento 123 de Heráclito, quando diz: "A natureza ama retrair-se" (1), onde a realidade é a tensão no amar tanto do que se manifesta, se desvela, quanto do que se retrai, se vela. Emmanuel Carneiro Leão, a esse propósito, vai falar de totalidade do real ou natureza e tudo que de alguma maneira se desvela, já a realidade é o que se manifestando se retrai. A realização é o amor que é o agir, pelo qual se dá o manifestar-se e o retrair-se. Em suas palavras: "A totalidade do real, o espaço-tempo de todas as coisas, não é apenas o reino aberto das diferenças, onde tudo se distingue de tudo... A totalidade do real é também o reino misterioso da identidade, onde cada coisa não é somente ela mesma, por ser todas as outras, onde os indivíduos não são definíveis, por serem uni-versais, onde tudo é uno: hen panta. No movimento de sua realização, a realidade é tanto o horizonte em expansão da luz de todas as singularidades como a uni-versalidade protetora da noite, onde todos os gatos são pardos" (2). O "hen panta" a que Leão se reporta é o núcleo do fragmento 50 de Heráclito. Por este fragmento também podemos pensar a noite como sendo o silêncio falante do lógos.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HERÁCLITO et alii. Os pensadores originários. Petrópolis: Vozes, 1991.
(2) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 84.

4

"A unidade é o ponto inicial de qualquer desencadear da realidade. Toda realidade é unidade de identidade e diferença. Na medida em que toda unidade é a vigência do mais simples e do mais complexo, toda unidade é sem dobras, e ao mesmo tempo a exigência de dobramento" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7letras, 2005, p. 53.


Ver também:
*Logos
*Ser

5

Realidade não é só o que se vê ou sente. Realidade é propriamente a vigência do vigente que se dando como ver, sentir, criar e crer permanentemente se retrai e vela. Mesmo do que se dá a ver e sentir, vemos e sentimos muito pouco. Por isso mesmo, a vigência do vigente é muito mais do que o consciente e do que o inconsciente. Realidade como vigência do vigente é o ser e o nada do abismal mistério: amor.


- Manuel Antônio de Castro

6

"O sentido da realidade é uma questão de talento. Para a maioria das pessoas falta esse talento... e talvez seja melhor assim..." (1). Não só a realidade de cada um é uma questão de dávida da vida, também a dávida do sentido da realidade é um dom, que se recebeu ou não. Cabe a cada um com simplicidade acolher esse dom e não exigir dos outros o que não recebeu, porque o sentido da realidade não é algo que se consiga pelo uso da razão. Alguém pode ser muito erudito e racional e não ter o dom do sentido da realidade. Porque isso é assim é um mistério. Os antigos diziam que esse sentido da realidade é uma questão de destino, assim como ser um Beethoven, um Bach, um Sófocles, um Guimarães Rosa, é uma questão de destino. Friedrich Hölderlin, para assinalar esse destino nele, afirmou num momento de grande lucidez e loucura: "Apolo me feriu". Àquele que foi ferido pelo sentido não cabe deixar de cumprir o destino, que não pode ser confundido com "radicalismo" conceitual e doutrinal. Se então há radicalismo, é o radicalismo das questões. E estas é que nos têm, como o destino. O sentido da realidade é o originário da realidade se manifestando. Sentido da realidade é o saber da realidade. Em Grande sertão: veredas, João Guimarães Rosa também se refere a esta questão do sentido da realidade, que ele denomina, ser-tão, dizendo: "Sendo isto. Ao doido doideiras digo...Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei...Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas - e só essas poucas veredas, veredazinhas" (2). Por que para a maioria das pessoas falta o sentido da realidade não cabe a nós indagar. Em princípio todos o recebem, mas tornar-se um dom no sentido de um destino específico para algo, isso já é uma questão de talento, como muito bem afirma Bergman, embora como ser humanos todos estejam abertos para essa possibilidade.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) BERGMAN, Ingmar. No filme Sonata de outono.
(2) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 79.

7

"Deixe-me lhe dizer uma coisa Anna Egerman. Na minha idade, quando nos inclinamos para a frente, às vezes, nossa mente entra em uma outra realidade. Os mortos não estão mais mortos. Os vivos parecem fantasmas. O que era óbvio um minuto atrás... tornou-se peculiar e impenetrável. Anna... ouça o silêncio aqui neste palco. Imagine toda a energia espiritual, todos os sentimentos reais e representados...riso, fúria, paixão e Deus sabe mais o quê...Tudo isso permanece aqui...fechado...vivendo sua vida secreta e ininterrupta. Às vezes eu os ouço. Às vezes, não. Sempre. Às vezes acho que consigo vê-los...demônios, anjos...fantasmas...pessoas comuns...cuidando atentamente de suas vidas. Fechadas. Reservadas" (1).


Referência:
(1) BERGMAN, Ingmar. Fala do personagem Henrik Vogler, no filme Depois do ensaio.

8

"O vidente é aquele que já tem visto a totalidade das coisas que se apresenta na presença: em latim vidit; em alemão er steht in Wissen (ele está a par). Ter visto é a ausência do saber. No ter visto já há sempre outra coisa em jogo que a simples realização de um processo ótico. No ter visto a relação com aquilo que se apresenta já retrocedeu para trás de toda a espécie de percepção sensível e não-sensível. A partir daí, o ter visto está relacionado com a presença que se clarifica.
O ver não se determina a partir do olho, mas a partir da clareira do ser. A in-sistência nela constitui a articulação de todos os sentidos humanos. A essência do ver enquanto ter visto é o saber. Este contém a visão. Ele permanece na lembrança da presença. O saber é a lembrança do ser. É por isso que Mnemosýne é a mãe das musas. Saber não é a ciência no sentido moderno. Saber é salvaguarda pensante da guarda do ser" (1).
Na medida em que todo ver pressupõe o já ter visto de alguma maneira é que dá origem ao vidente e à evidência. Esta não precisa de mediação, por ela a realidade se mostra no que ela é e em-si. Por isso, dizemos frequentemente: isso é evidente, ou seja, não precisa de uma explicação, de uma mediação. Em sua essência, todo ser humano é um vidente, embora poucos consigam quebrar o hábito do ver banal e cotidiano. Todo artista, especialmente o poeta e pintor, se deixa tomar em seu ver e dizer pela evidência. Na dança, o meio de manifestar o evidente é o gesto. Todo gesto na dança manifesta a realidade acontecendo, dando-se a ver.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". In: Os pré-socráticos. Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 34.
- Manuel Antônio de Castro

9

A Realidade é mistério em contínua realização, produzindo os reais (on, onta, em grego) como seu modo de se desvelar. Daí a variedade de reais ou mundos, enquanto conjunto de coisas ou entes com sentido de totalidades parciais. Real diz o que é, o próprio da Realidade, como o poético é o próprio da Poética e o humano é o próprio da Humanidade. À realidade, à Poética, à Humanidade não temos acesso, porque nenhuma língua pode dizê-las, embora toda língua seja língua de Linguagem como todo humano é humano da Humanidade e todo real é real da Realidade. Nesta tensão constante e dialética acontecem as realizações.


- Manuel Antônio de Castro


10

"A realidade se dá na medida e enquanto se retrai nas realizações" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Logos, mythos, epos". In: -----. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 31.

11

"Tomas: Existe uma palavra mágica para nós descrentes.
"Jenny: O que quer dizer?
"Às vezes eu a sussurro para mim.
"Pode me dizer qual é?
"Eu desejo ardentemente que alguém me toque para eu me tornar real. Eu repito sempre: "Permita que eu me torne real."
" Jemmy: O que quer dizer com "real"?
" Tomas: Ouvir uma voz humana e saber que ela vem de alguém que sente como eu. Beijar uma boca e saber de imediato que é uma boca. Não ter que repetir o momento terrível mais uma vez no qual experiências anteriores não dizem que era uma boca que beijei. Para mim realidade é quando alegria é verdadeira alegria. E sofrimento é verdadeiro sofrimento. Eu não sei. O real não é isso que eu imagino. Nâo existe razão para a realidade existir. Ela não é nada mais que uma esperança" (1).


(1) BERGMAN, Ingmar. Filme Face a face. Falas dos personagens: Jemmy e Tomas.

12

Quem diz sentido o faz já no horizonte do vigorar da realidade em linguagem, sentido, verdade e mundo. Realidade é acontecer nas realizações do real. Não há realização do real sem abertura de verdade e mundo, pois todo acontecer da realidade manifesta e vela.


- Manuel Antônio de Castro

13

"... toda experiência radical de pensamento se embrenha pelas raízes da própria possibilidade de pensar as realizações do real no e pelo mistério da realidade" (1).


- Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Deus e o homem louco". In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 188: 145-153, jan.-mar., 2012, p. 145.


14

"Não há fala sem linguagem como não há realidade sem onta (sendos). Toda fala é uma fala da linguagem assim como todo on é um on da phýsis, ser, realidade. Disso decorre que a linguagem implica a realidade e a realidade implica a linguagem. Cada fala e cada on já são posições dentro da realidade e dentro da linguagem" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 129.

15

"Em 1950, o matemático americano Norbert Wiener publicava o livro The human use of human beings – cybernetics and society, em que propunha o campo da cibernética como o conhecimento em torno de sistemas de controle, comunicação e transmissão de informações. Tal conhecimento poderia automatizar muitos aspectos da vida humana, tornando-a mais livre e menos dependente do trabalho manual" (1).


Referência:
(1) LIRA, André. "O ciborgue frente ao real". In: Revista Tempo Brasileiro: globalização, pensamento e arte, 201/202, abr.-set.,2015, p. 78.

16

"O que não pode ser esquecido é que o vocabulário, ao nos circunscrever num determinado mundo real, não quer isso dizer que tenhamos já toda a realidade, ou que ela seja toda determinada por esse vocabulário. A realidade é bem mais dinâmica e nem todos os seres humanos são determinados pelo vocabulário. Há outras realizações que convivem entre si e em relação à realidade geral de uma maneira muito dinâmica, múltipla e ambígua, inovadora" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ------------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 242.


17

"Entenda-se por realidade não apenas o âmbito do já feito e realizado, o real. Realidade é desde sempre mistério. Em geral, pensamos falar de realidade ou real quando, na verdade, falamos das suas diferentes manifestações históricas, que podemos adequadamente denominar: mundos (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A história do sentido das artes e as épocas". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 287.

19

"A realidade é o labirinto que exige de nós uma caminhada de sentido, um motivo que nos mova em nossa existência. É para esse sentido que a dança nos conduz, se a deixarmos operar ,se tivermos a coragem de nos entregarmos a ela em sua vigência. Na dança poética somos tomados pelo que somos, pois ser é sempre uma tarefa poética, onde quem vigora é o princípio: o não cessar de estar sendo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Aprender com a dança: fluxos e diálogos poéticos”. In: TAVARES, Renata (org.). O que me move, de Pina Bausch – e outros textos sobre dança-teatro. São Paulo: LibersArs, 2017, p. 83.


20

"Mentira e realidade são uma coisa só. Tudo pode acontecer. Tudo é sonho e verdade. Tempo e espaço não existem. Sobre a frágil base da realidade, a imaginação tece sua teia e desenha novas formas, novos destinos" (1).


(1) Referência:
Strindberg. Peça teatral "Sonhos". Passagem citada no filme de Ingmar Bergman Fanny e Alexander, 1982.


21

"Seu método de reflexão filosófica é exclusivamente o método dialético triádico: tese, antítese e síntese, ou melhor, segundo a terminologia hegeliana: afirmação, negação e [[negação da negação. Por este método Hegel pretende mostrar como se classificam racionalmente e como se encadeiam racionalmente, e com necessidade, todos os aspectos mais importantes da realidade, a partir dos mais abstratos como: o ser em geral, o vir-a-ser, a qualidade, a quantidade etc., até os mais concretos como os diversos tipos de civilizações e de filosofias. Estes vários aspectos da realidade são as tais “essências” que, segundo Hegel, estão logicamente e realmente tão encadeadas que a existência de uma implica necessariamente a existência de todas as demais. Todo o “sistema” da realidade é absolutamente necessário e absolutamente lógico" (1).


Referência:
HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. História da Filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS. Anotações distribuídas em sala de aula.
Ferramentas pessoais