Diálogo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 15h33min de 12 de março de 2020 por Profmanuel (Discussão | contribs)


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Em geral não se leva em conta a importância do fato de que cada dialogante já se encontra, ontologicamente, numa posição. Ora, esta posição já determina a nossa finitude ontológica, pois ninguém pode assumir todas as posições. Isto se torna essencial para a própria questão da verdade, em três dimensões: 1a. Cada dialogante não pode assumir todas as [[[posições]]; 2a. Uma vez que a verdade da realidade se dá e retrai, jamais o não-visto e não-desvelado pode ser objeto de uma posição; 3a. Daí advém que todo diálogovigora na essência da dialética da verdade (aletheia) da realidade. Se agora nos lembrarmos de que a palavra para posição, em grego, é thesis, significa isso que o ser de todo sendo jamais pode ser reduzido a uma posição, seguido de uma antítese e finalizado numa síntese, uma vez que jamais pode haver uma síntese total, pois a verdade é a dobra dialética de desvelamento e velamento. Toda dialética é necessariamente aberta, inconclusa. Jamais podemos ver tudo que se dá a ver e muito menos ver o que nunca se dá a ver. "Não se pode estabelecer todo relacionamento numa posição, a não ser aceitando a multiplicidade de posições. Na multiplicidade você se coloca, assume uma posição. Sempre há o outro, o diferente, tanto o outro do outro, quanto o outro de si mesmo, em cada posição. O outro é a diferença do próprio movimento de constituir uma diferença, uma posição. Toda posição se mantém numa processo de diferenciação e já é em si mesma um outro, e traz consigo a dinâmica de diferenciação de sua proveniência" (1). A questão da posição se torna decisiva para compreender a profundidade de uma outra questão decisiva na vida de todo ser humano e até na sucessão dialética das épocas: o diálogo. E assim o diálogo externo (com os outros) é acompanhado de ou solicitado por um diálogo interno (com o outro de si mesmo), gerando, portanto, tanto uma dialética externa quanto uma interna. Mas estas denominações espaciais não levam em conta que a própria dialética é o sentido tanto do tempo quanto do espaço. Eis o complexo horizonte tanto do diálogo quanto da dialética.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O caminho genealógico de Platão". In: -------. Filosofia grega: uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 212.

2

"Ninguém pode fazer uso do que os outros são, nem mesmo uso mental" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4ª e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 62.

3

Há a passagem nº III do ensaio de Heidegger: "Hölderlin e a essência da poesia", onde Heidegger discute a essência do diálogo, a partir de um verso de Hölderlin: "Desde que somos um diálogo e podemos ouvir uns aos outros" (1), há aí o grande tema da escuta e da fala ligado ao diálogo.


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Approche de Hölderlin. Trad. Henry Corbin. Paris: Gallimard, 1973, p. 48.

4

Podemos falar no diálogo de quatro instâncias: o eu, o outro, o logos, o diá-. O logos funda os três diálogos. Porém, no diálogo há algo bem mais complexo. Podemos então considerar seis instâncias:
Essência do diálogo como disputa (1);
Essência da obra de arte como disputa dialógica;
Essência do pensamento como diálogo (disputa entre as diferentes obras dos pensadores);
Essência do pensamento como diálogo/disputa com: a) Physis/Ser; b) Ser humano; c) Arte;
Essência da poiesis como diálogo de disputa de poiesis e pensamento, ou seja, poesia pensante e pensamento poético;
Essência, do ponto de vista do ser-humano: o agir dele no fazer obras ou desvelar, como diálogo/disputa. Então aqui o diálogo se dá como leitura. O interpretar é, portanto, um diálogo ético, porque todo interpretar é um interpretar-se pela escuta do logos.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HERÁCLITO. "Fragmento 53: De todas as coisas a guerra é pai, de todas as coisas é senhor; a uns mostrou deuses, a outros, homens; de uns fez escravos, de outros, livres". In: ANAXIMANDRO; HERÁCLITO; PARMÊNIDES. Os pensadores originários. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 73.
Observação: O tradutor preferiu traduzir a palavra grega polemos por "guerra". Mas pode-se interpretar e traduzir também como "disputa".

5

"De um diálogo faz parte que seu falar fale do mesmo e isso de um pertencer ao mesmo" (1).
"O pensar, porém, é o poematizar da verdade do ser no diálogo historial dos pensadores" (2).


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". In: Pré-Socráticos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 25.
(2) ibidem, p. 47.

6

É do diálogo que seu falar fale do mesmo. E isso a partir de um co-pertencimento ao mesmo dos dialogantes. Na palavra portuguesa diálogo, o mesmo é o próprio logos, ou seja, a Linguagem enquanto mundo e memória. Só porque co-pertencemos ao logos e ele fala é que, se escutarmos, podemos dialogar, na medida em que a fala, como identidade, funda as diferenças de eu e tu, de masculino e feminino, de ser e não-ser. É no sentido do mesmo que a Linguagem é a mãe de todas as línguas.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Disputa
*Escuta
*Ser-com

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Em sua essência, o diálogo é dramático e não uma questão formal de narrativa direta. A estrutura dramática do diálogo surge a partir da essência dramática do real-ser-humano como entre-ser. As figurações narrativas todas provêm desta essência do real-ser-humano. Por isso, o narrar está ligado ao conhecer, mas este não se constitui em si pelo narrar e, sim, pela conjuntura hermenêutico-poético-ontofenomenológica. Esta se dá no horizonte da compreensão como pre- e entre-compreensão. É o que Heidegger trata em Ser e tempo como Vorhabe / o ter prévio, Vorsicht / o ver prévio e Vorgriff / o perceber prévio. Mas estes se manifestam no ser humano porque este é essencialmente um Da, um Entre.
Neste sentido, as tradicionais divisões dos gêneros são as figurações dos três diálogos: o diálogo comunicativo é a narração épica e a do romance. O autodiálogo é o lírico. E o dramático é o heterodiálogo, ou seja, a vigência ambígua das conjunturas na disputa de um eu e de um tu. O que vai ser comum aos três diálogos, que lhes dá unidade e identidade nas diferenças, é o logos/linguagem. É claro que esta divisão é apenas indicativa e muito conceitual, pois aí se perderiam as diferenças e a originalidade de cada obra. Mas de qualquer maneira a densidade dialogal acompanha sempre as obras de arte da palavra. O que deve ser entendido agora como dramático é algo que está para além do formal narrativo. Todo diálogo se funda num entre, dual e ambíguo. É neste sentido que é tomada a palavra dramático no início desta ficha. O prefixo de diá-logo, diá- significa: através de; entre.


- Manuel Antônio de Castro

8

Ler um autor poeticamente é se apropriar do que lhe é próprio como pensamento do a-ser-pensado. Se alguém é heideggeriano, marxista, nietzscheano ou coisa semelhante, não é o que lhe é próprio, é um simulacro, uma representação da manifestação do que alguém é. E cada um é convidado e convocado sempre e sempre a ser o que lhe é próprio. Esse ser próprio se dá no diálogo com os outros, mas só e tão-somente na medida do logos: a linguagem. Por esta e nesta seremos uma co-letividade dialogante e aí o outro - Heidegger, Marx, Nietzsche, Platão, ou seja quem for, comparece como co-lega dialogante da aventura e ventura do a-ser-pensado, do ser questionado e experienciado. A um tal diálogo se chama diálogo de diferenças. Por isso, a todo diálogo precede e se faz presente um questionar.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Identidade
*Atributo


9

"Não podemos discutir, aqui, de um modo aprofundado, em que extensão e por qual razão todo o diálogo e toda fala é sempre uma tradução no interior da própria linguagem, precisamente, o que significa 'traduzir' " (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 29.


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Em geral não se leva em conta a importância do fato de que cada dialogante já se encontra, ontologicamente, numa posição.
"Não se pode estabelecer todo relacionamento numa posição, a não ser aceitando a multiplicidade de posições. Na multiplicidade você se coloca, assume uma posição. Sempre há o outro, o diferente, tanto o outro do outro, quanto o outro de si mesmo, em cada posição. O outro é a diferença do próprio movimento de constituir uma diferença, uma posição. Toda posição se mantém numa processo de diferenciação, já é em si mesma um outro e traz consigo a dinâmica de diferenciação de sua proveniência" (1). A questão da posição se torna decisiva para compreender a profundidade de uma outra questão decisiva na vida de todo ser humano e até na sucessão dialética das épocas: o diálogo.


Referência:
- Manuel Antônio de Castro


(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O caminho genealógico de Platão". In: -------. Filosofia grega: uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 212.

11

"Dialogar não é monologar, é exercitar a difícil disciplina da escuta, onde acontecem as diferenças. Isso é aprender a pensar. Quando este se aprende, ler e escrever obtêm o seu máximo desempenho" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questões". -------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 26.

12

"Só há diálogo onde há escuta. A comunicação é o diálogo sem escuta, portanto, um pseudo-diálogo" (1).


Referência:
(1) : CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser feliz”. In: ------. ‘’Arte: o humano e o destino’’. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 187.

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"Um novo caminho tinha que ser pensado e proposto, um caminho que reconduzisse o leitor para o questionamento, a escuta, a diversidade e o diálogo com as obras poéticas. Isso exige um leitor novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu sentido, verdade e mundo. Exige um leitor num diálogo com e não mais um falar ou escrever sobre as obras. É um diálogo exigente, pois só escuta e dialoga quem se escuta. Mas a fala é da obra e não do autor, uma vez que nela quem age é a poiesis e quem fala é o Logos originário e não o logos racional da Modernidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.

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"Platão diz que a dialética é o diálogo que a alma, o pensamento, faz consigo. O grande problema é como se entende esse pensamento. Pensamento traduz aí psykhe. Para o pensamento medievel psykhe é o diálogo da alma consigo. E Mestre Eckart diz: Quem é esse si mesmo da alma? Quem é que entra nessa discussão, nesse debate, nesse diálogo com a alma mesma? É o que a alma tem de divino. É o que a alma tem de mistério "(1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Dialética: entre o fechado e o aberto". Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão II. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, jul.-set., 2013, 194, p. 9.

15

"O diálogo.
Este é o grande esquecido quando se trata da dialética. Prefere-se, na tradição substantiva, conceitual, representativa, para apreender as diferentes manifestações históricas da dialética, sempre verbal, adjetivar o adjetivo substantivado. E diz-se: dialética platônica, hegeliana, marxista etc. O interessante é que o grande pensador do Logos foi Heráclito e, certamente, é ele que inaugura originariamente a questão da dialética, mas pensando sempre o Logos e a Physis. Disso decorre que não podemos pensar a dialética sem pensar o diálogo e este funda-se necessariamente no Logos (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Dialética e diálogo: a verdade do humano". Revista Tempo Brasileiro: Dialética em questão I. Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 192, jan.-mar., 2013, p. 12.

16

"Porém, além do emissor e do receptor, deve haver uma terceira dimensão com uma faceta dupla: o quê se comunica e o como se comunica: deve haver um conhecimento e um meio. Como meio, o diálogo gera a comunicação, mas esta só ocorre quando ela veicula informações e conhecimentos, que nos advêm das disciplinas. A estrutura do ensinar e aprender é, fundamentalmente, o do diálogo: quem ensina, quem aprende e o que se ensina e se aprende" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 26.

17

"Um diálogo sempre se dá, acontece “entre” um Eu E um Tu. Cotidiana e impensadamente sempre achamos que o diálogo visa comunicar, tornar comum algo. São as informações e os conhecimentos, ou seja, aquilo que é produzido pelas disciplinas. Estas são o “entreEu E Tu. Esta posição, como já vimos, surge do conceito de interdisciplinaridade, onde o “entre” é reduzido e se confunde com as disciplinas. Elas são o elemento comum a quem ensina e a quem aprende, ao emissor e ao receptor. Diálogo é isso, mas é também bem mais complexo e profundo" (1). Quando acontece o diálogo essencial, Heidegger o denomina também Mit-sein, onde acontece concomitantemente o Dasein e o In-der-Welt-sein.


- Manuel Antônio de Castro.


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 27.

18

"A palavra diá-logo compõe-se do prefixo grego dia- que significa: dois, através de, entre. O radical da palavra diálogo, -logo, vem da misteriosa palavra grega: Logos. Formado este do verbo legein, este se move num duplo sentido ao mesmo tempo complementar e tensional: reunir e dizer. O diá- significa dois, através de e entre" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 27.

19

"Dialogar essencialmente não é uniformizar, muito pelo contrário, é afirmar as diferenças, ou seja, tanto do eu como do tu. Mas só cada um afirmando-se como diferença é que eclode na sua identidade, no seu próprio. A identidade de todas as diferenças e diálogos é o entre, é o logos. Porém, no diálogo, há não apenas a comunicação, mas também o que na comunicação, o que no diálogo se comunica e dialoga. Àquilo que chamamos de informações e conhecimentos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 29.

20

"O entre do diálogo é a possibilidade do diálogo como mundo, como o sentido do eu e do tu que dialogam, mas também do que no diálogo se dialoga. Esse “entre” aparece na terceira estrofe do poema Autopsicografia (de Fernando Pessoa) como entre-ter. Este, porém, surge da força que previamente nos estabelece o caminho, ao girarmos nas calhas de roda. Estas são uma imagem-questão do que chamamos de há muito e desde sempre: destino. Com ele advém o sentido profundo e ambíguo de “girar a entreter”. E aqui podemos “ler” o “entre-ter” num outro sentido mais profundo: no jogar do destino somos tidos e entre-tecidos no horizonte do “entre”: o logos abismal de todas as identidades. O que no diálogo se entretece é o que somos como mundo, não aquele em que já estamos lançados, mas o que no entretecer se tece como aprender e ensinar, ou seja, como o que devemos tecer na teia da vida, isto é, ser o que já desde sempre somos (destino)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 30.

21

"No questionar e dialogar vigora não a medida da razão, mas a vigência sempre nova da memória. Porque memória não é o jogo marcado da lembrança versus esquecimento. É mais: é a vigência da unidade do que foi, é e será. Seres do tempo e no tempo, temos que assumir a sua vigência em nós como memória, dentro da qual vivemos a aventura feliz do saber e do não-saber" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 103.

22

" - Uma cultura livre de amarras pode fazer a diferença entre guerra e paz, democracia e ditadura?
" - Não exatamente. Podemos ter países onde a cultura é sofisticada e rica, mas o regime político é belicista e criminoso. A cultura é uma forma de resiliência para as pessoas. Ela sobrevive nos momentos mais difíceis e trágicos da humanidade. Nesse mundo onde há um espaço global, a cultura é uma das raras formas de diálogo. Defendemos uma cultura de pluralidade e inclusão dos diversos segmentos da sociedade " (1).


Referência:
Entrevista de Audrey Azoulay a Ruth de Aquino. In: O Globo, sábado, 16-11-2019, p. 26.
Observação: Audrey Azoulay é Diretora-Geral da UNESCO.
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