Forma

De Dicionrio de Potica e Pensamento

(Diferença entre revisões)
(3)
(6)
 
(22 edições intermediárias não estão sendo exibidas.)
Linha 5: Linha 5:
== 1 ==
== 1 ==
-
: [[Forma]] é um dos [[conceitos]] mais complexos, pois pode ser tomado em muitos sentidos: ''[[eîdos]]'', ''[[morphé]]'', [[corpo]], [[ente]], [[objeto]], [[utensílio]], [[obra]], [[unidade]], [[organismo]]. Martin Heidegger, em ''A Origem da Obra de Arte'' (1) trata da [[forma]] como ''Gestalt''. A melhor [[tradução]] desta [[palavra]] alemã é, certamente, [[figura]], mas ligada ao verbo latino ''fingere''. Nesse ensaio, ele critica o conceito de [[forma]], ligado à [[interpretação]] da [[realidade]] tendo em vista o [[ente]] [[utensílio]] (a [[forma]] é uma das quatro [[causas]]). Por isso, a [[concepção]] da [[arte]] baseada nas [[formas]] pode gerar grandes problemas mais do que indicar uma reflexão sobre [[mistério]] que é a [[obra de arte]]. A [[figura]] como tal é a [[obra]], mas esta é pensada como a tensão de [[mundo]] e [[terra]]. No ensaio "A coisa" (2), Heidegger pensa a [[figura]] em tensão com o [[vazio]]. Jaa Torrano, por sua vez, se aproxima desse [[conceito]] ao definir assim [[forma]]: "É lícito recorrer à [[palavra]] '[[forma]]' para explicitar-se a noção de Deus(es), desde que se entenda por '[[forma]]' o [[princípio]] que possibilita toda manifestação. O que se manifesta na manifestação é o que por sua [[forma]] mesma ingressa no âmbito de ilatência. Eis o modo mais decisivo de os gregos antigos pensarem a [[verdade]]: ilatência, ''[[alétheia]]''" (3).
+
: [[Forma]] é um dos [[conceitos]] mais complexos, pois pode ser tomado em muitos sentidos: ''[[eîdos]]'', ''[[morphé]]'', [[corpo]], [[ente]], [[objeto]], [[utensílio]], [[obra]], [[unidade]], [[organismo]]. Martin [[Heidegger]], em '''A Origem da Obra de Arte'''(1) trata da [[forma]] como ''Gestalt''. A melhor [[tradução]] desta [[palavra]] alemã é, certamente, [[figura]], mas ligada ao verbo latino ''fingere''. Nesse [[ensaio]], ele critica o [[conceito]] de [[forma]], ligado à [[interpretação]] da [[realidade]] tendo em vista o [[ente]] [[utensílio]] (a [[forma]] é uma das quatro [[causas]]). Por isso, a [[concepção]] da [[arte]] baseada nas [[formas]] pode gerar grandes [[problemas]] mais do que indicar uma [[reflexão]] sobre [[mistério]] que é a [[obra de arte]]. A [[figura]] como tal é a [[obra]], mas esta é pensada como a tensão de [[mundo]] e [[terra]]. No [[ensaio]] "A coisa" (2), [[Heidegger]] pensa a [[figura]] em tensão com o [[vazio]].  
 +
 
 +
: Jaa Torrano, por sua vez, se aproxima desse [[conceito]] ao definir assim [[forma]]: "É lícito recorrer à [[palavra]] '[[forma]]' para explicitar-se a noção de Deus(es), desde que se entenda por '[[forma]]' o [[princípio]] que possibilita toda manifestação. O que se manifesta na manifestação é o que por sua [[forma]] mesma ingressa no âmbito de ilatência. Eis o modo mais decisivo de os [[gregos]] antigos pensarem a [[verdade]]: ilatência, ''[[alétheia]]''" (3).
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
 
: Referências:
: Referências:
-
: (1) HEIDEGGER, Martin. ''A Origem da Obra de Arte''. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
+
: (1) [[HEIDEGGER]], Martin. '''A Origem da Obra de Arte'''. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
-
: (2) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: ''Ensaios e conferências''. Petrópolis: Vozes, 2002.
+
 
-
: (3) TORRANO, Jaa. ''O sentido de Zeus''. São Paulo: Iluminuras, 1996, p.17.
+
: (2) [[HEIDEGGER]], Martin. "A coisa". In: '''Ensaios e conferências'''. Petrópolis: Vozes, 2002.
 +
: (3) TORRANO, Jaa. '''O sentido de Zeus'''. São Paulo: Iluminuras, 1996, p.17.
: '''Ver também:'''
: '''Ver também:'''
-
: *[[Belo]]
+
: * [[Belo]]
== 2 ==
== 2 ==
-
:"Antecipando, podemos dizer que: a ''[[morphé]]'' é "dar-a-ver"; mais precisamente manter-se nisto que dá a ver, e compor-se nisso; numa palavra: a [[composição]] que se instala no [[aspecto]]. Em consequência, quando em seguida se trata simplesmente de 'aspecto', tratar-se-á sempre do aspecto que ''se'' dá a si-mesmo, e na [[medida]] em que se dá e se entrega nisto que cada vez é por um certo tempo (o 'aspecto' de 'mesa' nesta mesa aqui). Isto que cada vez é por algum tempo, chama-se assim porque é enquanto particular que se demora no aspecto do qual guarda o modo de [[permanência]] (a entrada na presença), e que é a partir de uma tal [[salvaguarda]] do aspecto que nele se mantém e nele sobressai - em grego: que ele ''é''" (1). (Trad. Manuel Antônio de Castro).
+
: "Antecipando, podemos dizer que: a ''[[morphé]]'' é "dar-a-ver"; mais precisamente manter-se nisto que dá a ver, e compor-se nisso; numa palavra: a [[composição]] que se instala no [[aspecto]]. Em consequência, quando em seguida se trata simplesmente de 'aspecto', tratar-se-á sempre do aspecto que ''se'' dá a si-mesmo, e na [[medida]] em que se dá e se entrega nisto que cada vez é por um certo tempo (o 'aspecto' de 'mesa' nesta mesa aqui). Isto que cada vez é por algum tempo, chama-se assim porque é enquanto particular que se demora no aspecto do qual guarda o modo de [[permanência]] (a entrada na presença), e que é a partir de uma tal [[salvaguarda]] do aspecto que nele se mantém e nele sobressai - em grego: que ele ''é''" (1). (Trad. Manuel Antônio de Castro).
-
:Referência:
+
: Referência:
-
:(1) HEIDEGGER, Martin. "Comment se détermine la physis". In: ''Questions II''. Paris: Gallimard, 1968, p. 234.
+
: (1) HEIDEGGER, Martin. "Comment se détermine la physis". In: '''Questions II'''. Paris: Gallimard, 1968, p. 234.
== 3 ==
== 3 ==
Linha 35: Linha 37:
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
 
: Referência:
: Referência:
-
: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Introdução à metafísica''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
+
: (1) HEIDEGGER, Martin. '''Introdução à metafísica'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
 +
 
: (2) Idem, p. 88.
: (2) Idem, p. 88.
-
==4==
+
== 4 ==
-
:Heidegger critica muito a definição do ente entendido como forma e [[matéria]] para apreender a essência da obra de arte. Mas o conceito principal é forma. No entanto, o abismo já constitui uma crítica muito profunda da forma. Uma consulta a Merleau-Ponty fornece dados que ajudam a perceber a complexidade da coisa através da reflexão sobre conceitos que são copertinentes (e o problema da proximidade e distância também entram junto a essa complexidade de conceitos). Não podemos pensar a forma separada do espaço e do tempo. Mas junto com estes vêm os outros conceitos: profundidade, [[volume]], luminosidade, visibilidade, ponto, [[horizonte]], lugar, linguagem, coisa, perspectiva, observador. Diz o texto: "Assim compreendida, a profundidade é mais propriamente a experiência da reversibilidade das dimensões, de uma 'localidade' global onde tudo está a um só tempo, cuja altura, cuja largura e cuja distância são abstratas, de uma voluminosidade que se exprime com uma palavra dizendo que uma coisa está lá. Quando Cézanne procura a profundidade, é essa deflagração do Ser que ele procura" (1). Experiência e ente talvez reúnam todos os conceitos em torno da forma. A questão da forma abordada por Merleau-Ponty parte já dos conceitos elaborados pela [[modernidade]]. Já Heidegger mostra que esses conceitos se afastam do que os gregos entendiam por ''morphé''.
+
: [[Heidegger]] critica muito a [[definição]] do [[ente]] entendido como [[forma]] e [[matéria]] para [[apreender]] a [[essência]] da [[obra de arte]]. Mas o [[conceito]] principal é [[forma]]. No entanto, o abismo já constitui uma [[crítica]] muito profunda da [[forma]]. Uma consulta a Merleau-Ponty fornece dados que ajudam a [[perceber]] a complexidade da [[coisa]] através da [[reflexão]] sobre [[conceitos]] que são copertinentes (e o [[problema]] da [[proximidade]] e [[distância]] também entram junto a essa complexidade de [[conceitos]]). Não podemos [[pensar]] a [[forma]] separada do [[espaço]] e do [[tempo]]. Mas junto com estes vêm os outros [[conceitos]]: [[profundidade]], [[volume]], luminosidade, visibilidade, ponto, [[horizonte]], [[lugar]], [[linguagem]], [[coisa]], [[perspectiva]], observador. Diz o [[texto]]:
 +
: "Assim compreendida, a [[profundidade]] é mais propriamente a [[experiência]] da reversibilidade das [[dimensões]], de uma 'localidade' [[global]] onde [[tudo]] está a um só [[tempo]], cuja altura, cuja largura e cuja distância são [[abstratas]], de uma voluminosidade que se exprime com uma [[palavra]] dizendo que uma [[coisa]] está lá. Quando Cézanne procura a [[profundidade]], é essa deflagração do [[Ser]] que ele procura" (1).
-
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
+
: [[Experiência]] e [[ente]] talvez reúnam todos os [[conceitos]] em torno da [[forma]]. A [[questão]] da [[forma]] abordada por Merleau-Ponty parte já dos [[conceitos]] elaborados pela [[modernidade]]. Já [[Heidegger]] mostra que esses [[conceitos]] se afastam do que os [[gregos]] entendiam por ''[[morphé]]''.
-
:Referência:
+
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
:(1) MERLEAU-PONTY, Maurice. ''O Olho e o Espírito''. Rio de Janeiro: Grifo, 1969, p.83.
+
: Referência:
 +
: (1) MERLEAU-PONTY, Maurice. '''O Olho e o Espírito'''. Rio de Janeiro: Grifo, 1969, p. 83.
-
:'''Ver também:'''
+
: '''Ver também:'''
-
 
+
-
:*[[#3|Forma - 3]]
+
-
 
+
 +
: * [[#3|Forma - 3]]
== 5 ==
== 5 ==
-
:O [[conceito]] de forma é difícil e complexo, a partir sobretudo de Aristóteles. A compreensão dela como algo objetivo e definido é um equívoco. Platão, ao pensar a obra como um corpo vivo, já mostra uma instabilidade da forma (embora não pense, talvez aparentemente, o [[código]]). Daí Emmanuel Carneiro Leão encaminhar a compreensão da forma destacando o [[vigor]], que, certamente, está na tensão [[limite]]/[[não-limite]], [[verdade]]/[[não-verdade]]. Diz: "ambas impregnam toda forma. Forma aqui não se opõe nem se exclui mas se compõe e inclui o conteúdo. A forma é o vigor da [[unidade]] do candelabro articulada nos primeiros versos. Nesse vigor a poesia faz brilhar a beleza do candelabro. Embora não acenda o candelabro, ela permite que apareça a luz de sua beleza" (1).  
+
: O [[conceito]] de [[forma]] é difícil e complexo, a partir sobretudo de [[Aristóteles]]. A [[compreensão]] dela como [[algo]] [[objetivo]] e definido é um [[equívoco]]. [[Platão]], ao [[pensar]] a [[obra]] como um [[corpo vivo]], já mostra uma [[instabilidade]] da [[forma]] (embora não pense, talvez aparentemente, o [[código]]). Daí Emmanuel Carneiro Leão encaminhar a [[compreensão]] da [[forma]] destacando o [[vigor]], que, certamente, está na tensão [[limite]]/[[não-limite]], [[verdade]]/[[não-verdade]]. Diz: "ambas impregnam [[toda]] [[forma]]. [[Forma]] aqui não se opõe nem se exclui, mas se compõe e inclui o [[conteúdo]]. A [[forma]] é o [[vigor]] da [[unidade]] do candelabro articulada nos primeiros versos. Nesse [[vigor]] a [[poesia]] faz brilhar a [[beleza]] do candelabro. Embora não acenda o candelabro, ela permite que apareça a [[luz]] de sua [[beleza]]" (1).  
-
:- [[Manuel Antônio de Castro]]
+
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
 
+
-
 
+
-
:Referência:
+
-
 
+
-
:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Existencialismo e Literatura". In: ''Aprendendo a Pensar''. Petrópolis, Vozes, 1977, p. 167.
+
 +
: Referência:
 +
: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Existencialismo e Literatura". In: '''Aprendendo a Pensar'''. Petrópolis, Vozes, 1977, p. 167.
== 6 ==
== 6 ==
-
:Todo [[vivente]] é uma forma da [[Vida]], todo [[sendo]] é uma forma do [[Ser]] e de ser, todo [[real]] é uma forma da [[realidade]]. Porém, só há forma poética quando nos viventes, nos sendos, nos reais, se fizer presente concretamente a [[linguagem]] e [[sentido]] do Ser, horizonte de referência e [[sentido]] das formas. A tal [[referência]] os gregos denominaram ''[[morphé]]''.
+
: Todo [[vivente]] é uma [[forma]] da [[Vida]], todo [[sendo]] é uma [[forma]] do [[Ser]] e de [[ser]], todo [[real]] é uma [[forma]] da [[realidade]]. Porém, só há [[forma]] [[poética]] quando nos [[viventes]], nos sendos, nos reais, se fizer [[presente]] [[concretamente]] a [[linguagem]] e [[sentido]] do [[Ser]], [[horizonte]] de [[referência]] e [[sentido]] das [[formas]]. A tal [[referência]] os [[gregos]] denominaram ''[[morphé]]''.
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
 
-
 
== 7 ==
== 7 ==
Linha 95: Linha 92:
: LISPECTOR, Clarice. ''A paixão segundo GH'', 3. e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1964, p. 11.
: LISPECTOR, Clarice. ''A paixão segundo GH'', 3. e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1964, p. 11.
-
 
-
 
== 9 ==
== 9 ==
Linha 105: Linha 100:
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.
 +
 +
== 10 ==
 +
: "A [[questão]] [[narrativa]] deve ser [[referenciada]] às [[questões]] e não e jamais às [[formas]], porque estas não passam do que no [[vigorar]] da [[presença]] implica a instável linha do [[limite]]. A [[forma]] é uma linha instável porque a [[realidade]], em seu [[vigorar]] incessante, em seu [[mudar]] irrefutável, não pode jamais ser reduzida  a um [[conceito]] e / ou a uma [[essência]] [[abstrata]], generalizante. A [[forma]] se baseia na [[concepção]] da [[obra]] como [[organismo]], um [[objeto]], cuja [[ação]] se determina pelo [[funcionar]] do [[sistema]] ou pela [[teoria]] em que se estabelece o que é [[organismo]]" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: .... .''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.
 +
 +
== 11 ==
 +
: "Toda [[presença]], [[operar]] da [[palavra cantada]], enquanto [[ritmo]], se faz presente como [[vigorar]] [[poético]] manifestativo, como [[doação]] ([[presente]]). Por isso, toda [[forma]], enquanto [[poética]], é [[musical]]. A [[palavra cantada]] não é algo que acontece ou não em nossa [[vida]], somos [[radicalmente]] [[musicais]]" (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 180.
 +
 +
== 12 ==
 +
: "Pensando o [[sentido do Ser]] a partir do [[nada]], projeta em novos [[horizontes]] o [[entendimento]] [[tradicional]] da [[arte]], baseado nas [[formas]] ou na [[sensibilidade]] (''[[aisthesis]]''); Seu [[vocabulário]] vai-se depurando da carga [[técnico]]-[[conceitual]], passando a elaborar seu [[pensamento]] numa [[linguagem]] mais [[simples]], [[profunda]] e imantizada pelo [[pensamento]] [[poético]] (A título de exemplo, leia-se “O [[caminho]] do [[campo]]” e "A [[coisa]]") (1).
 +
 +
 +
: Referência:
 +
 +
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte em questão: as questões da arte'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 32.

Edição atual tal como 23h08min de 20 de Abril de 2024

0

Consulte morphé e morphe

1

Forma é um dos conceitos mais complexos, pois pode ser tomado em muitos sentidos: eîdos, morphé, corpo, ente, objeto, utensílio, obra, unidade, organismo. Martin Heidegger, em A Origem da Obra de Arte(1) trata da forma como Gestalt. A melhor tradução desta palavra alemã é, certamente, figura, mas ligada ao verbo latino fingere. Nesse ensaio, ele critica o conceito de forma, ligado à interpretação da realidade tendo em vista o ente utensílio (a forma é uma das quatro causas). Por isso, a concepção da arte baseada nas formas pode gerar grandes problemas mais do que indicar uma reflexão sobre mistério que é a obra de arte. A figura como tal é a obra, mas esta é pensada como a tensão de mundo e terra. No ensaio "A coisa" (2), Heidegger pensa a figura em tensão com o vazio.
Jaa Torrano, por sua vez, se aproxima desse conceito ao definir assim forma: "É lícito recorrer à palavra 'forma' para explicitar-se a noção de Deus(es), desde que se entenda por 'forma' o princípio que possibilita toda manifestação. O que se manifesta na manifestação é o que por sua forma mesma ingressa no âmbito de ilatência. Eis o modo mais decisivo de os gregos antigos pensarem a verdade: ilatência, alétheia" (3).


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
(2) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.
(3) TORRANO, Jaa. O sentido de Zeus. São Paulo: Iluminuras, 1996, p.17.
Ver também:
* Belo

2

"Antecipando, podemos dizer que: a morphé é "dar-a-ver"; mais precisamente manter-se nisto que dá a ver, e compor-se nisso; numa palavra: a composição que se instala no aspecto. Em consequência, quando em seguida se trata simplesmente de 'aspecto', tratar-se-á sempre do aspecto que se dá a si-mesmo, e na medida em que se dá e se entrega nisto que cada vez é por um certo tempo (o 'aspecto' de 'mesa' nesta mesa aqui). Isto que cada vez é por algum tempo, chama-se assim porque é enquanto particular que se demora no aspecto do qual guarda o modo de permanência (a entrada na presença), e que é a partir de uma tal salvaguarda do aspecto que nele se mantém e nele sobressai - em grego: que ele é" (1). (Trad. Manuel Antônio de Castro).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Comment se détermine la physis". In: Questions II. Paris: Gallimard, 1968, p. 234.

3

"O que se põe em seus limites, integrando-os em sua perfeição e assim se mantém, possui forma, morphé. A forma, entendida como os gregos a entendiam, retira sua essencialização de um pôr-se-a-si-mesma-dentro-dos-limites (Sich-in-die-Grenze-stellen)" (1). A forma, entendida dentro do pensamento grego, está diretamente ligada à questão do télos e do limite. Télos se traduz geralmente como fim: "Mas 'fim' não é entendido aqui no sentido negativo, como se alguma coisa já não continuasse e sim findasse e cessasse de todo. Fim é conclusão no sentido do grau supremo de plenitude. No sentido de perfeição. Pois bem, limite e fim constituem aquilo em que o ente principia a ser. São os princípios do ser de um ente" (2).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
(2) Idem, p. 88.

4

Heidegger critica muito a definição do ente entendido como forma e matéria para apreender a essência da obra de arte. Mas o conceito principal é forma. No entanto, o abismo já constitui uma crítica muito profunda da forma. Uma consulta a Merleau-Ponty fornece dados que ajudam a perceber a complexidade da coisa através da reflexão sobre conceitos que são copertinentes (e o problema da proximidade e distância também entram junto a essa complexidade de conceitos). Não podemos pensar a forma separada do espaço e do tempo. Mas junto com estes vêm os outros conceitos: profundidade, volume, luminosidade, visibilidade, ponto, horizonte, lugar, linguagem, coisa, perspectiva, observador. Diz o texto:
"Assim compreendida, a profundidade é mais propriamente a experiência da reversibilidade das dimensões, de uma 'localidade' global onde tudo está a um só tempo, cuja altura, cuja largura e cuja distância são abstratas, de uma voluminosidade que se exprime com uma palavra dizendo que uma coisa está lá. Quando Cézanne procura a profundidade, é essa deflagração do Ser que ele procura" (1).
Experiência e ente talvez reúnam todos os conceitos em torno da forma. A questão da forma abordada por Merleau-Ponty parte já dos conceitos elaborados pela modernidade. Já Heidegger mostra que esses conceitos se afastam do que os gregos entendiam por morphé.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. Rio de Janeiro: Grifo, 1969, p. 83.
Ver também:
* Forma - 3

5

O conceito de forma é difícil e complexo, a partir sobretudo de Aristóteles. A compreensão dela como algo objetivo e definido é um equívoco. Platão, ao pensar a obra como um corpo vivo, já mostra uma instabilidade da forma (embora não pense, talvez aparentemente, o código). Daí Emmanuel Carneiro Leão encaminhar a compreensão da forma destacando o vigor, que, certamente, está na tensão limite/não-limite, verdade/não-verdade. Diz: "ambas impregnam toda forma. Forma aqui não se opõe nem se exclui, mas se compõe e inclui o conteúdo. A forma é o vigor da unidade do candelabro articulada nos primeiros versos. Nesse vigor a poesia faz brilhar a beleza do candelabro. Embora não acenda o candelabro, ela permite que apareça a luz de sua beleza" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Existencialismo e Literatura". In: Aprendendo a Pensar. Petrópolis, Vozes, 1977, p. 167.

6

Todo vivente é uma forma da Vida, todo sendo é uma forma do Ser e de ser, todo real é uma forma da realidade. Porém, só há forma poética quando nos viventes, nos sendos, nos reais, se fizer presente concretamente a linguagem e sentido do Ser, horizonte de referência e sentido das formas. A tal referência os gregos denominaram morphé.


- Manuel Antônio de Castro

7

"A forma é uma linha instável porque a realidade, em seu vigorar incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um conceito e/ou a uma essência abstrata, generalizante. A forma se baseia na concepção da obra como um organismo, um objeto, cuja ação se determina pelo funcionar do sistema ou pela teoria em que se estabelece o que é organismo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.

8

"Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma , nada me existe. E - se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece, mas só acontece o que eu compreendo - que sei do resto? o resto não existiu. Quem sabe nada existiu" (1).
Referência:
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo GH, 3. e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1964, p. 11.

9

"Para e no sagrado é estranha e inadmissível a distinção de superior e inferior. E é então que ele se distancia cada vez mais, um distanciamento que consiste, em verdade, no seu esquecimento e perda de sentido. O esquecimento do ser, do sentido do que somos, é o esquecimento do sagrado. Que é a arte hoje senão o testemunho pungente desse esquecimento? Assim se pensa. Mas não seria a verdadeira arte o testemunho vigoroso da presença constante do sagrado, pois não é a essência da arte o sagrado? Quanta obra de arte vazia, tentando, inutilmente, preencher esse esquecimento pelo jogo fútil e mirabolante das formas técnicas. Mas ainda serão essas obras obras de arte? Não serão meros jogos formais que fazem a alegria e fortuna dos donos de galerias?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.

10

"A questão narrativa deve ser referenciada às questões e não e jamais às formas, porque estas não passam do que no vigorar da presença implica a instável linha do limite. A forma é uma linha instável porque a realidade, em seu vigorar incessante, em seu mudar irrefutável, não pode jamais ser reduzida a um conceito e / ou a uma essência abstrata, generalizante. A forma se baseia na concepção da obra como organismo, um objeto, cuja ação se determina pelo funcionar do sistema ou pela teoria em que se estabelece o que é organismo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: .... .Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 226.

11

"Toda presença, operar da palavra cantada, enquanto ritmo, se faz presente como vigorar poético manifestativo, como doação (presente). Por isso, toda forma, enquanto poética, é musical. A palavra cantada não é algo que acontece ou não em nossa vida, somos radicalmente musicais" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 180.

12

"Pensando o sentido do Ser a partir do nada, projeta em novos horizontes o entendimento tradicional da arte, baseado nas formas ou na sensibilidade (aisthesis); Seu vocabulário vai-se depurando da carga técnico-conceitual, passando a elaborar seu pensamento numa linguagem mais simples, profunda e imantizada pelo pensamento poético (A título de exemplo, leia-se “O caminho do campo” e "A coisa") (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 32.